Arquivo para Agosto, 2020

Por onde vai a banca em Portugal (e os casos de desgoverno que nos trouxeram até aqui)

Sexta-feira, Agosto 28th, 2020

Citamos

Observador

Por onde vai a banca em Portugal (e os casos de desgoverno que nos trouxeram até aqui)

Pré-publicação. Jorge Braga de Macedo, Nuno Cassola e Samuel da Rocha Lopes escrevem sobre o passado, o presente e o futuro do setor bancário nacional, num livro que ilustra o “desgoverno” que existia

O ex-ministro das Finanças Jorge Braga de Macedo é um dos autores de “Por onde vai a banca em Portugal?“, um livro publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que descreve o passado, o presente e antecipa o futuro do setor bancário nacional, além de dar propostas para melhorar a supervisão financeira.

O trio de autores é composto por Braga de Macedo, Nuno Cassola, ex-quadro do Banco de Portugal e do BCE, e Samuel da Rocha Lopes, que está na Autoridade Bancária Europeia (EBA) e já foi economista no BCE e no Banco de Portugal. O Observador faz a pré-publicação de uma parte deste livro – que já está à venda – que resultou de entrevistas e discussões com vários profissionais sobre o sistema bancário português e que ajuda a perceber como aconteceram os “exemplos de desgoverno” que nos trouxeram até aqui.

Exemplos de casos de desgoverno na banca em Portugal

O sistema bancário português apresentou entre 2000 e 2019 várias situações de desgoverno em vários bancos. Realçamos apenas alguns exemplos dos maiores bancos do sistema bancário.

BES — O fim de uma era

O Grupo Espírito Santo constituía em 2013 um conglomerado prosseguindo uma estratégia de concentração vertical e horizontal a partir do, e apoiado no Banco Espírito Santo (BES).

Gestão e supervisão bancárias ineficientes

Temos uma história de governo societário concentrado, com pouca discussão interna, e um líder carismático intocável (eram razões mais que evidentes para a necessidade de supervisão bancária activa). O BES mais parecia, a certa altura, uma máquina de distribuição de crédito concentrado e relacionado, sem qualquer gestão dos riscos assumidos (empréstimos concedidos ao grupo BES — empréstimos intragrupo não financeiro eram considerados sem risco), consequentemente com provisões subestimadas e uma subcapitalização crónica para estes riscos potenciais que se iam acumulando e concentrando. Para além disso, o grupo não financeiro expandiu‑se de forma impressionante, com o suporte da parte financeira e do banco BES, nomeadamente em zonas geográficas “quentes” e pouco transparentes: Venezuela, Líbia e Angola.

Os créditos estavam em larga medida concentrados nas actividades: imobiliária, hotelaria, agro‑pecuária, saúde e telecomunicações. O grupo tinha uma estrutura complexa com inúmeras sociedades localizadas em abrigos fiscais, interligadas ao que parece desenhadas para escapar à atenção do supervisor bancário.

Acresce que o supervisor autorizou o BES a proceder ao cálculo de requisitos de capital para risco de crédito, o que naturalmente significava uma aprovação sobre a adequação de procedimentos de análise e gestão de risco de crédito do BES, que afinal não correspondia à realidade.

Segundo se percebeu das audiências parlamentares, nos anos antes da grande crise financeira ainda parece ter sido pensada por parte do supervisor bancário uma tentativa de percepção da estrutura do grupo. No entanto, esse projecto parece ter ficado adormecido talvez por ser “muito complicado”. O que é certo é que o supervisor acordou com um pesadelo. Tão complicada era a estrutura do grupo que provavelmente também escapava à compreensão dos gestores e accionistas, até que um deles decidiu fazer o trabalho e juntando as peças apresentou a solução do puzzle.

Segundo se percebeu das audiências parlamentares, nos anos antes da grande crise financeira ainda parece ter sido pensada por parte do supervisor bancário uma tentativa de percepção da estrutura do grupo. No entanto, esse projecto parece ter ficado adormecido talvez por ser “muito complicado”. O que é certo é que o supervisor acordou com um pesadelo.

Através de um grande e complexo conglomerado (Espírito Santo Group), com uma elevada opacidade na estrutura e na gestão, ocultaram‑se elevadas perdas financeiras. A estrutura de conglomerado foi sendo aceite sem medidas de supervisão e fiscalização de operações entre países e sem um contacto mais próximo com outras autoridades de supervisão estrangeiras, muitas delas da UE. A qualidade da governação do conglomerado podia também ter sido desafiada e melhorada através de acções preventivas por parte do supervisor bancário. Tais situações não precaveram e propiciaram o avolumar de problemas financeiros e dificultaram depois a revelação desses mesmos problemas e perdas significativas como foi realçado pelo FMI em 2016.

Desgoverno desesperado

Na fase de desgoverno desesperado o BES colocou papel comercial na rede de retalho, directamente ou através de um fundo de investimento de liquidez (ES Liquidez), onde manifestamente não se cumpriam os critérios legais de diversificação de carteira, o que originou mais tarde a intervenção da CMVM, naquele que terá sido o mais famoso jogo de Ponzi da história financeira portuguesa e levou uma empresa de telecomunicações, a PT, a comprar quase um milhar de milhão de papel comercial do grupo BES não financeiro numa operação que viria a comprometer a própria expansão estratégica da PT no Brasil. É uma história ainda não concluída onde se parecem revelar fraudes contabilísticas comprovadas, delapidação de património, conflitos de interesses, e ainda a possibilidade de branqueamento de capitais e corrupção.

Tratou‑se, no entanto, de um processo prolongado, que deveria ter permitido a actuação atempada da CMVM e do Banco de Portugal.

Contexto histórico

É curioso notar que em 1973, nas vésperas do 25 de Abril, o grupo Espírito Santo constituía um conglomerado prosseguindo também uma estratégia de concentração vertical e horizontal a partir do, e apoiado no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL). Por exemplo, a parte não financeira integrava verticalmente o cultivo da cana‑de‑açúcar (em Angola e Moçambique) com a refinação de açúcar em Portugal (SORES); a plantação de café (em Angola) com a torrefacção de café em Portugal (TOFA); e a extracção de petróleo em Angola (PETRANGOL; em associação com capitais belgas) com a refinação de petróleo em Portugal (SACOR).

Como exemplo de integração horizontal em Portugal temos o caso das actividades da construção imobiliária e do fabrico do cimento (esta só depois do levantamento do condicionamento industrial); e do comércio automóvel e fabrico de pneus (Firestone Portugal, em parceria com capitais estrangeiros). Não é difícil imaginar o papel da parte financeira do grupo (BESCL e Tranquilidade Seguros) no financiamento das actividades e na expansão nacional e internacional do grupo.

Dada a estreita proximidade pessoal e interesses económico‑financeiros entre o regime político e o grupo Espírito Santo é legítimo perguntar qual seria a cultura de risco do BESCL (se protegido politicamente) e qual o tipo de supervisão bancária exercida (e politicamente viável) nessa altura. Entretanto, enquanto os tempos mudaram a cultura interna e o estilo de governação e gestão do grupo parecem ter‑se cristalizado, até ao fim de uma era.

