Arquivo para Janeiro, 2017

Por que ninguém quer o Novo Banco?

Sábado, Janeiro 28th, 2017

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Eco Opinião Eurico Brilhante

(Ou porque não tem razão quem quer vender a qualquer preço).

Por que ninguém quer o Novo Banco? Esta é a pergunta a que ninguém, até agora, respondeu. As posições públicas que se conhecem remetem para duas más soluções: passar a propriedade para uma entidade privada – um private equity – pagando, ou garantindo o book value, quando se sabe que os ativos ‘não-performantes’ (NPLs) continuam a pesar no balanço do banco; ou, nacionalizar, aparentemente assumindo as necessidades adicionais de capital que, segundo os jornais, ascendem no imediato a 750 milhões de euros, ao mesmo tempo que as contingências de depreciação ou registo de ativos depreciados fica nas mãos do Estado, numa nacionalização que ninguém, com exceção do BE e do PCP, era a solução desejada.

Mas teremos de voltar atrás para perceber por que chegámos aqui e, em grande medida, para que se entenda porque mesmo muitos que nunca defenderam a nacionalização a colocam hoje em cima da mesa.

O Novo Banco é uma entidade financeira de transição. Nasce a partir da aplicação de uma medida de resolução ainda em 2014, com limitações na utilização dos credores seniores, mas que ‘varreu’ acionistas e dívida subordinada. Ao resolver o BES, o ativo mais importante do GES, foi decretada a insolvência das empresas do grupo, emergindo milhares de lesados que viram as suas poupanças desaparecer. A recomposição do ativo aquando do processo de resolução, e a capitalização em 4,9 mil milhões de euros – ao que soma o bail in de dois mil milhões de euros em dezembro de 2015 – deveria ter colocado o banco na senda dos resultados positivos.

Mas isso não aconteceu. Porquê? Porque o perímetro da resolução definido, à partida, deveria desde logo ter assumido mais perdas. E o Banco de Portugal deve ser chamado, no momento próprio, a explicar porque não alargou esse perímetro, e que critérios utilizou para definir, enquanto autoridade de resolução, o valor do ativo do Novo Banco.

Neste momento, o Novo Banco é o resultado de uma resolução – e da insolvência de um dos maiores grupos nacionais –, tem pendente um conjunto alargado de litígios em tribunal, num quadro em que a atividade bancária tem visto a margem financeira diminuir e onde o produto bancário vai sendo ancorado cada vez mais em comissões por serviços prestados. As necessidades de capital, quer para cobrir uma legislação europeia que exige mais buffers, quer pela natureza dos próprios ativos (RWAs), tornam o negócio bancário menos atraente, e com incerteza (mesmo no âmbito regulatório). Quer isto dizer: comprar o Novo Banco só é útil para uma outra entidade bancária se permitir sinergias de operação e se não obrigar a mais capital para suportar os RWAs adicionais (no curto e no médio-prazo).

É por isto que os quase 20% de quota de mercado no Novo Banco não têm tido comprador no setor bancário; tem tido como potenciais compradores private equities, que procurarão garantir Taxas Internas de Rentabilidade Elevadas com a alienação de NPLs, garantidos pelo Estado, financiando a aquisição com os próprios ativos do banco. E está numa posição confortável para fazer exigências: o Estado tem um prazo limite para alienar o banco. E a data limite aproxima-se.

É por isto que é conveniente não deitar fora, pelo menos para já, a nacionalização do Novo Banco. Quem quer comprar não garante sinergias no mercado nacional, e propõe-se alienar em baixa alguns dos NPLs, deixando em grandes dificuldades outras entidades bancárias que procurarão recuperar de forma mais lenta e provavelmente e com menores perdas parte dos créditos (NPLs). Se esta for a combinação é melhor nacionalizar, procurando uma gestão adequada dos NPLs, e libertando os bons ativos do Novo Banco para a adequada criação de valor. Terá o Estado, nesta circunstância, enquanto acionista, melhores condições para vender. E é por isso que vender de qualquer forma, sem acautelar o impacto da venda no mercado e nas expectativas de rendibilidade dos NPLs, é um erro que o mercado bancário português não pode suportar. A solução será sempre difícil, e o valor nunca será suficiente para recuperar todo o dinheiro que o Fundo de Resolução colocou no banco; mas isso, no momento e no sítio certo, não poderemos deixar de perguntar ao Banco de Portugal e aos responsáveis do Governo PSD/CDS.

 

Melhor cenário na venda é vender por zero

Quinta-feira, Janeiro 26th, 2017

Citamos

Sábado

Seguem as negociações para levar os fundos norte-americanos a desistirem das garantias públicas. Finanças preparam trabalho para minimizar impacto para o Estado. Nacionalização é hipótese remota

Vender o Novo Banco por zero euros é o cenário mais favorável em cima da mesa caso o Governo decida avançar com a venda. Nesta fase o Banco de Portugal – responsável por eleger uma proposta final e submete-la à consideração da Governo – está a tentar levar os fundos norte-americanos Lone Star e Apollo/Centerbridge a abandonarem as exigências de garantias públicas sobre parte dos activos do Novo Banco. Caso tenha sucesso – um desfecho neste momento muito incerto – a queda das garantias significa, entre outras contrapartidas, vender o Novo Banco por zero, apurou a SÁBADO.

Até agora o Lone Star já reduziu muito o perímetro de activos do Novo Banco (carteiras de crédito, fundos de reestruturação, etc.) sujeitos a garantia, de oito mil milhões para dois mil milhões de euros. Também o consórcio Apollo/Centerbridge prepara uma oferta com um perímetro muito mais pequeno de garantias. Não é claro, contudo, que o Banco de Portugal consiga eliminar totalmente as garantias, que são um aspecto central das propostas para os compradores.

O Governo traçou uma linha vermelha na venda: não pode ter custos para o erário público. Mas a SÁBADO sabe que o Ministério das Finanças está preparado para estudar do ponto de vista técnico formas de minimizar o envolvimento do Estado após a venda, num sinal de que poderá ponderar uma venda com garantias muito limitadas.

Num processo com muito por decidir é possível traçar o caminho a seguir pelas autoridades: tentar eliminar as garantias e vender a zero (o que seria uma solução politicamente aceitável); tentar minimizar o impacto das garantias; ou procurar adiar a venda, buscando tempo para a solução sistémica para o malparado da banca (que serviria para limpar o Novo Banco). Esta última enfrentará resistência por parte de Bruxelas, já que o Novo Banco precisa de ser recapitalizado este ano. Resistência maior só mesmo face à hipótese de nacionalizar – caminho que mais remoto nos planos do Governo.

“Não temos preconceito com a nacionalização do Novo Banco”

Quinta-feira, Janeiro 26th, 2017

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Público

O Governo prefere vender, mas optará pelo que tiver menos impacto nas contas públicas — e pode ser a nacionalização. “Bruxelas e Frankfurt sabem fazer as contas”, diz a ministra.

O Novo Banco não pode adiar-se eternamente, explica Maria Manuel Leitão Marques, que está satisfeita com o apoio de Marcelo ao Governo.

Espero que sim. A nossa posição é vender, sem que isso signifique que o Estado o esteja a comprar de outra maneira. Pelas garantias que dá, compromissos que assume ou pelo dinheiro que vai lá ter de pôr. Não temos nenhum preconceito com a sua venda ou nacionalização, nenhuma preferência ideológica.

É possível convencer Frankfurt e Bruxelas dessa nacionalização? Seria um caso único.
É verdade, mas é preciso convencer Frankfurt e Bruxelas de que estamos a procurar a solução que tenha menos impacto nas contas públicas.

Acha que é possível convencê-los de que nacionalizar sai mais barato?
Acho que as pessoas sabem fazer contas, sobretudo lá.

E a solução de prolongar mais o prazo?
Já prolongámos, já estamos em prolongamento para ver se é possível encontrar outros compradores ou fazer uma negociação.

Este prazo é para cumprir?
A não ser que haja factos que nos permitam chegar à conclusão de que com um prazo maior chegamos a uma solução melhor. Não podemos deixar o Novo Banco eternamente sem solução.

O compromisso com Bruxelas é que se não houver venda até Agosto se fecha o banco.
Bruxelas somos nós. Às vezes dizem-me: não podemos fazer assim porque Bruxelas não deixa. Bruxelas é o Conselho Europeu onde estamos representados. E é a Comissão que está ligada a outras entidades.

O calendário político pode prejudicar as negociações?
A Europa não pode prejudicar nenhum Estado-membro, precisa de todos. Não tenho a certeza, mas tenho um profundo desejo de que isso não aconteça. Um dos problemas de Bruxelas é, às vezes, a distância que os decisores têm relativamente à realidade dos Estados-membros. É muito importante para as instituições europeias manterem algum conhecimento com a realidade, com a psicologia, com a percepção de que são tão importantes no voto.

