Arquivo para Agosto, 2017

A pepedização do Banco de Portugal

Terça-feira, Agosto 29th, 2017

Citamos

Ionline

Nos últimos dias, o que aconteceu no BdP foi de uma enorme gravidade, mas a pasmaceira em que vivemos esqueceu rapidamente

O Banco de Portugal (BdP) é um agente cheio de aspetos interessantes no seu funcionamento. Merecia, por isso, uma investigação profunda sobre as “manias” de que se reveste, as excentricidades relativas ao seu funcionamento, até uma sindicância externa relativa às formas de contratação dos diversos recursos. Mas o país é o que é, qualquer ente que se queira bem, olhando o tempo prévio a uma aposentação dourada, sabe que só consegue obter umas beneméritas senhas de presença num qualquer órgão de instituição financeira se o Banco de Portugal se não opuser. Vai daí…

Nos últimos dias, o que aconteceu no BdP foi de uma enorme gravidade, mas a pasmaceira em que vivemos esqueceu rapidamente. Um diretor exonerado porque se verificou aquisição/alienação de participações depois de alguém aceder a informação privilegiada. Ou seja, nas barbas dos serviços a quem competia vigiar o comportamento dos quadros do banco, tudo foi posto em causa. O BdP diz-nos que essa coisa de fiscalizar as remessas para contas estranhas, de verificar os fluxos que implicam o terrorismo, é tudo uma ilusão. Nem a sua casa está a salvo.

O nome que nos apareceu foi o de Pinguinha Caliço, um ilustre desconhecido das notícias habituais sobre banca mas que, na qualidade de membro da comissão de ética, acreditou piamente na versão que lhe havia sido contada pelos colaboradores atrevidos, mas aparentemente santificados.

O BdP não dispõe, no seu site, de um acesso rápido à estrutura dirigente. Mas os mentideros dizem-nos muito da rotação e dos poderes que nele existem.

Uma primeira nota – Cadete de Matos, diretor de estatística e agora nomeado para presidente da ANACOM, Helena Adegas, diretora de gestão de risco, e Rui Carvalho, diretor de gestão de reservas, foram os únicos dos departamentos core a manter-se entre 2012 e 2016, os anos de convulsão. Sobre este último, agora exonerado, haverá muito a rezar.

Mas vejamos o que aconteceu nos setores fulcrais entre 2013 e 2016. No departamento de averiguações e ação sancionatória houve três diretores – José Nunes Pinheiro, Bracinha Vieira e João Raposo; no departamento de estudos económicos, também três diretores – Ana Sousa Leal, Isabel Rio e Isabel Horta Correia; no departamento de emissão e tesouraria, quatro diretores – António Pinto Pereira, Egrejas Francisco, António Garcia e Hélder Rosalino; no departamento de supervisão prudencial, dois diretores – Luís Costa Ferreira e Carlos Albuquerque; no departamento de serviços jurídicos, dois diretores – José Gabriel Queiró e Bento Antunes; no departamento de auditoria, dois diretores – Francisco Rocha e Cordeiro Gomes; no departamento de estabilidade financeira, dois diretores – Adelaide Joaquim e Maximiano Pinheiro.

Como pode um banco, carente de doutrina e de estabilidade, estar em permanente inconstância interior? A esta pergunta só se pode responder com uma certeza: a ausência de liderança.

O microcosmos interno do Banco de Portugal diz-nos outras coisas. A primeira é a de que há um antes e um depois de Hélder Rosalino (HR) e uma permanente influência de José Bracinha Vieira (BV). O que se poderá entender por estas marcas HR e BV que se foram alastrando?

Hélder Rosalino era um influente quadro do Banco de Portugal antes de assumir funções no governo do PSD com a pasta da administração pública. Estando no Ministério das Finanças, deveria ter guardado um período de reserva, mas não, foi imediatamente nomeado como diretor e, poucos meses depois, como administrador. Ele tem a rede, como alguns chamam – a teia laranja. Das ligações a essa teia fazem parte outros dirigentes há muito presentes – António Marques, diretor eterno dos sistemas de informação, José Pedro Ferreira, diretor eterno da contabilidade e controlo. Mas Rosalino tem uma apetência especial pelos recursos humanos, coisa que aumenta o seu poder e garante as entradas e saídas. Talvez por isso se tenha verificado a mudança, por duas vezes nos últimos dois anos, do diretor do departamento de recursos humanos: saiu António Garcia e entrou Manuel Cordeiro, que fica um só ano, para dar lugar a Pedro Raposo. Dividir para reinar com argumentos bondosos pelo meio…

José Bracinha Vieira foi sempre um influente quadro do BdP. Foi ele quem veio contestar, via redes sociais, a decisão do governo de melhor distribuir os dividendos do BdP, considerando-os um “saque”, mesmo que todos se tivessem esquecido que esses mesmos dividendos passaram de 19 M, em 2011, para 450 M em 2016. Vieira foi assessor, diretor, administrador do Fundo de Resolução que interveio no BES e é, agora, presidente liquidatário do Banif. Foi com o seu apadrinhamento que Sérgio Monteiro passou a tratar da venda do Novo Banco, processo que tem muito de inquietante.

Entre 2012 e 2016 é diagnosticado ao banco o chamado “abcesso do pasmado”. Trata-se da criação de novos lugares na estrutura para fazer face a compromissos de amizade. Sempre houve um secretário dos conselhos e um responsável pelo gabinete do governador. Entre Paulo Amorim e Sofia Abreu, os lugares rodaram. Acontece que a bronca BES levou a que José Gabriel Queiró tivesse de sair dos serviços jurídicos. O que aconteceu? Passou a secretário-geral do banco e secretário dos conselhos, a que se somaram mais duas direções – comunicação e conformidade, todos no universo da cabeça do BdP.