BCP — Da expansão agressiva à “Guerra dos Tronos”

Contexto histórico

Em 1985 o BCP é criado sob a liderança de Jardim Gonçalves com capitais de empresários do Norte do país. O BCP vai prosseguir uma estratégia agressiva de expansão. Em finais de Abril de 1998 cada acção do BCP estava cotada em Bolsa a 22,28 euros, o máximo histórico. Em finais de Abril de 2003 cada acção do BCP estava cotada a 5,15 euros. No virar do século havia a ideia de proteger os potenciais campeões nacionais, de modo a preparar o sistema financeiro para os novos desafios como a adesão ao Euro.

Governação ineficiente

A partir de 2005 desencadeia‑se uma “guerra de Tronos” para substituir Jardim Gonçalves na liderança do banco. Nessa guerra entram e saem accionistas tendo alguns deles sido financiados pela CGD, pelo BES e pelo próprio BCP. De um banco com capitais portugueses disperso pelos accionistas e sob controlo dos gestores acabou‑se num banco controlado por capitais chineses (Fosum: 27%) e angolanos (Sonangol: 19,49%). Pelo caminho ficou uma montanha de créditos incobráveis. (…)

Entretanto a história da cotação do BCP em bolsa é paradigmática, com uma quebra acentuada da cotação das acções a partir de meados de 2007.

Expansão agressiva com accionistas sem capital

Em finais de Junho de 2007 cada acção do BCP estava cotada a 16,78 euros. Em finais de Abril de 2017 cada acção valia em Bolsa apenas 21 cêntimos (uma quebra de quase 100%). A volatilidade das cotações do BCP ilustra as peripécias de uma expansão agressiva com accionistas sem capital para tais aventuras, e que provavelmente estavam a contar com a obtenção de mais‑valias bolsistas para fazer face ao seu endividamento crescente. (…)

De facto, num curto espaço de tempo, o BCP adquiriu bancos (Banco Português do Atlântico, e com ele o Banco Comercial de Macau e a União de Bancos Portugueses, o Banco Mello, e o Banco Pinto & Sotto Mayor), e seguradoras (Bonança e Império) e lançou‑se num projecto segurador europeu (Eureko).

Em finais de Junho de 2007 cada acção do BCP estava cotada a 16,78 euros. Em finais de Abril de 2017 cada acção valia em Bolsa apenas 21 cêntimos (uma quebra de quase 100%). A volatilidade das cotações do BCP ilustra as peripécias de uma expansão agressiva com accionistas sem capital para tais aventuras, e que provavelmente estavam a contar com a obtenção de mais‑valias bolsistas para fazer face ao seu endividamento crescente.

Desgoverno cosmético

Em Março de 2006 lança uma OPA sobre o BPI que, porém, não tem sucesso. O BPI considera a OPA como sendo hostil e o seu presidente Fernando Ulrich declara em público que “o BCP tem uma estrutura accionista frágil, sendo legítimo admitir que parte do capital é financiada com empréstimos do próprio banco”. Mesmo assim o BCP chega a deter 12,1% do capital do BPI que acabará por ser vendida a Isabel dos Santos (filha do presidente de Angola). Em 2004 o BCP vende à CGD as seguradoras Bonança e Império e ao Fortis as seguradoras do ramo vida. Com isso obtém alguma liquidez.

Desgoverno fraudulento

Em 2007 vêm a público notícias sobre a existência de 17 sociedades‑ecrã (offshore) que compraram acções do BCP com financiamentos do próprio BCP tendo sido criadas, entre 1999 e 2000, precisamente na altura da aquisição do BPSM e do Banco Mello. Em Dezembro de 2007 um dos accionistas do banco (Joe Berardo) denuncia manipulação de mercado e falsificação de contas por vias das sociedades‑ecrã. Um caso clássico de um esquema de Ponzi. (…)

CGD — Influência política e negócios duvidosos

A CGD apresentou ao longo do tempo vários casos que mereciam destaque como exemplos de desgoverno. Limitamo‑nos aqui a referir duas situações em concreto.

Governação ineficiente

A CGD viu‑se, recentemente, no centro de uma situação caricata. A nomeação de um banqueiro com currículo poderia ter reduzido a politização na CGD (embora não fosse de certeza suficiente dadas
as várias décadas acumuladas de problemas deste género). Parecia haver o potencial para adoptar um modelo de governação que pudesse seguir de perto as regras do sector privado mas seguiu‑se um episódio rocambolesco que culminou na nomeação de um banqueiro que tinha tutelado um ministério no governo anterior, após um período de avanços e recuos, entre diferentes modelos de governação, com disputas de poder entre membros do Conselho de Administração.

Desgoverno fraudulento

A acusação da Operação Marquês refere como a CGD terá praticado irregularidades na concessão de crédito. No caso de Vale do Lobo há suspeitas de crédito concedido para satisfazer as clientelas partidárias e pessoais de um administrador. A CGD injectou quase todo o dinheiro — como financiadora e accionista — num empreendimento imobiliário de rendibilidade duvidosa, conforme parecer da Direcção de Gestão de Risco que foi convenientemente ignorado pela administração. Feitas as contas à negociata, a CGD entrou com 97,4% do financiamento e ficou com 25% dos direitos de propriedade enquanto os amigos do administrador tendo contribuído com 2,6% do financiamento ficaram com 75% dos direitos de propriedade.

CGD e estruturas financeiras à luz de Minsky

Num artigo publicado nos Thames Papers in Political Economy em 1978 (Minsky, 1982), que havia caído no esquecimento até à grande crise financeira internacional de 2007‑2009 (Shefrin, 2016), Minsky avança a ideia de que a estabilidade de um sistema financeiro depende da estrutura dos passivos dos agentes económicos (bancos, empresas e famílias).

Minsky considera três tipos de estrutura financeira: 1) Prudente (hegde finance) quando, em cada momento, os influxos de caixa gerados pelos activos são superiores (em expectativa) aos fluxos de pagamentos devidos pelas responsabilidades contraídas (dívida; passivo); neste caso, a soma actualizada dos fluxos de caixa líquidos (recebimentos menos pagamentos) é, em cada momento, positiva. Numa estrutura financeira prudente, os passivos serão constituídos tipicamente por dívida de longo prazo e capitais próprios embora a existência de algum crédito de curto prazo (por exemplo para financiar capital circulante) seja compatível com uma estrutura financeira prudente; 2) especulativa (speculative finance) quando, no curto prazo, os influxos de caixa são inferiores aos fluxos de pagamentos totais devidos pelas responsabilidades contraídas, apesar da parte do rendimento nos influxos de caixa ser superior aos juros da dívida; numa estrutura especulativa, será necessário ir refinanciando a dívida, pelo menos no curto prazo; o valor actualizado dos fluxos de caixa líquidos poderá ser positivo ou negativo conforme o nível e a evolução das taxas de juro, baixas ou altas respectivamente; uma estrutura financeira será 3) Ponzi quando os influxos de caixa são inferiores aos fluxos de pagamentos totais devidos pelas responsabilidades e a parte do rendimento nos influxos de caixa é também inferior aos juros da dívida; numa estrutura Ponzi, será necessário aumentar o endividamento para satisfazer os encargos da dívida; neste caso o valor actualizado dos fluxos de caixa líquidos só poderá ser positivo se houver uma “bonança” no futuro, devido à valorização dos activos; e só a venda destes é que eventualmente permitirá o reembolso da dívida; este tipo de estrutura financeira é muito vulnerável a subidas de taxas de juro e/ou quedas nos preços dos activos.