Este Governo tem feito a diferença nessa percepção em Bruxelas?
Tem procurado fazê-lo. Sempre dissemos que a margem de negociação é curta, mas não é impossível. Não podemos é ser acríticos. Bruxelas também é um espaço de negociação e de co-decisão.

O Presidente da República tem ajudado?
Com certeza que ajuda ter um Presidente que ouve os argumentos do Governo, que emite a sua opinião — às vezes distinta — e um Presidente que dá confiança ao país.

Há um ano esperava que este Presidente tivesse este tipo de acção?
Talvez não tão pró-activa, mas, conhecendo o prof. Marcelo, nunca esperei que tivesse o mesmo perfil do Presidente anterior.

Concorda com Sampaio da Nóvoa quando diz que Marcelo tem sido mais próximo do Governo, menos de Passos Coelho.
Não acho que o Presidente tenha pecado por isso, tem mantido a sua independência. Tem ouvido muito o país — eu também o tenho feito.

Tem sentido os militantes do PS satisfeitos com o Presidente Marcelo?
Parecem-me, sim, não vejo grandes críticas. Mas o PS é um partido muito plural, sempre foi.

Fechando com o Simplex: o CDS fez contas ao programa e viu atrasos em 70% das medidas.
Nós tomámos uma opção: temos prazos ao mês que tornámos públicos, para que os cidadãos e os partidos possam controlar. Isso é uma ajuda. Nós temos um controlo disso, das medidas. Por exemplo: “abrir um restaurante” é uma medida que já devia estar concluída e não está, mas já vai em 75% de execução. Sabemos o que falta, sabemos o que está concluído e que mudámos a vida de muitas pessoas. Temos menos 10% de cartões caducados, porque avisamos as pessoas — mais de 700 mil foram avisadas por sms.

Mas há muitos tropeços ainda, que se cruzam por exemplo com assuntos relacionados com investimento, ou mesmo de políticas de licenciamento. Ainda não é muito Simplex.
Apesar de muitas alterações de legislação em matéria de licenciamento… eu própria ajudei a criar o “licenciamento zero”. Não imagina o que era abrir uma esplanada em Lisboa, eram cinco ou seis licenças. Mudámos isso tudo, hoje é simples — e veja o número de esplanadas que encontra. Mas há muita coisa por fazer — e estamos com esse dossier aberto.

Melhor cenário é vender Novo Banco por zero

Quinta-feira, Janeiro 26th, 2017

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Público

A possibilidade de venda sem a garantia exigida ao Estado é um dos cenários apontados para a conclusão do processo de venda.

O Banco de Portugal está a tentar convencer os dois principais candidatos à compra do Novo Banco a deixar cair a garantia exigida ao Estado, vendendo o banco por zero. A informação é avançada nesta quinta-feira pela revista Sábado. De acordo com a revista, o Ministério das Finanças está igualmente a estudar uma solução que minimize o envolvimento dos cofres públicos e o impacto para os contribuintes.

Os dois compradores interessados, o Lone Star e o consórcio Apollo/Centerbridge, pedem uma garantia ao Fundo de Resolução com a contragarantia do Estado, assegurando que se os activos forem vendidos abaixo de um certo valor o Estado português é chamado a pagar parte da diferença.

Segundo a Sábado, colocam-se agora três cenários centrais, o que não passará pela nacoionalização. O primeiro é a eliminação das garantias exigidas pelos compradores, paralelamente à redução da dívida do banco e ao cancelamento do mecanismo de partilha com o Fundo de Resolução (de eventuais resultados positivos com a venda de activos do banco). Com esta solução, o Estado ficaria liberto de custos mas no melhor cenário significaria vender o Novo Banco por zero, algo que a revista diz ser aceitável para o Banco de Portugal e, em princípio, também para o Governo.

Emigrantes lesados pelo BES procuram solução negociada em 30 dias

Terça-feira, Janeiro 24th, 2017

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RTP

A CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) convidou o Novo Banco para um processo de mediação com os emigrantes lesados no caso BES.
É mais uma tentativa para resolver o problema, que se arrasta desde o fim do banco. Se o Novo Banco aceitar a negociação extra judicial o caso pode estar resolvido em cerca de um mês.

 Esta é uma prática recomendada pela união europeia e que pode permitir uma solução mais rápida.
No Jornal 2 Marta Cerqueira Gonçalves, que representa os lesados, está convicta que esta solução poderia ajudar a quebrar o impasse negocial.

“Com a CMVM como mediador, este expediente serve para chamar à mesa das negociações quem os lesados consideram ser a sua contraparte”. A ideia é tentar um acordo extrajudicial num processo que não acarreta custos judiciais para nenhuma das partes. O Novo Banco ainda não respondeu.

Os emigrantes lesados na resolução do Banco Espírito Santo não estão ao abrigo dos acordos já alcançados para os demais investidores nacionais.

“Estamos a tentar esta solução mas não descuramos a via judicial, até porque um acordo pode não ser do agrado de todos, e os processos nos tribunais podem continuar para quem não se sentir confortável ao assinar um acordo”, explicou Marta Gonçalves.

Um processo judicial desta natureza pode demorar anos até estar concluído, lembra a advogada que recorda que legalmente um processo de mediação tem que estar concluído no prazo máximo de 30 dias.

BE: Governo não pede afastamento de Carlos Costa porque complica relações com BCE

Terça-feira, Janeiro 24th, 2017

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Negócios

Catarina Martins continua ao ataque ao governador do Banco de Portugal. Em entrevista ao Público, admite que a litigância em torno do Novo Banco vai ter custos para o Estado. E mostra-se contra os modelos para o veículo do malparado.

A líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, insiste na retirada de confiança ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. Em entrevista ao Público, critica os modelos de resolução decretados pelo regulador e defende mesmo que já se deveria ter desencadeado o processo para o seu afastamento. Mas o Executivo não quer, admite.

“O Governo do PS não iniciou nenhuma acção junto do BCE para a sua substituição, nós não concordamos com essa análise”, diz ao Público a líder do terceiro partido mais votado para o Parlamento.

Questionada sobre por que motivo tal não aconteceu, já que os socialistas foram também sempre muito críticos da postura de Carlos Costa, Catarina Martins avança com uma sugestão: “O Governo considera que não tem… Enfim, é melhor perguntar ao Governo do que ao BE, mas, enfim, julgo que é público: o Governo considera que é um processo que é um complicado, ou [que pode] tornar as relações mais complicadas com o BCE”.

Só com uma falta grave é que um governador pode ser afastado. O Governo, pela voz do secretário de Estado do Tesouro Ricardo Mourinho Félix, já afirmou que tal falta havia sido cometida mas o processo para a destituição nunca foi iniciado.

“Nós consideramos que Carlos Costa não tem condições para estar à frente do Banco de Portugal”, ataca Catarina Martins, acrescentando que a venda da instituição financeira herdeira do BES não deveria estar a ser liderada pelo Banco de Portugal. “Sendo públicas as divergências que temos, sendo para o BE um pouco incompreensível como é que o Banco de Portugal continua a gerir o processo desta forma e como é que continua a ter a cobertura, ou a confiança política do Governo para o fazer, eu quero confiar que o ministro terá acesso a informação que justifica todo este tempo”, adianta.

Litigância vai ter custos para o Estado

Segundo Catarina Martins comenta ao Público, são inúmeros os erros cometidos por Carlos Costa, que podem custar dinheiro ao erário público. “A resolução foi de tal formal mal feita pelo Banco de Portugal – a primeira e a segunda – que nós temos processos de litigância que são feitos porque foram protegidos certos credores em detrimento de outros. Aliás, a segunda resolução foi feita protegendo alguma burguesia nacional e penalizar investidores estrangeiros. Vai dar uma litigância tal que sabemos que o Estado vai continuar a ter custos com o Novo Banco”.

A primeira resolução é a medida aplicada a 3 de Agosto de 2014, a segunda resolução referida pela deputada é a transferência de 1.985 milhões de euros em cinco linhas de dívida sénior do Novo Banco para o BES “mau”, como forma de capitalizar o primeiro, a 29 de Dezembro de 2015.

Estes encargos estão no Fundo de Resolução, e não no Novo Banco, mas Catarina Martins considera que não é por isso que o Estado não terá de enfrentá-los, se vier a ser condenado nos tribunais: “Demos a volta que dermos, os custos públicos estão cá, não conseguimos libertar-nos deles”.

Mesmo sem garantia, NB não deve ser vendido

Na entrevista ao jornal diário, Catarina Martins reitera que o Novo Banco deve permanecer na esfera pública. Mesmo que não sejam exigidas garantias estatais pelos compradores. “Continuamos a achar que o mais prudente e razoável é que o banco fique na esfera pública”.

