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“Nada justifica” que governo, banco central e CMVM “favoreçam os chamados ‘lesados do papel comercial’ face aos demais credores”, diz Miguel Reis
O memorando de entendimento assinado quarta-feira entre a associação representativa dos lesados do BES, os reguladores da banca e dos mercados e o governo é alvo de forte contestação e duras críticas por parte do grupo de obrigacionistas e acionistas do Banif. “Nada justifica que se privilegie os chamados ‘lesados do papel comercial’ por relação aos demais credores”, acusam.
Miguel Reis é o advogado que representa este conjunto de prejudicados pela resolução do Banif, que em meados de março interpôs no Tribunal Administrativo de Lisboa uma ação de impugnação da resolução e venda do banco madeirense ao Santander Totta. A sociedade de advogados Miguel Reis e Associados (MRA) também representa lesados do BES, integrando o consórcio para defesa dos investidores neste banco e sendo responsável por centenas de ações judiciais de emigrantes e obrigacionistas do BES.
“Parece-me que a assinatura de um memorando visando a discriminação de um grupo de credores do BES ofende o bem jurídico subjacente ao artº 229 do Código Penal“, começou por apontar Miguel Reis em declarações ao “Dinheiro Vivo”. O artigo citado estipula que “o devedor que, conhecendo a sua situação de insolvência ou prevendo a sua iminência e com intenção de favorecer certos credores em prejuízo de outros (…) é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, se vier a ser reconhecida judicialmente a insolvência”.
Desta forma, explica o advogado, “se a lei censura o devedor que favorece um credor por relação aos demais, não se entende que o governo patrocine caminhos que conduzem ao favorecimento de credores, com exclusão dos demais”.
Miguel Reis salienta que “nada justifica, nem do ponto de vista jurídico nem do ponto de vista político”, que o primeiro-ministro, o Banco de Portugal e a CMVM “favoreçam e privilegiem os chamados ‘lesados do papel comercial’ por relação aos demais credores, nomeadamente aos obrigacionistas e especialmente aos emigrantes, que foram, na sua maioria, enganados pelos mesmos funcionários do BES que hoje estão no Novo Banco”.
Para Miguel Reis, o memorando assinado esta semana com alguns lesados do antigo império de Ricardo Salgado talvez seja uma mera “manobra de propaganda não explicada”, pois não tem qualquer dúvida que “se se concretizar um qualquer acordo que abranja apenas um grupo de credores” então “estaremos perante um violento atentado ao Estado de Direito”, ainda para mais “num quadro em que o Banco de Portugal pretende que nem sequer os tribunais podem proferir sentenças contra o Novo Banco, que é quem tem o património do BES”.
O representante dos obrigacionistas e acionistas lesados pela resolução do Banif aponta por fim não compreender “que o Banco de Portugal tenha deliberado que todas as contingências da relação com o Banco Espírito Santo passem a ser da responsabilidade deste e não do Novo Banco e que, em paralelo, assine acordos com uma associação com quem não tem litígios judiciais. Menos se compreende ainda que o governo patrocine um acordo deste tipo”.