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É a pergunta de milhares de milhões. Um ano depois dos piores resultados da história empresarial portuguesa, que levaram à primeira resolução bancária na Europa, não se conhecem as perdas do BES mau.
Passavam poucos minutos das nove da noite do dia 30 de julho de 2014, quando deu entrada no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o comunicado com os resultados semestrais do Banco Espírito Santo (BES). Os números eram piores do que o cenário mais negro e anunciavam o maior prejuízo de sempre na história empresarial portuguesa: 3.600 milhões de euros.
Na mesma noite, o Banco de Portugal divulga um comunicado arrasador. Forçado a recuar nas garantias públicas dadas poucas semanas antes sobre a solidez do BES, assente na famosa almofada financeira, o órgão liderado por Carlos Costa intervém no banco perante a suspeita da prática de ilícitos criminais e afasta administradores que vinham da equipa de Ricardo Salgado. O economista Vítor Bento liderava a instituição há apenas duas semanas.
A partir deste dia, o destino do BES estava traçado. Perante a impossibilidade de captar investidores, as cotações afundaram-se mais de 50% nos dias seguintes, a resolução já estava em marcha. O ultimato do Banco Central Europeu (BCE), as conversas com Bruxelas, os conselhos de ministros pormail, os assessores financeiros e jurídicos a trabalhar em contrarelógio no fim-de-semana. Tudo para apresentar a solução ao país antes de os mercados abrirem. O domingo, 3 de agosto, ficou para a história como a data de resolução do BES, embora o anúncio tivesse resvalado para a madrugada segunda-feira.
A decisão foi experimental no quadro da união bancária europeia e as ondas de choque ao nível dos sistemas judicial e bancário continuam a fazer-se sentir. As réplicas de um sismo financeiro de forte intensidade, mas cujo grau ainda não está identificado.
E um ano depois, mesmo após uma comissão parlamentar de inquérito exaustiva, uma das perguntas mais óbvias continua sem resposta. Afinal, qual é a dimensão do buraco do BES? Quando foi nacionalizado, em 2008, o Banco Português de Negócios (BPN) tinha uma situação líquida negativa de 1.800 milhões de euros, que se foi degradando até à reestruturação que antecedeu a venda. Sendo o BES dez vezes maior do que era o BPN (em quota de mercado e clientes), pode-se esperar uma perda de dimensões épicas. A fatura do BPN está a ser paga pelos contribuintes e a do BES será paga por credores, acionistas e, possivelmente, a banca.
As contas do BES. Em fevereiro estavam por dias, mas ainda não saíram
A primeira resposta será contabilista. O balanço zero do Banco Espírito Santo e as contas de 2014 permitirão revelar a dimensão do buraco que resulta da diferença entre os ativos e as perdas e passivos. Nas suas primeiras, e até agora únicas, explicações, o presidente do BES admitia que o ativo líquido seria muito inferior ao bruto. Luís Máximo dos Santos reconheceu que o capital próprio (situação líquida) será “claramente negativo e num valor muito significativo”.
Na audição na comissão parlamentar de inquérito, a 5 de fevereiro deste ano, o presidente do BES manifestava a expectativa de que as primeiras contas estariam em condições de ser divulgadas nos dias seguintes. É a “minha primeira prioridade”, disse Máximo dos Santos aos deputados, apontando para um prazo indicativo de 15 dias.
O gestor indicado pelo Banco de Portugal lembrava que o processo de apuramento dos resultados envolvia várias entidades: BES e o auditor, a KPMG, o Banco de Portugal e a PricewaterhouseCoopers (PwC), a auditora que fez a primeira avaliação de passivos e ativos no quadro da resolução, para além do Novo Banco.
Ainda no final de fevereiro, o BES respondia à comissão de inquérito com indicação de que os documentos estavam a ser ultimados e aguardavam validação do Banco de Portugal. Cinco meses depois, as contas e o balanço zero ainda não são públicos.
“O BES tem estado a preparar, em articulação com o Banco de Portugal, a preparação do seu balanço, em função da medida de resolução aplicada ao BES a 3 de agosto de 2014 que determinou a transferência de determinados ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais do BES para o Novo Banco, esperando assim poder contribuir para que os investidores e o mercado em geral possam ter acesso a informação mais completa e segura sobre a situação do BES.”