Há uma curiosidade: no BdP, dois terços dos dirigentes que saíram, em algum tempo, para lugares de nomeação política têm ligações ao PSD. Mas o que liga Pinguinha Caliço a Bracinha Vieira e a Sérgio Monteiro, e estes a Hélder Rosalino e a José Gabriel Queiró? As setas! Expliquemos. José Gabriel Queiró é marido de Maria dos Prazeres Beleza e foi indicado (chumbado depois) para o Tribunal Constitucional pelo PSD; Bracinha Vieira foi secretário de Estado do PSD no tempo de Cavaco Silva, autarca e membro do gabinete de estudos laranja; Pinguinha Caliço foi secretário de Estado de Santana Lopes e integrou a equipa de Catroga nas negociações prévias à troika; Hélder Rosalino é o chefe de turma, o homem que, esperto como um alho, garante que o banco central tem sempre portas abertas para os companheiros.

Lesados do BES em filas para aceitar proposta de recuperação

Terça-feira, Agosto 29th, 2017

Citamos

Negócios

A vice-presidente da associação dos lesados do papel comercial, que também aceitou a solução, diz à TSF que os protestos vão continuar para os 1.400 antigos clientes a quem esta proposta não se aplica.

A vice-presidente da Associação Movimento Emigrantes Lesados Portugueses (AMELP) garante que a grande maioria dos emigrantes lesados do BES com a compra de papel comercial aos balcões do banco tem estado a aceitar a proposta aprovada no Parlamento para recuperar 75% das perdas.

No dia em que termina o prazo para aceitação da proposta – esta segunda-feira, 28 de Agosto, a TSF avança, citando a vice-presidente da AMELP, que na semana passada havia filas de clientes para apresentar a documentação com o objectivo de fechar o processo.

A 8 de Agosto, a associação deu conta de um entendimento com o Novo Banco e o Governo do PS, que passa pela recuperação de 75% do dinheiro que investiram em produtos Euro Aforro 8, Poupança Plus 1, Poupança Plus 5, Poupança Plus 6, Top Renda 4, Top Renda 5, Top Renda 6 e Top Renda 7, noticiou na altura a Lusa.

Os primeiros depósitos serão constituídos com o valor que a instituição vai pagar pelas obrigações do Novo Banco em que os veículos têm as poupanças dos clientes aplicadas. Em causa estará um montante equivalente a 60% do montante investido.

Um dos depósitos terá o prazo de cinco anos, sendo remunerado com uma taxa de juro de 1% ao ano. Já o segundo terá um prazo de dois anos e paga uma taxa de 0,5%.

Além disso, o Novo Banco compromete-se a fazer, durante três anos, entregas anuais nestes depósitos de valores equivalentes a 5% do capital investido, perfazendo um total de 75%.

A responsável da associação, Helena Batista, afirma que também ela já aceitou a solução, entre os 1.440 lesados a que esta proposta se aplica. Mas apesar deste capítulo estar prestes a fechar-se, a vice-presidente afirma que há duas mil contas relacionadas com outros produtos financeiros não abrangidos e que os protestos destes clientes emigrantes continuarão.
Trata-se dos produtos Euro Aforro 10 e EG Premium, à espera de uma solução que estará ainda a ser trabalhada. Quem aceitar estas propostas tem de desistir das acções judiciais contra o Novo Banco e seus trabalhadores, referia a Lusa.

Os antigos clientes do BES insistem que foram levados a assinar o investimento em obrigações e acções preferenciais, quando julgavam estar a subscrever contratos para depósitos a prazo.

DO DIREITO DOS EMIGRANTES AOS DIVIDENDOS de 2014, 2015 e 2016

Segunda-feira, Agosto 28th, 2017

 

A grande novidade da proposta comercial apresentada pelo Novo Banco aos emigrantes é a de que, por via dela, se ficou a saber que as sociedades veiculo de que eles são acionistas preferenciais são, quase todas, credores do próprio Novo Banco.

Essas sociedades veiculo (SPV) são as seguintes: EuroAforro 8, PoupançaPlus1, PoupançaPlus5, PoupançaPlus6, TopRenda4, TopRenda5, TopRenda6, TopRenda7,  EuroAforro10 e EGPremium.

Todas ou quase todas são geridas pelo Sanne Group.

Isso não era conhecido; como não se sabe se o Novo Banco tem pago ou não os juros das obrigações de que essas sociedades são portadoras.

Seja como for, a clarificação acima referida indicia que há fundamentos para exigir judicialmente das referidas sociedades veiculo o pagamento dos dividendos relativos às ações preferenciais, nos termos que foram contratados.

O que carateriza o regime das ações preferenciais é que os seus portadores não têm direito a voto, mas têm direito a um rendimento a taxa fixa por ação.

Têm pois os acionistas das diversas sociedades veiculo o direito de exigir ao Sanne Goup, administrador das diversas sociedades veiculo, o pagamento dos dividendos relativos aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, independentemente da adesão à proposta do Novo Banco.

E têm, naturalmente, o direito de agir judicialmente contra as sociedades veiculo e a sua administradora se, depois de interpelação, elas não pagarem.

Perguntar-se-à por que razões ninguém disse isto antes.

Muito simples: porque toda a gente passou a ideia de que essas sociedades veiculo não tinham por onde pagar, uma vez que os recursos nunca lá teriam entrado.

E, ao que parece, entraram, não se sabe bem como nem quando, nem por que razão o Novo Banco, que só nasceu com a resolução é o principal devedor das ditas sociedades.

Será que esses recursos só foram enviados para as ilhas do Canal depois da medida de resolução.

Seria interessante que isso se esclarecesse.

 

Miguel Reis

Lone Star vai vender IKB, o “Novo Banco” alemão

Sábado, Agosto 26th, 2017

Citamos

Lone Star vai vender IKB, o “Novo Banco” alemão

O fundo norte-americano Lone Star prepara-se para vender o o IKB, o “Novo Banco” alemão, antes de comprar o banco que resultou da resolução do Banco Espírito Santo. A instituição financeira foi comprada em 2008 à Alemanha, depois de ter recebido ajuda estatal. O IKB tem sido utilizado pelo fundo como um dos exemplos para mostrar que não pretende retalhar o Novo Banco, mas sim mantê-lo durante algum tempo no portefólio até que recupere a sua rentabilidade.

