Cresce o coro de indignação sobre a má qualidade da liderança política e empresarial portuguesa
Com a PT na mira, o ministro da Economia foi duro: há uma cultura empresarial dominada por gestores com “estatuto de inimputabilidade”. O que dizem os casos PT e BES da gestão em Portugal? Pais do Amaral, António Nogueira Leite e outros gestores e especialistas respondem.
De repente tudo mudou. Aquilo que seis meses antes faria um analista político ou económico que ousasse dizê-lo seguirem directos para um manicómio aconteceu. O BES ruiu como um castelo de cartas, cascata a cascata tal como as empresas da família Espírito Santo, e a PT é apenas uma sombra do gigante que sonhou dominar o mercado lusófono. Estas hecatombes ficam umbilicalmente ligadas a Ricardo Salgado, ex-Dono Disto Tudo, e Zeinal Bava, um ícone da nova geração empresarial. Quando dois dos mais emblemáticos gestores em Portugal caem em desgraça, o que é que isso quer dizer da qualidade da gestão no país?
A Renascença foi à procura desta e de outras respostas, numa edição recente, junto de gestores e de elementos das escolas de gestão para fazer um raio X à actividade e ao impacto que estes casos têm para a credibilidade de quem gere as empresas no país.
Com o caso PT na mira, o ministro da Economia, António Pires de Lima, denunciou uma cultura empresarial dominada por gestores com “estatuto de inimputabilidade”.
Miguel Pais do Amaral, “chairman” da Prisa (o grupo espanhol que controla a TVI), dono da Leya e accionista de outras tantas empresas, não tem dúvidas em separar águas: há a gestão e há os casos de polícia.
“O que se passou tanto no grupo GES como na PT não tem a ver nem com gestão, nem com estratégia. Tem a ver com questões muito mais graves. Os tribunais dirão o que acontecerá. Agora o regulador, o Banco de Portugal, foi claro: foi fraude”, afirma.
“Houve incapacidade de funcionar dentro das leis [no caso da PT e do BES]. O que se passou é de bradar aos céus. Agora, generalizar a outras empresas não faz sentido”, conclui.
Maddoff e a Justiça para evitar o clássico “são todos iguais”
Numa época em que Portugal necessita avidamente de investimento estrangeiro que impacto é que estes casos têm lá fora? “Estou em contacto permanente com investidores estrangeiros e todos com quem falo estão de cabelo em pé com o que se passou no BES e na PT”, revela Pais do Amaral.
“Curiosamente estão muito mais de cabelos em pé os investidores internacionais do que os comentadores nos órgãos de comunicação portugueses que parecem achar que as coisas estão normais ou, pelo menos, não se chocam, nem se mostram incrédulas”, remata.
O gestor que está na corrida à compra da TAP compara estes casos a Maddoff, nos Estados Unidos da América, para dizer que o capitalismo necessita de uma justiça célere para funcionar.
“Se os tribunais demorarem dez anos a apurar responsabilidades, a opinião pública portuguesa vai achar que todos os gestores portugueses são iguais”, evidencia.
“Muita gente da minha geração falhou no plano moral”
Um homem que já esteve na banca, com uma passagem curta pela Caixa Geral de Depósitos, e que é agora professor no mestrado de Economia da Universidade Nova de Lisboa não tem dúvidas que a “inimputabilidade” de que Pires de Lima falava não merece contestação. Pelo menos dentro de um determinado clube.
“Até há pouco tempo havia – e ainda agora há – pessoas que, pela condição social, pelo passado, ou pela família a que pertencem, pensavam que estão acima da lei. É algo de errado, algo que devemos combater”, frisa António Nogueira Leite.
“Houve muita gente na minha geração que falhou no plano moral. Demasiada gente, parece-me”, constata.
Nogueira Leite é responsável na Nova pela cadeira de gestão corporativa e diz que não basta ter um bom modelo de gestão: “É preciso que se tenha boas pessoas com os instintos certos e os princípios correctos”.
O professor olha para os estudos internacionais sobre a qualidade de gestão e diz que não colocam Portugal num patamar muito abonatória. “É um pouco irónico porque Portugal tem boas escolas de gestão, tem gestores que funcionam bem em ambientes muito competitivos internacionalmente e depois possui uma prática doméstica que não compara bem com os melhores exemplos”, constata.
Então o que se passa? “Haverá aqui algo de cultural na forma com a sociedade portuguesa está organizada e os compromissos que explicam por que é que pessoas capazes cometem erros que principiantes não cometem”, responde.
Foi a ética que falhou. Não a técnica
“A gestão em Portugal é bastante boa”. A frase é de Jorge Armindo, administrador da Amorim Turismo. Não confunde casos com o caso no todo.
“Foi a questão de ética e de valores que falhou. Acho que do ponto de vista da eficiência técnica temos gestores bem preparados e as universidades preparam-nos bem. Às vezes, acontecem alguns percalços que têm muito mais a ver com as atitudes do que com a qualidade das pessoas”, sintetiza.
Sobre algumas vozes que se levantam pedindo mais facilidades para despedir gestores que revelem incompetência reiterada sem ter de pagar indeminizações milionárias, confessa-se céptico.
“Como princípio concordo, mas há casos e casos. Os accionistas devem ter a possibilidade de cortar o vínculo com os gestores sem terem de estar a segurá-lo até ao fim do mandato. Mas isso existe em todo o mundo é uma prática generalizada”.
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