Arquivo para Outubro, 2016

Sérgio Monteiro fica mais três meses no Banco de Portugal para vender o Novo Banco

Segunda-feira, Outubro 31st, 2016

Citamos

Observador

Banco de Portugal estendeu o contrato com Sérgio Monteiro até final de janeiro, avança o Jornal de Negócios. A ideia é que o ex-governante lidere o processo de venda do Novo Banco até essa altura.

Sérgio Monteiro vai ficar até ao final de janeiro a concluir o processo de venda do Novo Banco, avança o Jornal de Negócios. O Banco de Portugal estendeu o contrato por mais três meses com o ex-governante. Ao que o Negócios apurou, o contrato de consultoria com Sérgio Monteiro terminava esta segunda-feira, mas a sua prestação de serviços à instituição pode terminar só no final de abril.

Sérgio Monteiro tem estado na linha da frente das conversações com os cinco candidatos à aquisição e com as autoridades europeias com voto na matéria. As propostas de compra vinculativas terão de ser apresentadas até ao final do dia 4 de novembro. Apesar de a decisão final ser da responsabilidade do Governo, é o ex-secretário de Estado que vai decidir qual é aquela que o Banco de Portugal prefere.

No último ano, Sérgio Monteiro recebeu 304,8 mil euros brutos pelos serviços que está a prestar ao Banco de Portugal. Este prolongamento do contrato vai custar mais 76,2 mil euros. Se a prestação de serviços se prolongar até 30 de abril, os custos adicionais ascendem a 152,4 mil euros.

O governador “invisível”

Sexta-feira, Outubro 28th, 2016

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RTP Opinião Rui Alves Veloso

Habituei-me, enquanto jornalista de economia, a lidar no terreno com o anterior governador do Banco de Portugal. Talvez por ser um ex-político, Vítor Constâncio falava com os jornalistas fundamentalmente por duas razões: por tudo e por nada!

Enquanto governador do Banco de Portugal, tinha agenda pública quase diária. Participou em inúmeras conferências e eventos do género nos quais falava longamente em público. No final, quase sempre, estava disponível para responder às perguntas dos jornalistas, fossem elas sobre os bancos ou sobre as inquietações acerca da economia do país.
Por obrigação do cargo, Vítor Constâncio respondeu horas a fio às perguntas dos deputados em comissões parlamentares intermináveis. Muitas vezes, no final, ainda parava para responder às perguntas dos jornalistas. Não está aqui em causa se Vítor Constâncio foi, ou não, um bom governador. Limito-me a constatar factos.

Depois Vítor Constâncio foi para Frankfurt, para vice-presidente do Banco Central Europeu. Não está aqui em causa se devia, ou não, ter ido depois dos casos que afetaram muito mais do que a reputação dos bancos portugueses. Foi para Frankfurt. Facto.

Em junho de 2010 chegou Carlos Costa. E logo na tomada de posse como governador do Banco de Portugal – a que assisti ao serviço da RTP – percebi que o estilo era diferente: menos político, mais discreto, menos à vontade com as câmaras, algo normal para quem nunca foi político.

O tempo confirmou a primeira impressão sobre Carlos Costa. Menos agenda pública, raros momentos para responder às perguntas dos jornalistas que acompanhavam os eventos públicos onde comparecia.

Depois veio a queda do império BES. E a resolução do Banif. E consequentes polémicas. Desde aí, e muito especialmente desde que foi reconduzido no cargo, a agenda pública de Carlos Costa tornou-se quase residual. Comparece às comissões parlamentares, onde responde às perguntas dos deputados. Mal seria se assim não fosse…

Nos poucos atos públicos em que marca presença nunca mais respondeu a jornalistas. Não faz conferências de imprensa. Não dá entrevistas a jornais, rádios ou televisões. O contacto com os jornalistas é feito apenas através de comunicados. O governador do Banco de Portugal não se expõe às perguntas dos jornalistas. Nem sobre os bancos nem sobre coisa alguma.

Não sabemos o que tem Carlos Costa a dizer sobre os problemas que persistem na banca que supervisiona, exceto quando responde a perguntas dos deputados. Não sabemos o que pensa do momento da economia do país. Não sabemos uma coisa tão simples como, por exemplo, o que acha da proposta de Orçamento do Estado. Não sabemos o que pensa. Porque nós, jornalistas, não temos sequer oportunidade de lhe perguntar.

O governador cumpre os seus deveres quando presta contas ao parlamento. Mas a imprensa é também um dos pilares da democracia. O trabalho dos jornalistas é fundamental para que a democracia seja mais forte e saudável. Carlos Costa não entende ou não quer entender isto.

Pessoalmente nada, mas mesmo nada, me move contra o governador. As poucas vezes que falei com ele achei-o uma pessoa extremamente afável, educada e bem preparada para o cargo. Mas considero extremamente negativo que insista em ser tão “invisível”.

Novo Banco. Modelo de venda escolhido só com propostas finais

Quinta-feira, Outubro 27th, 2016

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Dinheiro Vivo

António Ramalho já afirmou que o plano de reestruturação do NB está encerrado, mas se a venda não for concluída em 2016, há mais 500 funcionários que podem sair do banco

O Banco de Portugal só vai decidir qual o modelo de venda do Novo Banco – se venda direta a institucionais ou dispersão de parte do capital em bolsa – depois de os interessados na compra do banco de transição entregarem as suas propostas finais, apurou o DN/Dinheiro Vivo junto de fonte conhecedora do processo.

Os quatro interessados na venda direta – BPI, BCP, Apollo/Centerbridge e Lone Star – e o interessado na compra de uma parte do capital, os chineses do grupo Misheng, têm até 4 de novembro para entregar as suas propostas finais, segundo a data avançada pelo Expresso e confirmada pelo Dinheiro Vivo. Só depois é que o Banco de Portugal estará na posse de toda a informação relevante para decidir qual a melhor forma de vender o banco que nasceu dos ativos saudáveis do BES.

O Banco de Portugal esperava, no final deste mês, ter reunido todos os elementos técnicos que permitissem a tomada de uma decisão sobre o modelo de venda. O IPO do Novo Banco é uma opção que começa a ganhar força, com o interesse dos chineses do Misheng. O grupo quer uma participação que ronda os 50% do Novo Banco, a comprar diretamente; o resto do capital será vendido em bolsa numa segunda fase, que não terá de ser logo a seguir à venda a um investidor institucional – o modelo aprovado pela CMVM, que não quer ver o Novo Banco vendido numa operação em bolsa para particulares.

Com a entrega das propostas finais no início de novembro é possível manter o calendário de venda do Novo Banco até ao final do ano, cumprindo as metas do Banco de Portugal. Inicialmente o objetivo era definir o modelo de venda ainda no verão mas a decisão foi atrasada para que os interessados pudessem melhorar as suas propostas – que estão muito abaixo dos 4,9 mil milhões de euros que o Fundo de Resolução injetou no Novo Banco – e para que o BCP e o BPI pudessem estabilizar as suas bases acionistas, como noticiou o DN/Dinheiro Vivo.

O BCP está em negociações exclusivas para que a Fosun fique com 16,7% do capital e o BPI já aprovou a desblindagem dos estatutos que permite que a oferta pública de aquisição (OPA) do CaixaBank avance. O banco catalão aguarda agora as restantes autorizações regulatórias para registar a OPA mas o presidente executivo, Gonzalo Gortázar, já veio dizer que o foco é na compra da entidade liderada por Fernando Ulrich, não sendo certa a posição em relação ao banco de transição.

Se o Novo Banco não for vendido até ao final do ano terá de avançar com uma redução de mais 500 funcionários, mesmo depois do presidente do banco, António Ramalho, ter dito no Parlamento que o plano de reestruturação estava concluído. A decisão não é nova: o Banco de Portugal já tinha avisado que um atraso na venda obrigaria a uma reestruturação mais profunda e à redução de mais trabalhadores. E o ministro das Finanças, Mário Centeno, admitiu a Bruxelas que se o Novo Banco não estiver vendido até agosto de 2017 avançará para liquidação.

Proteger os contribuintes, afastar Sérgio Monteiro do Novo Banco

Quinta-feira, Outubro 27th, 2016

Citamos

Esquerda Net Opinião Adriano Campos

O contrato celebrado entre o Banco de Portugal e o ex-governante campeão das privatizações termina a 1 de novembro de 2016. A proteção dos contribuintes só estará garantida com o afastamento de Sérgio Monteiro do Novo Banco.