Há vários interessados. Um deles é o banco ABN Amro. A instituição financeira é um dos potenciais compradores do IKB, numa altura em que o banco controlado pelo Governo alemão tenta expandir a sua atividade junto de clientes empresariais na Europa, de acordo com fontes próximas do assunto citadas pela BloombergO ABN Amro sinalizou o seu interesse na semana passada e está agora a realizar a due diligence antes de os interessados na instituição terem de entregar ofertas vinculativas, avançam fontes. Responsáveis do ABN Amro, Lone Star e IKB recusaram fazer comentários.

Segundo a Bloomberg, alguns banqueiros dizem que o IKB não é uma venda fácil,considerando a estrutura de financiamento complexa do banco, que inclui títulos equivalentes a capital que implicam custos elevados. Um acordo pode avaliar o banco entre 300 a 400 milhões de euros, ou seja, cerca de duas vezes mais do que pagou há nove anos.

O Lone Star, que tem na sua carteira outras participações no setor financeiro a nível internacional, comprou em 2008 uma participação de 90,8% no banco alemão que tinha sido resgatado pelo Estado — posição que mantém e até aumentou. Mas custou-lhe apenas 137 milhões de euros, um valor que ficou muito abaixo dos 800 milhões pedidos pela Alemanha. Depois de várias tentativas, parece que é desta que o fundo norte-americano vai conseguir vender o IKB, antes de comprar o Novo Banco — a data limite indicada por Mourinho Félix é 4 de novembro.

Comprado e vendido… quase por inteiro

O Lone Star já existe há mais de duas décadas. O fundo sediado em Dallas, no Texas, EUA, foi fundado por John Grayken em 1995, com atenções viradas para o setor imobiliário. Em Portugal, o fundo tem o empreendimento de Vilamoura e centros comerciais. E é por se dedicar sobretudo a este setor, com a compra de ativos a preços reduzidos, a reestruturá-los e, depois, vender, com ganhos elevados, que tem sido apelidado por muitos de fundo ‘abutre’.

Fonte próxima do processo disse que o “termo abutre é totalmente errado”, porque os abutres alimentam-se de seres mortos. O termo mais correto? “Fundo ‘Lázaro’”, adiantou a mesma fonte. Ou seja, um fundo que ressuscita e dá vida, numa referência à personagem bíblica de Lázaro de Betânia, descrito como um amigo que Jesus teria ressuscitado.

Depois de ter ajudado o Merrill Lynch na crise financeira dos EUA — ao comprar 6,2 mil milhões de dólares em instrumentos de dívida — o fundo norte-americano foi em socorro desta outra vítima da crise do subprime: o banco alemão IKB. Missão? Reduzir o balanço, restruturando as suas operações com a venda de ativos mais arriscados para colocá-lo novamente a dar lucro. E, agora, depois de o ter comprado ‘inteiro’ há nove anos, vai vendê-lo praticamente nas mesmas condições: chegou a acordo para alienar o negócio de leasing.

 

A história que pode acabar em crime de mercado no Banco de Portugal

Terça-feira, Agosto 22nd, 2017

Citamos

Negócios

A transacção de acções nos dias que antecederam a resolução do BES colocaram o Ministério Público no encalço de um funcionário do banco central, por suspeita de utilização de informação privilegiada. Enquanto as responsabilidades criminais são apuradas, acaba de rolar a cabeça de um director. Tenha havido ou não crime de mercado, esta é uma história de fraca cultura de prevenção de conflitos de interesses dentro do próprio regulador. Desde 2015 as regras melhoraram.

Numa altura em que tenta superar uma das maiores crises de credibilidade da sua história, o Banco de Portugal vê-se a braços com uma investigação do Ministério Público relacionada com a venda de acções do BES por parte de um funcionário. No pior cenário, trata-se de um crime de abuso de informação privilegiada dentro do próprio regulador. No melhor, de uma falha na cultura de prevenção de conflitos de interesses. Na cadeia de comando, ninguém sai bem na fotografia, mas para já uma vítima avulta: o antigo director do departamento de mercados, que Carlos Costa chegou a propor como administrador há poucos meses.

O início desta história remonta a meados de Julho de 2014, quando o Banco de Portugal ainda dava garantias públicas de que o BES tinha salvação. Um funcionário do Departamento de Mercados e Gestão de Reservas (DMR) comprou acções do banco de Ricardo Salgado, uma prática que na altura não era proibida pelas regras de conduta do regulador – pelo menos expressamente; semanas depois, a 31 desse mês, terá sido convocado para no dia seguinte passar a integrar uma equipa que iria lidar directamente com o BES; e a 1 Agosto, de manhã, vendeu os títulos que tinha comprado semanas antes. Faltavam apenas dois dias para a resolução do segundo maior banco privado português, que ditou perdas totais para os accionistas.

Se o fez porque teve acesso a informação privilegiada sobre a resolução ou se o fez para sanar a clara situação de conflito de interesses em que passou a encontrar-se com a participação no restrito grupo que teve à sala de crise do BES, é matéria que está a ser investigada pelo Ministério Público.

Enquanto as eventuais responsabilidades criminais estão a ser apuradas, dentro do Banco de Portugal já se fez rolar uma cabeça: Rui de Carvalho, antigo director de mercados, por alegada violação de deveres de comunicação ao conselho de administração, que diz que foi apanhado de surpresa  em Julho de 2017, já com os investigadores do Ministério Público a bater às portas da instituição, como noticiou o Negócios na semana passada (ver “Carlos Costa demite director que quis promover a administrador”).

A suave auto-regulação de um regulador

Que um funcionário do banco central transaccione acções de um banco problemático sem que isso tenha feito soar os alarmes internos não pode deixar de gerar perplexidade e transforma a história numa forte candidata a “case-study” sobre as fragilidades dos sistemas de controlo interno dentro dos reguladores.

