Arquivo para Abril, 2020

Lesados do BES vão exigir indemnização a Salgado e ex-gestores

Terça-feira, Abril 28th, 2020

Citamos

Económico

Pedido cível por danos morais tem na mira 1,8 mil milhões de euros de bens arrestados a Ricardo Salgado e ex-gestores. Ação dá entrada após acusação.

Os lesados do BES/GES que investiram em papel comercial, obrigações e até em ações estão a preparar um pedido de indemnização milionária contra o ex-presidente do banco, Ricardo Salgado, e todos os ex-administradores arguidos no processo-crime do Universo Espírito Santo, cuja acusação deverá ser deduzida até junho. Pedido cível por danos morais tem na mira os bens arrestados pela Justiça ao ex-presidente do banco e antigos gestores do grupo num total de 1,8 mil milhões de euros entre numerário e aplicações financeiras, imóveis, veículos automóveis, o recheio de casas e obras de arte, que ficaram à guarda do processo para garantir futuras indemnizações.

“Em geral, todos os lesados estão receptivos a participar neste processo, cuja indemnização por danos morais será certamente superior ao valor das perdas que não foram pagas. O valor será provavelmente astronómico, pois trata-se de um leque alargado de lesados que vão participar neste processo-crime, abrangendo investimentos em papel comercial, obrigações e ações”, revelou ao Jornal Económico o presidente AMELP (Associação Movimento Emigrantes Lesados Portugueses) que tem 700 associados.

Luís Marques dá conta de que “este processo é alargado a outras associações de lesados do BES/GES” como, exemplifica, as que representam os lesados das sucursais exteriores do BES na Venezuela e África do Sul (ALEV) e os lesados do Banque Privée, representados pela ABESD. Deverão inda aderir os lesados do papel comercial do BES/GES, nomeadamente parte dos 2.000 que aderiram ao fundo de recuperação de créditos que permitirá recuperarem entre 50% e 75% do dinheiro aplicado em dívida das empresas insolventes do grupo, num montante total de 286 milhões de euros face às perdas de 490 milhões (com juros).

Luís Marques avança ainda que neste sábado, 18 de abril, vai realiza-se uma reunião por videoconferência onde “este será um dos temas a discutir”, acrescentando que vão ser realizadas reuniões periódicas para “evoluir até à acusação” do processo Universo Espírito Santo, que deverá ser deduzida até junho contra Salgado e outros ex-administradores do GES. Os lesados terão, então, o prazo de 20 dias, após a acusação, para exigirem tal indemnização no âmbito do chamado caso BES, que investiga as acções que levaram à falência do banco, no verão de 2014.

Também Sara Freitas, presidente da ALEV que reúne 394 lesados, revela estar “optimista” com a ação judicial que dará entrada nos tribunais, defendendo que “os lesados têm direitos sobre os bens arrestados”. “A intenção é que todos adiram a este processo. Fomos prejudicados e, além de termos perdido as nossas poupanças, a nossa situação na Venezuela é muito grave”.

Direito criminal é irrenunciável
O presidente da AMELP explica que o direito a avançar com pedido de indemnização por danos morais – no decorrer de um processo-crime tem várias vantagens. Desde logo, explica, “estes direitos são da própria pessoa e são irrenunciáveis”. Mais: a indemnização por danos morais acresce a qualquer indemnização que venham a conseguir judicialmente ou através da comissão liquidatária do BES. Outra vantagem é a possibilidade de ser pedida por pessoa e não por conta, pois “não são as contas que têm danos morais. São as pessoas”. Logo, por exemplo, para uma conta com quatro titulares, haverá quatro pedidos de indemnização, o que elevará o valor global a reclamar que poderá individualmente ascender a 50 mil euros, acima da média de 20 mil euros de indemnizações pagas nos tribunais portugueses.