Em setembro de 2015, o Banco de Portugal justificava o novo adiamento na venda do Novo Banco pela falta de “condições adequadas em matérias de preço e de risco para o fundo de resolução” (recordemos que a falência do BES resultou na injeção de 3900 milhões de euros no Fundo de Resolução bancário por parte do Estado). Mais de um ano depois, o Banco de Portugal veio anunciar uma nova fase final de propostas de compra, enquanto a administração do Novo Banco avança com um agressivo plano de despedimentos.

Se há um ano tínhamos razões para temer uma enorme perda para os contribuintes com a venda precipitada, hoje sabemos o que aconteceu, desde então, no sistema financeiro português: a falência do Banif, o abalo na Caixa Geral de Depósitos, a enorme desvalorização do BCP (que ainda não pagou a totalidade dos empréstimos ao Estado), o impasse no BPI e os resultados conhecidos do próprio Novo Banco – 363 milhões em prejuízo só no primeiro semestre de 2016. O que era mau está ainda pior e ninguém acredita que a venda do Novo Banco se aproxime sequer dos valores gastos pelo Estado.

No verão, António Costa garantiu(link is external) à Comissão Europeia que, se necessário, escolheria a liquidação do banco a qualquer solução que implicasse mais perda de dinheiros públicos, enquanto Maria Luís Albuquerque, solidária, atira publicamente(link is external) as culpas para Passos Coelho pela gestão do caso. Mas nesta longa e agoniante história, uma figura não pode ser esquecida: Sérgio Monteiro, o responsável direto pela venda do Novo Banco.

Tal como denunciado(link is external) pela Mariana Mortágua, o polémico contrato de 304,8 mil euros que o ex-secretário de Estado dos Transportes assinou com o Banco de Portugal apenas foi oficializado um mês e meio após iniciar funções, em novembro de 2015, constituindo um claro conflito de interesses pelo facto de Sérgio Monteiro continuar a ser administrador da CGD (uma das entidades que constituem o Fundo de Resolução).

Desde então, multiplicaram-se os escândalos públicos envolvendo o ex-governante. Em meados deste mês, o Ministério das Finanças seguiu a recomendação da Inspeção – Geral das Finanças, pedindo a revogação(link is external) do “perdão” de 19 milhões de euros concedido ao grupo Barraqueiro e à Transportes Sul do Tejo. Em causa está um despacho assinado por Sérgio Monteiro, em agosto de 2015, que anulou a revisão das compensações relativas ao passe social devidas a estas empresas, saldando-se numa borla de 9,9 milhões de euros dada à Barraqueiro de Humberto Pedrosa. O mesmo Humberto Pedrosa que negociava, nessa altura, com Sérgio Monteiro, Secretário de Estado, a privatização da TAP.

Já em março deste ano, a CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) criticou a falta de transparência(link is external) na nomeação de Lígia Fonseca, ex-integrante do gabinete de Sérgio Monteiro no anterior governo, para a Autoridade Nacional Nacional de Aviação Civil (ANAC). A nomeação realizada por Sérgio Monteiro foi feita, segundo a CRESAP, em regime de substituição, um estatuto “que não está previsto nas entidades reguladoras”, tornando o caso de Lígia Fonseca (que recebe um salário mensal de 12806 euros) em mais uma mancha na carreira do Senhor Privatizações.

Poderíamos ainda lembrar a contratação de Teresa Empis Falcão, assessora de Sérgio Monteiro responsável pelo parecer que resultou no duplo pagamento à Lusoponte: até 2011, o Estado pagava à entidade liderada por Joaquim Ferreira do Amaral (ex-Ministro pelo PSD) uma indemnização compensatória por não haver cobrança de portagem na ponte 25 de Abril durante o mês de agosto. Quando, em 2011, as portagens foram cobradas, nem por isso o governo deixou de pagar 4,4 milhões de euros à Lusoponte, através da Estradas de Portugal, resultando num duplo pagamento. E são muitos os que se recordarão ainda do caso das PPP rodoviárias, onde o ex-secretário de Estado, na altura ao serviço do banco de investimento Caixa BI, assumiu um encargo financeiro de 473 milhões com a capitalização da AELO (Auto-Estradas do Litoral Oeste), num negócio que mereceu duras críticas do Tribunal de Contas por prejudicar o Estado.

No tempo de todas as ameaças sobre o sistema financeiro, exigem-se respostas concretas para o buraco criado pelo BES. O primeiro passo será, sem dúvida, dizer claramente que este não é o homem que queremos ter à frente das negociações onde se joga o esforço dos contribuintes.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, activista precário.

Banca espanhola prepara assalto final a Portugal

Terça-feira, Outubro 25th, 2016

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Dinheiro Vivo

O fraco crescimento da economia está a deixar os bancos portugueses mais débeis e, logo, mais suscetíveis de aquisição por parte de estrangeiros.

A banca espanhola está conquistar Portugal. Há nove séculos, D. Afonso Henriques conquistou Lisboa aos mouros. Agora, é a vez de os espanhóis conquistarem o centro financeiro do país, não pela força mas pelo poderio económico. Não foi necessário qualquer cerco a Lisboa, bastando a Espanha aproveitar a fraca rentabilidade dos nossos bancos, fruto em parte do nível elevado de crédito malparado. O fraco crescimento da economia, que deve rondar 1% este ano, torna o setor bancário uma presa fácil para as entidades estrangeiras. Este é o cenário pintado pelo jornal online “El Español”. A ideia não é nova. Mais de meia centena de notáveis portugueses chegaram a aventar a hipótese de escrever um manifesto contra a espanholização do setor financeiro, acabando por elaborar apenas um conjunto de reflexões sob o título “Reconfiguração da Banca em Portugal”. Duas ideias centrais do documento de reflexão, datado de 28 de abril de 2016: a excessiva concentração nas mãos de acionistas de uma só nacionalidade pode prejudicar o nosso país e, por outro lado, o Banco Central Europeu (BCE) não devia impor soluções cujos custos são suportados exclusivamente pelo país em causa.

Barclays Portugal, Banif, BPI O caminho que levou ao domínio espanhol começou com o Santander, que entrou em Portugal nos anos oitenta do século passado, através do Banco de Comércio e Indústria. Depois, no ano 2000, consolidou a sua posição ao converter-se no acionista maioritário do Banco Totta & Açores. Foi o primeiro passo para a criação da filial portuguesa do atual Banco Santander Totta. No entanto, o grande passo em frente aconteceu quando o Bankinter comprou, no último outono, o negócio de retalho do Barclays Portugal. Não demorou muito para que o Santander se impusesse ao Banco Popular e à norte-americana Apollo para ficar com o controlo do Banif, que colapsou em dezembro de 2015. Pagou apenas 150 milhões de euros, sendo que o banco resgatado recebia uma injeção de capital na ordem dos 2,25 milhões de euros de dinheiros públicos. “O triste caso do resgate do Banif indicia a adoção de um paradigma inaceitável, que não pode ser replicado em casos futuros. Se o que parece é, a atuação do BCE neste caso, em vez de viabilizar soluções com menores custos e igualmente credíveis, antes reflete uma estratégia que coloca a banca privada nacional na dependência de um muito escasso número de bancos de um país estrangeiro”, referem os subscritores do documento de reflexão “Reconfiguração da Banca em Portugal”. Em abril, foi a vez de o CaixaBank lançar uma segunda OPA sobre o Banco Português de Investimento (BPI). Apesar dos problemas colocados pela empresária angolana Isabel dos Santos, tudo se resolveu e o controlo do BPI deverá estar concluído ainda em 2016. BCP e Novo Banco Desde o início do ano que se ouvem rumores sobre o interesse de vários bancos espanhóis no Millenium BCP, sendo que o Sabadell é tido como um sério pretendente. Este banco espanhol controla 5% do BCP. Para já, certa é a entrada dos chineses da Fosun.

O Novo Banco (NB) é um peso morto dentro do setor. Custou 4,9 mil milhões ao Fundo de Resolução, o sistema solidário dos bancos, ao qual o Estado emprestou 3,9 mil milhões de euros. Tal como sucedeu com o Banif, e tendo em conta os prejuízos que vem acumulando, o NB pode acabar por ser vendido por um valor simbólico. Seja como for, tem de ser vendido até agosto de 2017, mas a verdade é que, caso a sua alienação não aconteça até ao final deste ano, terá lugar a redução de mais 500 postos de trabalho, corte adicional de 100 milhões de euros e fecho de mais 100 balcões, O Banco de Portugal está a analisar quatro propostas pelo Novo Banco: a do fundo Lone Star, da Apollo/Centerbridge, do BPI e uma manifestação de interesse do BCP, sem preço mas dizendo que podia avaliar o ativo noutras condições de mercado. O CaixaBank já veio dizer que a prioridade é a consolidação do BPI, dando a entender que o NB não é prioritário, afirmação que não exclui totalmente a operação de compra de mais um banco português por uma entidade espanhola.