Em suma temos:
1) estrutura financeira prudente: reembolso de dívida e pagamento de juros com recurso aos fluxos de caixa gerados pelo investimento;
2) estrutura financeira especulativa: pagamento de juros com recurso aos fluxos de caixa gerados pelo investimento; necessidade de refinanciamento da dívida no curto prazo;
3) estrutura financeira Ponzi: pagamento de juros com recurso a novo endividamento e reembolso da dívida só possível com ganho (suficientemente alto) através da venda de activos.

Em cada momento, coexistirão numa economia agentes com estes três tipos de estrutura financeira (bancos, empresas e famílias/indivíduos). De acordo com Minsky o que é relevante para analisar a estabilidade financeira de uma economia é o peso de cada tipo de estrutura de financiamento na economia e a sua evolução ao longo do tempo. Quando a percentagem de agentes económicos com estruturas financeiras especulativa e Ponzi ganham peso, a economia torna‑se propensa a sofrer crises financeiras, nomeadamente em fases descendentes do ciclo de negócios, agravando‑o. Importante na análise de Minsky é a ideia de que é altamente provável (embora não inevitável) que um período de crescimento económico esconda o aumento da importância relativa de estruturas financeiras especulativas e Ponzi, por exemplo, associadas a inovações financeiras, e euforias bolsistas ou imobiliárias, inevitavelmente alimentadas por ou dependentes da expansão do crédito bancário.

De facto, segundo Minsky, na fase ascendente do ciclo económico há factores psicológicos que fazem com que os agentes económicos subestimem os custos (futuros) do esforço financeiro associado ao aumento do endividamento. Os mesmos factores surgem no fenómeno de prociclicidade e concessão de crédito. Assim a fragilidade financeira tenderia a ser endógena. Os factores psicológicos e as circunstâncias que contribuem para a crescente alavancagem dos agentes económicos têm sido objecto de estudo da economia comportamental/psicológica moderna fornecendo uma base mais sólida e fundamentada à análise de Minsky (ver Shefrin 2016).

Ora é interessante constatar que a CGD alimentou ou até estimulou, pelo menos em 2006‑2007, estruturas financeiras do tipo, especulativa e Ponzi. Neste aspecto, o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito CGD II (Assembleia da República, 2019b) que ficou disponível já depois do nosso livro ter sido submetido para publicação, é muito esclarecedor. Ficámos a saber que não só a CGD participou activamente na “guerra dos Tronos” pelo controlo do BCP, como também que o fez concedendo crédito a um grupo de instituições/indivíduos em condições muito peculiares: 1) empréstimos a 5 anos com reembolso (integral) da dívida apenas no final do prazo; 2) parte dos empréstimos concedidos pela CGD foi utilizada para reembolsar créditos que haviam sido contraídos junto do BCP para compra de acções do próprio banco; 3) os mutuários tinham estruturas financeiras cujos rendimentos dependiam exclusivamente da venda e mais‑valias de participações e não dos fluxos de rendimento das aplicações; isto segundo análise da Direcção de Risco da CGD; 4) como garantias foram dadas apenas as acções adquiridas com o crédito da CGD. Financiamento Ponzi, pronto.

A CGD alimentou ou até estimulou, pelo menos em 2006‑2007, estruturas financeiras do tipo, especulativa e Ponzi. Neste aspecto, o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito CGD II (Assembleia da República, 2019b) que ficou disponível já depois do nosso livro ter sido submetido para publicação, é muito esclarecedor. Ficámos a saber que não só a CGD participou activamente na “guerra dos Tronos” pelo controlo do BCP, como também que o fez concedendo crédito a um grupo de instituições/indivíduos em condições muito peculiares.

Não sabemos se estes casos são representativos da cultura de risco prevalecente na CGD e noutros bancos portugueses, à época. A avaliar pelas respostas ao nosso questionário e pelas entrevistas que realizámos é possível que sim. Ao conceder empréstimos em condições especulativas e Ponzi, a CGD contribuiu para a fragilizar a estrutura financeira do país, à luz de Minsky.

Mais uma vez foi um choque externo que abalou o edifício e o fez ruir. Mas o edifício, desta vez, nem alicerces tinha. Talvez tivesse testosterona a mais e diversidade a menos.

Resultados de um inquérito

Com o objectivo de ajudar a caracterizar a cultura de risco na banca em Portugal, foram realizadas entrevistas a profissionais de gestão do risco que trabalham, ou trabalharam a diversos níveis da hierarquia interna, nos principais bancos em Portugal. As entrevistas foram feitas com o suporte dum questionário uniforme, largamente baseado num inquérito internacional do Financial Stability Board que é do domínio público, mas onde infelizmente não foram incluídos quaisquer bancos de Portugal.

As respostas revelam muitas semelhanças na gestão societária que existia antes, durante, e após a crise financeira de 2007‑2009, nos diversos bancos em Portugal que, sem surpresa, estão por sua vez alinhadas com a evidência realçada no inquérito internacional acima referido.

As respostas permitem tirar algumas conclusões sobre o papel das falhas de governo societário e gestão do risco na banca em Portugal. Estas entrevistas, não tendo sido exaustivas, poderão e deverão ser melhorados em trabalho futuro.

Em paralelo, realizámos algumas entrevistas a supervisores que trabalharam no supervisor bancário, a fim de recolher uma perspectiva complementar sobre a cultura de risco das instituições bancárias portuguesas e sobre as eventuais falhas de supervisão bancária nos anos recentes.

O FSB, na sua revisão temática sobre a gestão do risco nos bancos internacionais (FSB, 2013) salienta o facto de as instituições financeiras não terem compreendido os riscos que estavam a assumir devido à fraqueza do governo societário. Pensamos que o mesmo terá acontecido nos bancos em Portugal e na própria supervisão bancária. Muitos conselhos de gestão das instituições financeiras incluíam indivíduos com pouca experiência na indústria financeira e com uma compreensão limitada da complexidade crescente das organizações de que eram responsáveis. Muitas vezes os directores dos bancos não dedicavam o tempo necessário para compreender o modelo de negócios do banco e os que se esforçavam por fazê‑lo ainda que condicionados por poderes limitados, esbarravam frequentemente com a indiferença dos outros directores e também externa (auditores e supervisores).

Era comum os conselhos de gestão não dedicarem atenção à gestão do risco, ou esforçarem‑se minimamente por introduzir uma estrutura efectiva tal como comités de risco, que facilitassem a análise da exposição do banco e questionassem construtivamente as propostas do conselho de gestão e as suas decisões. Ausente o contrabalanço de poderes, floresceu nas instituições financeiras uma cultura de risco excessivo e alavancagem crescente afectando toda a organização.

