Se a auditoria ao Novo Banco concluir que houve má gestão, o Fundo de Resolução “tem toda a legitimidade” para pedir um reembolso, defendeu o primeiro-ministro. Empréstimos do Estado já renderam 500 milhões de euros em juros.
O primeiro-ministro defendeu nesta quarta-feira que se a auditoria ao Novo Banco concluir que houve má gestão, o Fundo de Resolução “tem toda a legitimidade” para pedir a devolução do dinheiro.
“Se a auditoria concluir que houve má gestão, o Fundo tem toda a legitimidade para agir no sentido da recuperação do dinheiro que desembolsou e que não tinha de desembolsar”, afirmou António Costa, nesta quarta-feira, 20 de maio.
O primeiro-ministro respondia à coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, que criticou o Governo por injetar dinheiro antes de ter a auditoria. “Como é que uma auditoria que era indispensável é agora dispensável? E os resultados da auditoria terão consequências?”, questionou.
“Se o Novo Banco tiver sido mal gerido, vamos lá buscar o dinheiro?”, interrogou a deputada bloquista.
Na resposta, o primeiro-ministro disse ainda que “sendo o fundo financiado pelos outros bancos, acredito que esses não estejam propriamente disponíveis para financiar a má gestão do Novo Banco”.
No que diz respeito ao Governo, o papel que tem aqui não é injetar dinheiro no Novo Banco, mas emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução. “Se e esse dinheiro injetado no Novo Banco foi mal injetado, com certeza que o Fundo terá de retirar daí as necessárias ilações”, afirmou António Costa.
Segundo o chefe de Governo, das injeções feitas no Novo Banco 32% foram feitas através do empréstimo do Estado, 13% das contribuições do banco e 55% de investimentos privados.
Além disso, disse Costa, o Estado já recebeu do Fundo de Resolução cerca de 500 milhões de euros em pagamento de juros, pelos montantes emprestado.
O primeiro-ministro respondia ao líder do PSD, Rui Rio, que afirmou que a “fatura em impostos com o Novo Banco são 7 mil milhões de euros” e criticou que a justiça não tenha conseguido julgar ou punir os responsáveis “pelo maior crime de colarinho branco em Portugal”.
Subida da massa salarial nos últimos dois exercícios completos acompanha prejuízos milionários do banco e injecções do Estado de mais de dois mil milhões.
Os membros da comissão executiva do Novo Banco viram as suas remunerações serem aumentadas em quase um milhão de euros assim que a instituição passou para a esfera do fundo de private equity norte-americano Lone Star e, em três anos, assumiu prejuízos de 3,866 mil milhões, os que sustentaram os pedidos de injecção de dinheiros públicos na instituição que já superaram os dois mil milhões. Se a conta incluir o que recebem os membros do Conselho Geral e de Supervisão do Novo Banco, chefiado por Byron Haynes, criado a seguir à venda, então o diferencial, face aos encargos com a gestão em 2016 (em que não havia este órgão), aumenta para quase dois milhões de euros.
Em 2017, a remuneração anual dos seis gestores executivos do Novo Banco cifrou-se em 1.336.000 euros, dos quais 329.600 euros imputados a António Ramalho (três gestores entraram em funções em Abril e Maio, pelo que não receberam o ano completo). Dois anos depois, agora com mais três gestores, a equipa de executivos recebeu 2.345.296 euros, tendo o mesmo presidente executivo auferido 400 mil euros. Uma subida de 75% durante dois exercícios completos e vincadamente negativos (assumindo o salário anual completo dos três gestores que entraram em Abril e Maio em 2017, a subida seria de 53%).
Neste bolo salarial fixo não está incluído um prémio de assinatura de 320 mil euros pago na contratação de Mark Bourke, um dos novos gestores desta equipa executiva.
Quando ainda estava no perímetro do Fundo de Resolução, o Novo Banco não dispunha de administradores não executivos, sendo gerido pelos sete elementos encabeçados por Ramalho, a maioria dos quais ainda se mantém em funções. Na altura, foram indicados pelo Fundo de Resolução, e agora pelo Lone Star (e sem intervenção directa do Fundo de Resolução, apesar de manter 25% do capital do Novo Banco).
A partir do momento em que passou a ser gerido integralmente pelo accionista privado, foi criado um Conselho Geral e de Supervisão (CGS) presidido por Byron Haynes, que recebe pela função 378 mil euros, quase tanto quanto o CEO, apesar de não estar presente na instituição no dia-a-dia, como reconheceu o próprio numa entrevista ao Expresso. Já o vice-presidente, Karl Eick, recebe 250 mil euros.
Com nove membros, todos indicados pelo investidor do Texas, as responsabilidades do Novo Banco com o Conselho Geral e de Supervisão cifram-se em 878 mil euros. Apenas um dos elementos é português – Carla Alexandra Antunes da Silva –, que aufere 60 mil euros como não executivo e que tem origem em bancos norte-americanos como Haynes confirmou na mesma entrevista.
Somando as remunerações dos executivos e dos não executivos, os encargos do Novo Banco com o conselho de administração e com o Conselho Geral e de Supervisão totalizam 3.180.332 euros.
O detalhe está no facto de os salários dos administradores executivos do Novo Banco terem subido assim que o banco foi vendido e os prejuízos disparado para 3,866 mil milhões: em 2017, 1,395 mil milhões (valor que em 2016 foi de apenas 788 milhões); em 2018, 1,412 mil milhões; em 2019, 1,058 mil milhões.
Foi no exercício do ano passado que a gestão de António Ramalho garantiu um prémio de dois milhões de euros, condicionado ainda ao cumprimento de determinados critérios, como a solidez da instituição e um desempenho operacional positivo de forma consecutiva.
Foi neste período que a gestão começou a “descobrir” uma sucessão de créditos mal provisionados no Novo Banco, que atribuiu ao “antigamente”, numa menção de António Ramalho a Ricardo Salgado. E foi o que possibilitou ao Lone Star, passados apenas quatro meses de ter assumido o controlo da instituição, começar a accionar o mecanismo de capital contingente, uma almofada de 3,8 mil milhões de euros, que constituía a protecção dada pelas autoridades portuguesas ao negócio.
Uma almofada de segurança que podia ser accionada caso a gestão do Novo Banco descobrisse novas imparidades ou tivesse de reconhecer perdas resultantes de vendas de activos a desconto. E são estas as razões que justificaram as injecções de 2,7 mil milhões de euros no Novo Banco por parte do Fundo de Resolução, com financiamento público.