O que já se sabe sobre a lista de pagamentos do ‘saco azul’ do GES

Terça-feira, Outubro 25th, 2016

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Observador

Santos Silva, Bava, Isabel Almeida, António Soares, Ricardo Salgado e os restantes quatro líderes dos clãs da família Espírito Santo são os alegados beneficiários do ‘saco azul’ já conhecidos.

Carlos Santos Silva (o que na ótica do Ministério Público significa dizer JoséSócrates), Zeinal Bava, Isabel Almeida, António Soares, Ricardo Salgado e os restantes quatro líderes dos clãs da família Espírito Santo são os alegados beneficiários de pagamentos do ‘saco azul’ já conhecidos. Há ainda 18 altos funcionários do BES que recebiam pagamentos regulares.

Desde que o Observador noticiou em exclusivo que o Ministério Público (MP) tinha em seu poder documentação que permitia reconstituir a lista de pagamentos da offshore Espírito Santo (ES) Enterprises que muito se tem falado sobre o ‘saco azul’ do GES. A lista de pagamentos inclui titulares de cargos políticos e públicos, titulares de órgãos sociais de empresas participadas pelo GES, membros da família Espírito Santo, administradores e funcionários do BES.

O que é um saco azul?

Corresponde a fundos não declarados nas contabilidade oficial de uma empresa com o objetivo de fugir ao fisco e/ou de pagar subornos. É sinónimo de contas clandestinas (caixa 2 ou caixa b são outros sinónimos) que apenas é do conhecimento de um círculo restrito de pessoas. Contudo, e como explica o Ciberdúvidas, este termo nem sempre teve esta conotação pejorativa.

Desde então que o Observador e outros jornais, como o Expresso e o Correio da Manhã, têm revelado diversos nomes que fazem parte dessa lista de pagamentos, sendo igualmente certo que ainda faltam conhecer muitos mais. O Observador continua a tentar confirmar as informações que possui sobre a identidade dos beneficiários do ‘saco azul’ do GES. Eis a parte da lista que já é conhecida:

Carlos Santos Silva

O nome do ex-primeiro-ministro surgiu pela, primeira vez, ‘pela mão’ de Hélder Bataglia. O líder da Escom e ex-homem forte da família Espírito Santo para os mercados africanos e da Venezuela é suspeito na Operação Marquês de ter transferido cerca de 20,9 milhões de euros para contas do alegado testa-de-ferro de José Sócrates: Carlos Santos Silva

Numa curta declaração ao Expresso, Bataglia afirmou que a ES Enterprises era a origem dos fundos transferidos para Carlos Santos Silva. Nessa altura, já se sabia, por documentos enviados pelo próprio Bataglia para a Comissão Parlamentar de Inquérito do BES, e que foram revelados pelo jornal i, que o líder da Escom tinha recebido cerca de 7,5 milhões de euros da ES Enterprises a título de comissão pela prospeção de novos negócios em Angola e no Congo Brazzaville nas áreas financeiras, petrolífera e imobiliário. Tais pagamentos, segundo Bataglia declarou à CPI do BES, tinham sido realizados com o conhecimento e o acordo de Ricardo Salgado.

A grande novidade das declarações de Bataglia ao Expresso é que foi o próprio a fazer a ligação entre as transferências feitas para Santos Silva/Sócrates e a ES Enterprises – o que fez mudar toda a perspetiva dos investigadores e a levá-los a investigar as decisões que o governo de Sócrates tomou sobre a Portugal Telecom (PT), nomeadamente a venda da Vivo à Telefónica e correspondente compra da Oi. Existirá proximidade de datas entre as transferências realizadas e os momentos-chave das decisões daqueles dossiês da PT onde José Sócrates e Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, tiveram influência. Aliás, diversos contactos entre estes dois políticos já constavam dos autos da Operação Marquês.

Mais tarde, num depoimento que fez em Luanda no âmbito do cumprimento da carta rogatória emitida pelas autoridades portuguesas, o líder da Escom acabou por ser (bastante) mais suave, tendo mesmo afirmado que “não fez ou teve propósito de fazer qualquer atribuição de valores ou outra vantagem a José Sócrates Pinto de Sousa, diretamente ou por intermédio de Carlos Santos Silva ou outros, a troco ou por causa seja do que for”.

José Sócrates, por seu lado, continua a manter a sua defesa e a recusar a ideia central da Operação Marquês de que Carlos Santos Silva é o seu testa-de-ferro, refutando, portanto, quaisquer suspeitas de corrupção.

Zeinal Bava

É uma situação assumida pelo próprio ex-presidente executivo da PT. O Correio da Manhã noticiou que tinha recebido cerca de 8,5 milhões euros da ES Enterprises, o Expresso corrigiu o valor para 18,5 milhões de euros e o Observador acrescentou que o valor tinha sido transferido em duas tranches: uma de 8,5 milhões em 2010 e outra de cerca de 10 milhões em 2011.

Mais uma vez, a venda da Vivo e a compra da Oi será, de acordo com o MP, o que está por detrás destas transferências.

A todas aquelas publicações, Zeinal Bava deu a mesma explicação: tratou-se de uma aplicação fiduciária. Isto é, Zeinal limitou-se a receber o dinheiro do GES para eventualmente aplicar, em seu nome e de um grupo de quadros da PT (que nunca chegou a ser contactado), num futuro aumento de capital social da PT quando esta fosse totalmente privada (o que só aconteceu em 2014). Como tal aplicação nunca foi realizada, Bava devolveu o capital e juros numa data nunca revelada.

O Observador revelou igualmente que essa explicação não batia certo com as declarações que Ricardo Salgado tinha feito na Operação Monte Branco em 2014, quando foi detido e constituído arguido pela primeira vez.

Nesse interrogatório, Salgado assumiu que tinha sido ele a dar as ordens das transferências para Zeinal Bava.

Ricardo Salgado e os restantes líderes da família Espírito Santo

O ex-presidente executivo do BES terá um duplo papel como beneficiário do saco azul do GES:

  • Terá recebido cerca de 7 milhões de euros da ES Enterprises, que o próprio Salgado classifica como um empréstimo. Parte desse montante (4 milhões de euros), segundo o MP, terá servido para comprar ações da EDP durante a última fase de privatização da elétrica nacional que decorreu em 2011.
  • Terá recebido complementos salariais pela sua atividade no exterior ao serviço do Grupo Espírito Santo desde, pelo menos, a criação da ES Enterprises nos anos 90.

Neste último ponto é importante recordar que a cúpula da família Espírito Santo decidiu nos anos 80, aquando do seu regresso a Portugal para participar nas privatizações do setor financeiro decididas pelo governo de Cavaco Silva, que os líderes dos cinco clãs continuariam a ser remunerados no exterior pelos cargos que ocupavam nas sociedades internacionais do GES. Essas remunerações começaram por ser pagas pela offshore Espírito Santo International (localizada nas Ilhas Virgens Britânicas e diferente da Espírito Santo International, com sede no Luxemburgo).

Tal responsabilidade foi transferida, a partir de 1993, para a ES Enterprise, como o Observador revelou neste especial. O ano de 1993 corresponde à criação do ‘saco azul’ do GES nas Ilhas Virgens Britânicas, tal como o Expresso e a TVI noticiaram.

Isabel Almeida e António Soares

São os últimos nomes a serem conhecidos e foram revelados pelo Observador na última quarta-feira. São dois ex-altos funcionários do BES com importantes funções no banco que foi liderado por Ricardo Salgado. Isabel Almeida era a diretora do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME), enquanto António Soares foi o responsável pela sala de mercados do BES e, mais tarde, chief financial officer da seguradora BES Vida.

Estes dois altos funcionários terão recebido cerca de 1,2 milhões de euros em 2009 e 2010 através do ‘saco azul’ do GES.

Os valores que receberam foram explicados por Ricardo Salgado ao MP como complementos remuneratórios pela atividade que ambos terão desenvolvido no exterior. Contudo, a equipa do procurador José Ranito, que investiga o caso BES, suspeita que os mesmos corresponderão a uma remuneração alegadamente ilícita pelo papel que Almeida e Soares terão tido na implementação de um alegado esquema de financiamento fraudulento do GES, alegadamente à custa do balanço do BES e dos próprios clientes do banco, como pode verificar aqui.

Nesse esquema terão ainda participado Cláudia Boal Faria e o seu marido Pedro Costa. Por isso mesmo, o MP constituiu estes quatro ex-funcionários como arguidos no caso BES.