Académicos avaliam dano moral
Desde 2015 que os lesados pensavam “atacar” os bens arrestados pela Justiça. Mas só agora com a acusação do MP, os lesados podem tornar-se “demandantes cíveis”, estando já organizados e com uma equipa jurídica a trabalhar na fundamentação do pedido. Um dos trabalhos em curso é relativo à prova de cada um dos lesados – sustentada em danos não patrimoniais. A equipa jurídica esta a trabalhar com uma entidade terceira (equipa académica) naquilo a que chamam “mensurabilidade do dano não patrimonial, caso acaso, de forma concreta, nas fraudes impostas aos clientes do BES”.

Uma tentativa de medir o dano relativamente a cada pessoa para auxiliar o Juiz no cálculo da indemnização a reclamar no âmbito do mega processo que conta com 41 arguidos (33 cidadãos nacionais e estrangeiros e oito pessoas coletivas) e que deverá ultrapassar as 4.083 páginas da acusação da Operação Marquês.

Milhões de euros arrestados
Ricardo Salgado é a face central deste processo que investiga da prática de vários crimes: burla qualificada, falsificação de documento, falsidade informática, fraude fiscal, infidelidade, abuso de confiança, branqueamento e corrupção no sector privado. Amílcar Morais Pires, ex-braço direito do antigo presidente executivo do BES e José Manuel Espírito Santo, ex-administrador do BES, são outros arguidos.

Trata-se de um processo-crime com vários apensos, à ordem do qual foram arrestados 1,8 mil milhões de euros para que servisse de garantia de ressarcimento aos eventuais lesados do processo sobre a falência do GES e a queda do BES. A justiça arrestou mais de 500 bens de Ricardo Salgado e família Espírito Santo como casas de luxo, a capela junto à casa do ex-banqueiro e a Herdade da Comporta. O arresto estendeu-se a propriedades do GES e de alguns dos seus administradores, num total de 477 imóveis, 11 automóveis, o recheio de seis casas, incluindo 143 obras de arte.

BES: Tribunal da Concorrência vai julgar recursos a coimas superiores a 3,5 milhões de euros no caso BESA

Terça-feira, Abril 28th, 2020

Citamos

Observador

BES: Tribunal da Concorrência vai julgar recursos a coimas superiores a 3,5 milhões de euros no caso BESA

O ex-líder e o ex-administrador financeiro do BES recorreram das multas decididas pelo Banco de Portugal para o Tribunal da Concorrência. Julgamento marcado para 6 de maio mas pode ser adiado.

O Tribunal da Concorrência vai julgar os recursos às coimas, superiores a 3,5 milhões de euros, aplicadas pelo supervisor a ex-administradores do BES no processo da filial em Angola, com o início do julgamento dependente das medidas impostas pela pandemia.

Na condenação, em junho de 2019, o Banco de Portugal (BdP) aplicou coimas de 1,8 milhões de euros ao ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) Ricardo Salgado, de 1,2 milhões de euros ao antigo administrador Amílcar Morais Pires, de 400.000 euros a Rui Silveira e de 150.000 euros a Gherardo Petracchini, que recorreram da decisão para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém.

O início do julgamento dos pedidos de impugnação foi inicialmente marcado para 6 de maio, mas, com todas as diligências não urgentes suspensas devido às medidas de contenção da pandemia da covid-19, poderá vir a ser adiado.

Na decisão administrativa, Ricardo Salgado e Morais Pires foram condenados pela prática de três contraordenações, nomeadamente, pela não implementação de procedimentos que reforçassem ou garantissem o acompanhamento das operações realizadas com o BES Angola (BESA), não implementação de processos de análise ao risco de crédito relativamente ao crédito contratado com aquela instituição, “não obstante a extremamente elevada materialidade dos montantes em causa e os potenciais impactos associados ao seu incumprimento”.

A terceira coima foi aplicada por “incumprimento dos deveres de comunicação obrigatória” ao BdP dos problemas associados às carteiras de crédito e de imobiliário do BESA, a mesma pela qual foi condenado Rui Silveira, que detinha o pelouro de auditoria e inspeção.