Os fundos Lone Star e Apollo/Centerbridge estão nas negociações finais para a alienação do Novo Banco. O BE quer uma nacionalização mas recusa a ideia de que é permanente ou temporária: “Eu não reconheço nenhuma nacionalização que seja permanente nem nenhuma privatização que seja permanente”. “A democracia é isso: uma decisão em cada momento”, define.

Contra modelo de malparado

É também sobre aqueles a que chama “fundos abutres” que a líder do Bloco de Esquerda se refere para criticar os actuais modelos desenhados para o veículo que vier a ficar com os imóveis e os créditos malparados que, neste momento, estão a pesar nos balanços das instituições financeiras.

Os modelos, desenhados à semelhança de Espanha e Itália, “não resolvem o problema e podem criar novos problemas, ao porem o malparado na mão de fundos abutres e acabando por ter sempre garantias públicas”.

Sérgio Monteiro: Força nas canelas

Domingo, Janeiro 22nd, 2017

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Correio da Manhã

Faz 43 anos para o mês que vem, o gestor que se farta de pedalar. Aquele que já foi de Mangualde à Serra da Estrela, das PPP à TAP, corre agora o risco de derrapar agarrado ao Novo Banco
O amigo conterrâneo precipitou-se. O Opus Dei, afinal, não recrutou Sérgio da Silva Monteiro. Na adolescência, foi acólito, o padrinho é sacerdote, a falecida mãe, professora primária, era devota, a irmã assessorou um antigo presidente da Câmara de Mangualde, que é supranumerário.

Coincidências. Sérgio Paulo Lopes da Silva Monteiro diz pela sua própria voz que nunca pertenceu à Prelatura pessoal da Igreja Católica. Casado e com descendentes, três raparigas e um rapaz, é fácil encontrá-lo, aos fins-de-semana , a passear os herdeiros de bicicleta, no Parque das Nações, em Lisboa, onde reside. No passado, pedalou desde a sua terra natal, Mangualde, até ao infinito da Serra da Estrela. Agora, os pedais têm tempo limite: Abril próximo.

A milionária prestação de serviço ao Banco de Portugal justifica-se numa alínea: encontrar comprador para o ‘banco bom’ após o naufrágio de Ricardo Salgado. Bem posicionado para ficar com o Novo Banco é o Lone Star Funds, comandado por John Grayken, tido como um oportunista que fez fortuna a partir dos erros alheios.

Próximo de Maria Luís

O governador Carlos Costa entusiasmou-se com a biografia do homem nascido em 19 de Fevereiro de 1974, sobretudo no que respeita a processos de privatização, sucedidos em 2013, e colocou-o à frente do projecto de um negócio que já viu as águas de bacalhau. Não é a estreia de Sérgio Monteiro na ribalta.

Antes de ser secretário de Estado das Infra-estruturas e Transportes de Passos Coelho, administrou a Caixa Banco de Investimento da CGD, onde às suas costas caíam as Parcerias Público-Privadas (PPP). Dialogante, conciso e combativo. Travou batalhas. Na TAP negociou com sindicatos de pilotos. No Metro retirou aos funcionários a regalia dos óculos escuros. Privatizou a ANA, resolveu a CP Carga, vendeu os CTT em Bolsa à finança internacional.

Almas vivas do PSD não querem saber do CV de Monteiro: “Ainda para mais não é militante.” É apenas adepto do Benfica. No consulado de Passos Coelho, diz-se que o pós-graduado em Ciências Empresariais fez papel de ministro da Economia e que teve proximidade com Maria Luís Albuquerque.

Há militantes do PSD que não digerem o facto de, em Janeiro de 2011, ter integrado o Grupo de Trabalho para a reavaliação das PPP e Concessões, por indicação de Governo socrático: “Sérgio Monteiro começa com os socialistas e a seguir vai para governo de coligação PSD/PP. E depois, continua no seu melhor?!” A ironia refere-se ao salário atual – 25, 4 mil € -, que teve direito a um prolongamento. A explicação do balúrdio veio em comunicado. Monteiro, filho de um bancário da CGD, recebe uma remuneração igual à que auferia no CaixaBI. Este detalhe provoca riso a fonte adjacente. O lugar de Monteiro terá sido preenchido e é improvável que volte a reunir tantos euros num só mês.

Obrigacionistas podem ser chamados à solução

Domingo, Janeiro 22nd, 2017

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Expresso

Interessados no Novo Banco ainda não desistiram das garantias

O dossiê de venda do Novo Banco continua a marcar passo. O Banco de Portugal (BdP) continua à procura de uma solução criativa que não envolva garantias de Estado, uma exigência da única proposta de compra vinculativa que existe, a da Lone Star. O tempo urge e o Governo pode mesmo ser obrigado a reabrir as negociações com Bruxelas para encontrar uma alternativa à liquidação, algo que o primeiro-ministro, António Costa, não quer, mas que acontecerá se o banco não for vendido até agosto.

Tudo indica que as autoridades portuguesas já estão a estudar uma solução que passa pela venda parcial do Novo Banco. E, sabe o Expresso, está a ser equacionada a possibilidade de serem chamados para esta solução os obrigacionistas institucionais que ainda estão no Novo Banco. Resta saber qual seria a moeda de troca. E se os atuais candidatos à corrida, especialmente a Lone Star, aceitariam. Poderia o Novo Banco usar neste caso uma ferramenta, conhecida como Liability Management Exercise, que permite antecipar o pagamento de obrigações com desconto, abatendo o valor à dívida e tornando assim menor a necessidade de garantias e de capital? A probabilidade de sucesso é baixa. Outra hipótese seria tentar convencer os obrigacionistas do Novo Banco a transformarem a dívida em capital, tornando-se acionistas.

“É preferível manter o Novo Banco mais algum tempo no Fundo de Resolução”

Domingo, Janeiro 22nd, 2017

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Diário de Notícias

“Este foi um ano relativamente fácil para o governo e para os partidos à sua esquerda que o apoiam. Foi fácil porquê? Porque foi o ano da distribuição, ou seja, foi o ano das medidas de reversão”, considera o antigo ministro da Segurança Social Bagão Félix

A polémica do momento, daquelas de que gostam os políticos e os jornalistas, faz-se à volta da descida da TSU, da Taxa Social Única, para compensar os empresários por causa do aumento do salário mínimo. O senhor considera que a medida é errada, do ponto de vista económico, mas tendo havido acordo na Concertação Social, justifica-se, na sua opinião, este braço de ferro político entre Partido Socialista e PSD?

Bem, quando à medida em si, eu estou em desacordo com ela por várias razões, mas uma delas é fundamental para responder à segunda parte da sua questão. É relativamente fácil chegar ao acordo relativamente a uma parte que interessa aos dois lados, ao sindical e ao patronal, quando há um terceiro pagador, neste caso os contribuintes. E como havia um terceiro pagador da medida da Taxa Social Única – contribuintes e/ou beneficiários da Segurança Social -, mandaria a prudência que o governo, tendo em conta a importância do consenso, do acordo social, cuidasse também da concertação política. Ora, o governo foi imprudente – não tratou da concertação política -, pois até sabia de antemão que os partidos que são seus companheiros na coligação, entre aspas, que sustenta o governo, se oporiam à medida. Nesse sentido, deveria ter iniciado conversações com o PSD, que era o único partido que, pelo menos pela abstenção, lhe faria aprovar esta medida, e isso não aconteceu.

Contou que houvesse a mesma atitude por parte do PSD que houve no Orçamento anterior?

É uma boa questão. E é uma questão para a qual eu próprio não tenho uma resposta confortável, por várias razões. A primeira, é a questão da coerência ou da incoerência. Em abstrato, o PSD e Pedro Passos Coelho foram incoerentes. Aliás, é a terceira vez que isto acontece. A primeira, o PSD fez muito bem em contribuir para a aprovação do Orçamento Retificativo, por causa do Banif. De algum modo, também se sentia corresponsabilizado. Fez muito bem, na minha opinião, ao abster-se numa votação semelhante a esta, da Taxa Social Única, em fevereiro ou março do ano passado. Para uma situação que não era exatamente igual – a própria dimensão da taxa social era menor -, mas fez bem em abster-se, porque estávamos no início de um governo e não faria sentido que houvesse uma posição política tão de obstrução. Bem, passou um ano. Passou um ano e, apesar de tudo, o contexto é diferente. Nesse sentido, durante estes 12 meses, na minha opinião, o PSD – também por culpa própria, em parte, mas também por culpa do governo -, os dois partidos ou o governo e o PSD não foram capazes de estabelecer um denominador mínimo comum para algumas questões essências.

Como estas que são matérias de Concertação Social.