18 altos funcionários do BES

É igualmente uma novidade revelada esta quarta-feira pelo Observador: além de Isabel Almeida e de António Soares, a lista de pagamentos do ‘saco azul’ do GES terá, pelo menos, mais 16 altos funcionários do BES. Do DFME e de outros departamentos relevantes do BES.

É provável, contudo, que o número final até seja superior. Tudo porque era uma prática comum do BES, desde pelo menos 2007, atribuir um prémio anual aos funcionários que se tivessem destacado. Tais prémios eram atribuídos na Suíça e no Luxemburgo através de contas bancárias abertas no Banque Privée Espírito Santo, com fundos transferidos de contas do ‘saco azul’ do GES. Muitas dessas contas foram abertas em nome de familiares dos responsáveis do BES premiados, o que configura, na ótica do MP, uma tentativa de dissimulação do destinatário final desses fundos.

Confrontado com o pagamento de tais valores de forma regular pelo MP, Ricardo Salgado classificou as mesmas como “remunerações complementares”, sendo que tais prémios só seriam atribuídos a funcionários que tivessem tido uma colaboração com empresas do GES com sede no estrangeiro. O problema é que o MP entende que tem indícios de que tais valores estão relacionados com atividades em Portugal, o que poderá configurar a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

Defesa de Ricardo Salgado diz que banqueiro está a ser condenado sumariamente

Quinta-feira, Outubro 20th, 2016

Advogados do ex-presidente executivo do BES criticam alegada violação do segredo de justiça e falam em “pré-condenação sumária do dr. Ricardo Salgado na opinião pública”.

A defesa de Ricardo Salgado emitiu um comunicado sobre o Especial do Observador publicado esta manhã.

Contestando o trabalho publicado, os advogados do ex-líder executivo do BES afirmam que o “Observador violando o segredo de justiça, insiste na publicação de falsidades teorias especulativas procurando alcançar, mais uma vez, uma pré-condenação sumária do Dr. Ricardo Salgado na opinião pública”. Uma posição semelhante à que já tinham assumido ao nosso jornal quando confrontados com os factos apurados pelo nosso jornal e que está devidamente expressa no trabalho publicado.

No último ponto, a defesa assegura ainda que o banqueiro não foi constituído arguido num caso de insider trading relacionado com a compra de ações da EDP durante a Oferta Pública de Subscrição (OPS) da subsidiária da EDP Renováveis — inquérito judicial este já encerrado que nada tem a ver com o caso BES.

Transcrevemos na íntegra o comunicado da defesa de Ricardo Salgado:

COMUNICADO

O “Observador” violando o segredo de justiça insiste na publicação de falsidades e teorias especulativas procurando alcançar, mais uma vez, uma pré-condenação sumária do Dr. Ricardo Salgado na opinião pública.

1. O “Observador” pretende estabelecer, sem razão de ser, uma relação direta entre as decisões tomadas pela Eurofin, uma sociedade autónoma do GES, e a Administração do BES. A maior prova da independência da Eurofin está na sua sobrevivência face ao colapso do Grupo Espírito Santo.

2. O aumento de capital de 1.045 milhões de euros realizado em 16 de Junho de 2014, por imposição do Banco de Portugal (decisão de 25 de Março de 2014), não foi um “aparente sucesso” como o “Observador” refere. Pela primeira vez, a ESFG e o Credit Agricole não subscreveram a totalidade das ações a que tinham direito e, ainda assim, este aumento de capital teve uma subscrição de 180% – cerca de 800 milhões de euros a mais.

O que provocou a queda dos rácios de solvência do BES foram as provisões cegas de 2.071,9 milhões de euros que o Banco de Portugal mandou constituir em 22 de Julho de 2014, das quais, 1.300 milhões de euros, foram mais tarde libertadas do Novo Banco, segundo confirmou a CMVM, a 14 de Julho de 2015, no Parlamento.

O que, aliado ao desprezo com que o Banco de Portugal tratou a garantia soberana do Estado de Angola, explica porque o BES não faliu mas foi forçado a desaparecer.

3. Além disso, ao contrário do que é escrito pelo “Observador”, o Dr. Ricardo Salgado nunca foi constituído arguido no âmbito de “um caso deinsider trading relacionado com a compra de ações da EDP durante a Oferta Pública de Subscrição (OPS) da subsidiária da EDP Renováveis”.

O Dr. Ricardo Salgado está, como sempre esteve, disponível para esclarecer as autoridades competentes. Denuncia e lamenta a realização de julgamentos mediáticos que não ajudam à objetiva procura da verdade.

Como Salgado usou o ‘saco azul’ para implementar um esquema de financiamento fraudulento do GES

Quinta-feira, Outubro 20th, 2016

Citamos

Observador

Salgado terá usado o ‘saco azul’ para pagar a funcionários do BES que terão implementado esquemas de financiamento fraudulento do GES à custa dos clientes e do próprio banco.

Seria impensável há uns anos realizar uma pesquisa no Google em que as palavras-chave fossem“Ricardo Salgado”, “Banco Espírito Santo”e “burla” — mais ainda se acrescentássemos“saco azul” e “corrupção no sector privado”. Certo é, contudo, que todas estas palavras são hoje uma espécie de tags para descrever boa parte do principal processo do chamado caso “Universo Espírito Santo”.

No centro da investigação está o alegado sistema fraudulento de financiamento do Grupo Espírito Santo (GES), que durou entre 2001 e 2014 e atingiu proporções gigantescas. Quer um número? Só nos últimos anos da existência do BES, e até ao final de 2013, calcula-se que o banco e diversas sociedades do GES tenham emitido cerca de 8,9 mil milhões de euros em títulos de dívida. Uma boa parte dessas emissões foi subscrita pelos diferentes bancos da família Espírito Santo e pelos seus clientes institucionais e particulares quando o GES já estava em dificuldades ou com diversas sociedades tecnicamente falidas.

É comum pensar-se que tais esquemas, já parcialmente denunciados nas três acusações contra-ordenacionais que o Banco de Portugal deduziu contra Ricardo Salgado e outros ex-administradores, foram implementados única e exclusivamente a partir da Suíça através da sociedade Eurofin — sociedade suíça fundada no final do século passado por ex-funcionários do GES que está no centro do caso “Universo Espírito Santo” por ser a principal contraparte das emissões de dívida emitidas pelo BES e pelo GES.

Não é bem assim. De acordo com os dados reunidos pelo Observador, a fraude que o Ministério Público (MP) e o Banco de Portugal imputam à gestão de Ricardo Salgado terá sido implementada e controlada a partir da sala do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME) do BES, na Av. da Liberdade, em Lisboa. O principal indício disso mesmo são precisamente os mapas de liquidez das sociedades veículo usadas pela Eurofin nesses esquemas que foram encontrados nos computadores dos principais responsáveis do DFME nas buscas realizadas à sede do banco, assim como toda a correspondência trocada entre esse departamento do BES e a Eurofin.

Daí que, entre os seis crimes (corrupção activa no sector privado, burla qualificada, falsificação de documento, falsificação informática, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais) que são imputados a Ricardo Salgado, e cujos indícios já foram considerados como “avassaladores” pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o crime de burla qualificada seja considerado central no processo principal dos sete inquéritos do chamado caso “Universo Espírito Santo”. Aliás, não é por acaso que o procurador José Ranito fez questão de escrever no despacho de indiciação de Ricardo Salgado que o ex-líder executivo do BES é suspeito da prática de“inúmeros crimes de burla qualificada” que prejudicaram os clientes do BES e o próprio banco. No dia 28 de setembro, no âmbito de novas buscas judiciais neste caso, a Procuradoria-Geral da República informou que já existem mais de 220 queixas de clientes alegadamente lesados pela gestão da administração liderada por Salgado.

Só nos últimos anos da existência do BES, e até ao final de 2013, calcula-se que o banco e diversas sociedades do GES tenham emitido cerca de 8,9 mil milhões de euros de dívida e que uma boa parte da mesma tenha sido comprada pelo banco da família Espírito Santo e pelos seus clientes institucionais e particulares quando o GES já estava em dificuldades ou com diversas sociedades tecnicamente falidas. Daí que Ricardo Salgado seja suspeito de “inúmeros crimes de burla qualificada”, segundo o MP.

Salgado, contudo, não terá actuado sozinho. A equipa do procurador Ranito tem indícios de que, com a ajuda dos fundos da Espírito Santo (ES)Enterprises (sociedade offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas vulgarmente conhecido como o ‘saco azul’ do GES), o ex-banqueiro terá remunerado os responsáveis mais importantes do DFME do BES através daquela offshore para o ajudarem a implementar sucessivas operações de emissão de dívida que alegadamente teriam um único objetivo: financiar o GES à custa dos clientes do BES e do próprio banco.