Gherardo Petracchini foi condenado pela não implementação de sistemas de controlo interno e ausência de identificação das deficiências de controlo interno pela Espírito Santo Financial Group (ESFG), de que era administrador, tendo a sua coima sido suspensa em três quartos por cinco anos.

Não recorreram da condenação do BdP José Caldeira Silva e José Castella (coima de 120.000 euros cada, e para ambos suspensa em três quartos do valor por cinco anos), a ESFG (atual massa insolvente, 1 milhão de euros, suspensa na totalidade por dois anos) e o Banco Espírito Santo (BES, em liquidação, 3,4 milhões de euros, suspensa na totalidade por dois anos).

O supervisor considerou provado que Ricardo Salgado, Amílcar Pires e Rui Silveira sabiam que a situação deteriorada da carteira de crédito e da carteira do imobiliário do BESA era suscetível de causar perdas significativas ao banco e, consequentemente, provocar uma desvalorização materialmente relevante dos ativos do BES.

A decisão administrativa lembra que, na Assembleia Geral do BESA realizada nos dias 03 e 21 de outubro de 2013, na qual participou Ricardo Salgado, foi dado a conhecer que se desconheciam os mutuários de cerca de 80% do total da carteira de crédito do banco, bem como a sua finalidade e garantias, créditos na maior parte aprovados diretamente por Álvaro Sobrinho, que presidia, e João Moita, responsável pelo departamento de risco.

Sobre a carteira de imobiliário, foi, nomeadamente, reportada a ausência de registo de identificação dos imóveis adquiridos pelo BESA, a existência de dois imóveis adquiridos por 88 milhões de dólares com um “potencial de menos valia” de 76 milhões e de dois fundos de investimento (Património e Valorização) com projetos que obrigariam a um desembolso futuro de 400 milhões de dólares.

A acusação do BdP refere que a exposição do BES ao BESA aumentou 1,65 mil milhões de dólares entre 2011 e 2014 (de 3.131 milhões para 4.783 milhões de dólares) e que a filial angolana teve, nesse período, uma queda de resultados de 1 milhão de euros para 14,2 milhões de euros negativos.

O supervisor considerou ter ficado provado que os três administradores do BES sabiam dos problemas relacionados com a carteira de crédito e imobiliário do BESA e que a deterioração dessas carteiras podia afetar negativamente o rácio de solvabilidade do Banco Espírito Santo a nível consolidado e a desvalorização dos ativos e capital próprio deste.

Salgado quer perícia para avaliar impacto da garantia soberana de Angola

O ex-presidente do BES quer que o Tribunal da Concorrência determine a realização de uma perícia para avaliar que impacto teria a garantia soberana de Angola nos ativos ponderados pelo risco e no rácio prudencial do banco.

No pedido de impugnação da condenação a uma coima de 1,8 milhões de euros por ausência de medidas e de informação sobre a situação do BES Angola (BESA), proferida pelo Banco de Portugal (BdP), em junho de 2019, apresentado no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, a defesa de Ricardo Salgado pede que seja nomeado um perito independente.

O objetivo é que este avalie qual teria sido o impacto, com referência às contas consolidadas do BES a 31 de dezembro de 2013 e a 31 de março de 2014, caso tivesse sido reconhecida a garantia soberana de Angola, no valor de 5,7 mil milhões de dólares.

O caso da garantia soberana emitida pelo Estado angolano em 31 de dezembro de 2013, que visava obstar às dificuldades económicas dos mutuários da carteira de crédito do BESA e que Salgado acreditava que, com o aumento de capital e as alterações na administração, iria resolver os problemas provocados por Álvaro Sobrinho, é um dos argumentos usados no pedido de impugnação.

O ex-presidente do BES procura desmontar a decisão administrativa, nomeadamente, os argumentos de que o BdP só teve conhecimento da situação no BESA depois da publicação da notícia no Expresso, em junho de 2014, que veio a precipitar a resolução do banco, ocorrida em agosto desse ano, e acusa o supervisor de ter construído “com pinças” o processo que o condenou ao pagamento de 1,8 milhões de euros.