Este foi o primeiro esclarecimento dado ao Observador pela instituição. Numa segunda resposta de 17 de julho sobre a data da divulgação, o BES declarou que esperava “poder divulgar os documentos de prestação de contas relativos ao exercício de 2014 no mais breve prazo possível, contudo ainda não nos é possível indicar uma data.” Pouco revelador, mas ainda mais esclarecedor do que o Banco de Portugal que respondeu a todas as perguntas do Observador com “não comentamos”.
Apesar de insistir que as contas teriam de ser divulgadas primeiro ao mercado, Máximo dos Santos deixou na sua audição no Parlamento algumas pistas que podem dar uma ideia do buraco da instituição à qual não gosta de chamar “banco mau”.
- O essencial dos ativos do BES são os créditos sobre as empresas do Grupo Espírito Santo e as participações acionistas e as filiais internacionais do Banco Espírito Santo (BESA, Espírito Santo Bank, Mosa Bank, Banco Espírito Santo e La Venetie, Banco Aman).
- A filial mais valiosa, o BESA (Banco Espírito Santo Angola), estava valorizada em 273 milhões de dólares, mas passou a zero depois da intervenção do Banco Nacional de Angola. A provisão para o financiamento ao BESA ficou no BES, mas o crédito propriamente dito (do qual foi possível recuperar 20%) foi para o Novo Banco.
- O passivo do BES inclui responsabilidades sobre créditos subordinados, incluindo obrigações desta categoria, passivos contingentes (a provisão de 668 milhões para o reembolso de papel comercial), que só se transformam em responsabilidades depois de decisões judiciais contra o BES, o empréstimo da Oak Finance de 834 milhões de dólares, cartas de conforto a entidades públicas da Venezuela.
- Máximo dos Santos reconhece que apesar de ter herdado a provisão, que tinha sido constituída por ordem do Banco de Portugal, o BES não tem recursos para pagar o papel comercial do GES vendido a clientes de retalho.
- A exposição direta do BES à dívida das empresas do GES era de 1.100 milhões de euros. O valor sobe para 1.600 milhões de euros quando incluímos a exposição das filiais.
- A percentagem de recuperação destes ativos é baixa. Em alguns casos (Rioforte) será de 15%, em outros será nula, em algumas empresas viáveis será mais significativa.
- Até fevereiro, o BES tinha reclamado créditos de 530 milhões de euros junto de empresas em processos de insolvência.
- Antes da resolução o BES tinha um capital próprio positivo de 2.800 milhões de euros. Os ajustamentos impostos pela PwC, que fez a avaliação preliminar dos ativos transferidos, tiveram um valor negativo de 3.500 milhões de euros. Desde então tiveram de ser registadas mais imparidades e provisões.
A metafísica dos prejuízos reais e potenciais
Se o apuramento dos resultados do Banco Espírito Santo se está a revelar muito mais difícil e demorado do que previa o seu presidente, então a comparação entre os prejuízos para acionistas e credores que resultam da resolução e de um potencial cenário de insolvência, “é um estudo quase metafísico”, admitiu Máximo dos Santos.
“É um estudo que eu acho de uma complexidade barroca, mas que seguramente é uma obrigação da lei, uma peça chave e que vai ter de ser feito para se apurar as contas”.
O ponto de partida serão as contas do próprio Banco Espírito Santo. A entidade independente que vai fazer a avaliação ainda não foi anunciada, a escolha é do Banco de Portugal, mas a fatura (mais uma) cairá no BES. A lei fala num “prazo razoável” para concluir este estudo. Fontes do mercado apontam para a PwC, a auditora que já tinha tido a missão de efetuar a primeira avaliação de ativos e passivos quando se separou o Novo Banco do BES.
O estudo corre o risco de se revelar uma equação quase impossível. Antes de mais, porque não existe qualquerbenchmark, nacional ou internacional, para este exercício. A resolução do BES foi uma estreia na união bancária europeia e vai servir de teste a este e muitos outros pontos. Por outro lado, a norma que define esta obrigação no Regime Geral de Crédito das Instituições Financeiras não estabelece qualquer procedimento ou critérios para a missão.