As entrevistas realizadas confirmam a ausência de uma verdadeira cultura de risco nos bancos em Portugal no período que antecedeu a grande crise financeira. Não havia modelos de risco com base empírica, muitas vezes nem sequer havia dados, os comités de risco eram pobres e os reportes internos medíocres; a integração da análise do risco nos processos de decisão era muito limitada ou nula.

A situação começou a melhorar com o aproximar de Basileia II (2007‑08) e sobretudo a partir de 2011. Contudo, equipas de modelização de risco, que foram criadas nalguns bancos logo no início do século xxi, foram confrontadas com indiferença ou, mesmo, marginalização interna e “ficavam a um canto a fazer modelos” com escassa relevância para a vida interna do banco.

Tópicos abordados, perguntas e respostas mais frequentes

Gestão executiva; Reuniões do conselho executivo

Evidência sobre debate interno e avaliação crítica de propostas alternativas?

  • Concentração de poderes e decisões
  • Debates não ficam registados em acta

Cooperação entre o conselho executivo e as funções horizontais de auditoria e gestão do risco?

  • Ausência de comités de risco e auditoria nalguns casos
  • Gestão de risco sem autonomia até 2005

Gestão não‑executiva; Reuniões do conselho de supervisão

Caso haja acumulação de funções, há: Justificação interna? Aprovação do supervisor? Procedimentos para mitigar os riscos da acumulação de funções?

  • Não havia

Garante recursos para as funções de auditoria e gestão do risco?

  • Mínimos até Basileia II
  • Basileia II constituiu uma boa ocasião para realçar a importância da gestão do risco

Membros do conselho executivo

Conhecimento, experiência, independência, acesso a informação e influência?

  • Pouco conhecimento e interesse em gestão do risco
  • Desconhecimento das metodologias
  • Incapacidade para apreciar os assuntos a fundo

Conflitos de interesse adequadamente avaliados e geridos?

  • Não

Políticas de treino, sucessão, e manutenção da capacidade colectiva dos órgãos de gestão?

  • Não

Envolvimento dos directores nas discussões? Abertura para discussão de pontos de vista alternativos? Directores têm informação e recursos para desempenhar as suas funções e apresentar pontos de vista alternativos ao conselho de gestão?

  • Concentração de poderes e decisões
  • Pouca abertura e risco de represálias

Área comercial (centros de negócios)

Gestores comerciais têm responsabilidades na gestão do risco tendo em conta o “apetite” da instituição?

  • Não

Monitoração activa dos limites de risco? Com que frequência?

  • Nalguns casos

Auditoria interna

Autonomia, autoridade? Recursos, posição hierárquica e funcional?

  • Sem envolvimento nas questões de risco até muito recentemente

Função de gestão do risco “CRO”: Director de gestão do risco

Recursos, posição hierárquica e funcional? Independência? Ligação às áreas operacionais?

  • Muito reduzido até Basileia II
  • Não havia pelouro de risco com reporte único
  • Modelos avançados internos de risco (A‑IRB) entendidos num sentido muito restrito (apenas para cálculo de rácios de capital)
  • Neste sentido as estruturas internas associadas aos A‑IRB não passavam o teste de utilização (seu uso no dia‑a‑dia para a gestão do risco e para a concessão dos créditos, definição de margens, apetite pelo risco, etc.)
  • Risco de taxa de juro e de liquidez sob responsabilidade da área finan ceira (CFO em vez de CRO), isto é, total ausência de independência na gestão destes riscos

Experiência do “CRO”? Posição hierárquica e funcional? Influência?

  • Em geral profissionais com graus académicos adequados e experiência profissional na banca comercial
  • Posição hierárquica muitas vezes abaixo de director
  • Resistências internas à transferência de responsabilidades e recursos humanos na gestão de riscos das áreas de negócios (particulares, empresas, liquidez, etc.) para a função emergente de gestão de risco

Reporte directo ao conselho de direcção? Acesso aos directores não‑executivos? Adequação da função revista regularmente pelo conselho de gestão?

  • Não
  • Mais em função de relações pessoais (lealdade) do que funcionais
  • Fiscalização exercida pelo Conselho Fiscal

Auditoria independente da função de gestão do risco cobrindo entre outros procedimentos, controlos internos, qualidade de reporte, medidas de atenuação do risco?

  • Auditoria sem conhecimentos de risco

Aprovação pelo conselho de gestão não‑executiva (supervisão) das estratégias de negócios, políticas de atenuação do risco, estrutura de definição da tolerância/apetite pelo risco, plano de capital e sua afectação interna?

  • Não

Declaração sobre a tolerância/apetite pelo risco

Declaração de apetite pelo risco? Permite transposição em limites de exposição para as áreas comerciais? Limites individuais podem ser quantificados para obter uma medida agregada do perfil de risco? Permite comparação entre apetitede risco e capacidade para assumir riscos?

  • Não havia

Limites de risco

Limites de exposição consistentes com apetite pelo risco? Violação dos limites analisada nas suas implicações sobre todas as partes envolvidas?

  • Risco de crédito avaliado por peritos
  • Limites sem ligação com risco
  • Ausência de limites à exposição ao risco de soberano (em euros)
  • Desvios dos limites com aprovação superior

CRO reporta prontamente ao conselho de gestão executiva as violações dos limites de risco?

  • Nalguns casos sim

Prestação de contas

Existem processos de agravamento quando haja desvios dos limites? Quais as consequências? Os empregados estão informados desses processos? O ambiente é considerado aberto e justo permitindo desafio crítico das decisões?

  • Não havia

Existem procedimentos de denúncia em suporte da gestão do risco? Que protecção dos denunciantes (em papel e na prática)?

  • Não havia

Comunicação

Existem mecanismos que garantam a expressão de pontos de vista alternativos aos diversos níveis de gestão? Faz‑se regularmente um balanço da efectividade desses mecanismos? De que forma é que
esses mecanismos afectam o dia‑a‑dia da gestão?

  • Não havia

São tiradas lições dos sucessos e erros passados? Como são comunicadas dentro da organização? Como influenciam a cultura da organização?

  • Prática ausente

Infra-estrutura de gestão de risco

Existem sistemas e equipamentos informáticos adequados para a gestão do risco? Permitem que os gestores tenham acesso atempado à informação? Está estruturada para a identificação e acompanhamento dos riscos?

  • Soluções informáticas para Basileia II (SAS) mas só a partir de 2007‑08
  • Tipo caixa negra desenvolvidos por consultores
  • Modelos sem base empírica sólida
  • Nalguns casos modelos sem ligação a limites ou política de preços (falham o teste de uso)
  • Soluções adquiridas no mercado (S&P, Moody´s, etc.) problemáticas com PDs iguais para todos os bancos e sem base empírica sólida; algumas soluções permitem o seu desenvolvimento interno

Existe uma estratégia para melhorar e manter os sistemas e equipamentos informáticos actualizados?