Voltemos a 2014 e ao código de conduta da instituição, suficientemente vago para acomodar vários tipos de interpretações. De acordo com este guião,  os funcionários do banco deveriam evitar todas as situações de conflitos de interesses e abster-se de transaccionar acções de instituições financeiras quando estivessem confrontados com uma situação de potencial acesso a informação privilegiada. É isso que justifica que um funcionário da DMR – um departamento que intervém por exemplo nas operações de cedência de liquidez aos bancos nacionais – possa ter comprado acções do BES em Julho de 2104.

Por essa altura, ao contrário do que já exigia aos bancos que supervisiona, o Banco de Portugal não dispunha de um gabinete de “compliance”, mas apenas de um consultor de Ética, com quem as dúvidas sobre o código de conduta deviam ser sanadas.
O cargo era ocupado na altura por Orlando Caliço, ex-secretário de Estado do Fisco que já se reformou, que acabou por ser contactado pelo funcionário sob investigação em Outubro de 2014 – apenas três meses depois das operações.

A mensagem, com conhecimento para o seu chefe directo, Jorge Alves,  director-adjunto do departamento de mercados (entretanto também reformado), dava conta da compra das acções do BES, e da sua venda na manhã de 1 de Agosto, mal soube que passaria a trabalhar directamente sobre o banco.

Está por esclarecer porque é que a comunicação não foi feita logo em Agosto e apenas em Outubro mas, de todo o modo, a mensagem não chegou a merecer resposta por parte do consultor de ética.

Ao Negócios, Orlando Caliço diz que a sua intervenção seria extemporânea e a avaliação concreta do caso só podia ser feita pelos responsáveis directos. “Quando me escreveu já não havia uma situação de conflito de interesse para avaliar; e quanto ao potencial acesso a informação privilegiada, essa era uma avaliação que só poderia ser feita pela sua hierarquia que sabia as áreas em que o funcionário trabalhou e estava informada sobre os investimentos, como o próprio escreveu”. O caso acabou arquivado.

Caliço entendeu ainda não haver matéria para reportar à administração, já que, segundo o código de conduta da altura, a confidencialidade consultor-funcionário só deveria ser quebrada face a “risco sério e iminente para a segurança das pessoas ou para a imagem da instituição”. Mesmo tratando-se do BES, optou por não o fazer, uma vez que não tinha matéria para avaliar o risco de abuso de informação privilegiada, defende.


O Banco de Portugal não alinha com esta interpretação. O “regime aplicável em 2014 permitia ao consultor de Ética, fundadamente, levar ao conhecimento do conselho de administração factos susceptíveis de comportar “um risco sério e iminente para a imagem da instituição “, situação que não se verificou, responde fonte oficial ao Negócios quando questionada sobre se esperava ter sido informada em 2014.

Para o Banco de Portugal, Orlando Caliço é um dos que falhou na cadeia, mas não é o único e nem sequer o principal responsável.

Rui de Carvalho: “o” culpado ou bode expiatório

Em Julho de 2017, já com o Ministério Público envolvido, o conselho de administração transferiu o funcionário para outro departamento e demitiu Rui de Carvalho, passando-o a consultor. A decisão caiu como uma bomba na instituição. Afinal, tratava-se de um dos directores mais respeitados, mesmo por Carlos Costa.

Para as vozes críticas este é um caso onde, face a uma situação difícil que convoca responsabilidades em toda a cadeia de comando, o governador do Banco de Portugal sacrificou um alto quadro para se resguardar a si e ao conselho de administração. É que não terão sido só o consultor de ética e os responsáveis do DMR que desvalorizaram a situação.  Jorge Alves, que entretanto se reformou, terá partilhado toda a informação com o seu director, Rui de Carvalho, mas terá também comentado o caso com José Ramalho, então vice-governador, e que entretanto saiu do banco. Esta alegada troca de informações desafia a ideia de que as operações polémicas eram totalmente desconhecidas da administração.

Jorge Alves, Rui de Carvalho e José Ramalho recusaram-se a fazer comentários ao Negócios, com este último a remeter esclarecimentos para o Banco de Portugal. Fonte oficial da instituição diz que não apurou que tivesse havido um reporte a “qualquer membro do conselho de administração, incluindo ao Dr. José Ramalho, em termos, circunstanciados e de completude, que permitissem uma adequada percepção da gravidade da situação em causa”.

Esta alusão a termos “circunstanciados e de completude” é uma nuance face ao que tinha respondido ao Negócios dias antes, quando garantiu que o conselho de administração foi apanhado de surpresa, mas para o banco não belisca o essencial: “Os factos nunca chegaram ao conhecimento do colectivo do conselho de administração, nem do governador, a não ser em Julho deste ano, cerca de três anos depois da sua ocorrência, o que levou ao conjunto de acções e decisões do conselho de administração”, que incluíram a abertura de um processo de investigação interno, a passagem de Rui de Carvalho a consultor, a sua substituição por Helena Adegas, e a transferência do funcionário.

Para a administração, a inexistência de uma comunicação formal sobre uma operação que ameaça a credibilidade do banco é ainda agravada pelo facto de, em Setembro de 2014, a direcção do DMR se ter recusado identificar os trabalhadores com acesso a informação privilegiada: “O então director do Departamento Jurídico pediu por escrito a todos os departamentos envolvidos na resolução do BES que identificassem os colaboradores que de alguma forma participaram na preparação e aplicação da medida de resolução ao BES”, com o objectivo de “verificar a eventual existência de abusos de mercado relacionados com a negociação de instrumentos financeiros do BES antes da medida de resolução”, revela fonte oficial.

Os responsáveis do departamento não responderam: “A direcção do DMR à data não reportou o nome de qualquer colaborador do departamento, centrando as responsabilidades no director, Dr. Rui de Carvalho, e director-adjunto, Dr. Jorge Alves”, adianta a mesma fonte, garantindo que “a direcção do DMR à data já tinha conhecimento da referida operação feita a 1 de Agosto de 2014 de venda de acções do BES pelo colaborador em causa”.

A história pode repetir-se?