O que se sabe é que terá de ser feita uma avaliação do Banco Espírito Santo, e dos respetivos ativos, passivos e responsabilidades, no dia 2 de agosto de 2014, e partir daí para a construção de uma projeção fundamentada do que seria um processo de insolvência para credores e acionista, se a liquidação tivesse avançado. E depois comparam-se os números com o resultado da aplicação da medida de resolução para os credores. Os prejuízos que resultam da resolução têm de ser menores do que os infligidos por um cenário de potencial insolvência, que seria certamente a maior da história judicial portuguesa.
inda assim, há obstáculos a uma conta favorável para a resolução. O BES a 2 de agosto de 2014 tinha apresentado um prejuízo de 3.600 milhões de euros, vinha de uma desvalorização em bolsa de mais de 50% e apresentava uma crise aguda de liquidez que não lhe permitira continuar de portas abertas sem financiamento de emergência da ELA (linha do Banco Central Europeu). Mas tinha ativos. Depósitos dos clientes e as suas garantias, imóveis, participações financeiras, títulos vários, créditos fiscais.
Como se portaram as cotações do BES até à suspensão da cotação

até os seus acionistas, apesar das perdas colossais do último mês, tinham alguma coisa. Quando foram suspensas, as ações do BES negociavam a 12 cêntimos, valorizando o banco em 675 milhões de euros. Os acionistas e os credores subordinados (onde se incluem transações com partes relacionadas) são os últimos elos da cadeia de credores numa insolvência.
Um dia depois, a aplicação da medida de resolução separou o banco bom do banco mau. Tudo o que era ativo, negócio e receita potencial ficou no Novo Banco. Tudo o que era passivo, responsabilidade, provisão e perdas relacionadas com o Grupo Espírito Santo, ficou no BES. Quando o principal ativo do BES são os empréstimos concedidos a empresas do Grupo Espírito, muitas das quais foram já declaradas insolventes, as possibilidades de recuperação de património são mínimas. O arresto de bens e participações do GES, ordenado pela justiça portuguesa, ainda cria mais entraves a um processo de recuperação, pela via da venda de ativos, que estava em curso.
Isso mesmo reconheceu o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Carlos Tavares, quando respondeu no Parlamento sobre as hipóteses de reembolso de papel comercial aos clientes de retalho, responsabilidade que, por ordem do Banco de Portugal, ficou no Banco Espírito Santo.
“Um ano depois, ainda não existem contas publicadas do BES, não têm o relatório dos auditores, mas conheço os grandes números e sei dizer que qualquer percentagem de reclamação de uma dívida que lá caia é ridícula ou irrisória”.
Não está, portanto, afastada hipótese de as contas concluírem que a resolução foi mais desfavorável do que teria sido a insolvência. É neste cenário que estão a apostar alguns dos processos que contestam os termos da resolução aplicada pelo Banco de Portugal e, sobretudo, a definição dos ativos que ficaram de um lado e do outro, ou dos que passaram do Novo Banco para o BES, já meses depois de aplicada a medida. Foi o que aconteceu ao empréstimo de 835 milhões de dólares, concedido pela Oak Finance ao banco português nos meses que antecederam o colapso. O veículo foi montado pela Goldman Sachs que depois o “vendeu” a investidores internacionais, onde estão fundos de investimento e fundos de pensões. Estes credores estão dispostos, e têm os meios para o fazer, a mover uma guerra sem quartel ao BdP.
E o que acontece se a avaliação der razão a estes queixosos? Sobra mais uma potencial bomba para o sistema bancário português. O Regime Geral das Instituições de Crédito é claro, quem tem de cobrir o prejuízo e indemnizar os investidores é o Fundo de Resolução.
A venda do Novo Banco é outro fator que poderia aliviar esta fatura, mas apenas no cenário mais do que cor de rosa em que o encaixe fosse superior a 4.900 milhões de euros, o montante que o Fundo de Resolução injetou no capital do “banco bom”. O valor remanescente seria nesse caso entregue ao BES. Mas este não é um cenário provável.
A liquidação será sempre o destino do BES, mas o processo só poderá arrancar quando estiver concluída a alienação do Novo Banco e deixar de existir aquele que é agora um banco de resolução. Até lá, o BES não pode receber depósitos nem conceder crédito, mas mantém a licença bancária porque, no dia em que a perder, tal equivalerá a uma declaração de insolvência.