Apesar de Ricardo Salgado ter argumentado em sede de interrogatório que tais transferências da ES Enterprises correspondem a “remunerações complementares”, certo é, contudo, que parte das transferências realizadas pela ES Enterprises tiveram como destinatários um número muito significativo de familiares dos funcionários do BES alegadamente premiados. Este é um pormenor que leva o procurador José Ranito a ter a convicção de que terá existido um propósito de ocultar os últimos beneficiários desses fundos.

Os pagamentos do saco azul

Ao que o Observador apurou, há pelo menos 18 funcionários do BES, do DFME e de outros departamentos que terão recebido somas avultadas do ‘saco azul’ do GES. Esse número, contudo, deverá ser superior, pois, tal como o Observador noticiou em primeira mão, o pagamento de prémios a administradores e a funcionários do BES, nomeadamente do DFME, via ES Enterprises, era uma prática antiga no banco liderado por Ricardo Salgado.

Trata-se de uma lista que o Ministério Público da Suíça apreendeu nos escritórios da Espírito Santo(ES) Services, localizados em Lausane, na sequência de uma carta rogatória expedida pelas autoridades portuguesas. A lista já está, desde o ano passado, nas mãos dos procuradores do DCIAP, tendo Ricardo Salgado sido confrontado com a mesma durante os interrogatórios a que foi sujeito em julho de 2015. A ES Services era a empresa do GES que tratava da contabilidade de diversas sociedades do GES, inclusive da famosa ES Enterprises.

Entre os funcionários do BES que estão nessa lista encontram-se Isabel Almeida, ex-diretora-geral do DFME, e António Soares, ex-responsável pela sala de mercados do DFME e ex-chief financial officer do BES Vida. Só estes dois altos funcionários do BES terão recebido, ao que o Observador apurou, cerca de 1,2 milhões de euros em 2009 e 2010.

No caso de Isabel Almeida, os pagamentos realizados pelo ‘saco azul’ do GES foram distribuídos da seguinte forma:

  • Cerca de 300 mil euros em 2009;
  • Cerca de 500 mil euros no ano seguinte.

Verificou-se, assim, um aumento de cerca de 60%na remuneração complementar.

Já António Soares terá recebido os seguintes montantes:

  • 120 mil euros em 2009;
  • 250 mil euros no ano seguinte.

António Soares teve, assim, um acréscimo de 108%de um ano para o outro.

Foram estes indícios que fizeram com que Isabel Almeida e António Soares fossem constituídos arguidos por o MP suspeitar de que terão recebido dinheiro do ‘saco azul’ do GES, por alegada solicitação de Ricardo Salgado. Tal como Salgado, Almeida e Soares terão sido igualmente constituídos arguidos pelos crimes de burla qualificada,fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

Recorde-se que António Soares, juntamente comPedro Serra e Nuno Escudeiro (ambos ex-funcionários do DFME), viu recentemente o Tribunal da Relação de Lisboa ordenar a sua condenação no âmbito de um caso de insider trading relacionado com a compra de ações da EDP durante a Oferta Pública de Subscrição (OPS) da subsidiária da EDP Renováveis em 2008. Amílcar Morais Pires e José Maria Ricciardi chegaram a ser arguidos no mesmo caso mas não foram acusados pelo Ministério Público, enquanto Ricardo Salgado sempre foi ouvido como testemunha.

Ricardo Salgado é igualmente suspeito de ter ordenado pagamentos a, pelo menos, 18 altos funcionários do BES para execução de um sistema de financiamento fradulento do Grupo Espírito Santo (GES). São nomes que fazem parte de uma lista de pagamentos do ‘saco azul’ do GES que o Ministério Público da Suíça apreendeu nos escritórios da Espírito Santo Services e enviou para Portugal. Só dois desses altos funcionários terão recebido cerca de 1,2 milhões de euros em 2009 e em 2010.

Também Cláudia Boal Faria, ex-diretora do Departamento de Gestão de Poupança do BES, ePedro Costa, ex-funcionário do DFME e ex-administrador executivo da Espírito Santo Activos Financeiros (ESAF), foram constituídos arguidos por terem alegadamente colaborado com Ricardo Salgado na implementação de diferentes esquemas de financiamento fraudulento do GES. Destes dois ex-colaboradores do BES, o Observador tem a informação de que Cláudia Faria terá recebido fundos do ‘saco azul’ do GES.

Os nomes de Cláudia Faria e do seu marido Pedro Costa tornaram-se conhecidos da opinião pública quando, na ressaca do interrogatório realizado a Ricardo Salgado a 24 de julho de 2015, diversos órgãos de comunicação social, como o Expresso, divulgaram, citando fonte oficial da Procuradoria-Geral da República, os seus nomes como novos arguidos do caso “Universo Espírito Santo”.

Amílcar Morais Pires, braço direito de Ricardo Salgado e por este apontado em 2014 como seu sucessor à frente do BES, foi igualmente constituído arguido nos processos do “Universo Espírito Santo” pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no final de setembro de 2015. O ex-chief financial officer era o administrador executivo do BES que tutelava o DFME, sendo Isabel Almeida uma pessoa da sua total confiança. Aliás, caso Morais Pires não tivesse sido chumbado pelo Banco de Portugal como sucessor de Salgado, Isabel Almeida teria sido administradora do BES.

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Como funcionava o ‘saco azul’ para os funcionários

Confrontado pelo MP a 24 de julho de 2015 com os pormenores desses pagamentos, Ricardo Salgado terá caracterizado os mesmos como prémios ou“remunerações complementares” que eram pagos anualmente ou por tranches. Dependia do funcionário em causa.

No mesmo interrogatório, Salgado confirmou que os pagamentos aos funcionários do DFME duravam desde 2007, tendo referido os nomes de Amílcar Morais Pires e de Isabel Almeida como sendo os responsáveis pela atribuição de tais prémios — informação que o MP confirmou através da documentação da ES Services enviada pelas autoridades suíças.

Salgado terá confirmado que os pagamentos do ‘saco azul’ do GES aos funcionários do DFME duravam desde 2007, tendo referido os nomes de Amílcar Morais Pires e de Isabel Almeida como sendo os responsáveis pela atribuição de tais prémios.<br >

O ex-presidente executivo do BES garantiu que não tinha nada a ver com tais operações, mas sempre acrescentou que os pagamentos da ES Enterprises estava dependente da contribuição dos funcionários para as sociedades do BES e do GES no exterior. E caracterizou a ES Enterprises, como já tinha feito na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES, como um centro operacional de custos relativa a serviços partilhados do GES — justificação que não colheu junto da equipa do procurador José Ranito precisamente por causa dos pagamentos realizados a funcionários do BES, GES e a Zeinal Bava, ex-presidente executivo da Portugal Telecom.

A execução das transferências pertencia ao suíçoJean-Luc Schneider, quadro da Espírito Santo Financière (ESFIL) que era o operacional do ‘saco azul’. Ao contrário das transferências para os membros da própria família Espírito Santo ou paraZeinal Bava, e tal como o Observador já noticiouaqui e aqui, Schneider só transferia os montantes (anuais ou por tranches) após a respectiva solicitação de um quadro da Espírito Santo Financial Group (ESFG).

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Salgado diz que é tudo falso

O Observador confrontou Ricardo Salgado por escrito com toda a informação relatada neste trabalho, tendo recebido a seguinte resposta da sua defesa, assegurada pelo advogado Francisco Proença Carvalho:

“As falsidades e teorias especulativas que o Observador pretende veicular evidenciam o esforço reiterado de certos interessados em obter uma pré-condenação sumária do Dr. Ricardo Salgado na opinião pública, sem regras e contraditório. O Dr. Ricardo Salgado não praticou qualquer crime. Se e quando necessário, o Dr. Ricardo Salgado demonstrará a falsidade das especulações veiculadas através do Observador”, lê-se na resposta enviada pela assessoria de imprensa de Salgado.

As mesmas perguntas foram igualmente enviadas aos advogados de Amílcar Morais Pires, Isabel Almeida e António Soares.

Raúl Soares da Veiga, advogado de Morais Pires, afirmou que “de momento, não há declarações a prestar”.

Francisco Navarro, por seu lado, declarou por escrito que a sua constituinte, Isabel Almeida, “não faz comentários sobre processos judiciais que se encontram em segredo de justiça”.

Já Rogério Alves, advogado de António Soares, não respondeu em tempo útil às perguntas enviadas.

O Observador tentou obter os contactos de Cláudia Boal Faria e de Pedro Costa, assim como dos seus advogados, para enviar as mesmas perguntas que enviou para os restantes visados. Apesar de diversas tentativas, inclusivé junto do Novo Banco, não foi possível obter tais contactos.