Como estas, sim. Porque, repare bem, este ano foi um ano relativamente fácil para o governo e para os partidos à sua esquerda que o apoiam. Foi fácil porquê? Porque foi o ano da distribuição, ou seja, foi o ano das medidas de reversão. As medidas de reversão, naturalmente, são populares. Concordemos ou não concordemos com elas, mas, de um modo geral, são populares: diminuir o número de horas de trabalho, acelerar…

Os feriados. Voltar a repor feriados.

Sim, a repor feriados, acelerar a devolução dos salários – que, aliás, já estava prevista também pelo PSD, embora mais lentamente -, a questão da sobretaxa. Pronto. E está esgotado o programa da reversibilidade da austeridade que havia sido programado. O que sucede a partir de agora é que, aparentemente, tanto quanto é possível prever, as políticas são mais de divergência do que de convergência entre o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda. Porquê? São medidas que não têm tanto a ver com a distribuição, mas têm a ver com a criação de riqueza.

Nós já vamos voltar aqui, à TSU. Deixe-me dar só um salto no nosso alinhamento. Tem a ver com o facto de, entrando em ano de eleições autárquicas, antevê que entre os partidos da maioria parlamentar, por um lado, mas também dos partidos da oposição, aumente a crispação política e os antagonismos se tornem mais evidentes?

Não creio. Eu não dou tanta importância à extrapolação nacional das eleições autárquicas. As eleições autárquicas têm um código genético diferente das eleições gerais. É claro que no dia a seguir, nos dois ou três dias a seguir aos resultados faz-se sempre alguma especulação sobre isso.

Mas eu falo é de…

Antes. Antes.

Antes de chegarmos lá, não vai haver uma tentação de criar algumas polémicas artificiais para o PCP e o Bloco se distanciarem do governo?

Não. O PCP tem as suas autarquias mais ou menos seguras. O Bloco de Esquerda não tem peso autárquico. O próprio PSD tem dificuldades ao nível das grandes câmaras. E, portanto, não estão em posição de acicatar essa questão no antes eleições autárquicas. Eu creio que as questões que vão surgir, se surgirem, e admito que sim, são mais deste tipo. Ou seja, agora verdadeiramente o que emerge, no seio da maioria que apoia o governo, são questões em que há desacordo: a questão orçamental, a questão do euro, a questão das parcerias público-privadas, a questão da fiscalidade, etc. etc. etc. Ou seja, até agora esta maioria foi uma maioria que raramente se tornou minoria. Este é o primeiro exemplo de uma maioria que se pode tornar, em alguns casos, em minoria, o que não deixa de ser desconfortável para…

Para o governo e para o Partido Socialista.

…para o partido no governo, para o Partido Socialista.

De qualquer forma, o governo chegou a dizer que haveria um aumento do salário mínimo para os 557 euros e havia, aliás, um acordo político à esquerda para que se chegasse a esse valor.

Sim, sim.

Depois cedeu, em busca de uma acordo que era pedido, nomeadamente pelo Presidente da República. Acha que, também aqui politicamente, houve uma cedência por parte do ministro Vieira da Silva e do primeiro-ministro àquilo que era pedido pelo Presidente da República?

Não. Sinceramente, não creio. Acho que o senhor Presidente da República fez – e, em meu entender, bem – o seu papel de magistratura de influência, que, aliás, [ri-se] é muito ativa. Não é uma magistratura passiva, é bastante ativa. E fê-lo bem, não é? Acho que o Presidente da República naturalmente quer que haja sempre um valor patrimonial da Nação portuguesa, que é a estabilidade: a estabilidade social, estabilidade política. Independentemente de concordar ou não concordar com as soluções, desde que o que esteja decidido e acordado contribua para essas estabilidades, tanto melhor. Portanto, nesse aspeto, fez bem. Agora, levanta aí uma questão interessante, se me permite, que é a circunstância do papel da Concertação Social. Eu, há pouco, já referi que a Concertação Social é importantíssima, faz parte dos estados contemporâneos, abraça a ideia de um Estado Social adulto, maduro, consistente, estável. Mas acontece também que isso não deve substituir a câmara certa da representação do povo português, que é o Parlamento e a sua emanação governamental. Eu acho que – não é de agora, já é de há muito tempo a esta parte – a Concertação Social transformou-se numa espécie de câmara corporativa. Não estou a dizer isto no sentido negativo, mas no sentido de que era quase obrigatório que aquilo que é uma condição necessária se transformasse numa condição suficiente para a adoção de medidas.

Mas o que acontece agora também, pela primeira vez, é que o Parlamento funciona como uma sede de recurso para aquilo que se decidiu…

Claro, claro.

Também não é bom para a concertação. Esvazia a Concertação Social.

Não esvazia a Concertação Social, na minha opinião. Aliás, olhe, uma das afirmações que esvaziou a Concertação Social neste caso concreto foi a afirmação do governo dizendo logo aos parceiros sociais que, acordemos ou não acordemos, o salário mínimo nacional vai mesmo ser de 557 euros.

Será de 557 euros. Era nesse sentido que eu falava de esvaziamento.

De acordo com o estabelecido entre os três partidos ou os quatro partidos que sustentam o governo. Isso é que não é fortalecer e robustecer a Concertação Social. Depois, é muito fácil fazer Concertação Social, como eu lhe disse, havendo um terceiro pagador.

É uma parte. Quer dizer, o aumento é de 27 euros, o governo compensa com cerca de seis, não é?

Mas, ouça, há aí um paradoxo nesta medida toda. Eu sei que isto é discutível e a minha opinião é apenas a minha opinião. Mas há um paradoxo, que é o seguinte: não pondo em causa a justeza e a justiça e a dignidade do salário mínimo nacional, do seu aumento, nós estamos perante uma economia que, pelos vistos, não é capaz de o absorver. Alguma coisa está mal, nisto. Alguma coisa está mal! É a economia? É o salário mínimo nacional? Não sei, mas alguma coisa está mal. Quando é preciso subsidiar as entidades empregadoras em parte para compensar um aumento de 5% do salário mínimo nacional, alguma coisa está mal. Mais vale ir às causas, do que propriamente andarmos todos a…

Sim. Esta é uma medida provisória mas que se repete ano após ano.

Pois, essa é uma questão. Essa é uma questão interessante pelo seguinte: uma das críticas que se tem feito a esta questão da Taxa Social Única e do aumento do salário mínimo nestas condições é a de isso levar os empresários a… Bom, vou dar um exemplo. Em vez de contratar por 600 euros, o empresário diz: “Não, o melhor é contratar por 557 euros, porque assim vou ter um subsídio do Estado perpétuo…

O que se aplica, o desconto que se aplica é sempre a contratos que já existem.

Ora, exatamente! É isso mesmo! Essa tese cai, porque, quer este diploma, quer os dois anteriores – o de 20144 e de 2015 -, considerava que isto só se aplica a trabalhadores admitidos até ao dia 31 de dezembro do ano anterior e que ganhem o salário mínimo nacional da altura. Portanto, essa questão está posta de lado. Mas acontece que – e é por isso que eu me lembrei, face à sua pergunta – que a medida, como aliás é habitual em Portugal, as medidas transitórias às vezes são transformadas em quase-definitivas. Pelo menos até aos 600 euros, que é o que está acordado entre os partidos da maioria, é provável que isto continue a acontecer. Então, se não tem esse efeito imediato, tem o efeito a prazo. Ou seja, um empregador diz assim: “Bem, eu podia contratar por 600 euros, mas vou contratar por 557 euros…”

Porque, à frente, vou ser compensado.

Como quem diz: “Este ano não vou ser compensado, mas, para o ano, já sou apanhado pela medida”. E, portanto, esta transitoriedade que é repetida vai gerando expectativas e vai tendo, também do ponto de vista dos trabalhadores mais indiferenciados, de facto, uma lógica de ponto de acumulação no salário mínimo nacional.

Podemos presumir que não vê inconvenientes em que a descida da própria TSU não seja aprovada, mantendo, ainda assim, o aumento para os 557 euros do salário mínimo?

Sim, sim, sim. Acho que sim. Eu sou a favor desse aumento e acho que uma economia e empresas que não suportam este aumento, alguma coisa está mal. Por exemplo, há dois setores da atividade económica onde a incidência do salário mínimo nacional é muito grande: restauração e turismo. Há outras, mas estou a citar estas. A restauração teve um beneficio que não repercutiu no operacional dos consumidores, em termos gerais, obviamente, em termos macro, que foi passar o IVA de 23% para 13%. O turismo é uma atividade que, felizmente, está em grande expansão. Mas deixe-me só, se me permite, fazer duas referências sobre esta matéria, a propósito da representatividade da Concertação Social. É que, além do mais, a Concertação Social precisa sempre de ter o suporte da decisão política, como é óbvio, e aí, quando há um governo que não tem ou que pode não ter maiorias ocasionais, como é este agora, evidentemente que os deputados sentem que não estão a pôr apenas um selo aprobatório na medida, sem pensar nisto. Portanto, nesse aspeto, também podemos ver pelo lado positivo esta questão, há uma discussão política sobre o assunto. E também porque a Concertação Social não inclui todos os representantes. Do lado dos sindicatos, há cada vez menos sindicalizados e há sindicatos independentes.