No recurso apresentado no TCRS, consultado pela Lusa, Ricardo Salgado afirma que o BdP “vivia dentro do BES”, pelo que imputar falhas no controlo interno do Banco Espírito Santo, desde 2010, e violação de deveres de informação é “reconhecer a incompetência da supervisão”.

Em “quatro notas prévias”, a defesa de Salgado, conduzida por Adriano Squilacce, da Uría Menéndez – Proença de Carvalho, começa por referir o “escândalo” e a “gritante incongruência” da condenação por uma contraordenação (a mais grave) por não comunicação ao supervisor dos problemas da carteira de crédito do BESA, quando, alega, a situação era conhecida pelo BdP, pelo menos desde novembro de 2013, altura em que recebeu a ata da comissão executiva de 30 de outubro e o relatório, junto em anexo, da auditora KPMG sobre imparidades da carteira de crédito da filial angolana.

O facto de o Departamento de Supervisão conhecer esta informação, levou a que a decisão que culminou na condenação fosse construída “com pinças” pelo Departamento de Ação Sancionatória do BdP “para escusar a anterior atuação desta entidade”, alega.

Sublinha ainda que o ex-presidente do BES “não é responsável pelas irregularidades” praticadas pela administração do BESA liderada por Álvaro Sobrinho e que integrava Hélder Bataglia, os dois ainda hoje “alinhados numa estratégia” contra Salgado, “em diferentes frentes e interesses comuns, que parece haver resistência a investigar”.

A defesa de Salgado alega que Sobrinho, juntamente com o diretor de risco do BESA João Moita, foram os principais decisores na concessão de crédito, estranhando que o BdP tenha recusado o pedido de inquirição daquele que foi o presidente executivo da filial angolana entre 2002 e 2012 e cujo depoimento seria essencial para a “descoberta da verdade”.

Frisa que Salgado sempre “confiou nas informações positivas” que lhe chegavam sobre o BESA, tendo a questão do rácio entre os depósitos e o crédito concedido sido levantado em 2012, quando a ‘troika’, no âmbito da intervenção em Portugal, exigiu a redução dos rácios de transformação dos bancos portugueses.

O recurso aponta como “verdadeira motivação” do processo, instaurado em outubro de 2014, na “ressaca” da resolução do BES e nas vésperas da comissão parlamentar de inquérito, condicionar esta com um “sumário executivo truncado” da auditoria forense ao capítulo BESA.

Para a defesa de Salgado, o “desastre” estendeu-se à “forma lamentável” como o supervisor “desconsiderou” a garantia soberana de Angola a favor do BESA, apesar de ter “atribuído estatuto de equivalência à regulação e supervisão bancária angolana”.

O BES, assegura, não era o “mealheiro aberto” nem do BESA nem de qualquer outra entidade e tinha uma “estrutura bem definida” que controlava o risco.

Tal como nos outros processos de que é alvo, Salgado pede incidente de recusa contra o governador do BdP, Carlos Costa, tendo em conta os “pré-juízos” emitidos enquanto decorria produção de prova e antes da deliberação e da decisão, nas quais participou, quebrando o dever de imparcialidade.

Alega ainda que a decisão do BdP deu como provados factos que não constavam da acusação e que viola as regras do cúmulo jurídico, por, “por factos que se sobrepõem no tempo”, terem sido aplicadas a Ricardo Salgado coimas em processos contraordenacionais que totalizam os 5,5 milhões de euros.

A defesa de Salgado pediu a apensação do processo contraordenacional contra a KPMG, mas este vai decorrer de forma autónoma, estando o início deste julgamento igualmente pendente das medidas decorrentes da pandemia da covid-19.

Morais Pires acredita na absolvição no recurso a coima no processo do BESA

O ex-administrador do BES Amílcar Morais Pires acredita que será absolvido no julgamento do recurso que apresentou no Tribunal da Concorrência da coima de 1,2 milhões de euros aplicada pelo Banco de Portugal no processo do BES Angola.