As contas anteriores à venda, como as seguintes, foram todas validadas pelo Fundo de Resolução, que tem à frente o vice-governador Luís Máximo dos Santos, que reporta ao Ministério das Finanças, o seu credor.
Outras informações que se retiram dos relatórios e contas, neste caso do documento relativo a 2019, é que o Novo Banco é totalmente monitorizado pelo Lone Star, que ocupa todos os lugares nos comités de controlo interno. O comité de risco é formado por Byron Haynes (presidente do Novo Banco), Karl-Gerhard Eick (vice-presidente), Kambiz Nourbakhsh e Benjamin Dickgiesser, que, entre outras coisas, tem competências “no que respeita a certas operações de crédito e a alterações de políticas de risco.”
Por seu turno, Byron Haynes, Karl-Gerhard Eick e Benjamin Dickgiesser integram o comité de remunerações, cabendo-lhes aprovar a contratação de colaboradores com remuneração anual superior a 200 mil euros. John Herbert, Robert Sherman, Donald Quintin e Mark Coker decidem todas as nomeações que o banco faz.
Já o comité para as matérias financeiras, que faz o “acompanhamento e a supervisão da performance financeira”, das “políticas e processos de reporte de contas e no acompanhamento do auditor externo”, é composto pelo presidente do CGS, Haynes, pelo vice-presidente do banco, Eick, e por Kambiz Nourber. No comité de compliance estão Robert Sherman, John Herbert e Mark Coker.
Nesta terça-feira, em entrevista ao Eco, António de Sousa, ex-governador do Banco de Portugal, e fundador do fundo de recuperação de crédito vendido pela banca, ECS, defendeu: “Dar bónus numa empresa com prejuízos não é necessariamente mau, desde que já se saiba que a empresa não vai ter bons resultados, mas pode melhorá-los bastante.” O ex-presidente da CGD sublinhou ainda que “só não se sabe se é o caso no Novo Banco”.
O Novo Banco foi vendido em 2017 ao fundo americano Lone Star e, nesse momento, o Estado contratualizou uma garantia de 3,9 mil milhões de euros. Quem disse o quê nesse ano?
A venda do Novo Banco foi anunciada em março de 2017, após várias tentativas sem sucesso, mas três anos depois o banco nascido do ex-BES continua um tema quente na política portuguesa, como esta semana se confirmou. Apesar de em 2014, na resolução do BES, o Novo Banco ter nascido como o ‘banco bom’, rapidamente se percebeu que tinha muitos problemas e a venda arrastou-se por três anos, até a alienação em 2017 ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, num processo que envolveu Governo, Banco de Portugal, Comissão Europeia e Banco Central Europeu.
Foi a 31 de março que foi anunciada a alienação de 75% do banco ao Lone Star, mantendo os restantes 25% o Fundo de Resolução bancário (entidade da esfera do Estado financiada pelas contribuições dos bancos). O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no capital do Novo Banco.
Foi ainda acordado um mecanismo pelo qual até 2026, e com um limite de 3.890 milhões de euros, o Fundo de Resolução compensa o Novo Banco por perdas num conjunto de ativos problemáticos ‘herdados’ do BES quando ponham em causa os rácios de capital, já tendo sido despendidos 2.976 milhões de euros até hoje.
Eis o que disseram os protagonistas em 31 de março de 2017:
Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa
“A assinatura do contrato pelo Fundo de Resolução permite que seja cumprido o prazo de venda fixado nos compromissos assumidos pelo Estado junto da Comissão Europeia, que era até 3 de agosto de 2017”, disse Carlos Costa numa curta declaração.
“Face às alternativas, a venda é um passo importante na estabilização do setor bancário nacional, uma vez que garante a diversificação de investidores e reforça a credibilidade do setor por via do desfecho bem-sucedido de um processo de venda aberto, transparente, concorrencial e de alcance internacional”.
Primeiro-ministro, António Costa
A venda do Novo Banco cumpre “as três condições colocadas pelo Governo”, sendo uma delas de que este processo “não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes”, disse António Costa.
“Ao contrário do inicialmente proposto, não é concedida qualquer garantia por parte do Estado ou de qualquer outra entidade pública. O necessário reforço de capital é integralmente assegurado pelo investidor privado, e eventuais responsabilidades futuras não recairão sobre os contribuintes, mas sobre os bancos, que asseguram o capital do Fundo de Resolução”, sustentou.
O acordo “afasta o espetro da liquidação” do Novo Banco.
“Por outro lado, não serão exigidas aos bancos contribuições extraordinárias e o Fundo de Resolução ainda beneficiará da futura alienação dos 25% de capital que continuará a deter no Novo Banco. Esta é uma solução equilibrada: A que melhor protege os contribuintes, a economia e a estabilidade do sistema financeiro no quadro do processo de resolução [do BES] iniciado em agosto de 2014”, acrescentou António Costa.
A nacionalização do banco foi uma hipótese estudada, mas traria um “impacto muito distinto” junto dos contribuintes do que decorre da venda da entidade.
“O Estado teria de realizar o capital inicial, entre 4.000 e 4.700 milhões de euros”.
Comissão Europeia
A comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, congratulou-se com a assinatura do acordo de aquisição entre as autoridades portuguesas e a norte-americana Lone Star, “com o objetivo de levar o Novo Banco à viabilidade a longo prazo”.
PS
“Não sendo ideal, não sendo a venda estrondosa que, durante muito tempo, inúmeras figuras garantiam que iria acontecer, foi, pelo menos, o encerramento de um ciclo que tinha riscos para o país. Fazendo as contas, olhando para todas as alternativas, parece-nos ser a solução menos má de todas”, disse o então porta-voz do PS João Galamba.
“Esta solução, como é evidente, não é a ideal, mas, dadas as condicionantes existentes e, sobretudo, compromissos assumidos pelo Governo anterior em 2014 e sucessivas falhas em vender, se olharmos para as alternativas, esta acaba por ser a solução que minimiza os impactos negativos sobre o nosso país”.
PSD
“A decisão de hoje não é uma boa decisão, é uma má decisão. Vem na sequência de um processo de desvalorização do Novo Banco, que, entre outras coisas, teve o contributo do Ministro das Finanças quando, por mais de uma vez, acenou com a possibilidade da nacionalização ou mesmo da liquidação do banco”, afirmou o então líder parlamentar, Luís Montenegro.
“A venda que hoje foi anunciada é uma venda parcial e ainda por cima acarreta a possibilidade de os contribuintes puderem ter de assumir parte dos custos que estão associados a um processo de capitalização futura do Novo Banco”.