O silêncio de Jorge Abreu e Rui de Carvalho não permite apurar o que levou os dois altos quadro do banco a não fazer um reporte documentado de uma situação de potencial conflito de interesses e utilização de informação privilegiada à hierarquia, que está agora sob investigação e poderá terminar numa acusação. O mesmo se aplica a José Ramalho, que, embora possa ter sabido do caso em conversa informal, terá acabado igualmente por desvalorizar o assunto.

Os actuais responsáveis do banco garantem que hoje seria diferente. Com a União Bancária, os procedimentos foram padronizados a nível europeu, o que resultou num reforço substancial das regras. O código de conduta actual proíbe, por exemplo, que os trabalhadores do banco central detenham acções de bancos europeus, salvo em situações muito específicas. E em 2015 foi criado um “Gabinete de Conformidade”, que substituiu a figura do consultor de Ética, já com competências alargadas, e que está obrigado a remeter informação como a de 2014 à administração “propondo acções concretas, em termos disciplinares e de comunicação a entidades externas, visando gerir o risco percepcionado e prevenir a posição institucional do Banco de Portugal”, explica fonte oficial.

Independentemente do desfecho judicial, o caso expõe sinais de uma fraca cultura de prevenção de riscos e a fragilidade institucional com que o Banco de Portugal trabalhou nos últimos anos.

 

 

 

 

 

 

Quando o supervisor não se supervisiona

Terça-feira, Agosto 22nd, 2017

Citamos

Eco

Quando o supervisor não se supervisiona

A história tem contornos rocambolescos: um funcionário do Banco de Portugal comprou e vende ações do BES nos dias anteriores à resolução do banco, no dia 3 de agosto de 2014, comunicou tarde, em outubro, a superiores hierárquicos e ao consultor de ética do banco central, mas estes guardam a informação para si (sabe-se lá porquê) e não a transmitem ao conselho de administração do Banco de Portugal. Passados três, anos, Carlos Costa é confrontado com uma investigação do Ministério Público por suspeitas de inside trading de um funcionário do Banco de Portugal. Portanto, o supervisor não consegue supervisionar a sua própria casa, é isso?

Vamos lá ver. Funcionários desonestos ou sem o mínimo de bom senso há em todo o lado e nenhuma organização pode garantir que não há qualquer risco de isso vir a acontecer. E, neste caso, ainda não se sabe se há crime de mercado, isso caberá à justiça decidir. Os problemas são outros, e não são menos graves tendo em conta que estamos a falar de uma entidade de supervisão do setor bancário.
Como é possível que responsáveis de alto nível – Orçando Caliço, já reformado, à data ‘consultor de ética’, e Rui de Carvalho, diretor do departamento desse funcionário – tenham considerado que a compra e venda de ações de um banco em vias de resolução não justificava uma comunicação formal ao conselho de administração? No mínimo, por risco de conflito de interesse, no máximo, por inside trading. De certeza, pela credibilidade e reputação de um supervisor que impõe obrigações de ‘compliance’ e de regras aos bancos e aos gestores que supervisiona.

Fica claro, pela história de Rui Peres Jorge, do Negócios, que terá havido uma qualquer informação prestada a um administrador, José Ramalho, que também ficou na gaveta. Algumas destas figuras já saíram do banco ou já se reformaram. Mas o impacto na reputação e credibilidade do que decidiram, isso, continua a afetar o Banco de Portugal e o próprio governador que, por sinal, acreditava tanto no diretor Rui de Carvalho ao ponto de o ter proposto para administrador ainda há poucos meses. Foi um nome chumbado por Mário Centeno, por causa de outras guerras com o próprio governador, mas deve estar a sorrir perante estes novos factos.

A lei de supervisão interna do Banco de Portugal mudou em 2015, já é proibida a compra de ações por parte dos funcionários e há um Gabinete de Conformidade para garantir que casos destes não voltam a suceder e que há comunicação imediata se tal for apurado ao governador. Mas a lei não muda a cultura, como sabemos.

O que ressalta deste caso é um problema de poderes difusos e de cultura numa organização.

Carlos Costa, por convicção e necessidade, aparece permanentemente como o que tudo sabe e tudo decide no Banco de Portugal. Não é verdade, como o próprio às vezes tem necessidade de dizer, mas só pode queixar-se de si próprio. Há vários poderes naqueles corredores, com poder de facto, e que decidem sem passar palavra ao governador. Já se tinha visto com o antigo vice-presidente com o pelouro da supervisão, Pedro Duarte Neves, no tempo da resolução do BES.

Além disso, há um problema de cultura. O governador passa a mensagem errada para dentro da própria instituição quando decide não revelar o relatório feito pela Deloitte sobre a atuação do banco central no caso BES. A cultura do Banco de Portugal sempre foi a de um supervisor acima dos outros, com um poder de encaixe limitado às críticas. Não é de Carlos Costa, vem de trás e até é necessário reconhecer a disponibilidade permanente do atual governador em prestar contas no Parlamento, o que não acontecia com os seus antecessores. Mas não chega.

Carlos Costa precisa de fazer mais. Tem de garantir a eficácia dos novos mecanismos internos de supervisão, mas também tem de abrir o Banco de Portugal à sociedade, tem de promover a transparência da instituição como forma de pressão externa. Fica a lição, que deixa toda a gente mal na fotografia, mas sobretudo afeta, mais uma vez, a credibilidade do Banco de Portugal como supervisor bancário.

Partilhar

Portugal, uma cobaia europeia na banca

Segunda-feira, Agosto 21st, 2017

Citamos

Negócios

O laboratório português revela que os “bail-ins” também têm um lado negro, nomeadamente sobre as PME; mostra que a linha vermelha das perdas para os credores parece está a ser traçada nos obrigacionistas seniores; lembra que os abusos dos bancos continuam a vir bater à porta dos contribuintes; e, finalmente, atesta que vale a pena explorar e desafiar os limites das regras europeias, que são mais flexíveis do que por vezes nos dizem. Haja engenho e vontade política.