O primeiro teste à resolução. A venda do Novo Banco
“Caso a avaliação prevista no nº 14 determine que os acionistas, os credores (…) suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada, têm os mesmos direitos a receber essa diferença do Fundo de Resolução”.
A alienação do Novo Banco (NB) vai ser a prova de fogo à qualidade da solução encontrada para o Banco Espírito Santo e será o grande teste ao Banco de Portugal, cujas decisões e atuação têm sido quase totalmente orientadas para o êxito deste negócio. Afinal, a operação até serviu de argumento ao governo para reconduzir Carlos Costa no cargo com o argumento de que não se muda o vendedor do NB a meio da venda.
Se é relativamente consensual que a medida de resolução permitiu conter os efeitos da implosão do BES no sistema bancário, salvaguardando a estabilidade financeira, a venda do NB por um valor que não cumpra os mínimos, neste caso, reembolsar os 3.900 milhões de euros emprestados pelo Estado ao Fundo de Resolução, pode comprometer a recuperação da banca ou pior.
Os bancos terão de suportar a diferença entre o valor injetado no Novo Banco e o resultado da venda. As consequências desta imposição vão depender do montante dessa diferença – mil milhões não é o mesmo que dois mil milhões – mas também do tempo e das opções que forem dadas à banca para digerir a perda. E o silêncio do Banco de Portugal sobre o tema tem deixado os banqueiros à beira de um ataque de nervos, numa altura em que os bancos estão a tirar a cabeça fora de água e a apresentar os primeiros lucros depois da era da troika.
Das três propostas em cima da mesa, sabe-se que os valores oscilam entre os 3.500 e os 4.200 milhões de euros, mas não é seguro que estas ofertas signifiquem um encaixe líquido da mesma dimensão, na medida em que parte poderá incluir a recapitalização do Novo Banco. Na reta final de um longo processo de venda, que arrancou em dezembro de 2014, o Banco de Portugal faz os últimos esforços para os concorrentes subirem o preço, a ponto de permitir uma folga no calendário indicativo que apontava para o final de julho, ou seja, um ano após a resolução. O prazo para entrega das ofertas finais foi fixado a 7 de agosto, um deslize de uma semana que poderá ter impacto negativo no défice de 2014.
O Novo Banco vai continuar a ser uma marca branca?
A venda do NB não se esgota no resultado financeiro da transação. Qual vai ser o futuro para o banco de “marca branca”, como o ex-presidente, Ricardo Salgado, chamou ao Novo Banco? O que podem esperar os quase 8.700 colaboradores (contas de 2014), dos quais mais de sete mil estão em Portugal?
A única certeza que existe para já é a de que o comprador não será um banco. Se, do ponto de vista do posicionamento comercial e do know-how do negócio (o Novo Banco neste momento é sobretudo um banco de retalho), seria preferível uma instituição bancária, o facto de o comprador não ser um banco com presença em Portugal também pode ser visto como uma vantagem. Essa será a leitura dos trabalhadores, já que minimiza o efeito da reestruturação que terá de ser feita. Afastado ficou também o cenário de consolidação no mercado português, por via do Novo Banco, que foi posto em cima da mesa com o interesse do BPI e do Santander.
Entre os interessados, há dois que já têm investimentos em Portugal, designadamente no setor financeiro. A Fosun é dona da Fidelidade e da Luz Saúde, sendo que a maior seguradora portuguesa pode fazer parte de uma estratégia integrada de oferta de soluções financeiras, tirando partido de uma marca já forte em Portugal. Também o fundo de investimento americano Apollo poderá voltar a juntar a Tranquilidade com o antigo BES, maximizando as ligações comerciais entre o banco e a seguradora que eram do Grupo Espírito Santo. Mas as semelhanças entre os dois candidatos acabam aqui.
A Fosun é uma holding financeira cotada em Hong-Kong que tem vários investimentos, com destaque para o setor segurador. A Apollo é um fundo de investimento americano com um portfolio diversificado em termos de setores e geografias e que investe em empresas em stress financeiro.