BE
“Temos de ser muito claros, o que está em causa é uma venda a preço zero: o banco vai ser dado a um fundo americano. O fundo americano vai injetar dinheiro no seu próprio banco, vai-se pagar a si mesmo, e no meio deste processo o Estado assume futuras perdas no banco que vão até 4 mil milhões de euros”, afirmou a deputada Mariana Mortágua.
A decisão do Governo “até pode parecer a mais correta no curto prazo, mas o que vai fazer é empurrar os problemas com a barriga para o futuro, para outro Governo, para os contribuintes, daqui a quatro, daqui a cinco, daqui a seis anos”.
PCP
“O negócio que agora vemos apresentado aos portugueses e que se traduzirá num novo custo sobre o Orçamento do Estado e o esforço dos trabalhadores demonstra bem a necessidade de travar o processo de alienação. Aquilo que testemunhámos uma vez mais foi o Estado utilizar os recursos dos portugueses para limpar o balanço de um banco”, disse o então deputado Miguel Tiago.
“Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque também já tinham dito que os portugueses não assumiriam os custos imputados ao Fundo de Resolução. A verdade é que, para já, prevê-se que os bancos pagarão, quando muito, daqui a 40 anos, aos poucos, a dívida do empréstimo do Estado de 3,9 mil milhões de euros”.
CDS-PP
“Na perspetiva do CDS, o Governo falhou em toda a linha nesta matéria. Não atingiu nenhum dos objetivos a que se propôs. Fez uma má negociação. Não vendeu o banco na sua totalidade como se tinha proposto, vendeu apenas 75% e não encaixou um cêntimo sequer para o Fundo de Resolução”, afirmou a então líder do CDS, Assunção Cristas.
“Pelo contrário, o Fundo de Resolução, que é detido por todos os bancos do sistema financeiro, e é bom lembrar que um deles é um banco 100% público e chama-se Caixa Geral de Depósitos, ficam responsáveis por calotes que podem ir até aos 3.800 milhões de euros durante oito e, portanto, não é uma responsabilidade pequena”.
Empréstimos que estão a ser vendidos com desconto a fundos – e a gerar as injecções do Estado – foram ignorados até à entrada do Lone Star por auditores, reguladores e Governo. António Ramalho, em 2016, descrevia uma carteira de créditos sólida.
Durante três anos – em 2014, 2015 e 2016 –, o Banco de Portugal, as administrações do Novo Banco e a auditora PwC consideraram que as carteiras de créditos herdadas do BES estavam devidamente provisionadas, não colocando ênfases ou reservas às contas, nem alertas para eventuais necessidades adicionais de capital.
A partir de Outubro de 2017, assim que o banco passou para a esfera do Lone Star, com uma almofada de capital de 3,9 mil milhões de euros, a gestão começou a reconhecer perdas do “antigamente” e a vender carteiras de créditos problemáticos a grande desconto, sustentando sucessivos pedidos de capital de 2,7 mil milhões ao Fundo de Resolução, que detém 25% da instituição. E são estes créditos, entre outros, que estão a ser escrutinados pela auditoria externa da Deloitte que gerou a polémica política que marcou esta semana.
Em 2015, cerca de seis meses depois da resolução do BES, o então presidente executivo (CEO) do Novo Banco, Eduardo Stock da Cunha, defendeu, que, embora ainda com “trabalho de limpeza pela frente”, a instituição estaria em condições de apresentar lucros no ano seguinte, ou seja, em 2016.
Declarações feitas antes de Outubro de 2017, quando o Novo Banco entrou na esfera do Lone Star, com a tal almofada de verbas públicas de 3,9 mil milhões. A partir dali, e logo no fecho das contas de 2017, e ainda nas de 2018 e de 2019, a gestão desatou a reconhecer uma sucessão de “descobertas” de créditos mal provisionados, de 2,7 mil milhões de imparidades, e que António Ramalho tem vindo a imputar “ao antigamente”, o termo que usa para se referir a Ricardo Salgado.
Em 2018 e 2019, o auditor mudou para Ernst & Young. O que levanta questões: o que justifica que entre 2017 e 2019, num período de maior saúde económica do país, com melhoria do preço dos activos, estejam a ser descobertos créditos mal provisionados, que não foram reconhecidos no ciclo de menor crescimento económico, de 2014 a 2016?
Isto porque, dos relatórios contas dos exercícios de 2014 (de Agosto a Dezembro), de 2015 e de 2016, reportados ao mercado, e que o PÚBLICO leu, não constam ênfases, nem reservas do auditor, a PwC, a chamar a atenção para uma insuficiência de provisionamento sobre activos do antigo BES, com implicações em novas necessidades de capital.
Ou seja, a PwC, os órgãos de fiscalização internos do Novo Banco, incluindo o conselho de administração, consideraram que, nos três anos mencionados, o banco constituíra correctamente o nível de imparidades para cobrir eventuais perdas nos créditos. Questionada pelo PÚBLICO, fonte oficial da PwC respondeu que “de acordo com as nossas regras profissionais e de confidencialidade, não comentamos os trabalhos que realizamos para os nossos clientes”.
E como as contas foram aprovadas pelo Banco de Portugal e não suscitaram dúvidas à CMVM (o Novo Banco não está no mercado, mas tem activos cotados em bolsa) significa que as autoridades também não anteciparam insuficiências de capital, para além dos 4,9 mil milhões injectados a 3 de Agosto de 2014. O supervisor bancário não respondeu ao PÚBLICO sobre a ausência de alertas dos auditores até 2016 e posterior vaga de imparidades já com o Lone Star como dono do banco.
O que também se sabe é que, nos últimos três anos, em que se verificou uma valorização acentuada dos activos imobiliários e não imobiliários, o Novo Banco tem vindo a intensificar a venda de carteiras de créditos com grande desconto – e, nalguns casos, com descontos de mais de 50%.
Dali resultam duas coisas: lucros elevados para as sociedades de recuperação de crédito que os adquiriram; e perdas para o vendedor, o banco. E a consequência é uma queda no valor patrimonial do banco e redução dos níveis mínimos de capital exigidos pelas autoridades, que desencadeiam os pedidos de dinheiro ao Fundo de Resolução, como a injecção dos 850 milhões de euros libertados este mês pelas Finanças, que gerou uma tempestade política entre o Presidente da República, o primeiro-ministro e o ministro das Finanças.