Que não se deve desperdiçar uma boa crise para implementar políticas impopulares ou experimentais é uma máxima antiga entre políticos. No caso europeu a teoria passa mais rapidamente à prática se a cobaia for um pequeno Estado-membro, como Portugal. É por isso que nos anos da troika o país foi confrontado com várias engenharias para promover um corte de salários dentro de uma união monetária; e é também por isso que, desde então, o laboratório luso testou as novas regras de resolução e recapitalização bancária. Da experiência ficam algumas lições.

Comecemos pelo BES. Em 2014, Portugal estreou o “bail-in” num grande banco (isto mesmo antes das regras europeias o imporem), e forçou perdas a accionistas e detentores de obrigações júnior e aos outros bancos do sistema via Fundo de Resolução – que recebeu dinheiro adiantado via empréstimos dos contribuintes. A resolução teve depois uma segunda fase, no final de 2015, em que o Banco de Portugal seleccionou 5 linhas de obrigações seniores, uma das decisões mais polémicas da crise, que deixou Portugal numa situação ímpar no plano europeu, que ainda hoje está a pagar.

Um recente estudo permite tirar conclusões sobre o “bail-in” light do BES(primeira fase): por um lado, conclui que é possível impor perdas a credores e aspirar a disciplinar o mercado sem gerar pânico e contágio; por outro, sugere que podem ser inevitáveis efeitos negativos no emprego e investimento das PME, o que não tende a acontecer com “bail-outs”. Ou seja, há efeitos positivos (para o mercado) e negativos (para a economia) nos “bail-ins”, mesmo quando feitos na sua forma mais suave.

Saltemos agora para Dezembro de 2015 e para o Banif. A resolução culminou com a entrega ao Santander do negócio do banco madeirense repleto de garantias, capital injectado pelos contribuintes e vazio de activos problemáticos. O negócio, convém lembrar, foi feito à pressa, com o Estado entalado entre um gigante da banca espanhola sem pressão para comprar, e a pressão das novas regras europeias que entrariam em vigor em Janeiro de 2016 e forçariam perdas também a obrigacionistas seniores e até a depositantes acima de 100 mil euros. A resolução custou assim quase três mil milhões aos contribuintes – é caso para dizer que a cobaia pagou caro para fugir do laboratório.

Sobre esta operação não há nenhum estudo detalhado, mas aqui a lição é outra: algumas coisas nunca mudam ou, parafraseando Jean-Claude Juncker sobre outra grande economia, “Itália é Itália”. É que em Junho deste ano, já com as regras europeias em vigor, o governo italiano avançou com uma operação em tudo semelhante à do Banif mas, com o acordo europeu e meses de negociações, poupou os obrigacionistas seniores e os depositantes. E se os contribuintes também não foram poupados, pelo menos o Tesouro italiano não foi forçado a vender um banco em 15 dias, como aconteceu em Portugal.

Finalmente, vale a pena dar nota da recapitalização da CGD negociada em 2016, um dossiê no qual o empenho do governo para garantir a natureza pública da injecção de capital – condição essencial para PCP e Bloco aceitarem – terminou com uma operação em geral bem-sucedida e apoiada pela Comissão Europeia, o que muitos achavam improvável. É certo que para isso os contribuintes foram chamados a pagar uma factura elevada, que inclui uma emissão de dívida pelo banco público com um juro acima de 10% (um preço que se justifica em parte pela decisão de queimar obrigacionistas no final de 2015).

Com estes desenvolvimentos, Portugal poderá terminar 2017 com a recapitalização da sua banca resolvida (isto se benevolentemente esquecermos as dívidas ao Fundo de Resolução e o nível recorde de crédito malparado) e pelo menos quatro lições sobre as regras europeias de ajudas de Estado e resolução e recuperação bancárias.

O laboratório português revela que os “bail-ins” também têm um lado negro, nomeadamente sobre as PME; mostra que a linha vermelha das perdas para os credores parece está a ser traçada a nível europeu nos obrigacionistas seniores; lembra que os abusos dos bancos continuam, pelo menos parcialmente, a vir bater à porta dos contribuintes; e, finalmente, atesta que vale a pena explorar e desafiar os limites das regras europeias, que são mais flexíveis do que por vezes nos dizem. Haja engenho e vontade política.

Não assinem nada sem falar com os vossos advogados

Domingo, Agosto 20th, 2017

Acabamos de receber os textos propostos pelo Novo Banco.

Recomendamos que não os assinem sem falar com os vossos advogados.

Há cláusulas que consideramos inaceitáveis e que se podem ser afastadas se  outorgarem procuração a mandatário que assine os documentos, com expressa restrição de poderes, relativamente a certas cláusulas.

Só para dar um exemplo, não faz nenhum sentido renunciar a ações judiciais que nada têm a ver com o Novo Banco.

 

Miguel Reis

PORQUE ACONSELHO OS EMIGRANTES A NEGOCIAR COM O NOVO BANCO

Domingo, Agosto 20th, 2017

 

 

Tenho desde a primeira hora, uma posição muito crítica sobre o modo como o Banco de Portugal tem aplicado a “resolução bancária”.

Discordo profundamente da interpretação que tem sido feita, tanto das normas do direito português como das do direito comunitário, recusando-me a aceitar a imposição totalitária de uma espécie de “estado de sítio”, confiante de que, um dia, o Estado de direito há-de ressuscitar.

Custa-me a crer que quem manda na Justiça é um grupo do Facebook. Mas isso não significa que eu acredite  na Justiça ou nos juízes.

Acho que se eu fosse juiz (também) não teria a coragem que é necessária para fazer Justiça, nos casos relativos à resolução bancária, especialmente nos casos em que o Banco de Portugal destruiu completamente a vida dos particulares.

Desde o princípio – passaram mais de 3 anos – que afirmo que os processos em que se discutem as medidas de resolução aplicadas aos bancos esperarão  dezenas de anos para ser julgados em definitivo.

Desde o primeiro dia que afirmo a minha convicção de que nunca o Banco de Portugal fornecerá aos particulares informações ou elementos de prova que permitam, no mínimo, propor ações de responsabilidade civil contra os membros dos órgãos sociais, que o mesmo banco central acusou de irregularidades.