A Anbang é o candidato menos conhecido em Portugal, mas também aquele que apresenta maior ligação ao negócio bancário, onde está sobretudo como investidor, com participações relevantes em bancos europeus e chineses. O grupo que é detido por investidores privados chineses é ainda muito forte no setor segurador.
A estratégia de reposicionamento no mercado português – vai o Novo Banco continuar a vender-se como o banco das empresas? O que vai acontecer à rede de 630 balcões numa altura em que os bancos fecham agências? – ; o regresso aos mercados internacionais que eram tão caros ao BES e a continuidade da equipa liderada por Eduardo Stock da Cunha, mais provável porque o novo acionista não é um banco, são questões que só os próximos meses podem responder. Mas a primeira prioridade do novo acionista deverá ir para o papel comercial.
Desatar o nó do papel comercial
A presença quase diária dos lesados do BES em protestos e invasões contra o Novo Banco não constitui o melhor cartão de visita para uma instituição que quer reconquistar a confiança do mercado e dos clientes. Stock da Cunha, atual presidente do NB, já o percebeu. Os futuros acionistas também já terão compreendido que a solução para este problema seria o melhor trunfo numa estratégia de relançamento da instituição, com a cara lavada.
O antigo BES chegou a criar uma provisão, por ordem do Banco de Portugal, para reembolsar estes investidores não qualificados, mas após a resolução, o regulador decidiu que estas responsabilidades eram de emitentes do GES e como tal deviam ficar no “banco mau”. Melhor sorte têm tido alguns clientes (incluindo emigrantes) que investiram em produtos ou títulos do próprio BES, para os quais têm sido encontradas algumas respostas.
Afastada uma resposta jurídica – a transferência da responsabilidade pelo papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo (GES) para o BES é uma decisão do Banco de Portugal, questionável, mas não contestável – só resta uma abordagem comercial, reconheceu Carlos Tavares no Parlamento. Mas o Banco de Portugal tem travado todas as propostas feitas pela administração do NB, invocando as condições que limitam qualquer solução que ameace os rácios de solidez ou a liquidez da instituição.
O balanço do Novo Banco tem vindo, aliás, a ser aliviado destas responsabilidades, com a eliminação das provisões que chegaram a ser constituídas para os produtos BES, em benefício direto dos rácios e resultados.
O presidente da CMVM revelou que pelo menos um dos três concorrentes contactou o regulador da bolsa, mostrando vontade de resolver o problema. O investimento em papel comercial (títulos de dívida) das empresas Rio Forte e Espírito Santo Internacional afeta 2.084 clientes de retalho do Banco Espírito Santo, cujo investimento por reembolsar ascende a 432 milhões de euros, segundo números da CMVM.
O supervisor da bolsa propôs uma possível solução comercial, que passaria pela troca do papel comercial por dívida subordinada emitida pelo NB, modalidade que, segundo Carlos Tavares, não teria impacto imediato na solidez financeira. Mas o Banco de Portugal voltou a recusar, considerando que esta troca não seria viável, dado o valor residual dos títulos de papel comercial depois de declarada a insolvência da Rioforte e da ESI.
“A solução nos termos apresentados pela CMVM não poderia aproximar-se das pretensões e expectativas que têm sido manifestadas pelos investidores quanto à recuperação do capital investido”, além de que constituiria um ato “lesivo” para o Novo Banco, defende o órgão liderado por Carlos Costa.
Sendo assim, só pode haver propostas consequentes com a entrada em cena do novo acionista que permitirá ao NB libertar-se das restrições e condicionamentos de um banco de transição, ainda que Bruxelas vá estar atenta porque este dossiê passou pela Direção-Geral da Concorrência da União Europeia.
Outra incógnita passa pela exposição do Novo Banco a um elevado risco de litigância, uma nuvem para o futuro dono, avisou já o auditor na opinião sobre as contas de 2014.
Os processos. Uma história sem fim
Entre seis a oito anos, ou mesmo 16 anos, segundo a Bloomberg, terá sido um prazo indicativo invocado pelos advogados que representam investidores internacionais para convencer o tribunal de Londres a julgar a ação no Reino Unido e não em Portugal. Perante esse horizonte, um ano representa ainda muito pouco na história dos litígios e processos que resultaram da implosão do Banco Espírito Santo.