No pedido de impugnação apresentado no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), consultado pela Lusa, Morais Pires declara a sua inocência e indignação pela condenação “injusta”, acusando o Banco de Portugal (BdP) de, na sua decisão de junho de 2019, ter omitido factos essenciais e apontar outros que, ou não correspondem à realidade, ou não consubstanciam a prática de qualquer contraordenação.

Tal como o ex-presidente do BES Ricardo Salgado (com uma coima de 1,8 milhões de euros), Morais Pires foi condenado pelo supervisor pela prática de três contraordenações por ausência de medidas e de informação sobre a deterioração das carteiras de crédito e imobiliária da filial do banco em Angola (BESA).

A defesa de Morais Pires, conduzida por Raul Soares da Veiga, alega que o antigo administrador apenas passou a deter o pelouro internacional depois da reunião realizada em maio de 2012 com a ‘troika’, no âmbito da intervenção de que Portugal foi alvo, para definir e implementar planos que permitissem melhorar os resultados das filiais em Angola e em Espanha, nomeadamente reduzindo o rácio de crédito sobre depósitos.

No caso do BESA, devido ao rápido crescimento da carteira de crédito e a uma fraca base de depósitos, o rácio de crédito sobre depósitos era de 170%, o que, afirma, não era irregular, mas revelava grande dependência de financiamento interbancário, em grande parte do BES.

Amílcar Morais Pires afirma que foi por sua intervenção que Álvaro Sobrinho deixou a presidência executiva do BESA (que detinha desde 2002), passando a ser presidente do Conselho de Administração do banco, cargo representativo, nomeando Rui Guerra para a execução do plano estratégico de recuperação do banco, delineado para o período 2013-2017.

No pedido de impugnação, Morais Pires diz que Sobrinho criou um “contra-poder” e uma “contra-equipa de gestão” que neutralizava a ação da nova equipa executiva, acabando por ser destituído da presidência do BESA em junho de 2013 e substituído pelo ex-primeiro ministro e ex-presidente do parlamento angolano Paulo Kassoma.

Refere tammbém que o BdP tomou conhecimento da falta de informação disponibilizada pelo BESA quando lhe foi entregue o relatório da KPMG, de 31 de outubro de 2013, sobre a carteira de crédito da filial angolana a 30 de junho, sublinhando que a lei e a supervisão angolanas apenas permitiam a transmissão de conclusões gerais e não de detalhes das operações bancárias.

Morais Pires assegura que o BdP foi sempre informado das deficiências de controlo interno detetadas no BESA, agravadas pela determinação do supervisor angolano que obrigou à existência de um sistema de informação próprio, que deixou o BES sem acesso a qualquer informação, nomeadamente sobre carteiras de crédito e imparidades, desde maio de 2009.

Tal como afirma a defesa de Salgado, também Morais Pires considera que o “eco” que o BdP deu à notícia do Expresso de junho de 2014 visou “tentar fingir que nada sabia” para “não ser criticado”.

A defesa afirma que, “longe de ter agido censuravelmente”, Morais Pires agiu “com extraordinária diligência e mérito”, devendo-se a “outros” o “desmoronamento” do BES a partir de julho de 2014.

Em particular, pede que sejam “apuradas responsabilidades” no processo de revogação da garantia soberana de Angola, no valor de 5,7 mil milhões de dólares, na qual afirma ter tido papel relevante.

Para Morais Pires, não obstante terem existido atos de administração “criticáveis” e os problemas revelados no último trimestre de 2013 e no primeiro de 2014, o BES “era um banco sólido”.

O ex-administrador do BES recupera neste processo a ação popular administrativa que interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em dezembro de 2018, na qual pede que o BdP e a KPMG sejam condenados a ressarcir o Estado dos “enormes montantes” saídos “inutilmente” para o Fundo de Resolução, no quadro da resolução do BES e da criação e venda do Novo Banco.

Para isso, pede que seja realizada uma perícia colegial, propondo como perito da parte o economista e autor de dois livros sobre o BES José Poças Esteves.