  • Recurso a soluções de mercado e consultores
  • Mais recentemente, nos últimos três anos, a situação melhorou bastante nalguns bancos

Agregação de dados

Existe capacidade para agregar todos os dados relevantes sobre a exposição ao risco? Existe capacidade para identificar concentração de risco e riscos emergentes? Qual a rapidez e qualidade de reporte?

A qualidade dos dados e seu tratamento melhorou a partir de 2007‑08 com Basileia II

Problemas com ligação entre sistemas

Problemas com a definição de incumprimento: as bases de dados sobre reestruturação de créditos a cargo exclusivo das áreas comerciais

Reporte

Existem reportes de gestão de risco? Qual a audiência? São fáceis de compreender e orientados para a tomada de decisão?

  • Motivados pelos requisitos regulamentares
  • Para diálogo com o supervisor
  • Mensais e trimestrais

Com que frequência são produzidos e distribuídos aos gestores? É suficiente para identificar os riscos emergentes permitindo a sua atenuação, quando e se for necessário?

  • Motivados pelos requisitos regulamentares
  • Para diálogo com o supervisor
  • Alguns casos de reporte interno independente de pressão regulatória

Banca portuguesa impreparada para a mudança de regime

Como se indicou no início, a adopção do Euro, em 1999, a redução significativa ou mesmo eliminação do risco cambial terá gerado a ideia de que a actividade bancária em Portugal já não teria riscos importantes para gerir. Adoptou‑se um modelo de empréstimos concedidos a taxa de juro variável com margem financeira fixa baseando‑se os ganhos em grandes volumes (pela quantidade e descurando a qualidade) com margens estreitas, o que era facilitado pela enorme disponibilidade de fundos nos mercados internacionais.

As entrevistas sugerem que a banca em Portugal não estava preparada para a “mudança de regime” que constituiu as privatizações, a moeda única, e a liberalização financeira. E muito menos para o
choque pós‑grande crise financeira e o subsequente programa de ajustamento financeiro e intervenção da chamada “Troika”. Beneficiando de algumas décadas de liquidez generosa e lucros
fáceis (derivados da quantidade de crédito concedido), e habituados a uma supervisão muito pouco intrusiva, os banqueiros portugueses alimentaram uma cultura societária que vinha do passado distante (Estado Novo) e recente (bancos nacionalizados), onde preocupações sobre o risco estavam ausentes, e as influências pessoais (e políticas) predominavam, com um estilo de gestão autoritário, sem tolerar disputas internas.

Fica‑se com a impressão de que o modelo de negócios estava largamente assente na apropriação/extracção de recursos para ganho “pessoal”, familiar, ou de grupo (incluindo político), negligenciando a eficiência económica dos créditos concedidos e sem qualquer preocupação pela qualidade da moeda que se ia criando (alavancagem do sistema bancário e risco de qualidade).

Auditoria especial ao Novo Banco aponta o dedo à gestão do BES

Sexta-feira, Agosto 28th, 2020

Citamos

Observador

Por onde vai a banca em Portugal (e os casos de desgoverno que nos trouxeram até aqui)

O relatório final da auditoria da Deloitte ao Novo Banco responsabiliza a gestão de Ricardo Salgado pelos problemas que ainda existem. O documento será entregue ao Governo na próxima semana.

A auditoria especial da Deloitte concluiu que a maioria dos problemas no Novo Banco decorre, em grande medida, da gestão de Ricardo Salgado no BES, de acordo com o Jornal Económico, que cita fonte próxima do processo.

A versão final do documento, que passa a pente fino 18 anos de gestão do antigo BES e do Novo Banco, até 2018 — nomeadamente sobre os créditos problemáticos e venda de imóveis com desconto — será entregue ao Governo no próximo dia 31, segundo o Económico. Em julho, tinham sido apresentadas apenas as linhas gerais da auditoria, numa altura em que o documento já deveria estar terminado.

O jornal refere que os prejuízos do Novo Banco com a venda de créditos e imóveis herdados do BES são justificados “em grande parte” pela “maquilhagem das contas do próprio BES”, que levou o Ministério Público a acusar 25 arguidos, com Ricardo Salgado à cabeça, de associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais e fraude fiscal.

Fundo de Resolução quer cobrar mais mil milhões do Novo Banco ao “BES mau”

Quinta-feira, Agosto 27th, 2020

Citamos

Sábado

Entidade quer ser considerada credora privilegiada no processo de falência. Se o tribunal lhe der razão, só depois de o Fundo receber 3 mil milhões de euros – o que pode nunca acontecer -, os lesados começarão a ser ressarcidos.

O Fundo de Resolução já fez pelo menos três requerimentos a pedir que as verbas transferidas para o Novo Banco no âmbito da falência do Banco Espírito Santo (BES) sejam consideradas créditos privilegiados. O último pedido diz respeito a mais de mil milhões de euros, uma verba que a instituição liderada por António Ramalho recebeu a 6 de maio de 2020.  No total, estão em causa cerca de 3 mil milhões de euros nos últimos anos.

E o que significa um crédito privilegiado num processo destes? “Se o tribunal lhes der razão, o Fundo de Resolução será o primeiro a ser pago com o dinheiro que resultar da venda de ativos do BES”, explica à SÁBADO fonte da banca. Ou seja, não só o Fundo de Resolução quer ser ressarcido de todo o dinheiro que injetou no BES, como quer recebê-lo antes de qualquer outro credor. “Normalmente os primeiros a serem pagos são os depositantes, porque há um juízo de interesse social”, acrescenta a mesma fonte, “mas isto está muito bem argumentado”.

“A reclamação de créditos apresentada pelo Fundo de Resolução visa estritamente dar cumprimento à lei e a natureza privilegiada dos créditos reclamados pelo Fundo decorre da lei”, diz fonte oficial do Banco de Portugal à SÁBADO. Nuno da Silva Vieira, advogado que representa grande parte dos lesados do BES, concorda: “O que o fundo de resolução pede está previsto na lei. Por alguma razão os lesados estão a apostar todas as suas armas nos bens arrestados ao Grupo Espírito Santo, que incluem os arrestos a Ricardo Salgado e a outros ex-administradores do banco, num total de 1,8 mil milhões de euros. Neste processo crime não há hierarquia de credores”. Ou seja, o Estado não conseguirá passar à frente dos lesados, que no total reclamam 100 milhões de euros.

O último requerimento apresentado pelo Fundo de Resolução diz respeito a uma verba de mais de mil milhões de euros (1.035.015,612 euros) transferida para o Novo Banco no dia 6 de maio de 2020. Antes disso, o Fundo de Resolução já tinha reclamado que também as transferências de 24 de maio de 2018 (792 milhões de euros) e de 6 de maio de 2019 (1.150 milhões) fossem consideradas créditos privilegiados. “Na prática, o que o Fundo diz é: ando a contestar desde 2019 que os meus créditos são privilegiados. Atenção que este valor também faz parte do grupo. Se isto for reconhecido, é um enorme benefício para os bancos que contribuem para o Fundo de Resolução, mas prejudica os interesses dos lesados”, explica a mesma fonte da banca. E o valor ainda pode subir: o Fundo de Resolução comprometeu-se a fazer pagamentos de até 3.890 milhões de euros ao Novo Banco.