Que não estão lá.

Não estão lá. Do lado patronal…

Também há…

Olhe, eu vou-lhe citar. O setor financeiro não está lá: banca, seguros. Por exemplo, aquela questão de generalizar esta medida às instituições particulares de solidariedade social e às misericórdias resulta de também não estarem lá, não há ninguém que os represente. Dai, mais uma razão, em meu entender, que justifica, não só formalmente, mas substantivamente, a aprovação no fórum certo, que é o fórum político. Só mais uma questão. Diz-se que a Segurança Social perde receita, com uma medida destas, mas mesmo assim ganha porque o salário mínimo aumentou. Isso é verdade. Indiscutível. Mas essa não é…

São cerca de 40 milhões de euros.

Sim, mas essa não é a questão. A questão é a seguinte…

Mas há encargos futuros que também serão maiores por causa disso, não é?

Ora, exatamente! A questão é a seguinte: se o sistema estiver relativamente equilibrado, as contribuições devem corresponder aos encargos futuros com desemprego, doença, maternidade e pensões. Se se está a tirar uma parte, está-se a desequilibrar o sistema. E para quem -tanta gente – anda a pregoar aí o óbito, o obituário da Segurança Social, enfim, eu pergunto se é correto estar a financiar as entidades empregadoras numa situação de um aumento de salário mínimo nacional, face a outras perspetivas…

Até por ser temporária, devia ser o Orçamento do Estado, se esta medida seguisse.

Sim, sim. Agora é 50% e o Orçamento prevê que, para o ano, já será o Orçamento do Estado. Isso, apesar de tudo é mais correto. Mas o almoço nunca é grátis, como é óbvio. Mas pelo menos aí não vai erodir a base contributiva da Segurança Social.

[…]

O crescimento económico, tendo acelerado no segundo semestre de 2016 – o ministro das Finanças, numa entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, assegurou que será superior aos 1,2% previstos pelo governo -, está claramente, ainda assim, abaixo do necessário para resolver o problema da criação de emprego e da gestão da dívida. Em que é que está a falhar este governo? Em que é que têm falhado os governos, sucessivamente, para não conseguirem o crescimento económico que o país precisa, em sua opinião?

Pois, este crescimento económico é muito débil. É inferior, aliás ao de 2015. Foi de um 1,5% ou 1,6%. Vamos lá a ver, os governos, hoje em dia, contribuem numa porção relativamente diminuta – leia-se isto um pouco entre aspas – para o crescimento ou para as questões económicas. Grande parte delas são decididas e geridas fora do país, no contexto da união económica e monetária, outra parte depende do ambiente, da confiança, dos mercados externos, da globalização – por exemplo, o caso das exportações, não é. Em todo o caso, quais são as armas que os governos têm ao seu dispor para poderem fazer alguma coisa? Em primeiro lugar, a arma de estimular ou não o investimento. Quer o investimento público – e esse investimento público está reduzido quase a zero…

Quase não existe.

Quase a zero. O que, aliás, tem contribuído negativamente – tem contribuído, mas é uma contribuição que não é positiva – para, por exemplo, um défice abaixo de 3%. Com um investimento razoável, nós estaríamos acima, um pouco acima. Isso criaria alguma dívida, mas na dívida e no investimento temos de distinguir o trigo do joio, não é?

Sim, há boa e má…

Há o bom e o mau, exatamente. E é a estabilidade – eu, há pouco, apresentava-a como elemento patrimonial do desenvolvimento – e, naturalmente, a política fiscal e orçamental.

Pois, aí, deixe-me lembrar, defendeu limites constitucionais para a cobrança de impostos, indexando ao PIB do país.

Sim. Sim, sim, sim, sim. Acho que sim.

Já esta cobrança brutal de impostos é, na sua opinião, fator crucial para impedir um maior crescimento da economia?

Sim, sem dúvida. Vamos lá a ver! O que é que é um imposto? Quando se cobra um euro de imposto, está-se a retirar esse euro à economia. Utilizando a linguagem própria dos economistas, o que nós temos de pesar é se a utilidade marginal de um euro cobrado pelo Estado, e que será despendido pelo Estado, é superior à desutilidade marginal do euro que se retira à economia. Certo?

Se ele fosse para investimento público, ainda havia alguma razoabilidade…

Claro. Mas, por exemplo, quando nós discutimos… Sei lá! Anteriormente discutimos os TGV e os aeroportos e as grandes obras – é essa questão que se coloca e deve colocar política e tecnicamente. Neste contexto, eu acho que o nosso sistema fiscal é um sistema que penaliza o investimento. E penaliza-o de várias maneiras – não interessa aqui estar a referir muito isso -, mas a questão, a equação orçamental cada vez mais (e isto, nós andamos sempre a dizer isto, mas é verdade e eu reconheço isso), mas cada vez mais se está a atingir o limite acima do qual já não é possível pensar em crescimento estável e sustentado.

Parece, mas depois vem um governo e consegue subir mais um bocadinho.

Pois consegue, na margem. Aliás, criatividade fiscal é o que não falta nos governos. Como dizia Colbert, o ministro das Finanças de Luís XIV: “Cobrar impostos é como depenar um ganso, tirar-lhe o maior número possível de penas com a menor gritaria possível”. E é por isso que se tem ido para os impostos indiretos, que são mais anestesiados.

Percebem-se menos.

Mas têm perversidades, do ponto de vista de desincentivos ao crescimento, muito grandes. Olhe, vou-lhe só citar, dar um exemplo a propósito da Taxa Social Única e a propósito do IVA da restauração, de que falámos há bocado. Por exemplo, uma medida que teria sido preferível – eu sei que a restauração não gosta nada do que eu vou dizer – mas em vez de passar o IVA da restauração de 23% para 13%, devia-se ter diminuído o IVA da energia, da eletricidade, que passou de 6% para 23%. Isso beneficiava toda a gente, era mais justo, porque a eletricidade ninguém pode deixar de consumir.

Na última colocação de dívida, há 10 anos, Portugal já pagou os juros acima dos 4,2%. Há um limite para o nível de juros que Portugal conseguirá pagar com o atual crescimento económico?

Vamos lá a ver, a dívida pública, o custo da dívida pública, o custo implícito total do stock da dívida pública anda à volta de 3,5%, se a memória não me falha. Ou seja, é um custo superior ao crescimento nominal do PIB, ou seja, PIB real mais inflação. Portanto, 3,5% é superior a PIB, 1,2%, mais inflação, 0,7%: vamos falar de 3,5% contra 2%.

Certo.

Logo, nós estamo-nos a endividar para pagar juros, não é para pagar capital. Ora, isto é um garrote sobre o crescimento que é impossível sustentar muito tempo. E é por isso, de facto, que no contexto de uma união monetária a questão da dívida devia ser vista não unilateralmente, porque eu não defendo nada disso, mas devia ser vista em termos europeus, em termos globais da união monetária. Repare bem neste ponto: ultimamente a Alemanha teve, de repente, uma inflação de 1,5% ou 1,6%, q ue é uma inflação brutal para a Alemanha. [Risos]. E o que é que aconteceu perante essa notícia? Quando na Alemanha aumentou o custo de vida, em Portugal aumentou o custo da dívida. Quer dizer, os reflexos da inflação na Alemanha surgiram logo no custo da dívida em Portugal, o que é um paradoxo.

Acha que são os fatores externos que estão a pesar sobre o preço que nós pagamos pela dívida?

Não. Vamos lá a ver, é ao contrário. São os fatores externos, e em particular a política do BCE – que é, paradoxalmente, [risos] a única instituição que faz política na Europa, ao contrário do que deveria ser, não é? -, que, com injeção monetária constante, de 80 mil milhões, e outras medidas de política monetária, que está a contribuir para que os juros não subam. Mas bastou ela anunciar que ia reduzir um pouco o plano da expansão monetária…

Que eles passaram logo os 4%.

…de 80 para 60 mil milhões, e a questão de um ligeiro aumento da inflação e, sobretudo, na Alemanha, para os juros dispararem. A questão aqui se coloca – e à qual o primeiro-ministro não respondeu, quando lhe foi perguntado; pelo contrário, tentou omitir essa situação – é compararmos os diferentes aumentos, não é? E, de facto, o nosso aumento é muito maior para as mesmas circunstâncias externas do que o aumento verificado em Espanha, Itália e Irlanda. É essa parte, esse delta maior que deveria justificar… Olhe! Um consenso político, nesta matéria. Porque esta matéria, esta sim, é verdadeiramente de futuro e é geracional.