São os prejuízos da alienação “a saldo” dos seus activos e o reconhecimento de novas provisões que sustentam as chamadas do Novo Banco ao Fundo de Resolução para injectar capital. E o Fundo de Resolução, que é risco público, em dois anos e meio já meteu na instituição chefiada por António Ramalho, 2,976 mil milhões de euros, 2,1 mil milhões dos quais financiados pelos contribuintes a título de empréstimo a 40 anos (a restante parte são contribuições dos bancos concorrentes).
No final fazem-se mais perguntas: o que mudou para o Novo Banco, assim que foi vendido, ter desatado a reconhecer imparidades sobre créditos que diz serem do antigo BES? Se as imparidades remontam de facto a créditos concedidos antes da resolução, nesse caso, o que levou a gestão, entre Agosto de 2014 e 2016, a renovar ou a renegociar essas dívidas que de repente se tornaram problemáticas? Decisões essas com luz verde do BdP.
Finalmente, falta saber: se a comissão de auditoria extra pedida pelo Governo ao Novo Banco (cuja conclusão é esperada no Verão) é constituída por auditores independentes, sem relação com o BdP, com os intervenientes na medida de resolução, com o Novo Banco, ou com antigos e novos auditores; saber se o trabalho se vai debruçar sobre as análises que fundamentaram a resolução; e, ainda, se vai procurar saber o nome dos últimos titulares das sociedades que têm estado a comprar créditos ao Novo Banco, bem como tentar apurar quanto é que estas empresas, consideradas como “abutres”, ganharam com o negócio, cujo impacto se reflecte nos pedidos de apoio ao Estado?
No início era o BES
As polémicas em torno do dossiê Novo Banco não param desde 2014 e, de tempos em tempos, dominam o debate político. Discussões renovadas na semana que agora terminou, com as diferentes forças da oposição a atacarem António Costa e o ministro das Finanças Mário Centeno por falta de controlo político e por má articulação entre gabinetes.
Em causa esteve a informação avançada pelo Expresso de que as Finanças tinham emprestado 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução para este injectar no Novo Banco, sem cumprir a condição imposta pelo primeiro-ministro, de só libertar os fundos depois de avaliadas as conclusões da auditoria esperada para o Verão.
Todos concordam que há um problema no dossiê Novo Banco, quer por efeito da resolução de 3 de Agosto de 2014, quer pelas condições da alienação, em 2017, aos norte-americanos do Texas. Mas as culpas são atribuídas a pessoas e a partidos diferentes.
A oposição questiona os termos do negócio assinado com o private equity que ficou protegido por 3,9 mil milhões de euros, almofada que António Costa, ao revelar o entendimento, classificou de uma espécie de seguro, que não esperava que fosse accionado. Entretanto, do bolo de 3,9 mil milhões, já foram levantados 2,7 mil milhões.
Por seu turno, o actual Governo acusa o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e o Banco de Portugal de má condução na resolução do BES, que deu origem a um banco “mau” e a outro alegadamente “bom”, agora designado por Novo Banco.
Mas que afinal eram os dois maus. A divisão resultou de uma auditoria realizada em cima da hora no BdP, com apoio da PwC, que levou a estimar as necessidades de capital acima dos 4,9 mil milhões, na altura, colocados no Novo Banco.
Tal como o PÚBLICO avançou, a equipa de Carlos Costa pediu à então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, uma injecção de 5,5 a seis mil milhões de euros, que esta recusou, pois só daria 4,9 milhões. Mas viviam todos no reino da fantasia, porque quer a ministra quer o governador Carlos Costa defenderam na altura que era possível vender o banco de transição “rapidamente, talvez mesmo por 70% ou 90% do que vier a ser injectado” e o Fundo de Resolução ia “conseguir recuperar o que lá meteu.”
A fotografia só fica composta quando se recuperam as declarações produzidas pelos dois últimos responsáveis do Novo Banco: Stock da Cunha e António Ramalho.
Lucros em 2016?
A 2 de Fevereiro de 2015, Eduardo Stock da Cunha foi ao Parlamento dizer: o Novo Banco “já não está nos cuidados intensivo” . A 26 do mesmo mês, no almoço conferência promovido pelo American Club of Lisbon, declarou: “Vamos voltar aos lucros em 2016”.
A 15 de Novembro de 2015, o Banco Central Europeu (BCE) detectou uma insuficiência de capital no Novo Banco de 1,398 mil milhões. Para resolver a situação, o BdP transferiu para o BES 1,985 mil milhões de euros em obrigações seniores que estavam no Novo Banco, e concluiu que o banco ficou folgado de capital. Isto, depois de ter dito a 3 de Agosto de 2014 que a injecção de 4,9 mil milhões de euros era suficiente.
A 31 de Dezembro de 2015, numa nota interna, Stock da Cunha garantiu que o Novo Banco “está solvente”. Dois meses mais tarde, em Fevereiro de 2016, na divulgação das contas anuais do exercício anterior, anunciou prejuízos de 980,6 milhões de euros.
A 6 de Junho de 2016, antes de ser substituído por António Ramalho, Stock da Cunha proclamou: “O Novo Banco terá capacidade para apresentar lucro em 2018”. Ao Negócios, explicou o que queria dizer por “limpar a má herança deixada” pelo BES: “Quando digo limpar significa gerir as situações.”
No segundo semestre de 2016, já na qualidade de CEO do Novo Banco, António Ramalho baptizou o então presidente da CGD, António Domingues, de “talibã” das imparidades, por ter registado em 2016 imparidades de três mil milhões de euros. Era demais, pensou Ramalho.
Quando em Outubro do mesmo ano, na SIC, foi confrontado com cerca de três mil milhões de euros de créditos parcialmente em risco no Novo Banco, desvalorizou: “No Novo Banco, o crédito vencido a mais de 90 dias tem uma cobertura de 100% e a cobertura do crédito em risco (NPE) é de 45%, em linha com os 41% da média europeia”.
E garantiu que “hoje em dia” (em 2016) no Novo Banco, “os critérios de análise quer das imparidades necessárias, mas também do ponto de vista de seguimento, são extremamente exigentes, na tentativa de evitar que circunstâncias do passado se voltem a repetir.”
À pergunta sobre qual era a razão por que não executava grandes clientes como Luís Filipe Vieira, Teixeira Duarte, Tecnovias, ou Carlos Saraiva, António Ramalho sustentou que não era conveniente fazer falir os devedores: “É tão importante ser criterioso na concessão de crédito, como no seguimento, como na recuperação e gestão dos créditos em risco”, isto, para impedir, por exemplo, que no caso dos clientes do sector turístico “haja quebra da oferta”.