E é possível reclamar créditos seis anos depois da falência de uma empresa? Neste caso, sim. “A verificação ulterior só acontece porque a liquidação do BES ainda não transitou em julgado”, explica Nuno da Silva Vieira. “Quando uma empresa vai à falência há um prazo de seis meses para reclamar dívidas, mas há excepções. Uma delas é precisamente essa: podem reclamar-se créditos até seis meses depois do trânsito em julgado da sentença, o que no caso do BES ainda não aconteceu, apesar de o banco ter falido em 2014. Ou seja, enquanto a sentença não transitar em julgado, o Governo pode continuar a reclamar dívidas”, acrescenta Nuno da Silva Vieira.

Mas, mesmo que ganhe a ação, não é certo que o Fundo de Resolução receba estes 3 mil milhões de euros. Tudo depende do que se conseguir arrecadar com a venda de ativos do falido BES.

Empresário Greg Lindberg condenado a sete anos e três meses de prisão nos EUA

Terça-feira, Agosto 25th, 2020

Citamos

Económico

Greg Lindberg, antigo dono da Bankers Insurance Holdings, que foi vendida à Apax Partners e que comprou a GNB Vida ao Novo Banco em 2019, foi considerado culpado por um tribunal da Carolina do Norte, em março deste ano, e condenado a uma pena de prisão de sete anos e três meses.

O magnata norte-americano do setor segurador, Greg Lindberg, foi condenado a uma pena de prisão de sete anos e três meses por tentativa de suborno um comissário dos seguros do estado da Carolina do Norte, Mike Causey, a troco de benefícios regulatórios para a Global Bankers Insurance Group (GBIG), noticiou o “The Wall Street Journal“.

Gred Lindberg foi considerado culpado por um tribunal da Carolina do Norte, em março deste ano, tendo sido agora condenado a uma pena de prisão de sete anos e três meses. A publicação dá conta de que a equipa de advogados de defesa de Greg Lindberg pretende interpor recurso da decisão.

Em cada um dos 50 estados norte-americanos existe um comissário do setor segurador e, embora as suas funções variem de estado para estado, regra geral, prendem-se com a proteção dos consumidores e regular a atividade.

O empresário norte-americano era o detentor da holding Bankers Insurance Holdings que, por sua vez, é dona da subsidiária GBIG que, em setembro de 2018, selou um acordo para comprar a seguradora GNB Vida ao Novo Banco — hoje, GamaLife — por 190 milhões de euros.

No entanto, este acordo entrou em compasso de espera porque a GBIG desistiu de comprar a italiana Pramerica Life Itália devido às reticências que o regulador italiano tinha em relação à capacidade financeira e à idoneidade da entidade compradora, tal como noticiou o Jornal Económico, em março de 2019.

Entretanto, a Bankers Insurance Holdings é vendida a fundos geridos pela Apax Partners, que é uma firma de private equity, com sede em Inglaterra e presença internacional.

Em outubro de 2019, o Novo Banco comunicou ao mercado a venda da GNB Vida por 168 milhões à Bankers Insurance Holdings, agora detida pela Apax Partners. Na nota dirigida ao mercado, a instituição financeira referiu que o negócio se fez por 168 milhões de euros, justificando que o novo preço equivalia “para a base comparável de ativos subjacentes ao preço de 190 milhões de euros anteriormente comunicado, dado o decurso de tempo e a venda de imóveis da seguradora verificados entretanto”.

Esta operação teve luz-verde da Comissão Europeia e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), em junho e agosto de 2019, respectivamente.

O jornal “Público“, em agosto deste ano, avançou não apenas que a venda da GNB Vida, em outubro de 2019, resultou em perdas de 268,2 milhões de euros para o Novo Banco, justificando nova chamada de capital ao Fundo de Resolução (FdR), ao abrigo do mecanismo de capital contingente, como também que existirão indícios de relações entre a Apax Partners e Greg Lindberg, levantando dúvidas sobre a idoneidade do comprador da seguradora.

O FdR já reagiu ao preço da operação e a ASF e a GamaLife já desmentiram quaisquer ligações com Greg Lindberg. Por um lado, o FdR, em comunicado, esclareceu que a venda da GNB Vida à Apax Partners “se mostrava, face aos cenários possíveis, como a solução que minimizava as perdas para o mecanismo de capitalização contingente, ao mesmo tempo que permitia dar cumprimento ao compromisso assumido pelo Estado junto da Comissão Europeia” e garantiu que “o valor da venda correspondeu ao valor da melhor oferta recebida na sequência de um processo de venda aberto e competitivo”.

Por outro lado, a ASF, em comunicado, explicou que “em momento algum se pronunciou sobre a operação de venda, mas apenas sobre a idoneidade e a capacidade dos novos acionistas para assegurar a gestão sã e prudente da GNB – Companhia de Seguros de Vida” e que efetuou “múltiplas diligências”, não tendo apurado “qualquer ligação entre Greg Evan Lindberg e o grupo adquirente da GNB Vida”.

Por sua vez, a GamaLife garantiu que não tem “qualquer relação” com Greg Lindberg.

 

 

Rui Rio insiste: “Falta saber quem é o último beneficiário” da venda da seguradora GNB pelo Novo Banco

Terça-feira, Agosto 25th, 2020

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Observador

Rui Rio insiste: “Falta saber quem é o último beneficiário” da venda da seguradora GNB pelo Novo Banco

O presidente do PSD considerou que “falta saber quem é o último beneficiário” da venda da antiga seguradora GNB Vida, operação que gerou perdas compensadas com verbas do Fundo de Resolução.

O presidente do PSD, Rui Rio, considerou esta terça-feira que “falta saber quem é o último beneficiário” da venda da antiga seguradora GNB Vida, operação que gerou perdas compensadas com verbas do Fundo de Resolução.

“Em 2016, no balanço do Banco Bom, a GNB Vida valia 620 milhões de euros. Em Junho de 2019 tinha capitais próprios de 391 milhões de euros. Três meses depois é vendida por 123 milhões de euros. As perdas, que dizem ser de 268 milhões de euros, pagaram os contribuintes. E ainda falta saber quem é o último beneficiário desta coisa”, considerou Rui Rio, numa publicação na rede social Twitter.

Na segunda-feira o jornal Público avançou que a seguradora GNB Vida (agora designada Gama Life), “foi vendida em outubro de 2019, a fundos geridos pela Apax Partners, com um desconto de 68,5% face ao valor contabilístico inscrito no balanço de 30 de junho daquele ano”.

A operação “gerou uma perda para a instituição financeira de 268,2 milhões de euros” e serviu para o presidente do Novo Banco, António Ramalho, “justificar novo pedido de injeção de dinheiros públicos”, explicou o Público. No entanto, aditou o jornal, “não é apenas a variação acentuada de valores a suscitar controvérsia, são os sinais de que as autoridades nacionais e europeias desvalorizaram os indícios de ligação do comprador da Gama Life ao magnata do setor segurador Greg Lindberg, condenado já este ano pela Justiça norte-americana por corrupção e fraude fiscal”.

