Só no final de maio é que os portugueses souberam que a ESI tinha um “buraco” superior a dois mil milhões de euros. Mas o Banco de Portugal sabia dele em dezembro. Nessa altura, segundo o dossier BES publicado pelo Expresso, em 16-11-2014, investidores tinham financiado a ESI sem sonhar dessa diferença nas contas.
Documento: Carta
Data: 23 de dezembro de 2013
De: Banco de Portugal, Pedro Duarte Neves (vice-governador)
Para: Ricardo Salgado, presidente do Conselho de Administração do Espírito Santo Financial Group. C.C. para presidentes do Conselho de Administração do BES e das comissões de auditoria do ESFG e BES
É uma carta longa e com uma lista de exigências. Muitas. Dezassete. Muitas nunca seriam cumpridas pelo Grupo Espírito Santo. Mas muitas dessas exigências revelam, isso sim, que o Banco de Portugal tinha muita informação sobre a Espírito Santo International (ESI), a segunda “holding” da cascata da família Espírito Santo, que controlava a RioForte, a ESFG e o BES. E que tinha as contas falseadas, pelo que afinal estava insolvente. Só que isso ainda não era público. Só o sabia o Banco de Portugal. Que nada disse durante seis meses. Nem à CMVM.
Em dezembro de 2013, a Espírito Santo International já estava no radar do Banco de Portugal, que já tinha fortes indícios de que as suas contas não representavam a realidade da situação da empresa. Só mais de um mês depois, a 30 de janeiro, a auditora KPMG haveria de confirmar o desvio nas contas, que apontava para passivo não contabilizado e ativos sobreavaliados (se existentes) num total de quase 2,5 mil milhões de euros. Esse é “o” buraco que acabaria por arrastar todo o grupo, o banco e família Espírito Santo alguns meses depois. Mas que era conhecido pelo BdP e pela KPMG no fim de janeiro, embora só no final de maio, por intermédio do prospeto de aumento de capital do BES, se soubesse publicamente das irregularidades das contas. E só por uma notícia do Expresso posterior se soube da sua dimensão. Mas já em dezembro o Banco de Portugal tinha na sua posse as contas do descalabro da Espírito Santo International, como demonstra esta carta. O resto foi confirmação.
Por outro lado, em dezembro já o BES tinha colocado largas de centenas de milhões de euros de dívida da ESI junto de clientes de retalho.
Na carta enviada pelo vice-governador Pedro Duarte Neves ao presidente da ESFG Ricardo Salgado, são colocadas uma série de condições: dezassete, para sermos precisos. Numa, é pedida “explicação detalhada sobre a diferença identificada nas contas da ESI (1,3 mM€ referente a dez12)”. Noutra, é pedida explicação sobre diferenças nas rubricas de ativos no valor de 1.080 milhões de euros. E assim o BdP deixa claro que sabia do desvio que mais tarde Ricardo Salgado reconheceria mas atribuiria ao técnico de contas.
A carta diz ainda que as vendas dos ativos da ESI que estava em curso teriam de reverter obrigatoriamente para uma conta à ordem (conta “escrow”) que “deve ser exclusivamente destinada ao reembolso da divida emitida pela ESI e detida por clientes do BES na sequência da colocação na respetiva rede de retalho”.
É também aqui que o Banco de Portugal fala na Eurofin, que mais tarde estaria no centro de uma operação triangulada que lesou o BES em cerca de 1,2 mil milhões de euros em favor do GES. A operação só seria descoberta em julho de 2014, nas vésperas da resolução do banco, mas já em dezembro o Banco de Portugal tinha suspeitas sobre a Eurofin, quando pede “informação detalhada sobre os investimentos realizados pela ESI e pela ES Resources em ‘produtos’ da Eurofin”.
Anexo carta do Banco de Portugal (CR/2Oi3/OOO3S75S) de 23 de dezembro de 2013