Nos outros pedidos de impugnação entregues no TCRS, também Rui Silveira, administrador com o pelouro de auditoria, condenado a uma coima de 400.000 por não comunicação ao BdP dos problemas associados às carteiras de crédito e imobiliário da filial angolana, refere a decisão do Novo Banco (NB) de perdoar 80% da dívida de 3,4 mil milhões do BESA como “assaz duvidosa e altamente lesiva” dos interesses nacionais.

Quanto aos restantes 20% antevê que o NB não os irá recuperar, até porque o Fundo de Resolução se comprometeu a ressarcir esse prejuízo, “uma vez mais à custa do erário público”, afirma, questionando o papel do BdP em todo o processo.

No seu recurso, alega a existência da violação do direito de defesa, invoca a nulidade da decisão do supervisor e assegura que desconhecia a situação das carteiras do BESA.

O outro antigo administrador que recorreu da coima que lhe foi aplicada, Gherardo Petracchini (150.000 euros, suspensa em três quartos por um período de cinco anos, pela não implementação de sistemas de controlo interno e ausência de identificação das deficiências de controlo interno pela Espírito Santo Financial Group, de que era administrador) considera a acusação “injusta”, já que não desempenhava qualquer função de controlo interno e, alega, não é apresentado qualquer facto ou prova documental contra si.

CASO BES Seguir Salgado perde pela terceira vez arguição de alegada parcialidade de Carlos Costa

Segunda-feira, Abril 13th, 2020

Citamos

Observador

 

Salgado perde pela terceira vez arguição de alegada parcialidade de Carlos Costa

 

Tribunal da Concorrência volta a não dar razão à defesa de ex-líder do BES. Salgado perdeu sempre que tentou invocar alegada falta de imparcialidade de Carlos Costa e do Banco de Portugal.

Ricardo Salgado voltou a não ter sucesso na interposição de um incidente de recusa de Carlos Costa por alegada falta de imparcialidade do governador do Banco de Portugal (BdP). Apesar de três tentativas, e dos diferentes argumentos apresentados pela defesa do ex-presidente executivo do Banco Espírito Santo (BES) para assim tentar anular várias das acusações e condenações contra-ordenacionais do supervisor da banca, o Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão ou a Relação de Lisboa continua a não dar razão à defesa a cargo dos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Schillaci.

A última tentativa verificou-se através de um incidente de recusa apresentado no âmbito do chamado processo Eurofin. Estão em causa declarações feitas por Carlos Costa a 4 de março no âmbito de uma audição parlamentar sobre o caso Luanda Leaks, na qual vários deputados fizeram perguntas sobre o ponto da situação do caso BES. O líder do BdP explicou que, dos quatro processos abertos à administração liderada por Ricardo Salgado, apenas faltava concluir o caso Eurofin — no qual Salgado e outros ex-administradores do BdP foram acusados pelo Departamento de Averiguação e Ação Sancionatória do BdP de violar as normas de concessão de crédito entre 2011 e 2014 em mais de 2.856 operações de crédito ao Grupo Espírito Santo que totalizaram cerca de 1,2 mil milhões de euros.

Carlos Costa garantiu aos deputados que apenas persistia uma “obstrução processual” — noticiada aqui pelo Público — que impedia o Conselho de Administração do BdP de tomar uma decisão final de condenação ou arquivamento naquele processo. Quando tal “obstrução”, relacionada com o segredo profissional de Rui Silveira,  advogado e ex-administrador do BES, estivesse resolvida, continuou o governador, esse processo seria resolvido numa semana.

A defesa de Ricardo Salgado interpôs no início de março um incidente de recusa de Carlos Costa no Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão, a instância de recurso das decisões ou processos do BdP, alegando que tais declarações consubstanciavam um pré-juizo condenatório do ex-líder do BES. Não era a primeira vez que, no âmbito dos autos do processo Eurofin, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Schilacci tentavam obter uma declaração de impedimento ou recusa quer de Carlos Costa quer do Conselho de Administração do BdP.