Reagindo então à questão se também não executava os clientes sem negócio de interesse para a economia, como José Guilherme (suspeito de ter pago comissões ao anterior presidente do BES, Ricardo Salgado) ou Joe Berardo (o accionista do BCP que colocou na presidência Santos Ferreira, de que Ramalho foi administrador-financeiro), para não criar problemas, o CEO defendeu: “Não podemos deixar que a narrativa de exemplos concretos que são muito mediáticos transforme os bancos em Dom Quixote em defesa de uma economia totalmente sã que não tenha risco” – os banqueiros “não podem ter medo do insucesso”, acrescentou.
Seis meses depois de prestar estas declarações, a 31 de Março de 2017, foi anunciado que o Governo tinha acordado vender o Novo Banco ao Lone Star, com uma almofada de protecção. E na altura o primeiro-ministro assegurou que não foram dadas garantias públicas à venda do Novo Banco e que não haveria nem impacto nas contas públicas, nem novos encargos para os portugueses.
O negócio só foi concretizado a 18 de Outubro de 2017. Passados dois meses e meio, a instituição revelou prejuízos de 1,4 mil milhões, os maiores desde 3 de Agosto de 2014. Seguiu-se a comunicação de que o Lone Star manteria no cargo António Ramalho e que ia accionar o mecanismo de capital contingente, requisitando 792 milhões de euros ao Fundo de Resolução. Tratou-se da primeira chamada de capital para cumprir os rácios de solidez financeira.
E foi só a partir daqui que António Ramalho começou a falar em buracos abertos por “créditos do antigamente”, os mesmos que, até à entrada do Lone Star, a própria administração, PwC e BdP diziam estar devidamente provisionados. Desde Agosto de 2014, o Fundo de Resolução já meteu 7,876 mil milhões de euros no Novo Banco.
Contactado pelo PÚBLICO, António Ramalho ignorou o pedido de esclarecimento sobre o não reporte de problemas relacionados com a omissão de problemas nas contas do Novo Banco em 2014, 2015 e 2016.
Governador do Banco de Portugal acredita que, se fosse possível, o fundo de resolução teria minimizado os custos.
Carlos Costa valida a mais recente transferência feita pelo Estado referente ao Novo Banco,
Em entrevista ao Expresso, o governador do Banco de Portugal acredita que, se fosse possível, o fundo de resolução teria minimizado os custos
Em causa está a condenação, pelo Banco de Portugal, da KPMG e de cinco dos seus sócios ao pagamento de coimas no valor global de 4,9 milhões de euros, devido à violação de normas.
O Tribunal da Concorrência, em Santarém, vai julgar os pedidos de impugnação da auditora KPMG e de cinco dos seus sócios às coimas no valor global de 4,9 milhões de euros aplicadas pelo supervisor no âmbito do caso BES.
Com início de julgamento marcado para o próximo dia 20, em causa está a condenação, pelo Banco de Portugal (BdP), da KPMG ao pagamento de uma coima de três milhões de euros, do seu presidente, Sikander Sattar, de 450.000 euros, de Inês Neves (425.000 euros), de Fernando Antunes (400.000 euros), de Inês Filipe (375.000 euros) e de Silvia Gomes (225.000 euros), de que todos recorreram.
A decisão do BdP concluiu que houve a violação de normas que determinam o “dever de os revisores oficiais de contas ao serviço de uma instituição de crédito e os auditores externos de comunicarem factos que são suscetíveis de determinar uma emissão de reserva às contas da entidade que auditam”, neste caso o Banco Espírito Santo (BES), e a prestação de informações incompletas e de informações falsas ao supervisor, relativas à situação da filial em Angola (BESA).
Na sua decisão, de 22 de janeiro de 2019, que culminou com a autuação em 17 de junho, o BdP considerou ter ficado provado que, entre 2011 e, pelo menos, dezembro de 2013, os arguidos sabiam que, no âmbito do seu trabalho de auditoria, nomeadamente para efeitos de certificação das contas consolidadas do BES, não tinham acesso a informação essencial sobre a carteira de crédito do BESA e que, pelo menos a partir de janeiro de 2014, sabiam que existia um conjunto de créditos considerados incobráveis.
Para o BdP, tais factos deveriam ter determinado a emissão de uma reserva às contas consolidadas do BES e deveriam ter sido comunicados ao supervisor.
Nos pedidos de impugnação entregues no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), consultados pela Lusa, os arguidos afirmam ser “falso” que tenham tido conhecimento de qualquer informação sobre a carteira de crédito do BESA que fosse suscetível de gerar reservas às contas consolidadas do BES.
Na sua defesa, a KPMG salienta que as contas do BESA foram auditadas em 2011, 2012 e 2013 pela KPMG Angola, pessoa coletiva de direito angolano que não tem qualquer relação de grupo com a KPMG Portugal, apesar de serem ambas presididas por Sikander Sattar.
A KPMG assegura que a ata da assembleia-geral do BESA, realizada nos dias 3 e 21 de outubro de 2013, traduzia uma “fotografia provisória” da situação do banco, por, nessa altura, estar ainda a ser recolhida informação, e alega que a mudança de administração da filial angolana do BES dificultou o acesso e “porventura levou ao desaparecimento” de alguma informação.
Sobre o exercício de 2013 do BES, afirma que o reporte teve em conta a existência da garantia soberana do Estado angolano que assegurava o reembolso dos créditos em causa.
Negando ter havido prestação de informações incompletas e falsas, a KPMG refere a reunião realizada a 06 de junho de 2014 com a equipa do BdP, em que foi prestada a informação que tinha na sua posse e que havia sido solicitada em 30 de maio, nomeadamente, de que o valor máximo de perda potencial, caso não existisse garantia soberana, era de 3,4 mil milhões de euros.
Quanto aos arguidos singulares, afirma que as infrações que lhes foram apontadas dependem do exercício das funções de revisor oficial de contas do BES, sendo “absolutamente irrelevante” os cargos sociais que ocupavam à data dos factos na KPMG Angola e na KPMG Portugal, bem como o facto de serem sócios ou ‘partners’ com contratos de trabalho com as auditoras.
A KPMG Portugal foi Revisor Oficial de Contas (ROC) e auditor externo do BES desde dezembro de 2006. Em 2010 assumiu a gestão da KPMG Angola, a pedido da KPMG International.
O processo surge no âmbito do aumento da exposição do BES ao BESA, sendo que, entre janeiro de 2011 e agosto de 2014, data da resolução do Banco Espírito Santo, o montante total do financiamento concedido por este passou de cerca de 3,131 mil milhões de dólares para perto de 5,1 mil milhões.