Continuando a falar de fatores que têm um peso significativo sobre a economia, nomeadamente os problemas do sistema bancário português, está confiante quanto à solução que precisa de ser encontrada para o Novo Banco? Acredita que esse dossiê não terá mais custos para o Orçamento do Estado, ou seja, para os contribuintes?

Eu sou muito sincero: não estou confiante com nenhuma solução. E, portanto, neste momento não é o second best, mas é o second worst, isto é, o que é que é o menos mau disso tudo. E mesmo assim tenho dúvidas. Eu acho que vender um banco, face, pelo menos, às ofertas que são conhecidas, é completamente errado. Felizmente, o ministro das Finanças disse, e muito bem, que o Estado não dava garantias sobre um side bank, digamos assim.

Disse-o, aliás, aqui na entrevista do Diário de Notícias/TSF.

Exatamente. Mas se, por acaso, essas garantias fossem dadas, obviamente que depois seriam concretizadas, os contribuintes portugueses pagavam para vender um banco, o que não deixa de ser anacrónico.

Não é a primeira vez…

Já não seria a primeira vez. Agora, a questão da nacionalização: a questão da nacionalização é entrar num buraco negro, que sabe como se começa mas não se sabe como acaba.

Ainda que ela fosse temporária?

Sim, tinha de ser temporária, até por questões de regras europeias. Portanto, isso, nem vale a pena discutir.

Certo.

Então, tudo considerado, o que é que eu acho preferível? Acho preferível continuar mais algum tempo, com uma boa gestão profissional, com o capital possuído pelo Fundo de Resolução, que também é uma entidade pública…

Mas isso implica negociar com a União Europeia um prolongamento do prazo.

Sim, claro. Claro.

Aliás, já tinha sido conseguido.

Claro, claro. Sim, sim. Mas implica isso, porque…

É isso que defende.

Não faz muito sentido a nacionalização, porque o banco, indiretamente, está nacionalizado, através do Fundo de Resolução, para o qual o Estado injetou grande parte da verba e que, por sua vez, faz parte do perímetro orçamental.

Em relação à Caixa Geral de Depósitos, ainda a falar de bancos, já ninguém estranha que o banco esteja sem liderança desde o início do ano. Imagina o que aconteceria se tudo isto se tivesse passado assim num governo presidido por Santana Lopes e um ministro das Finanças chamado Bagão Félix?

[Risos]. Não, eu tenho de reconhecer que o contexto, hoje, é mais difícil e, portanto, são situações incomparáveis, não é? Mas evidentemente que num governo desses o escrutínio seria muito mais violento. Porque mesmo com questões relativamente menores, essa questão, o problema não deixou de se colocar, esse tipo de problemas. Mas reconheço que, agora, a situação é mais difícil e é menos controlável pelo Estado português. Faz grande diferença.

Perdemos muita soberania em pouco tempo?

Sim, repare bem. Eu até me sinto incomodado, como português, por uma perda de soberania tão forte que leva a que o Banco Central Europeu, lá de cima, do seu pedestal, diga: “Este candidato a administrador da Caixa Geral de Depósitos sim, este não, este talvez, mas tem de fazer um curso de aperfeiçoamento”. Nós entrámos neste ponto! Quer dizer, a nossa soberania relativamente ao sistema bancário… Não existe.

O senhor faz, aliás, parte de um grupo de reflexão que pediu um combate ao excesso de dirigismo das autoridades europeias sobre a reconfiguração do setor em Portugal.

Sim.

Desde que iniciaram essa reflexão, esses trabalhos, há razões para estar mais ou menos preocupado?

Há razões para estar mais preocupado.

Mais preocupado?

Sim. Sobretudo porque a Europa está-se a fragmentar. Quer dizer, depois do Brexit…Vamos lá a ver, a Europa tem sido um falhanço total. Porque, repare, as grandes questões não foram resolvidas e estão sempre a ser postas debaixo do tapete: a questão da política orçamental, a questão do euro, a questão dos refugiados, a questão das offshore, etc. Não se resolve nenhum problema! A Europa, neste momento, caminha num curto rio de inércia.

É uma questão dos dirigentes políticos que temos hoje na Europa ou era um caminho que teria de acontecer, porque, de repente, não houve um federalismo e, portanto, voltam outra vez os nacionalismos quando as coisas correm mal?

Não, há três razões, para mim. Em primeiro lugar, há uma escassez bastante grande de estadistas, ao contrário do que havia nesse tempo. Hoje, estadistas há muito poucos. Em segundo lugar, entendo que foi uma precipitação e uma aceleração o alargamento da União Europeia.

Ao Leste.

Ao Leste. Não que não se devesse ter feito, mas da maneira como foi ela feita gerou um mosaico completamente ingerível. Completamente ingerível. E mais do que isso: completamente hierarquizado. E em terceiro lugar, a construção do euro, que é uma construção do voluntarismo político sem quaisquer bases técnicas aceitáveis. Eu não sou federalista, completamente longe disso. Mas tenho de reconhecer que só pode haver moeda única com alguma federalização, designadamente dos orçamentos. E não houve. E, portanto, o euro é um projeto que igualizou realidades completamente diferentes. É como Portugal e a Alemanha irem para uma prova de 100 metros: a Alemanha só vai percorrer 50 e nós vamos percorrer 120, com as mesmas regras nominais e reais. É um desastre!

O paradoxo da nacionalização do Novo Banco

Sexta-feira, Janeiro 20th, 2017

Citamos:

MRA Newsletter

Miguel Reis

 

Segundo uma sondagem publicada pelo Expresso (14/1/2017) a maioria dos portugueses (52,5%) prefere a nacionalização do Novo Banco à sua liquidação (28,5%).

Estamos, objetivamente, perante uma “sondagem manipuladora”, ou seja, perante uma sondagem que tem, como fim principal, criar condições para uma medida política, ao invés de obter um resultado sobre a verdadeira opinião dos auscultados.

Importa começar por esclarecer em que consiste a nacionalização de um banco em Portugal.

A resposta encontra-se na Lei n.º 62-A/2008, de 11 de novembro, que nacionalizou o Banco Português de Negócios e instituiu o “regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização.”

O art.º 1º dessa lei dispõe o seguinte: Podem ser objeto de apropriação pública, por via de nacionalização, no todo ou em parte, participações sociais de pessoas coletivas privadas, quando, por motivos excecionais e especialmente fundamentados, tal se revele necessário para salvaguardar o interesse público.”

O artº 2º dispõe que “os atos de apropriação pública, por via de nacionalização, revestem a forma de decreto-lei”, devendo o mesmo evidenciar, sempre,” o reconhecimento do interesse público subjacente ao ato de nacionalização, com a observância dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência”.

O artº 4º determina o seguinte:

“1 – Aos titulares das participações sociais da pessoa coletiva, bem como aos eventuais titulares de ónus ou encargos constituídos sobre as mesmas, é reconhecido o direito a indemnização, quando devida, tendo por referência o valor dos respetivos direitos, avaliados à luz da situação patrimonial e financeira da pessoa coletiva à data da entrada em vigor do ato de nacionalização.

2 – No cálculo da indemnização a atribuir aos titulares das participações sociais nacionalizadas, o valor dos respetivos direitos é apurado tendo em conta o efetivo património líquido.”

Ao contrário do que foi induzido na opinião pública, especialmente pelo Banco de Portugal, o Novo Banco não é propriedade do sistema financeiro. O único acionista é o Fundo de Resolução, uma pessoa coletiva de direito público, controlada e dirigida pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças, sem nenhuma intervenção ou influência dos bancos.

A primeira observação que importa fazer é a de que a nacionalização não é legalmente admissível, pois que a totalidade do capital do Novo Banco já foi objeto de apropriação pública, aliás, no ato originário da constituição do mesmo.

A lei não fala em apropriação pública de participações sociais em pessoas coletivas privadas, mas em apropriação pública de participações sociais de pessoas coletivas privadas.

O objeto da nacionalização não pode ser constituído pelos títulos representativos do capital de pessoas coletivas privadas desde que eles sejam detidos por entidades públicas, o que, aliás foi observado como sendo impeditivo da nacionalização do BANIF.

O objeto da nacionalização tem que ser, necessariamente, a apropriação de participações sociais detidas por pessoas coletivas privadas.

Ora, não é manifestamente o caso, pois que, como já se disse, a totalidade do capital do Novo Banco é titulada por ações de que é proprietário o Fundo de Resolução, uma pessoa coletiva de direito público.

O novo regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização teve como escopo essencial o de tornear a proibição do confisco, tanto pelo direito interno como pelo direito comunitário.