Contudo, a juíza Marta Campos discordou da defesa e, numa decisão tomada a 30 de março indeferiu o incidente de recusa por entender que o “sentido das afirmações do senhor governador, à luz da leitura de um cidadão médio considerando as circunstâncias do caso, corresponde à asserção de que a decisão final seria proferida com a máxima celeridade assim que a marcha processual o permitisse“, lê-se na decisão a que o Observador teve acesso.

O conselho de administração do BdP liderado por Carlos Costa poderá agora tomar uma decisão final sobre o caso Eurofin. Nos processos contra-ordenacionais do supervisor da banca, o Departamento de Averiguação e Ação Sancionatória acusa e o órgão máximo do BdP absolve ou condena os gestores financeiros ao pagamento de multas e eventualmente a penas acessórias de inibição do exercício de funções em órgãos sociais de instituições de crédito ou de sociedades financeiras.

O trunfo do parecer do ex-provedor de Justiça que ainda não foi apreciado

Há ainda um outro incidente de recusa a alegar a falta de imparcialidade de Carlos Costa e do conselho de administração do BdP que continua pendente no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão — o que representa a quarta tentativa nesse sentido do ex-líder do BES.

Neste caso, estão em causa os autos do chamado processo BESA – Banco Espírito Santo Angola. Depois de o BdP ter condenado Ricardo Salgado em janeiro de 2019 a pagar uma multa de 1,8 milhões de euros pela atividade do Banco Espírito Santo de Angola (BESA) e a exposição do BES à operação angolana avaliada em mais de 3 mil milhões de euros, o ex-líder do BES recorreu para aquele tribunal de recurso instalado em Santarém, sendo seguido pelos ex-administradores Amílcar Morais Pires e Rui Silveira, que também foram condenados ao pagamento de coimas, no valor, respetivamente, de 1,2 milhões e 400 mil euros.

Antes das alegações finais do julgamento do recurso interposto, a defesa de Salgado puxou de um ‘trunfo’ na forma de um parecer do penalista Faria Costa. O igualmente ex-provedor de Justiça repete os argumentos da defesa a cargo de Francisco Proença de Carvalho e Adriano Adriano Squilacce a propósito de outras declarações do governador do BdP proferidas na conferência de imprensa de 3 de agosto de 2014 em que a resolução do BES foi publicamente anunciada e em diversas entrevistas publicadas em 2016 e 2017.

No incidente que interpôs, a defesa de Salgado cita frases do governador do BdP sobre os “atos de gestão gravemente prejudiciais ao interesse do BES” levados a cabo antes de junho de 2014 e sobre a existência de um “esquema de financiamento fraudulento” entre as empresas do Grupo Espírito Santo. É igualmente citada uma entrevista do governador ao Expresso em fevereiro de 2016 sobre o momento em que deixou de confiar em Ricardo Salgado: “Em finais de maio de 2014, no dia em que recebi as informações que mostraram que havia falsificação de contas”, afirmou então o governador. Tudo isto sustenta a acusação de parcialidade dirigida a Carlos Costa.

Segundo Faria Costa, estas declarações “destroem a aparência de imparcialidade que deve ter o julgador” e fazem com que o BdP, enquanto supervisor responsável pela ação contra-ordenacional, não tenha tido alegadamente a “equidistância exigida entre o julgador e o arguido”. Por isso mesmo, a acusação e a condenação proferidas contra Ricardo Salgado devem ser “anuladas”, por resultar daí um “efetivo prejuízo para a justiça da decisão do processo”, lê-se no parecer citado pela Agência Lusa.

O que já disseram os tribunais sobre a alegada parcialidade

A argumentação que foi repetida por Faria Costa tem sido invocada desde o primeiro recurso interposto pela defesa de Ricardo Salgado contra as condenações do ex-líder do BES no BdP. Mas tem sido sucessivamente derrotada em toda as sedes de recurso quer no Tribunal da Concorrência, quer no Tribunal da Relação de Lisboa.