Em setembro de 2018, o banco de António Ramalho tinha comunicado ao mercado que a GNB Vida tinha sido vendida por 190 milhões de euros à Bankers Insurance Holdings, pertencente ao Global Bankers Insurance Group, detido por Greg Lindberg.

Contudo, o negócio entrou em compasso de espera depois de se ter tornado público que Lindberg estava a ser investigado por fraude fiscal, corrupção e pagamentos indevidos ao Partido Republicano a troco de benefícios regulatórios para o Global Bankers, escreve ainda o jornal.

O Público associa os currículos dos gestores da GamaLife (nova designação da GNB Vida) a Greg Lindberg, apelidando o “principal executivo” Matteo Castelvetri de “braço direito” de Lindberg na Europa, mencionando ainda que o número dois, Alistair Wallace Bell, foi diretor de estratégia e de operações do GBIG para a Europa, sendo agora ambos parceiros na antiga GNB Vida.

A seguradora GamaLife, anteriormente designada por GNB Vida e pertencente ao Novo Banco, já rejeitou ter “qualquer relação” com o gestor acusado de corrupção Greg Lindberg, segundo um comunicado ao mercado.

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) afirmou também na segunda-feira que não observou nenhuma ligação entre os compradores da GNB Vida, seguradora do Novo Banco, e Greg Lindberg, gestor acusado de corrupção nos Estados Unidos.

O Fundo de Resolução, entidade na esfera do Banco de Portugal (BdP) que detém 25% do Novo Banco, afirmou que o montante da venda da seguradora GNB Vida refletiu “o valor de mercado” da empresa, à data.

Sondagem: Portugueses dividem responsabilidade no Novo Banco por Ramalho e Costa

Terça-feira, Agosto 25th, 2020

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Negócios

Mais de 30% dos inquiridos numa sondagem da Intercampus consideram que a gestão de António Ramalho e o Governo são os principais responsáveis pela situação do Novo Banco.

A atual gestão do Novo Banco, liderada por António Ramalho, e o Governo de António Costa são, no entender dos inquiridos numa sondagem da Intercampus, os principais responsáveis pela situação da instituição financeira. Isto num período em que o banco tem registado perdas com a venda de carteiras de ativos, tendo já pedido perto de 2,9 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução (financiado em parte pelo Estado) para repor os rácios de capital.

A sondagem da Intercampus para o Negócios e o CM/CMTV mostra que 31,4% dos inquiridos – sobretudo os mais jovens – consideram que os gestores atuais do banco são quem tem mais responsabilidade na situação atual do Novo Banco, que, segundo a questão colocada, tem “perdido muito dinheiro, vendendo bens a baixo preço e obrigando o Estado a transferir bastante dinheiro”.

No entanto, esta responsabilidade não é exclusiva da equipa liderada por António Ramalho. Para 30,3% dos inquiridos também o Governo é responsável, assim como o Banco de Portugal (24,3%). Só uma percentagem reduzida aponta o dedo aos norte-americanos da Lone Star que ficaram com 75% do capital do Novo Banco em outubro de 2017.

Desde que a instituição financeira foi alienada que tem vindo a apostar na venda de carteiras de ativos para se libertar da herança do Banco Espírito Santo (BES). Estas operações têm provocado polémica pelo facto de estarem a ser realizadas com descontos face ao valor registado no balanço. E levaram mesmo o primeiro-ministro a enviar uma carta ao Ministério Público (MP) a pedir a suspensão da venda de ativos do Novo Banco até que esteja concluída a auditoria que está a ser feita pela Deloitte. O MP confirmou esta terça-feira, citado pelo Expresso e Jornal Económico, que vai investigar potenciais crimes nestas vendas.

As perdas provocadas por estas operações – que em dois anos já superam os 600 milhões de euros – têm levado o Novo Banco a pedir injeções de capital ao Fundo de Resolução para repor os rácios de capital, com o Estado a financiar a entidade liderada por Máximo dos Santos até 850 milhões de euros por ano.

Até agora, o banco já pediu perto de 2,9 mil milhões de euros do total de 3,89 mil milhões, no âmbito do mecanismo de capital contingente. Tendo em conta os resultados da primeira metade do ano, o Novo Banco já disse que conta pedir ao Fundo de Resolução mais 176 milhões de euros.

Inquiridos defendem que BES devia ter caído

O Novo Banco nasceu da queda do BES há seis anos. No entanto, a mesma sondagem mostra que os portugueses preferiam que a resolução não tivesse sido a opção adotada no verão de 2014 para o BES.

A sondagem revela que 44,8% dos inquiridos (sobretudo entre os 35 e os 54 anos) responderam que a melhor opção teria sido deixar cair o BES. Isto enquanto 28,3% (dos quais mais de 30% no patamar entre os 18 e os 34 anos) afirmam que a nacionalização teria sido o melhor caminho para a instituição financeira. Já a criação do Novo Banco recebeu apenas 13,3% das respostas.

FICHA TÉCNICA

Universo:População portuguesa, com 18 e mais anos de idade, eleitoralmente recenseada, residente em Portugal Continental.
Amostra: A amostra é constituída por 601 entrevistas, com a seguinte distribuição proporcional por Sexo (287 homens e 314 mulheres), por idade (132 entre os 18 e os 34 anos; 219 entre os 35 e os 54 anos; e 250 com mais de 55 anos) e região (229 no Norte, 142 no Centro, 161 em Lisboa, 43 no Alentejo e 26 no Algarve).
Seleção da amostra: A seleção do lar fez-se através da geração aleatória de números de telefone fixo / móvel. No lar a seleção do respondente foi realizada através do método de quotas de género e idade (3 grupos). Foi elaborada uma matriz de quotas por Região (NUTSII), Género e Idade, com base nos dados do Recenseamento Eleitoral da População Portuguesa (31/12/2016) da Direção Geral da Administração Interna (DGAI).
Recolha da Informação: A informação foi recolhida através de entrevista telefónica, em total privacidade, através do sistema CATI (Computer Assisted Telephone Interviewing). Estiveram envolvidos 30 entrevistadores, devidamente treinados para o efeito, sob a supervisão dos técnicos responsáveis pelo estudo. Os trabalhos de campo decorreram de 6 a 11 de agosto.
Margem de Erro: O erro máximo de amostragem deste estudo, para um intervalo de confiança de 95%, é de ± 4,0%.
Taxa de Resposta: A taxa de resposta obtida neste estudo foi de: 61%.

 

Dona da seguradora comprada ao Novo Banco mudou-se para morada que era de magnata condenado

Segunda-feira, Agosto 17th, 2020

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Negócios

O fundo da Apax que comprou a GNB Vida, rebatizada de GamaLife, mudou a sua morada para o local onde estava registada a empresa do magnata Greg Lindberg, condenado este ano por corrupção e fraude fiscal.