Desde o primeiro dia que afirmo a minha convicção de que nunca haverá contas limpas, relativamente às operações de resolução  bancária, porque as mesmas se hão-de processar, essencialmente, como gigantescas operações de branqueamento, como também acontece, por regra,  nos processos de falência e insolvência.

Parafraseando Fernando Pessoa – e o seu Conto do Vigário – tenho para mim que a resolução bancária é, essencialmente, uma vigarice.

É grave, porque, em Portugal é uma vigarice que estoirou com o sistema financeiro, de forma irrecuperável para 3 ou 4 gerações, como já aconteceu na 1ª República.

As pessoas mais pobres aprenderam o que só os ricos sabiam: que o dinheiro que depositam nos bancos deixa de ser seu quando o depositam num banco, porque passa a ser do banco que tem os depósitos. É o paradoxo do depósito irregular.

O impacto deste conhecimento é tão grave que os partidos da geringonça se viram obrigados a ir em socorro dos banqueiros e a proibir que se façam pagamentos com mais de 3.000 euros em dinheiro.

Mas nem assim evitam o que é natural: que as pessoas guardem o dinheiro em espécie, porque o sistema bancário não merece confiança e se tornou perigoso.

Também muita gente aprendeu que se podem fazer boas aplicações, desde a compra de imóveis até ao empréstimo a particulares com garantia hipotecária.

É possível fugir dos bancos como o diabo foge da cruz.

Ao longo dos últimos 3 anos temos feito muito para ajudar os nossos clientes a encontrar alternativas aos bancos.

Claro que continuamos a entender que o Banco de Portugal e o Estado são responsáveis pelos prejuízos que causaram, com medidas de resolução que ofendem a lei e o Direito.

Patrocinamos ações pendentes, que demorarão muitos anos, talvez dezenas de anos, a chegar ao fim, exceto se houver o bom senso de encontrar soluções negociadas.

Há indemnizações que serão pagas pelo Estado, em câmaras arbitrais internacionais, sem que alguma vez os contribuintes tenham disso conhecimento. Infelizmente, há em tudo isto uma injustiça estrutural, pois que os tratados para proteção de investimento discriminam negativamente os portugueses…

Os emigrantes são as vítimas da suprema vigarice do BES.

O banco montou um aparelho para vender aos emigrantes produtos qualificados como “depósitos a prazo com garantia de capital e juros” mas, em boa verdade, o que fez foi pô-los subscrever ações representativas do capital de sociedades comerciais sediadas na ilha de Gernsey, um paraíso fiscal britânico, no Canal a Mancha.

O Banco Espírito Santo era o depositário desses valores mobiliários que, em parte por isso, passaram para as contas do Novo Banco.

Está por explicar como, quanto e em que circunstâncias foram transferidos para essas sociedades os recursos da subscrição do seu capital social.

Muito recentemente, soube-se que as sociedades EuroAforro 8, PoupançaPlus1, PoupançaPlus5, PoupançaPlus6, TopRenda4, TopRenda5, TopRenda6, TopRenda7,  EuroAforro10 e EGPremium são administradas  pelo Sanne Group, mas não se conhecem quaisquer contas, não se conhecendo tampouco os estatutos e o endereço das sociedades.

Na semana passada soubemos que, com exceção da EuroAforro10 e da EGPremium, os ativos dessas empresas são constituídos, quase exclusivamente por obrigações do Novo Banco, desconhecendo-se, em absoluto, em que circunstâncias foram emitidas, uma vez que o capital captado junto dos emigrantes o foi antes da constituição do Novo Banco.

Conhecendo-se como se conhecem os mecanismos de offshore britânicos e, sobretudo, a proteção que a lei britânica faz do trust, a pergunta que importa fazer é a de saber que razões motivaram que o Banco de Portugal e a CMVM tivessem permitido que o BES vendesse aos seus balcões valores mobiliários de empresas sedeadas em paraísos fiscais.

Quando a esmola é muita o pobre desconfia. E, por isso mesmo, é questionável a “coincidência” de o dinheiro dos emigrantes estar “empatado” em obrigações emitidas pelo Novo Banco e de eles não serem credores destas obrigações mas de ações da sociedades que as detêm.

Até parece que estamos perante um milagre, ao estilo dos da Rainha Santa. Mas logo se vê que o milagre tem um preço, mais parecido com os das notas de 100 mil reis do António Vigário, de Fernando Pessoa, do que das rosas de D. Isabel.

O Novo Banco quer dar uma ajuda aos emigrantes, mas quer um desconto de 25%. Será isso razoável?

Deixemos as ações de responsabilidade de lado – porque essas, como já afirmamos, vão demorar dezenas de anos, como melhor explicaremos.

Centremo-nos no que têm os emigrantes depositado nos seus bancos: têm ações preferenciais, representativas do capital dessas empresas de offshore, que deveriam pagar um dividendo fixo e não pagam.

Os únicos ativos dessas sociedades são obrigações do Novo Banco.

O Novo Banco é objeto de uma negociação com um fundo americano – o Lone Star – que, ao que parece,  exige que o mesmo reduza a sua dívida e aumente o volume dos seus depósitos.

O Novo Banco poderia, com facilidade, negociar o pagamento as obrigações à entidade gestora das empresas, que é a Sanne, ficando os investidores em ações preferenciais nas mãos da entidades gestora, até por não terem direito de voto como acionistas preferenciais.

E poderia, naturalmente, exigir da Sanne que, no quadro de tal negociação, depositasse os recursos em contas do Novo Banco.

Ninguém daria por isso, porque não há contas e não se conhecem os documentos essenciais.

O mecanismo das ações preferenciais sem voto serve, especialmente, para criar quadros de bloqueio; e a continuação do bloqueio era perfeitamente possível.

Naturalmente que não acredito que o Novo Banco esteja a fazer um qualquer esforço para ajudar os emigrantes.

Está a procurar resolver os seus próprios problemas em termos que previnam problemas futuros; e é nesse quadro que todos os emigrantes podem ganhar.