Por exemplo, a defesa de Salgado já tinha tentado no âmbito do caso Eurofin que Carlos Costa e o conselho de administração do BdP fossem declarados impedidos pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de tomar as decisões sobre o ex-presidente do BES por alegadamente não terem sido imparciais. Mas, uma vez mais, os argumentos foram rejeitados.

Numa decisão datada de 6 de dezembro de 2018, o juiz Alexandre Leite Baptista considerou que não existia qualquer motivo para uma suspeita sobre a imparcialidade nem do governador nem do órgão colegial que gere o supervisor. Porquê? Porque, por um lado, qualquer alegada parcialidade de Carlos Costa não se comunicaria aos demais membros do conselho de administração do BdP. É uma “inatendível ficção” que a defesa de Ricardo Salgado produz “entre imputação de atos pessoais a um dos membros e a natureza colegial daquele órgão deliberativo”, lê-se na decisão a que o Observador teve acesso.

 

Por outro lado, as declarações que Carlos Costa fez quer na conferência de imprensa de 3 de agosto de 2014 em que comunicou ao país a medida de resolução do BES, quer nas entrevistas que deu ao Expresso e ao Público em 2016 e em 2017, estão “enquadradas por finalidades do public accountability, processualmente justificadas e impessoais.” Mais: “As entrevistas encontram-se contextualizadas pela sindicância pública das decisões do BdP sobre a resolução do BES e a perda de idoneidade, assuntos de óbvio interesse e assinalada relevância pública. E que eram suscetíveis de merecerem a devida justificação perante a comunidade”.

O juiz Alexandre Leite Batista considerou ainda que as afirmações de Carlos Costa “não se afiguram capciosas ou destituídas de racional argumentativo e também não revelam intenção hostil ou malevolente para com o requerente.”

Após novo recurso de Salgado e de Morais Pires, as razões invocadas por Leite Batista vieram a ser corroboradas pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 11 de fevereiro de 2019.

“O que é importante para Ricardo Salgado é saber quem profere a decisão”

No único processo de contra-ordenação prestes a transitar em julgado no início de 2020, e no qual Salgado foi condenado ao pagamento de uma multa de 3,7 milhões de euros por atos dolosos de gestão ruinosa pela alegada falsificação da contabilidade da ESI — Espírito Santo International (uma das holdings de controlo do Grupo Espírito Santo) e o alegado esquema fraudulento de emissão de dívida de 1,3 mil milhões de euros que foi colocada em clientes do BES, a Relação de Lisboa voltou a recusar os argumentos do ex-banqueiro.

Numa decisão datada de 2 de maio de 2019, os desembargadores Maria Leonor Botelho, Maria do Carmo Ferreira e Trigo Mesquia (presidente da 9.ª Secção da Relação) qualificam  as comunicações públicas de Carlos Costa como uma “evidente preocupação de esclarecimento do público, em geral, e dos clientes do BES, em especial” por forma a informar que a resolução do BES garantia “a continuidade da atividade da instituição”, sendo a melhor medida para proteger “os depositantes e demais clientes da instituição e a estabilidade financeira.”

Além do mais, lê-se no acórdão da Relação de Lisboa, o governador nunca “imputou concretamente a ninguém, designadamente ao recorrente Ricardo Salgado” ou a qualquer outro administrador do BES, a prática de quaisquer atos”, nem foi feita qualquer  “alusão” a qualquer processo de contra-ordenação em curso.

Por isso mesmo, a desembargadora relatora Maria Leonor Botelho afirma: “Parece resultar que o que é importante para o recorrente [Ricardo Salgado] é saber quem profere a decisão, independentemente de quem procedeu à instrução do processo e de quem exerceu funções no conselho de administração do BdP.”

Acresce que “foram garantidos todos os direitos de audiência e de defesa, não se inferindo das declarações prestadas pelo sr. governador qualquer violação do princípio da imparcialidade”, lê-se no acórdão da Relação de Lisboa.