O TCRS vai iniciar igualmente (ainda sem data marcada) o julgamento dos recursos às coimas, superiores a 3,5 milhões de euros, aplicadas pelo supervisor a ex-administradores do BES também no âmbito da exposição do banco ao BESA.
Na condenação, em junho de 2019, o Banco de Portugal aplicou coimas de 1,8 milhões de euros ao ex-presidente do Banco Espírito Santo Ricardo Salgado, de 1,2 milhões de euros ao antigo administrador Amílcar Morais Pires, de 400.000 euros a Rui Silveira e de 150.000 euros a Gherardo Petracchini, que recorreram da decisão para o TCRS.
Que democracia é esta que usa assim o dinheiro dos cidadãos em ideias que não são boas nem antes, nem depois, nem nunca?
Para além da espuma mediática sobre quem telefonou a quem, há vários temas que devíamos discutir sobre o Novo Banco. Deixo aqui uma lista para nos entretermos no fim de semana.
Nos EUA, no seguimento da crise de 2008, o governo lançou o programa Troubled Asset Relief Program (TARP), que podemos traduzir livremente por programa de alívio de ativos problemáticos. O TARP investiu, por exemplo, na indústria automóvel, bancos e seguradoras. Quem quiser conhecer melhor o TARP pode ir ao site do Tesouro dos EUA, onde tem uma página dedicada a este programa.
Aí pode consultar a parte “oversight and accountability”, que podemos traduzir por escrutínio e responsabilização, onde nos explicam que, desde a criação do TARP, há quatro instituições com poderes de controlo sobre o programa, incluindo uma criada especialmente para o efeito (Inspetor Geral Especial do TARP). Há outra secção separada com todos os relatórios. Alguns têm frequência mensal, como o “Relatório sobre dividendos e juros” ou o reporte mensal ao congresso, outros são trimestrais. Anualmente, são publicados três relatórios de retrospetiva, incluindo o “Citizen’s report on TARP”, um documento escrito em linguagem acessível, dirigido aos cidadãos não especialistas.
Tal como as transferências do Orçamento do Estado para o Fundo de Resolução do Sector Financeiro, também uma parte do TARP consistiu em empréstimos. O que aconteceu a esse dinheiro? No relatório dirigido aos cidadãos de 2017 aparece, logo na mensagem de abertura, a seguinte notícia: em 30 de setembro de 2017 já se havia recuperado a totalidade dos 412 mil milhões de dólares que tinham sido investidos, o que inclui pagamento de juros. Dos dez programas de investimento incluídos no TARP, oito já estavam encerrados.
Esta história, que já vai longa, suscita duas questões acerca do Novo Banco. A primeira é porque é que nós não temos direito ao mesmo nível de transparência e escrutínio dos americanos. A segunda é que há países onde se empresta dinheiro público ao abrigo de programas especiais de recuperação de empresas e esses empréstimos são pagos. Por aqui, o Estado já emprestou 25 mil milhões ao sector financeiro e ainda só recuperou 5 mil milhões. Procurei com afinco um único estudo ou documento acerca do risco de não reavermos os restantes 20 mil milhões, sem sucesso.
O facto de os empréstimos serem reembolsados não impede um debate interessante entre os economistas acerca da sua rentabilidade. O artigo “Did Taxpayers Earn a ‘Fair’ Return on TARP Investments?” de Thomas Flanagan e Amiyatosh Purnanandam, da Universidade de Michigan, afirma que o retorno do TARP foi inferior ao que teria sido obtido em investimentos com o mesmo risco, o que o torna um “mau” investimento. Outros economistas dizem que o objetivo era salvar empregos e que a economia recuperasse rapidamente, pelo que a ideia de comparar o seu retorno com outros investimentos faz pouco sentido. Miguel Faria e Castro explica numa nota publicada no site do Federal Reserve Bank of Saint Louis que quando se investiu havia uma probabilidade elevada do investimento não ser reembolsado. Uma ideia que até se revelou rentável dez anos depois não era necessariamente boa quando se fez o investimento. É fácil perceber isto pensando numa boa ideia de investimento de uma empresa, por exemplo, no sector do turismo, tomada em outubro. Se essa empresa tiver entretanto investido, neste momento o mais provável é estar numa situação desastrosa, mas isso não torna a ideia má à partida. Com estes investimentos do TARP, é isso, só que ao contrário
Aqui chegada, deixo a minha terceira questão: porque não temos este tipo de debate em relação ao Novo Banco? Neste caso, é mais fácil: a ideia era má à partida e é má à chegada. O Novo Banco não nasceu de uma crise externa; nasceu de uma gestão incompetente e dolosa que destruiu as poupanças de quem as confiou à gestão do então BES. Mas isto suscita outra questão: que democracia é esta que usa assim o dinheiro dos cidadãos em ideias que não são boas nem antes, nem depois, nem nunca?
Entretanto, convém lembrar que esta transferência para o Novo Banco estava prevista no Orçamento do Estado 2020, que foi votado pela Assembleia da República. Desde que o OE foi aprovado, o mundo virou do avesso com a chegada da maior crise do século. Há já quase um mês que, com outras pessoas, assinei uma carta ao primeiro ministro onde assinalávamos algumas despesas previstas no OE – incluindo os apoios à banca – que deviam ser reavaliadas em face da enorme necessidade de despesa pública provocada pela crise pandémica. O governo estima que vai gastar cerca de 20 mil milhões a apoiar a economia, quase 10% do PIB. Em números redondos, esta transferência para o Fundo de Resolução representa 4,3% desse total. Portanto, a quinta questão que coloco é: transferências desta envergadura no meio da maior crise do século não são objeto de uma discussão cuidadosa em Conselho de Ministros?
O mais importante, no entanto, é que aprendamos alguma coisa para o futuro. Ainda andamos às voltas com o legado da última crise e já entrámos numa pior, onde o Governo se prepara para voltar a intervir na economia, entrando no capital de várias empresas e a própria UE está a preparar um plano de financiamento para esta finalidade. A minha última questão (a lista já vai longa) é a seguinte. Será que o Governo está a fazer alguma coisa para não repetirmos os erros do passado?