Vejamos as duas alternativas que se prefiguram:

  1. a) Mantém-se tudo na mesma e os emigrantes continuam a ser credores de dividendos das ações preferenciais sem voto, na jurisdição de Gernsey;
  2. b) O Novo Banco promove, com o apoio da maioria dos acionistas preferenciais, a liquidação das sociedades, no quadro delas, a liquidação dos ativos das mesmas, garantindo o pagamento de 75% por via da distribuição do produto de tal liquidação, constituído, essencialmente, pelo valor das obrigações por ele mesmo emitidas.

Para que a segunda alternativa seja viável, é indispensável obter a maioria dos acionistas preferenciais, sendo lastimável que sejam impostos prazos, sem que haja condições para subscrever o que quer que seja, pois que ainda não há textos sólidos e não pode exigir-se que as pessoas emitam cheques em branco.

Se for verdade o que nos disseram na reunião realizada no Novo Banco, parece-nos que pode ser vantajoso aderir a um plano de liquidação das sociedades de offshore, com a contrapartida do depósito de 75% do valor investido.

Mas porque é preciso muito cuidado com o que se assina, consideramos muito importante, antes de tudo, conhecer os textos e, depois, precisar os poderes de que outorga, de modo evitar o abuso de direito.

Por isso mesmo, conhecendo como conheço este pequeno mundo, entendo que cada investidor deve, preferencialmente, mandatar os seus advogados para subscrever os delicados instrumentos que estão em causa.

 

 

Lisboa, 20 de agosto de 2017-08-13

Miguel Reis

COMUNICADO DA MRA SOBRE UMA PROPOSTA COMERCIAL DO NOVO BANCO

Sexta-feira, Agosto 18th, 2017

 

Tendo em vista a defesa dos interesses dos nossos clientes que investiram em ações preferenciais de sociedades sedeadas no offshore de Gernsey, especialmente emigrantes, realizamos uma reunião de trabalho no Novo Banco, em Lisboa, para analisar a proposta comercial que vai ser apresentada a esses investidores.

Essas sociedades veiculo (SPV) são as seguintes: EuroAforro 8, PoupançaPlus1, PoupançaPlus5, PoupançaPlus6, TopRenda4, TopRenda5, TopRenda6, TopRenda7,  EuroAforro10 e EGPremium.

Todas ou quase todas são geridas pelo Sanne Group.

Os principais ativos da maioria dessas sociedades eram obrigações do Banco Espírito Santo, que passaram para o Novo Banco, no quadro da medida de resolução.

Os juros dessas obrigações deveriam servir para pagar os dividendos das referidas ações preferenciais, sendo certo que nunca mais foram pagos depois da resolução.

O Novo Banco pretende agora, a um tempo, desonerar-se dessas dívidas e melhorar a qualidade dos seus depósitos, liquidando as obrigações, com a garantia de que os fundos usados para esse pagamento são depositados a prazo nas contas dos investidores, porém aos seus balcões.

Ora, os credores são as sociedades veiculo de que os investidores são acionistas preferenciais e não os próprios acionistas.

Por isso, para que esse projeto seja realizável, é essencial que os acionistas autorizem a liquidação das sociedades e a transformação do valor das liquidações em depósitos à sua ordem.

A opção que os nossos clientes – acionistas preferenciais – têm é muito clara:

– Ou aceitam a proposta do Novo Banco e têm, em caso de aprovação da maioria, a hipótese de poderem beneficiar da liquidez gerada pela liquidação dos ativos;

– Ou não aceitam essa proposta e continuarão a ser acionistas de sociedades que são geridas de forma pouco transparente, não pagando sequer os dividendos que deveriam pagar.

A grande novidade desta solução é a de que o devedor das sociedades de que os investidores são acionistas é o próprio Novo Banco e que, passados mais de 3 anos, ele se propõe pagar. E isto é positivo.

Continuamos a pensar que os nossos clientes, que investiram nestes ativos mobiliários têm razão jurídica e acreditamos que, a final, os tribunais lhes darão razão.

O maior problema reside no facto de não sabermos quando é esse “a final”.

Uma das principais funções dos processos judiciais é a de evitar que os direitos se extingam.

Essa função deve conciliar-se, em cada momento, com as oportunidades que se forem gerando.

Temos consciência de que, para muitos dos nossos clientes, é muito preferível receber menos e continuar a litigar apenas no campo dos danos não patrimoniais, do que esperar décadas – ou mesmo gerações – por uma solução perfeita.

A proposta comercial que o Novo Banco vai apresentar pode resumir-se nos termos seguintes:

– Havendo autorização da maioria dos acionistas, liquidar-se-ão os ativos das sociedades veiculo, constituídos por obrigações do Novo Banco;

– Com os valores da liquidação, serão constituídos depósitos a prazo, em nome dos acionistas, que se prevê que totalizem o montante de 75% dos investimentos.

A proposta aplica-se às ações preferenciais dos seguintes veículos:

EuroAforro 8

PoupançaPlus1

PoupançaPlus5

PoupançaPlus6

TopRenda4

TopRenda5

TopRenda6

TopRenda7

Não estão, por enquanto, incluídas nesta solução as ações preferenciais das sociedades EuroAforro10 e EGPremium.

O segredo da solução agora apresentada pelo Novo Banco consiste, essencialmente, na gestão da liquidação das obrigações que titulam dívida desse banco e que constituem ativos das sociedades veiculo e na transformação desses ativos em dinheiro a depositar nas contas dos acionistas.

A eficácia destas propostas depende, a um tempo, da sua aceitação  pela maioria dos investidores e, por outro lado, do sucesso da operação de gestão de passivos (LME) em curso.

A aceitação da proposta do Novo Banco terá que ser formalizada até ao dia 30 de Agosto, junto de um balcão do Novo Banco.

Os clientes que pretendam que os representemos nesta negociação devem contactar-nos com a maior urgência.

Contamos ter detalhes dos documentos no princípio da semana.

 

 

Lisboa, 18 de agosto de 2017

 

Miguel Reis

Alberto Vaz