“As falsidades e teorias especulativas que o Observador pretende veicular evidenciam o esforço reiterado de certos interessados em obter uma pré-condenação sumária do Dr. Ricardo Salgado na opinião pública, sem regras e contraditório. O Dr. Ricardo Salgado não praticou qualquer crime”, lê-se na resposta enviada pela defesa do ex-líder executivo do BES.
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Centro de controlo? Av. da Liberdade, Lisboa

Os pagamentos do ‘saco azul’ do GES aos altos funcionários do DFME do BES estão interligados, como já se escreveu, com a implementação de alegados esquemas fraudulentos de financiamento do GES e do BES.

A ligação foi feita pela equipa do procurador Ranito a partir do momento em que foram descobertos noscomputadores dos principais responsáveis do DFME os mapas de liquidez das sociedades veículo usadas pela Eurofin. Os mapas de liquidez foram ainda explicados ao DCIAP por um funcionário do DFME chamado Pedro Vaz Pinto. Encarado pelo MP como uma testemunha fundamental, Vaz Pinto confirmou a existência desse canal de comunicação aberto com a Eurofin desde 2010 e acrescentou que os mapas eram entegues diretamente a Isabel Almeida e a António Soares para procederem à angariação da liquidez necessária aos veículos da Eurofin.

Os mapas de liquidez das sociedades veículo da Eurofin desobertos no DFME eram fundamentais. Sempre que havia uma urgência de liquidez assinalada nos mapas, o DFME promovia novas emissões de dívida através das próprias sociedades veículo do Credit Suisse e da Eurofin por si geridas. Em todas estas atividades de geração de liquidez para o GES existe um elo comum: quem pagava a conta final eram os clientes do BES ou o próprio banco.

Tais mapas de liquidez eram fundamentais para que o DFME liderado por Isabel Almeida pudesse ir controlando as necessidades das sociedades veículo usadas pela Eurofin para subscrever as emissões de dívida do BES e do GES. Sempre que havia uma urgência de liquidez assinalada nos mapas, o DFME propunha ao conselho de administração do BES a emissão de novas linhas de dívida ou promovia emissões de dívida através das sociedades veículo utilizadas. Em todas estas atividades de geração de liquidez para o GES existe um elo comum: quem pagava a conta final eram sempre os clientes do BES ou o próprio banco.

Ricardo Salgado negou veementemente durante os seus interrogatórios ter tido algum conhecimento sobre tais mapas de liquidez e tentou desvalorizar a proximidade existente entre o BES e a Eurofin.

Ao que o Observador apurou, o MP não tem dúvidas de que esses indícios comprovam que todo o esquema global de fraude foi feito e controlado em Lisboa, tendo Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Isabel Almeida como uma espécie decontrollers que zelavam pelo cumprimento dos objetivos. E Cláudia Faria e Pedro Costa como executores de alguns dos esquemas de financiamento.

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Os esquemas de financiamento

A equipa liderada pelo procurador José Ranito não tem dúvidas de que os ciclos de emissão e colocação de dívida nos clientes do BES fazia com que “os clientes sucessores servissem a dívida e os encargos dos investimentos dos antecedentes, num ciclo de acumulação de passivo sem geração de riqueza”, lê-se num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de novembro de 2015 a que o Observador teve acesso — e onde está exposta a indiciação do Ministério Público apresentada contra Ricardo Salgado em julho de 2015 aquando da sua constituição como arguido. Indiciação essa que já foi parcialmente noticiada pela revista Sábado.

Traduzindo: as sucessivas emissões de dívida, emitidas com juros mais atraentes do que os depósitos a prazo, tinham como objetivo financiar o pagamento da dívida emitida anteriormente. Uma ideia que é atribuída pelo MP a Ricardo Salgado.

As sucessivas emissões de dívida, emitidas com juros mais atraentes do que os depósitos a prazo, tinham como objetivo financiar o pagamento da dívida emitida anteriormente. Uma ideia que é atribuída a Ricardo Salgado e que teria, segundo o MP, o objetivo de fomentar um “ciclo de acumulação de passivo sem geração de riqueza”.
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Antes de pormenorizarmos como funcionavam os esquemas de financiamento fraudulento, é fundamental explicar as empresas envolvidas e contexto de cada uma delas:

O que é um Special Purpose Vehicle?

Conhecido pela sigla inglesa SPV, refere-se a empresas com personalidade jurídica que também são reconhecidas como sociedade veículo. Isto é, trata-se de sociedades que são criadas apenas e só para um determinado propósito; não têm uma atividade geral.

  • Euroaforro, Poupança Plus e Top Renda,sociedades criadas no centro offshore da ilha de Jersey, foram criadas pelo Credit Suisse nos primeiros anos da década de 2000 com o enquadramento de Special Purpose Vehicle (SPV). Apesar de terem sido criados pelo Credit Suisse, e de serem administrativamente geridos por entidades ligadas a um ex-funcionário do GES (Karl Sanne), a sua gestão era assegurada, segundo o Ministério Público, por elementos do DFME;
  • A Eurofin, por seu lado, tinha sido igualmente fundada por ex-funcionários do GES e aparece em boa parte das emissões de dívida como compradora e revendedora dos títulos de dívida aos clientes do BES. Por seu lado, a Eurofin também usou algumas das suas sociedades veículo para ajudar Ricargo Salgado, nomeadamente a Zyrcan Hartan Corporation, Martz Brenan, Jarvis,Kynsa, Solaris, AA Iberian e EG Premium. Tal como no caso dos SPV do Credit Suisse, era o DFME do BES quem geria materialmente estas sociedades localizadas igualmente em diferentes centros internacionais offshore, como as Ilhas Virgens Britânicas. Por exemplo, foram estes veículos da Eurofin que receberam os titulos Lehman Brothers que o BES possuía depois da falência do banco de investimento norte-americano e que ‘manchavam’ as contas do banco.

Os nomes destas sociedades e as suas ações já tinham sido divulgadas pelo jornal norte-americano Wall Street Journal em agosto de 2014, mas sem que o papel do DFME do BES seja mencionado, como pode verificar aqui.

O que faziam estas 10 sociedades veículo, nomeadamente os 3 SPV criados pelo Credit Suisse?

  • Emitiam títulos de dívida como ações preferenciais que foram adquiridos por clientes do BES por via de séries comerciais (SCAP) ou operações sobre títulos (OST);

O que recebiam?

  • Fluxos de dinheiro provenientes de clientes institucionais do BES e da captação de poupanças de clientes particulares na área de retalho da área financeira, desde julho de 2002 e até julho de 2014;

Por ordem do DFME, seguindo alegadas instruções de Ricardo Salgado, foram igualmente acomodados no balanço destas sociedades títulos de dívida problemáticos emitidos por entidades do GES e por entidades do universo Eurofin (EG Premium, Zyrcan, Martz Brenan) desde pelo menos 2002.

Há dois períodos claros a definir nos esquemas de financiamento que estão a ser investigados pelo Ministério Público:

  1. Entre 2001 e 2009 — em que os clientes são os grandes financiadores
  2. E depois de 2009 — em que o balanço do BES também foi utilizado

No primeiro caso, podemos dar um exemplo prático e genérico do circuito de uma emissão de dívida dos SPV Euroaforro, Poupança Plus e Top Rendaaté 2009:

  • SPV emitiam títulos de dívida;
  • Os clientes do BES compravam os mesmos, sendo que as taxas de juro propostas eram sempre superiores às dos depósitos e apresentados como de margem garantida;
  • Na maturidade era o Eurofin quem pagava o juro contratualizado; (uma nota breve: a partir de dezembro de 2013, estes títulos de dívida passaram a ser adquiridos à Eurofin pela ESAF, que revendeu os mesmos a clientes do BES através de um fundo do Luxemburgo);
  • Para pagar esse juro, o Eurofin recebia fundos de entidades da área não financeira do GES;
  • Esses fundos da área não financeira, por sua vez, eram obtidos através de novas emissões de dívida que eram recolocadas nos clientes do BES com taxas de juros mais atraentes do que os depósitos

Conclusão: Este ciclo de colocação de dívida nos clientes fazia com que, na óptica do Ministério Público, os clientes sucessores servissem a dívida e os encargos dos investimentos dos antecedentes, num ciclo de acumulação de passivo sem geração de riqueza.

Tal como o Observador já noticiou, Ricardo Salgado afirmou em sede de interrogatório no DCIAP que a Espírito Santo (ES) Resources, uma das principais empresas da área não financeira do GES, ‘colocou nas mãos’ da Eurofin um valor total de cerca de 4 mil milhões de euros. A ES Resources tinha sede no centro offshore das Bahamas e, por exemplo, detinha a Escom e outros activos em África e na América do Sul, chegando igualmente a ser acionista da Eurofin com uma participação de cerca de 23% do capital.