O caso BES deu origem a três tipos de processos:
1. Os reguladores, sobretudo Banco de Portugal e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), estão a investigar processos de contraordenação;
2. O Ministério Público, através do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), investiga indícios da prática de crimes, um mega processo conhecido como “Universo Espírito Santo”, a partir de denúncias que chegaram dos reguladores, mas também de participações de entidades coletivas ou particulares;
3. Os tribunais administrativos, onde vão ser julgadas as contestações a decisões do Banco de Portugal em matéria de resolução, e os tribunais comuns que vão julgar as dezenas ou mais de ações cíveis, com pedidos de indemnização por responsabilidade civil.
Reguladores mais avançados
Os processos dos reguladores são os mais avançados. O Banco de Portugal já concluiu a fase de acusação do primeiro processo que visa Ricardo Salgado e outros ex-administradores do BES por gestão danosa e prestação de informação falsa com dolo. Os arguidos já responderam no exercício do contraditório e serão ouvidas as testemunhas indicadas por cada um. Em investigação estão, pelo menos, mais quatro processos de contraordenação, que resultaram das auditorias forenses conduzidas pela Deloitte. Todos eles detetaram indícios da prática de crimes que foram denunciados ao Ministério Público.
Venda de papel comercial da Espírito Santo Internacional (ESI) em fundos de investimento e diretamente aos clientes do BES, falsificação de contas, violação de ordens do Banco de Portugal, as relações do BES com o BESA (Banco Espírito Santo Angola) e as operações com veículos especiais intermediadas pela Eurofin, estão entre as matérias investigadas pelo Banco de Portugal.
A CMVM também tem em curso várias investigações e poderá concluir a primeira nota de acusação nos próximos meses, que deverá incidir sobre a violação por parte do Grupo BES dos deveres de intermediário financeiro na venda dos produtos do GES e do próprio BES.
As condenações dos reguladores são suscetíveis de recurso para o Tribunal de Concorrência, Supervisão e Regulação, em Santarém.
O novelo judicial
Em paralelo, mas com vasos comunicantes, correm os inquéritos judiciais. A justiça teve um arranque mais lento: as primeiras buscas de larga escala aconteceram em novembro do ano passado, mas os últimos meses têm sido mais férteis em diligências com mais buscas, arresto judicial de património e apreensão de bens (quadros, joias, carros), e a mais aguardada detenção para interrogatório do ex-presidente do BES.
Ricardo Salgado, a estrela deste processo, ficou em prisão domiciliária, mas sem pulseira, naquela que será, para já, a medida de coação mais pesada aplicada neste caso. O antigo banqueiro foi indiciado por factos suscetíveis de integrarem oscrimes de burla qualificada, falsificação de documentos, falsificação informática, branqueamento, fraude fiscal qualificada e corrupção no setor privado.
Salgado é um dos seis arguidos constituídos até agora, uma lista que inclui ainda Isabel Almeida, ex-diretora financeira do BES, José Castella, que foi tesoureiro do Grupo Espírito Santo (GES), António Soares, que foi diretor da BES Vida, Pedro Luís Costa, ex-administrador da Espírito Santo Ativos Financeiros, e Cláudia Boal de Faria, que trabalhou na área de vendas e estruturação de produtos do banco.
De fora, por enquanto e para surpresa de alguns, ficaram o contabilista mais famoso de Portugal, Machado da Cruz, que já confessou ter ocultado passivo da ESI por ordem de Salgado, e Amílcar Morais Pires. O ex-administrador financeiro era considerado o braço direito de Ricardo Salgado no banco e foi o sucessor escolhido pelo ex-líder do BES.
Segundo a Procuradoria, estão a correr no DCIAP cinco inquéritos criminais autónomos relacionados com o universo Espírito Santo, mas há mais 73 inquéritos apensos que resultam de queixas de pessoas que se consideram lesadas pela atividade desenvolvida pelo BES e pelo GES. Nos casos em que os queixosos se considerem lesados por atos que venham a ser considerados crimes, estes podem constituir-se assistentes do processo de forma a pedir indemnização, por danos provocados pelo crime.