A pedra de toque do regime está no art.º 4º, nos termos do qual “aos titulares das participações sociais da pessoa coletiva (in casu ao Fundo de Resolução), é reconhecido o direito a indemnização, (…) tendo por referência o valor dos respetivos direitos, avaliados à luz da situação patrimonial e financeira da pessoa coletiva à data da entrada em vigor do ato de nacionalização.”

O Fundo de Resolução investiu em capital do Novo Banco o montante de 4.900 milhões de euros. Uma operação de nacionalização, se fosse admissível, serviria apenas para branquear a falência dessa instituição e a impossibilidade de pagar o empréstimo contraído perante o Estado.

Ou seja: a nacionalização (se fosse legalmente admissível, e, com a lei atual não é) haveria de servir, apenas para transferir para o Estado os custos da desastrosa resolução do Banco Espírito Santo, desde logo por via de uma indemnização, que permitiria reduzir a dívida do Fundo de Resolução e calar o principal argumento que justifica a necessidade de aumentar a contribuição do sistema bancário para o dito Fundo.

Ou seja: o Estado pagaria alguma coisa pelas ações detidas pelo Fundo de Resolução, esse dinheiro amortizaria parte do empréstimo de 3.900 milhões de euros, reduzindo-se, por tal via, o calote do Fundo, em que assenta o cálculo das necessidades financeiras suportadas pela dita contribuição.

Ao contrário do que foi impingido ao País pelo Banco de Portugal, o sistema financeiro, entendido como o conjunto das instituições financeiras nenhuma intervenção tem nem nas políticas financeiras do Banco de Portugal nem no sistema de resolução. Porém, acaba por ser vítima das asneiras dos reguladores e dos agentes políticos, bem se compreendendo que exerça a sua capacidade de pressão para transferir o máximo de responsabilidades para o Estado.

No caso vertente, tendo embora como face do projeto de nacionalização os partidos da esquerda, é claro e inequívoco que os grandes beneficiários de uma nacionalização do Novo Banco são os bancos nacionais, o Banco de Portugal e o Banco Central Europeu, como o foram já com a nacionalização do BPN, de que não suportaram quaisquer custos, cabendo os encargos, na sua totalidade ao Estado.

A concretizar-se a nacionalização – o que só como hipótese teórica se admite – seria estabelecido o valor de indemnização a pagar pelo Estado ao Fundo de Resolução, tomando em consideração o valor do “património líquido” do Novo Banco, em conformidade com avaliações de duas “entidades independentes”.

A primeira reserva que este caminho suscita é a da efetiva inexistência de “entidades independentes” que mereçam alguma credibilidade, pois todas as que, como tal, são consideradas, navegam na mesma teia de interesses, ao ponto de se poder dizer que a avaliação tem sempre os resultados pretendidos por quem a paga.

A nacionalização é o caminho adequado para satisfazer vários senhores.

Ela pode encobrir a verdadeira dimensão do desastre que foi a resolução do BES, duplicando ou triplicando o preço vil que está em cima da mesa para a venda do Novo Banco e dando a ilusão de que o prejuízo causado aos cofres públicos é menor do que seria com a venda aos atuais concorrentes.

Se o Novo Banco for avaliado em 2.500 de euros, o buraco será, aparentemente, de apenas 2.400 milhões e não de 4.150 milhões, como ocorrerá se a venda se fizer por 750 milhões.

Se o Fundo de Resolução pagasse os 2.500 milhões ao Estado, deixaria ele de os perder e ficaria o Fundo de Resolução com um buraco de apenas 2.400 milhões, o que agradaria ao sistema financeiro, por ver reduzida a base de cálculo da contribuição para o Fundo.

Estamos, porém, perante uma pura ilusão, pois que este tipo de operações tem um custo elevadíssimo, implica muitas “perdas pelo caminho” e, sobretudo, implica a assunção pelo Estado de novas responsabilidades, que podem ser de centenas de milhões de euros, se a corda esticar até ao fim.

 

 

Porque é que não conseguem vender o Novo Banco?

 

Parece que nenhuma cabeça pensante ainda se questionou sobre as razões pelas quais não conseguem vender o Novo Banco.

A resposta pode ser encontrada, de forma fácil e expedita, na certidão permanente do registo comercial, que pode ser consultada no  Portal do Cidadão com a senha 3314-3280-2741.

Vê-se dessa certidão, em primeiro lugar, que o Novo Banco não é um banco.

É uma sociedade comercial constituída pelo Banco de Portugal, no quadro do RGICSF, com objeto distinto do dos bancos, que sofreu algumas alterações, de legalidade duvidosa, porque feitas pelo próprio Novo Banco e não pelo Banco de Portugal, mas que, todavia, lhe mantêm uma natureza estranha, todavia distinta da de uma instituição bancária.

Diz-se sob o item “Matrícula” que o objeto social é a “administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo S.A. para o Novo Banco S.A. e o desenvolvimento das atividades enunciadas no artº 145º-A do RGICSF.”

Pela apresentação 127/20140806, o objeto social era “administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo S.A: para o Novo Banco S.A. e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artº 145º-A do RGICSF e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outras instituições de crédito.”

A alteração dos Estatutos foi registada pela apresentação nº
199/20141024 e resulta de uma deliberação social da assembleia geral do Novo Banco S.A., que procedeu a uma alteração dos Estatutos, que se reputa absolutamente ilegal.

Salvo melhor entendimento, o Banco de Portugal poderia ter procedido a uma alteração estatutária. Porém, não nos parece legalmente admissível que o acionista único  – o Fundo de Resolução – tivesse alterado os Estatutos definidos pelo Banco de Portugal, muito menos poucos dias depois da instituição do banco de transição.

Vigora nesta matéria a regra de que a criatura não deve substituir-se ao criador.

O banco de transição foi criado pelo Banco de Portugal para, de forma clara e inequívoca, repartir o património do Banco Espírito Santo S.A. pelas outras instituições de crédito que atuavam no mercado. Só isso parece justificar que se tenha escolhido o banco maior e com melhores ativos de forma a satisfazer a voracidade dos demais banqueiros em crise.

O texto da lei é inequívoco, no sentido de que o objetivo da constituição do Novo Banco S.A. era “permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outras instituições de crédito,” ou seja liquidar, no futuro, os despojos do assalto, porém junto, apenas, das “outras instituições de crédito” que operavam no mercado nacional.

Os candidatos à compra do Novo Banco S.A. também têm advogados e foram, seguramente, informados que o Novo Banco não é um banco, em sentido técnico, mas uma “coisa” em sentido jurídico, que foi constituída com o referido objeto social e com o objetivo de “permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outras instituições de crédito”.

A radiografia do Novo Banco S.A. encontra-se na referida certidão permanente e nos documentos a ela apensos (badana direita).

Pode ver-se de tal certidão que pendem em juízo várias ações judiciais, em que se formulam pedidos que, a serem julgados procedentes, fariam perder todo o investimento que fosse feito por eventual comprador.

Veja-se o teor do pedido da ação que corresponde a apresentação nº 188/20141118, de que somos subscritores:

“Que seja decretada:

1) a anulação da medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco Espirito Santo S.A.;

2) a anulação da transferência dos ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, S.A. para o Novo Banco, S.A., devendo todo esse acervo patrimonial ser transferido e regressar à esfera patrimonial do Banco Espirito Santo, S.A.;

 3) Até ao trânsito em julgado de decisão a proferir na presente lide, deve o Novo Banco, S.A. abster-se de vender ou alienar ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que são legalmente do Banco Espirito Santo, S.A. e que foram objeto de transferência;

 4) a nulidade e extinção do banco de transição denominado Novo Banco, S.A.; 5) a nulidade do contrato de mútuo em que se fundou o empréstimo da República Portuguesa ao Fundo de Resolução.”

No processo a que corresponde a apresentação nº 179/20150112  pedem os autores que “seja declarada a nulidade do ato administrativo impugnado ou quando se não se entenda,  anulado o mesmo. Em qualquer dos casos ficando sem efeito a transmissão de património do Banco Espirito Santo S.A. para o Novo Banco S.A.”

Num outro processo, a que corresponde a apresentação nº 166/20150128, em que é autora a Massa Insolvente da Espirito Santo Finantial Group S.A. pede-se que seja declarada:

“1) A nulidade ou a anulação da medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco Espirito Santo S.A.;

2) a nulidade ou a anulação da transferência de todos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos que se encontram atualmente sob gestão do Novo Banco, S.A., devendo todo esse acervo patrimonial retomar à esfera patrimonial do Banco Espirito Santo, S.A.;

 3) A nulidade ou a anulação e consequente extinção do banco de transição denominado Novo Banco, S.A.;

4) a nulidade ou a anulação dos demais atos que decorram ou sejam consequentes dos atos impugnados.”