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Clientes prejudicados através da ESAF

Foi em dezembro de 2013 que o governador Carlos Costa impôs à família Espírio Santo a execução do famoso plano (falhado) de ring fencing para resguardar o BES e a Espírito Santo Financial Group (subholding da área financeira) dos buracos dramáticos que existiam na área não financeira do BES, nomeadamente na Espírito Santo International (ESI). Mas, como o Observador explicou aqui, enquanto o regulador tentava separar as águas, a equipa de Ricardo Salgado alegadamente não parava de contaminar o BES ao vender a dívida da ESI aos seus clientes de retalho e institucionais.

Um dos melhores exemplos disso mesmo foi a utilização dos fundos de investimento da Espírito Santo Activos Financeiros (ESAF), o ES Rendimento e o ES Liquidez, para a compra de dívida da ESI. O jornal Público deu o exclusivo em setembro de 2013 — dois meses antes de começarem a soar as campainhas vermelhas no Banco de Portugal. Uma auditoria da KPMG tinha detectado um excesso de investimento daqueles dois fundos da ESAF em dívida de sociedades do GES. Isto é, os clientes do BES que subscreveram aqueles dois fundos tinham financiado a família Espírito Santo em mais de 2,2 mil milhões de euros desde 2008.

Obviamente que as emissões de dívida da ESI nunca seriam possíveis se as contas fossem verdadeiras. O que não acontecia porque, de acordo com o Banco de Portugal e com o MP, Ricardo Salgado tinha passado a solicitar desde 2009 ao contabilista Francisco Machado da Cruz que alterasse as contas da sociedade,

escondendo um passivo cujo valor total ultrapassou os 3,5 mil milhões de euros.

A equipa do procurador José Ranito fez outras contas, com base na informação que lhe foi prestada pelo Banco de Portugal e concluiu que, entredezembro de 2011 e dezembro de 2013, os clientes do BES investiram os seguintes montantes nas várias operações de emissão de dívida da ESI:

  • Fundos ES Rendimento e ES Liquidez, geridos pela ESAF e subscritos por clientes do BES, compraram títulos de dívida da ESI no valor de1.035 milhões de euros. (Uma pequena nota relevante: aqueles dois fundos da ESAF tinham carteiras que eram compostas em 83% por títulos de empresas do GES até novembro de 2013, altura em que a lei impôs uma redução dos investimentos com partes relacionadas até um tecto de 20% do total da carteira);
  • Clientes institucionais do BES investiram um total de 2.611 milhões de euros em dívida (notes) da ESI;
  • Clientes de retalho do BES pagaram cerca de1.400 milhões de euros por títulos de dívida da ESI.

Obviamente que tal nunca seria possível se as contas da ESI fossem verdadeiras e mostrassem os buracos que continham. O que não acontecia porque, de acordo com o Banco de Portugal e com o MP, Ricardo Salgado teria passado a solicitar desde 2009 ao contabilista Francisco Machado da Cruzque alterasse as contas da sociedade — alegação que Salgado refuta desde sempre. Machado da Cruz, contudo, terá elaborado novos registos e ordenou aPierre Butty, quadro da Espírito Santo Services, que alterasse os valores reais inscritos nos registos de contabilidade daquela empresa de serviços de partilhados através do programa “Canon Therefore”.

Assim, terão sido ocultados os seguintes prejuízos:

Estes investimentos da ESAF também não seriam possíveis se o processo de notação de rating da ESI realizado no BES tivesse por base a contabilidade verdadeira da sociedade. E aqui, de acordo com os indícios recolhidos pelo MP, Ricardo Salgado terá voltado a protagonizar um episódio relevante ao ordenar a Carlos Calvário, ex-diretor do Departamento de Risco Global do BES, a realização de um processo de notação da ESI mas com base em demonstrações oficiais de contas que não eram verdadeiras e que o próprio Salgado terá disponibilizado a Calvário.

O BES Vida e o triplo do preço

O financiamento da Eurofin, como já vimos, era essencial para continuar a servir como intermediário nas operações entre o BES e os seus clientes. Era por isso essencial, de acordo com o MP, gerar mais valias para financiar a Eurofin.

Eis um exemplo de um esquema de financiamento que terá ocorrido entre 2009 e 2013:

  • DFME ordena emissão de dívida BES pela sucursal de Londres com maturidades longas;
  • BES Vida (seguradora do BES) compra dívida em mercado primário para as carteiras geridas pelo DFME;
  • BES Vida, que tinha o arguido António Soares como chief financial officer, revende títulos à Eurofin pelo mesmo preço que comprou;
  • A Eurofin recoloca a mesma dívida, mas com um valor superior ao que comprou, nos clientes do BES através de produtos de poupança estruturados geridos pelo Departamento de Gestão de Poupança do BES geridos por Cláudia Faria;
  • A Eurofin reteve a mais valia da operação, diretamente ou através dos veículos por si detidos ou geridos.
  • Essa mais-valia vai servir para financiar a emissão de mais dívida do GES. Daí o MP ter a convicção que a dívida do GES é feita à custa do BES. Não só porque são os clientes que compram os titulos de divida, como também acabam por financiar os lucros obtidos pela Eurofin.

A partir de dezembro de 2013, com a pressão do Banco de Portugal a intensificar-se e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a obrigar os fundos da ESAF a diminuirem a exposição ao GES, a importância da Eurofin aumentou ainda mais.

Mais um exemplo de um novo esquema:

  • DFME ordena emissão de dívida BES pela sucursal de Londres com maturidades longas (+ de 30 anos);
  • Eurofin compra titulos de dívida e revende à ESAF, que tinha o arguido Pedro Costa como administrador executivo. Na prática, o BES continuava a comprar dívida do GES, contrariando recomendações do Banco de Portugal;
  • ESAF coloca a dívida num fundo no Luxemburgo que, por sua vez, recoloca esses títulos para venda na plataforma BES Ordens;
  • Os títulos são colocados nos clientes de gestão discricionária de carteiras com uma particularidade: os clientes adquirem os títulos pelo triplo do preço pago pela Eurofin à ESAF.

Outro pormenor: de acordo com a equipa do procurador José Ranito, todos os preços de colocação de dívida foram apurados de acordo com os cálculos feitos por um funcionário do DFME, seguindo alegadas instruções acordadas entre Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Isabel Almeida. O objetivo era simples: angariar fundos para limpar o passivo das SPV geridas pelo DFME que iam ficando com o lixo da dívida do GES.

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Como o BES foi prejudicado

E para tal usou-se o balanço do BES. Um exemplo disso mesmo ocorreu nos primeiros meses de 2014, em que o desespero da equipa de gestão liderada por Ricardo Salgado já era total. O que aconteceu?

O que são obrigações com cupão zero?

São títulos de dívida sem juros, por não terem cupão — onde costuma ser fixado o juro a pagar pelo emitente. As obrigações cupão zero são emitidas a desconto face ao seu valor facial, podendo ser adquiridas a um valor abaixo do seu valor nominal. A diferença entre o valor facial e o de desconto representa os juros ganhos pelo investidor.

  • A Sucursal do BES Luxemburgo emitiu 13 séries de dívida BES, de cupão zero, com maturidade até 2045. Valor: 5000 milhões de euros;
  • ESAF adquire títulos pelo valor de 468 milhões de euros e revende pelo mesmo preço à Eurofin. Juro implicito de cerca de 8%;
  • Eurofin recoloca os títulos em clientes de gestão discricionária do BES (e com ações preferenciais nos 3 SPV do Credit Suisse: Euroaforro, Poupança Plus e Top Renda) por cerca de 1.300 milhões. Isto é, os clientes que ja tinham ações preferenciais de sociedades veículo onde estava acomodada parte da dívida/lixo do GES, foram duplamente penalizados.

Eis uma infografia que demonstra o que deveria ter acontecido (caminho directo) e o que aconteceu (caminho sinuoso):

Ricardo-SacoAzul2 (2)

Qual foi a consequência:

  • BES terá sido prejudicado em cerca de 800 milhões de euros porque, de acordo com o MP, terá suportado a geração de liquidez que beneficiou a Eurofin sem que tenha sido estabelecido um crédito a que o banco teria direito, lê-se no acórdão da Relação de Lisboa de novembro último.
  • Isso permitiu igualmente que o veículo Martz Brennan (do Eurofin mas gerido pelo DFME) eliminasse cerca de 177 milhões de euros que detinha da Espírito Santo Turismo;
  • Permitiu ainda que fosse abatida dívida da ESI no valor de 362 milhões de euros (valor de dezembro de 2013) colocadas nos SPV do Credit Suisse (Euroaforro, Poupança Plus e Top Renda).