Deixo aqui uma lista (não exaustiva) de conselhos para proteger o nosso dinheiro e a nossa democracia. Fazer estudos prévios, por entidades independentes, antes de investir. Impor condições estritas às empresas apoiadas relativamente a pagamentos de prémios chorudos e dividendos, práticas agressivas de otimização fiscal, transição energética. Isto já está a ser feito por vários governos europeus como o francês e o dinamarquês, é só copiar. Procurar que o dinheiro investido tenha uma contrapartida nos direitos de decisão, que é como quem diz, evitar a bizarria da TAP em que o Estado detém 50% do capital e apenas 5% dos direitos de decisão, ou do próprio Novo Banco, que é detido apenas em 25% pelo Fundo de Resolução, quando este já gastou mais de quatro vezes o que a Lone Star pagou pelo banco. Finalmente, se não for pedir muito, fazer um site parecido com o do TARP nos EUA, para podermos todos perceber melhor de que forma é investido o dinheiro que é nosso.
Empréstimos do Estado estão em seis mil milhões de euros.
Os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco já totalizam 7.876 milhões de euros desde agosto de 2014, data da resolução do BES, e mais encargos se poderão somar, segundo contas feitas pela Lusa. Do valor investido até hoje pelo Fundo de Resolução no Novo Banco, 6.000 milhões de euros vieram diretamente de empréstimos do Estado. Desse valor, 3.900 milhões de euros foram investidos aquando da capitalização do banco (em 2014) e 2.100 milhões de euros nas recapitalizações dos últimos três anos (2017, 2018 e 2019) feitas ao abrigo do mecanismo de capital contingente.
Estes empréstimos terão de ser devolvidos pelo Fundo de Resolução ao Estado até 2046, utilizando para isso as suas receitas, que são as contribuições anuais dos bancos (incluindo o público Caixa Geral de Depósitos). Já quanto ao restante dinheiro injetado pelo Fundo de Resolução no Novo Banco desde 2014, que não veio de empréstimo do Tesouro, mais de 1.200 milhões de euros foi de receitas próprias (originadas nas contribuições dos bancos) e 700 milhões de euros de um empréstimo feito em 2014 por vários bancos (o qual está a ser pago pelo fundo). Os custos da capitalização Foi no verão quente de 2014, na noite de 3 de agosto, que o Banco de Portugal, apoiado pelo governo PSD/CDS-PP então liderado por Passos Coelho, anunciou a aplicação de uma medida de resolução ao banco da família Espírito Santo, que no primeiro semestre tinha tido prejuízos de 3,6 mil milhões de euros, resultados que punham a descoberto uma série de irregularidades financeiras.
A medida de resolução criou então duas entidades: o ‘BES mau’, que deixou de poder operar, onde ficaram os ativos e passivos considerados ‘tóxicos’, e o Novo Banco, que ficou com os depósitos do BES e com os ativos considerados de qualidade, capitalizado pelo Fundo de Resolução (entidade financiada pelos bancos, que está na esfera do Estado e consolida nas contas públicas) com 4,9 mil milhões de euros. Na capitalização do Novo Banco, uma vez que o Fundo de Resolução não tinha dinheiro suficiente, pediu um empréstimo de 3,9 mil milhões de euros ao Tesouro público, um empréstimo de 700 milhões de euros a oito bancos (CGD, BCP, BPI, Montepio, Santander Totta, Crédito Agrícola, BIC e Banco Popular) e o restante valor foram receitas próprias (300 milhões de euros). Contudo, rapidamente se percebeu que a capitalização do banco tinha sido ‘curta’, até porque muitos dos ativos do Novo Banco afinal eram ‘tóxicos’ (crédito malparado, imóveis sobrevalorizados). Assim, em dezembro de 2015, o Banco de Portugal passou para o ‘banco mau’ BES cerca de 2.000 milhões de euros em obrigações seniores que inicialmente ficaram protegidas no Novo Banco, aumentando a capitalização do banco. Tal decisão provocou grandes prejuízos nos investidores dessa dívida, como os grandes fundos de investimento Pimco e BlackRock, que puseram processos em tribunal. Após várias tentativas falhadas de venda, em 2017, já com o governo PS, foi concretizada a alienação de 75% do Novo Banco ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%. O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no Novo Banco. Foi nessa venda que foi acordado o mecanismo de capital contingente pelo qual o Fundo de Resolução pode, até 2026, injetar capital no Novo Banco até ao limite de 3.890 milhões de euros, para cobrir perdas com ativos que o Novo Banco ‘herdou’ do BES. Contudo, uma vez que as receitas do Fundo de Resolução não são suficientes para acudir às necessidades no Novo Banco, todos os anos o fundo pede dinheiro ao Tesouro público. Referente a 2017, o Fundo de Resolução injetou 792 milhões de euros no Novo Banco, 430 milhões de euros dos quais vieram de um empréstimo público. Também em 2018, dos 1.149 milhões de euros postos no Novo Banco, 850 milhões de euros foram de um empréstimo do Tesouro.
Na semana passada foi conhecido que, referente a 2019, o Fundo de Resolução colocou 1.035 milhões de euros no Novo Banco, 850 milhões de euros dos quais vieram diretamente do Estado. Inicialmente, o valor pedido pelo Novo Banco foi de 1.037 milhões de euros, mas a transferência foi feita com menos dois milhões de euros. A Lusa questionou o Banco de Portugal sobre a diferença, mas não obteve resposta. Segundo o jornal Expresso, o valor de dois milhões de euros não transferido corresponde aos bónus do Conselho de Administração Executivo liderado por António Ramalho. Assim, no total, os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco já somam 7.876 milhões de euros desde agosto de 2014, dos quais 6.000 milhões de euros vieram diretamente de empréstimos do Estado
Outros custos
Contudo, os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco não se esgotam no valor acima referido. É que ao abrigo do mecanismo de capital contingente o Novo Banco ainda pode ir buscar mais 914 milhões de euros, uma vez que já recebeu 2.976 milhões de euros desde 2017 mas o mecanismo acordado prevê que possa ir buscar 3.890 milhões de euros. Além disso, nem com os custos do Novo Banco se esgotam os custos do Fundo de Resolução com todo o processo da resolução do BES. Há ainda que somar muitos outros encargos, a maior parte dos quais não são possíveis de quantificar. Em tribunal há processos relativos à resolução do BES que visam o Novo Banco, que terão de ser pagos pelo Fundo de Resolução caso os contestatários ganhem as ações. O Fundo de Resolução terá ainda de pagar a quem for reconhecido ter créditos sobre o BES. A consultora Deloitte concluiu em 2016, em auditoria pedida pelo Banco de Portugal, que os credores comuns do BES recuperariam 31,7% dos seus créditos caso o banco tivesse ido para liquidação, em vez de resolução, pelo que o Fundo de Resolução terá de assumir esse valor (provavelmente no fim do processo de liquidação do BES, que poderá tardar anos). O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, explicou no parlamento, em 2017, que o Fundo de Resolução ainda pode ser chamado a entrar com mais capital no Novo Banco, caso haja outras perdas que resultem de atividade não protegida pelo mecanismo de compensação. Nesse caso, segundo o contrato de venda, as perdas têm de ser assumidas “pelos acionistas na proporção do capital” e o Fundo de Resolução tem 25%. Outros custos a assumir por entidades públicas Por outro lado, nem só o Fundo de Resolução tem custos a assumir com a resolução do BES e criação do Novo Banco. Para os mecanismos de compensação dos lesados do BES, o Estado já emprestou 140 milhões de euros para a solução dos lesados do papel comercial (para pagar a primeira prestação das indemnizações) e mais uma garantia estatal de quase 153 milhões de euros. Poderá ainda vir a financiar outras soluções, como para os lesados emigrantes da Venezuela e África do Sul.