A apresentação nº 167/20150128 corresponde a uma ação proposta pela Massa Insolvente da Espírito Santo Financial (Portugal) Sociedade Gestora de Participações Sociais S.A., em que se pede que seja decretada:

“1) A nulidade ou a anulação da medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco Espirito Santo S.A.;

2) a nulidade ou a anulação da transferência de todos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos que se encontram atualmente sob gestão do Novo Banco, S.A., devendo todo esse acervo patrimonial retomar à esfera patrimonial do Banco Espirito Santo, S.A.;

3) A nulidade ou a anulação e consequente extinção do banco de transição denominado Novo Banco, S.A.;

4) a nulidade ou a anulação dos demais atos que decorram ou sejam consequentes dos atos impugnados.”

A apresentação nº 40/20150929 dá-nos conta de uma ação em que se pede a “declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (e de outras deliberações posteriores que alteraram o seu conteúdo e fundamento) pela qual foi constituído o “Novo Banco S.A.”

Estão pendentes, pelo menos, mais uma ação e uma providência cautelar, que patrocinamos e ainda não foram registadas, mas de que o Banco de Portugal já tem conhecimento.

Com um quadro deste tipo, só um maluco ou um irresponsável arriscaria comprar o Novo Banco S.A., em primeiro lugar porque não é um banco (não passando de um veículo) e em segundo lugar porque pendem em juízo várias ações em que se pede a sua dissolução.

Há, porém, outras razões que inviabilizam uma venda segura Novo Banco S.A., tal como o mesmo é apresentado, ou seja como um banco que “herdou” o património do Banco Espírito Santo S.A..

 

Golpadas e privilégios de credores

 

O Governo e a imprensa têm vindo a reduzir os “lesados do BES” a um grupo de investidores que não só não sofreu nenhuma lesão como está garantido a 100%: o dos credores de papel comercial de empresas do GES cujos créditos estão totalmente garantidos por provisões constituídas no BES e desviadas para o Novo Banco pelo Banco de Portugal.

Se estivéssemos perante gente séria, já teriam sido pagos integralmente não só os credores de papel comercial como todos os demais com créditos garantidos pelas provisões ordenadas pelo Banco de Portugal, que não podem ter outro destino que não seja aquele para que foram criadas.

Só que esse grupo tem vindo a ser usado como tropa de choque e como cortina de fumo, não se sabe ainda a que preço, de forma a obnubilar os verdadeiros “lesados do BES”.

A última manobra de diversão é uma providência cautelar visando, alegadamente, evitar a venda do Novo Banco por partes, a qual não pode interpretar-se senão como um frete ao Banco de Portugal, dias depois de uma providência em que se peticiona que seja impedida a venda do banco de transição, nomeadamente, porque a deliberação da resolução não projetou tal venda, mas apenas a venda dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais, aos operadores que estão no mercado.

Uma coisa é o capital de 4.900 milhões de euros de dinheiro público que o Fundo de Resolução injetou num negócio a que os investidores do BES são alheios. Outra coisa é o património do BES – os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais desviados para o Novo Banco que, segundo o plano de resolução, têm que ser vendidos a “outras instituições de crédito”.

O nó górdio da medida de resolução do BES reside no facto de ela ter sido mal planeada e mal executada.

Mal planeada porque o Banco de Portugal disse, até à última hora, uma coisa e o seu contrário, sendo evidente que nada fez no sentido de construir um novo banco, um banco de transição, nos termos da lei, tendo-se limitado a tomar de assalto o Banco Espírito Santo S.A..

O bom cumprimento da lei exigia que o Novo Banco fosse uma coisa nova e independente, com uma estrutura própria e adequada a receber os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais cuja transferência fosse ordenada pelo Banco de Portugal, registando-se, de forma ordenada a sua saída do BES e a entrada no banco de transição, por via dos adequados registos contabilísticos.

 

O princípio estruturante da resolução bancária europeia

 

Há muitos anos que se encontram estabilizadas as normas que regem a escrituração mercantil.

Há mais de 120 anos – desde 1888, data da promulgação do Código Comercial – que a escrita mercantil faz prova entre os comerciantes cujos são.

Sendo essa a regra geral, não faz nenhum sentido que a mesma seja excecionada relativamente às instituições financeiras, sujeitas a uma supervisão intrusiva, como a que é imposta pela lei portuguesa e pelas regras da União Europeia, máxime porque a estabilidade do sistema financeiro depende da transparência e do rigor das contas.

Os verdadeiros lesados do Banco Espírito Santo S.A. são aqueles que foram levados a investir em participações e em produtos financeiros, convencidos de que não corriam nenhum risco, pois que sempre foi essa a mensagem que lhes foi passada pelo próprio banco e pelas entidades públicas.

Provavelmente, o grupo de pessoas enganadas de forma mais grosseira foi o dos emigrantes, a quem foram vendidas ações de sociedades de offshore como se se tratasse de depósitos a prazo.

Mas também foram lesados milhares de cidadãos e de pequenas empresas, a quem foram vendidas ações, com a garantida de que o BES era um banco sólido, acima de qualquer risco.

E parece que era…

A aventura do Novo Banco S.A. – aventura do Banco de Portugal – consiste, essencialmente, em tentar constituir um banco com 4.900 milhões emprestados pelo Estado e com o saque dos melhores ativos do Banco Espírito Santo, sem pagar nada a ninguém por isso.

Os 4.900 milhões terão sido suficientes para pagar as mudanças das fachadas das agências e para suportar os prejuízos de um negócio mal sucedido, como se previa. Mas não serviram para pagar quaisquer ativos transferidos.

É certo que não foram transferidos apenas ativos; também foram transferidos passivos. Só que ninguém sabe em que medida e por que valores, porque não contas limpas e transparentes que o evidenciem.

O que agora se propõem fazer, por várias vias, tomando a nuvem por Juno é vender (ou nacionalizar) as ações do Novo Banco S.A., como se elas fossem uma espécie de garantia de acesso ao saque do património do Banco Espírito Santo S.A.

É isso que e inaceitável.

Poderia, por tudo isso,  fazer sentido nacionalizar o Banco Espírito Santo S.A., até porque se impugnou a sua resolução e se impugnaram as transmissões de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais para o Novo Banco S.A..

É que o princípio estruturante da resolução bancária europeia consiste na garantia de que os acionistas e os demais investidores não receberão menos do que receberiam se o banco fosse liquidado.

É o que resulta inequivocamente da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento.

Logo no preâmbulo dessa diretiva se afirma que só deverão ser tomadas medidas de resolução caso tal seja necessário para a defesa do interesse público, e qualquer interferência nos direitos dos acionistas e dos credores resultante das medidas de resolução deverá ser compatível com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»). Em especial, caso os credores de uma mesma categoria sejam tratados de forma diferente no âmbito de uma medida de resolução, essa distinção deverá justificar-se por razões de interesse público, deverá ser proporcionada em relação aos riscos em causa e não deverá ser direta nem indiretamente discriminatória por motivos de nacionalidade.”

A medida de resolução implicou o nascimento de um novo negócio – o negócio do Novo Banco, em nome do Fundo de Resolução, patrocinado pelo Banco de Portugal.

Os acionistas do BES e os demais investidores não têm nada a ver com esse negócio desastroso, nem com a destruição de ativos tão importantes como a marca BES, que valia mais de 600 milhões de euros.

Mas têm a ver com o valor do negócio bancário e com os valores dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais transferidos do Banco Espírito Santo para o Novo Banco.

 

Porque não nacionalizam o Banco Espírito Santo?

 

Dito tudo isto importa extrair conclusões.

Não faz nenhum sentido – e carece de fundamento legal – a nacionalização do Novo Banco, pois que as participações sociais no mesmo não são privadas, tendo sido originariamente criadas sob apropriação pública.

Privadas são as participações sociais no Banco Espírito Santo S.A., do qual foi transferido o essencial do negócio bancário e os mais importantes ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais para o Novo Banco, em termos que são discutíveis e sem que haja contas de tais movimentos.

A grande questão que tudo isto suscita é a de saber quanto custa.

Uma outra questão é a de saber o que é mais barato: a nacionalização ou a remoção dos obstáculos processuais.

Não é possível intentar mais ações que ponham em causa a medida de resolução, pelo que as ações pendentes podem ser objeto de desistência, desde que se celebrem acordos nesse sentido com os respetivos autores.

Não temos números sobre os valores em causa, mas temos poucas dúvidas de que seria muito mais barato negociar a desistência com os autores das ações pendentes do que proceder à nacionalização do Banco Espírito Santo, como forma de remover as responsabilidades emergentes das irregularidades invocadas em juízo.

 

São Paulo, 17 de janeiro de 2017