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O último acto em Lisboa

Em maio de 2014 estávamos, sem ninguém saber, perante os derradeiros momentos de Ricardo Salgado à frente do BES. O seu último acto significativo enquanto banqueiro foi a operação de aumento de capital social do BES. Obrigado pela CMVM a publicar um prospecto em que a saúde periclitante do BES e do GES (com destaque para as informações sobre irregularidades na ESI) ficou exposta aos olhos do mundo, o banco liderado por Salgado foi autorizado a proceder a um aumento de capital até 1045 milhões de euros.

A operação foi, aparentemente, um êxito, já que a procura superou a oferta — facto que, ainda hoje, Ricardo Salgado usa como um trunfo.

Há, contudo, fortes indícios de que o BES tenha financiado uma parte dessa operação. Confuso? Sim, pode ser confuso perceber que o BES emprestou dinheiro a uma entidade da família Espírito Santo para acorrer ao aumento de capital do próprio banco. Mas terá sido isso que aconteceu.

A operação de aumento de capital social anunciada em maio de 2014 foi, aparentemente, um êxito, já que a procura superou a oferta — facto que, ainda hoje, Ricardo Salgado usa como um trunfo. Há, contudo, fortes indícios de que o BES tenha financiado uma parte de essa operação. Confuso? Sim, pode ser confuso perceber que o BES emprestou 152 milhões de euros a uma entidade da família Espírito Santo para acorrer ao aumento de capital do próprio banco. Mas terá sido isso que aconteceu.

Em maio de 2014, a Espírito Santo Financial Group (ESFG), holding da área financeira, recebeu um financiameno de 152 milhões de euros do BES para acorrer ao aumento de capital social.

O problema é que Ricardo Salgado terá convencido os responsáveis que aprovaram este empréstimo no BES de que a ESFG tinha garantias robustas (aparentemente, as próprias ações do BES detidas pela ESFG) quando, na realidade, diversos ónus já incidiam sobre esses títulos, o que impossibilitava a aceitação como garantia de pagamento.

Resumindo e concluindo, eis a conta final de todos estes supostos esquemas no que à responsabilidade criminal diz respeito:

Rectificação: Ricardo Salgado foi ouvido como testemunha no caso de insider trading relacionado com a compra de ações da EDP durante a Oferta Pública de Subscrição (OPS) da subsidiária da EDP Renováveis em 2008. Ao contrário do que o Observador escreveu, Salgado não foi constituído arguido neste caso — inquérito já encerrado e que nada tem a ver com o caso BES.

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Presidente da República ouviu lesados do BES em Genebra

Segunda-feira, Outubro 17th, 2016

Citamos

Notícias ao Minuto

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve hoje cerca de dez minutos à conversa com representantes do Movimento Emigrantes Lesados do Banco Espírito Santo (BES), durante um encontro com a comunidade portuguesa em Genebra.

Esta conversa não contentou Palmira da Silva Duarte, residente em Zurique, que fez de porta-voz do grupo, mas terminou com uma oferta de presentes ao chefe de Estado – uma ‘t-shirt’ do movimento e um embrulho com chocolates suíços – e um abraço.

Grande parte da troca de palavras não pôde ser registada, porque os jornalistas foram afastados por seguranças suíços, presentes no Centro Desportivo de Vernets, onde decorreu este encontro, mas foi possível ouvir Marcelo Rebelo de Sousa perguntar qual era a situação concreta destes emigrantes.

Foi o próprio Presidente da República quem se dirigiu aos representantes deste movimento, depois de saber que estavam presentes para lhe falar: “Contem-me lá, como é que vai isso, a vossa luta?”.

“Os nossos casos já estão todos em tribunal. Qual é o apoio que nos dá o Presidente da República, de que tanto necessitamos?”, perguntou Palmira da Silva Duarte.

Marcelo Rebelo de Sousa salientou que “tem havido negociações que permitiram fechar acordos” e pediu-lhes documentação sobre os seus casos.

No final da conversa, Palmira da Silva Duarte relatou o que o Presidente da República lhe disse: “Que estava atento, como diz sempre, que apoiava a nossa luta”.

 “Mas não diz nunca nada de concreto”, lamentou.

Aplauso a Costa pelo controlo da venda Novo Banco

Domingo, Outubro 16th, 2016

Na perspetiva dos investidores

A INTERVENÇÃO DO GOVERNO NO PROCESSO BES É MUITO POSITIVA

Miguel Reis

  

A notícia antecedente, que nos dá conta de que o Primeiro Ministro pretende tomar a liderança do processo de venda do Novo Banco é extremamente clarificadora e muito positiva  para o investidores.

Basta que haja a coragem  de afastar as sombras que, desde o início, foram colocadas sobre o processo BES e que haja coragem de ser sério e honrar as  regras do Estado de Direito.

A questão essencial do Novo Banco – et pour cause da sua venda – reside no facto de o acionista único não ter adquirido nada, não ter comprado nada, não ter feito contas com ninguém e, por isso mesmo, não ser dono de nada, para além dos 4.000 milhões que colocou na  sociedade que constitui para tomar de assalto o património do BES, como capital e que, ao que parece, delapidou nestes dois anos e meio.

A resolução do BES foi um ato administrativo de efeito equivalente ao assalto a um banco.

Talvez um dia se conclua que houve outras razões para tomar de assalto o maior banco privado português e o mais envolvido na economia.

Basta comparar o caso BES com o caso Deutsche Bank para concluir que houve, no mínimo, uma precipitação no caso BES.

Dúvidas já não há relativamente às irregularidades do processo, à incompetência das sucessivas equipas de gestão, lideradas pelo Banco de Portugal, num quadro de promiscuidade de interesses que não pode deixar de ser investigado.

Foi selvaticamente violado o princípio de que os acionistas e os demais investidores não poderiam receber, no quadro da resolução menos do que receberiam num quadro de liquidação.

Nunca houve quaisquer avaliações, em conformidade com as regras europeias e as que foram feitas, posteriormente por encomenda valem o que valem as encomendas: nada.

O legislador “criou” um Fundo de Resolução, pensado como entidade independente e competente para resolver, sem necessidade contratação de consultores sem experiência e sem história.

Tudo correu mal.

Em primeiro lugar porque o Banco de Portugal, com o alto patrocínio do então Presidente da República,  enganou os investidores e evitou que eles acorressem a liquidar as suas aplicações.

Em segundo lugar, porque o Banco de Portugal violou todas suas obrigações como supervisor.

Talvez o quadro mais chocante tenha sido a completa tolerância perante a burla coletiva de que são vítimas os emigrantes, que julgavam que tinham depósitos a prazo e fizeram aplicações em ações de sociedades de offshore, sem sede, sem local físico e sem administradores.

Um conto do vigário que totaliza muito milhões de euros.

Do se trata agora é de vender o produto do assalto – o Novo Banco, pelo qual o Fundo de Resolução, que é do Banco de Portugal e do Governo, não pagaram nada.

É muito positivo que Governo assuma uma posição semelhante à do receptador, deixando claro que isto é um questão de Estado, um verdadeiro confisco, que ele reconhece, aceita e pelo qual ser responsabiliza.

Com todos esses contornos, é de gente séria, pelo que o aplaudimos, na medida em que fica facilitada a posição dos lesados, inequivocamente colocados numa posição de credores (também) do Estado.

Quando o Banco de Portugal interveio no BES, os prejuízos acumulados eram da ordem dos 3.500 milhões.

Foi com fundamento nesse valor que Carlos Costa ordenou a tomada de assalto do que era o melhor banco comercial português.

O capital era de mais de 6.500 milhões, muito superior aos prejuízos.

O buraco parece que cresceu para a casa dos 9.000 milhões, depois de consumido todo o capital.

Se isto não é gestão danosa, expliquem-me o que é gestão danosa.

Que o Primeiro Ministro se assuma como uma pessoa de bem e tente enviar que seja maior o desastre, que já vai, somados os prejuízos dos investidores e do Estado a caminho do 20.000 milhões, parece-me muito positivo.

De uma coisa não pode haver dúvidas: no Estado de direito não há assaltos nem há confiscos.

Os acionistas estão dispostos a receber ações.

Os obrigacionistas estão dispostos a receber obrigações.

Ninguém aceita ser roubado, isso, roubado.

E todos estamos preparados para ações judiciais que calculamos que durarão 20, 30, 40 anos.

Mas chegarão ao fim e será reconhecida a nossa razão.

Como dizia Fernando Abranches Ferrão, em 1975, relativamente à Reforma Agrária.

 

São Paulo, 15 de outubro de 2015