As investigações estão a ser conduzidas por cinco magistrados do Ministério Público, que contam com uma equipa multidisciplinar de seis magistrados para matérias específicas (arresto de bens/recuperação de ativos, questões cíveis e de insolvência). As buscas envolvem o Ministério Público, a Polícia Judiciária e a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Ao lado dos inquéritos judiciais, estão a ser analisadas impugnações e contestações a decisões do Banco de Portugal, ao abrigo da resolução e que contestam a própria medida de resolução. Estas ações, que segundo fonte jurídica serão já cerca de 20, são apresentadas no Tribunal Administrativo, porque estão em causa decisões administrativas.
Aos tribunais civis chegam, ainda, ações de responsabilidade civil, que visam decisores individuais (como ex-administradores e ex-diretores), ao abrigo dos deveres fixados no código das sociedades comerciais, com pedidos de indemnização por danos ou prejuízos.
E a Portugal Telecom?
O universo Espírito Santo, que inclui o Banco Espírito Santo e o Grupo Espírito Santo, onde estão a Rioforte, a Espírito Santo Internacional e a Tranquilidade, é o principal alvo destas investigações, mas há outros casos dentro do caso BES. O mais famoso é o que envolve o investimento de 900 milhões de euros da Portugal Telecom na Rioforte, matéria que teve direito a um mini-inquérito na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do BES, com a audição de antigos administradores da operadora.
A operação PT/Rioforte e a informação dada aos acionistas sobre estes investimentos também estão a ser investigadas por reguladores, neste caso pela CMVM. No quadro dos processos de contraordenação, há participações à Procuradoria-Geral da República quando são detetados indícios de natureza criminal. É quase certo que isso acontecerá neste caso. A PGR só confirma que existem investigações em curso relacionadas com a PT, sem identificar os temas. Mas as diligêcncias não ficam por aqui.
A assembleia geral da Pharol, nova designação da PT SGSP, vota esta sexta-feira (31 de julho) em assembleia geral uma proposta da administração para avançar com uma ação por responsabilidade contra os antigos gestores da empresa que estiveram envolvidos na decisão de investir na área não financeira do GES. Entre eles estão gestores históricos como Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.
A aplicação em papel comercial da Rioforte (holding não financeira do GES) foi feita em abril de 2014, mas corresponde à renovação de investimentos da PT que começaram na ESI (Espírito Santo Internacional), sobretudo a partir de 2010. A responsabilidade da PT nesta operação, cuja perda já foi confirmada na insolvência da Rioforte, serviu de pretexto para a brasileira Oi, com quem a empresa portuguesa tinha acordado uma fusão, avançar com a venda da PT Portugal aos franceses da Altice.
Entre a intenção e as negociações, sabe-se hoje que a venda começou a ser discutida ainda em junho de 2014, o desfecho da operação acabou por ficar selado em janeiro deste ano, numa assembleia geral dramática, ainda que pouco participada. A reunião ficou marcada pelo desabafo do então vice-presidente da Ongoing, Rafael Mora, que foi um dos obreiros da fusão com a Oi e administrador da PT SGPS.
“Se fosse um bom negócio, não estávamos na situação em que estamos, evidentemente esta é uma situação para safar o que já está mal. Se fosse um bom negócio, não tinha acontecido a Rioforte, o 8 de setembro [aprovação dos novos termos da combinação de negócios entre PT SGPS e Oi], a necessidade de venda do ativo”.
A venda da PT Portugal, a operação portuguesa da Portugal Telecom, por 7.400 milhões de euros foi concretizada em junho. Os franceses da Altice escolheram portugueses para a gestão, mas os métodos e o estilo de gestão mudaram. Os primeiros a sentir a diferença foram os fornecedores, a quem a nova PT “convidou” a reduzir os preços. Os quadros do topo também vão sentir, com a anunciada redução de chefias e diretores. Não foram anunciados despedimentos.
Se a passagem da PT Portugal para os franceses foi célere, já no Brasil, nunca mais se ouviu falar da famosa consolidação do setor das telecomunicações, em nome da qual a Oi justificou a necessidade de alienar rapidamente a empresa portuguesa. O que resta da PT portuguesa, ex-PT SGPS, chama-se agora Pharol, e tem como ativo a participação na operadora brasileira Oi onde é a maior acionista. Entre os principais acionistas da Pharol, que continua cotada em Lisboa, estão o Novo Banco, a Ongoing e a Visabeira.