Em tribunal há centenas de processos contra entidades públicas sobre o BES/Novo Banco. Apenas contra o Banco de Portugal há cerca de 400 processos em Portugal. Por fim, há ainda um acordo entre o Governo e a Comissão Europeia sobre o Novo Banco que prevê que, caso haja necessidade de capital em circunstâncias adversas graves e os acionistas não as consigam colmatar, “Portugal disponibilizará capital adicional limitado”.
O objetivo de Bruxelas é garantir que o Novo Banco é viável, mesmo que o Estado tenha de intervir. Cenário alternativo de falência do BES Perante o grave cenário financeiro do BES, no verão de 2014, a alternativa poderia ter sido a liquidação. O Banco de Portugal estimou que um cenário de ‘falência’ não ordenada do BES, como a imediata liquidação ou a bancarrota, teria levado só o Fundo de Garantia de Depósitos a gastar entre 9.000 e 18.000 milhões de euros para reembolsar os depósitos garantidos. Segundo o documento da Comissão Europeia que aprovou a resolução daquele que era o terceiro maior banco a operar em Portugal, divulgado em outubro de 2014, a resolução ordenada do BES e a criação do Novo Banco foi “a opção menos onerosa para Portugal”.
O Novo Banco deu dois milhões de euros em bónus à gestão em 2019. O Fundo de Resolução descontou-os no cheque final dado ao banco. Quem tem razão no diferendo entre Ramalho e Máximo dos Santos?
A relação entre Novo Banco e o seu acionista Fundo de Resolução continua bastante atribulada. Agora, a divergência entre as duas partes reside nos bónus que foram atribuídos à administração liderada por António Ramalho e que levaram a autoridade de resolução a descontar dois milhões de euros no polémico cheque milionário que entregou ao banco na semana passada. O que está em causa?
Porém, o Fundo de Resolução entendeu que estaria a assumir o pagamento destes prémios, quando não devia, através da injeção dos 1.037 milhões de euros pedida pelo banco ao abrigo do mecanismo de capital contingente. Nesse sentido, adiantou o Expresso, a autoridade de resolução presidida por Máximo dos Santos resolveu descontar os dois milhões relativos aos bónus do cheque final, tendo transferido “apenas” 1.035 milhões.
Daqui levantam-se várias questões. Foi o Novo Banco a imputar ao Fundo de Resolução os encargos com os prémios dos gestores? Por que razão a autoridade de resolução considerou ser ela própria quem estaria a assumir o pagamento do bónus? É possível o Fundo de Resolução pagar prémios aos gestores de um banco que teve prejuízos de mais de 1.000 milhões de euros?
Embora esteja impedido de pagar prémios até final de 2021, devido ao processo de reestruturação, o Novo Banco pode atribuir já remunerações variáveis aos gestores a pagar depois daquela data. Mas isto implica que o banco tenha de colocar dinheiro de lado já (constituindo uma provisão) para uma responsabilidade futura (que poderá nem concretizar-se).
O acordo de capital contingente (CCA), criado em 2017, não prevê que o Fundo de Resolução pague os bónus aos administrados do Novo Banco. Este fundo ficou obrigado contratualmente a injetar no banco o mais baixo de três valores:
os 3,89 mil milhões previstos pela “garantia pública” que cobre uma carteira de ativos tóxicos herdados do BES;
o montante correspondente às perdas reportadas pelo banco com a carteira de ativos e que ascendem, em 2019, a 3,6 mil milhões;
ou as necessidades de capital decorrentes das perdas com aquela carteira para o cumprimento dos rácios de capital.
A regra que tem servido de base para as injeções no Novo Banco tem sido esta última. O Fundo de Resolução “só” injetou o dinheiro necessário — cerca 2.980 milhões de euros até hoje — para a instituição cumprir, ano a ano, os rácios exigidos pelas autoridades.
Este enquadramento de fundo é importante para se perceber o que está em causa neste novo diferendo entre Novo Banco e Fundo de Resolução.
Dado que a provisão para os bónus tem impacto imediato nos rácios, isso obriga a um maior esforço financeiro para preencher o gap de capital para o banco chegar aos níveis regulatórios mínimos. Assim, na prática, isto significaria ter o Fundo de Resolução a assumir este encargo, quando o acordo apenas prevê injeções decorrentes de perdas com um conjunto delimitado de ativos. Algo com o qual o organismo de Máximo dos Santos não concordou.
Confrontados pelo ECO, tanto o Fundo de Resolução e como o Novo Banco não comentam esta divergência.
O Fundo de Resolução detém 25% do Novo Banco (os outros 75% são detidos pelos americanos do Lone Star) e é financiado pelos bancos do sistema e ainda por empréstimos do Estado. Recentemente, também por causa das contas de 2019, foi noticiado um diferendo com o banco por causa da aplicação das regras de contabilidade IFRS 9 e que ia ter impacto na injeção de capital.
“O Estado é o garante da estabilidade financeira. É uma competência de qualquer Governo, mas nem todos os Governos no passado exerceram com competência”, disse Centeno, numa breve apresentação aos deputados, na Comissão de Orçamento e Finanças, na Assembleia da República.
E vai mais longe: Centeno considera que o Novo Banco foi a “mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa”, afirmou o ministro das Finanças.
“O empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, realizado no dia 6 de maio de 2020, estava contemplado no Orçamento do Estado para 2020. Não houve qualquer alteração das datas“, explicou Centeno.
Sobre o impacto da pandemia na economia portuguesa, Centeno adianta que “ainda pouco podemos dizer sobre a quebra da atividade económica a partir de meados de março“, apontando, no entanto, que se trata de uma redução “sem paralelo”.