O fundo Gomes, da Apax Partners, que comprou a seguradora GNB Vida (atual GamaLife) ao Novo Banco, mudou a sua morada após a aquisição da companhia de seguros para o local onde antes estava registada o Global Bankers Insurance Group (GBIG), do bilionário norte-americano Greg Lindberg, condenado já este ano por corrupção e fraude fiscal, noticia este sábado o Público.

O jornal refere que após a aquisição da seguradora, o fundo da Apax transferiu a sua morada para 1 King William Street, caixa postal EC4N 7AR, em Londres, que era a morada do GBIG, de Lindberg.

E, acrescenta, o CEO da GamaLife, Matteo Castelvetri, manteve como morada profissional a caixa postal EC4N 7AR, isto apesar de ter passado a ter como “patrões” a Apax e não o GBIG.

Após o Público ter noticiado a venda “com desconto de 70%”, que gerou uma perda que foi coberta pelo Fundo de Resolução, e a ligação a Lindberg, a Apax, o Novo Banco, o Fundo de Resolução e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) negaram qualquer ligação do comprador ao milionário entretanto condenado.

Novo Banco. Oposição pressiona criação de comissão de inquérito

Segunda-feira, Agosto 17th, 2020

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Expresso

Novo escândalo sobre o Novo Banco empurra caso para uma comissão parlamentar. Nenhum partido da oposição se opõe

Com a divulgação, esta semana, de mais um contrato polémico envolvendo o Novo Banco e sem ser conhecido ainda o resultado da auditoria, a oposição está a pressionar o PS para a criação de uma comissão de inquérito. A aprovação está quase garantida no Parlamento, falta saber qual será o âmbito e o timing dessa comissão. Se o PSD, o Bloco de Esquerda e o Chega defendem já o recurso a esse instrumento para apurar factos e responsabilidades — André Ventura já entregou uma proposta nesse sentido —, os outros partidos consideram que é vital conhecer antes os resultados da auditoria ao Novo Banco. Mas nenhum exclui a possibilidade de um inquérito parlamentar.

Rui Rio sublinhou que há quatro anos a seguradora GNB Vida valia €620 milhões e depois foi vendida por €123 milhões. “Ainda falta saber quem é o último beneficiário desta coisa”, questionou o líder social-democrata no Twitter em reação à notícia do “Público” sobre a venda da seguradora com um desconto de 70% coberto por ajuda estatal. Ainda do lado do PSD, o deputado Duarte Pacheco afirmou que as crescentes dúvidas em relação ao Novo Banco deverão levar inevitavelmente a uma comissão de inquérito que avalie o modo como foi “feita a venda do banco”. Na mesma linha, o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soa­res, defendeu ontem, num artigo de opinião no “Público”, que, “se falham os poderes executivos na defesa do interesse público, chegará a hora de a Assembleia da República fazer o que lhe compete: um inquérito à gestão do Novo Banco”.

Vendas forçadas e abaixo da avaliação. As reservas dos auditores às operações imobiliárias do Novo Banco

Segunda-feira, Agosto 17th, 2020

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Observador

Vendas forçadas e abaixo da avaliação. As reservas dos auditores às operações imobiliárias do Novo Banco

 

Das compras generosas no tempo do BES às vendas apressadas feitas pelo Novo Banco, o que explica tantos prejuízos na venda de imóveis? Veja as reservas dos auditores dos fundos imobiliários.

Um terreno no litoral algarvio, avaliado em pouco mais de seis milhões de euros e vendido por 1,1 milhões de euros. Uma sociedade com um projeto imobiliário em Sesimbra, comprada por mais de 11 milhões de euros a uma empresa do universo Espírito Santo já depois do resgate financeiro a Portugal, e transacionada por menos de um milhão de euros no ano passado. Um fundo imobiliário que teve perdas de 44,6 milhões de euros no ano passado, em resultado da alienação de vendas de ativos abaixo do valor a que estavam registados nas contas.

Estes são três exemplos das polémicas operações de venda de imóveis por parte do Novo Banco que têm estado no centro das atenções devido à forma como a instituição tem empacotado estes ativos em carteiras, vendendo-os depois a investidores internacionais, com perdas significativas, face ao valor do balanço ou à avaliação de mercado.

Nos últimos dois anos, a gestão agressiva das vendas de imóveis tem suscitado reservas e ênfases por parte dos auditores independentes que têm como missão fiscalizar as contas dos fundos de investimento imobiliário detidos pela instituição bancária e onde estão parqueados estes ativos. Estas dúvidas ou discordâncias não impediram a aprovação das contas dos fundos imobiliários detidos pelo Novo Banco, mas alinham com alguns dos reparos que têm rodeado estas transações aceleradas de milhares de imóveis, muitos dos quais são terrenos.

Os comentários repetem-se nas auditorias externas aos relatórios e contas dos fundos de investimento imobiliários detidos pelo Novo Banco, sustentados em ênfases — quando o auditor quer destacar uma situação ou alertar para uma incerteza, mas sem exprimir desacordo quanto ao tratamento dado — ou reservas. Neste caso o auditor pode discordar da opção, mas também pode fazer um aviso sobre falta de informação ou previsibilidade de uma dada situação que pode ter um efeito material na sociedade.

O Observador foi consultar os relatórios e contas dos fundos geridos pela GNB (parte do negócio da seguradora do Novo Banco que ficou no grupo). Entre os 26 fundos que estão ativos, encontramos reservas e ênfases a alertar para vendas abaixo das avaliações e dos valores de balanço nas contas do ano passado em quase uma dezena de sociedades. Há também alertas para operações de venda forçada, que se traduzem em perdas para os fundos imobiliários e para a instituição bancária.

O impacto destas operações pode também elevar os pedidos de capital ao Fundo de Resolução. Para já, informação divulgada nas últimas semanas pela instituição liderada por António Ramalho, e também em resposta a perguntas do Observador, aponta para um impacto reduzido destas perdas nos pedidos de capital com recursos a dinheiros públicos. E sinaliza que a suspensão de vendas até à entrega da auditoria final a estas operações só se aplica aos ativos que estão protegidos no mecanismo contratado com o Fundo de Resolução.

Uma reserva que se repete em alguns relatórios por parte do auditor Baker Tilly  é a de que nos “últimos exercícios têm sido concretizadas alienações por parte do Fundo e daquelas empresas participadas, de alguns ativos por valores significativamente abaixo dos seus valores de balanço, em resultado de vendas forçadas e de que resultam menos-valias significativas”
Auditora Baket Tilly nos relatórios e contas de 2019 dos fundos Fimes Oriente e Imoinvestimento

Uma reserva que se repete em alguns relatórios elaborados pela auditora Baker Tilly é a de que nos “últimos exercícios têm sido concretizadas alienações por parte do Fundo e daquelas empresas participadas, de alguns ativos por valores significativamente abaixo dos seus valores de balanço, em resultado de vendas forçadas e de que resultam menos-valias significativas“. As vendas forçadas referidas resultam da urgência da gestão do Novo Banco em se livrar dos ativos mais problemáticos e limpar o seu balanço, o que tem conduzido à alienação de centenas de imóveis em pacote numa só operação.

Outro comentário aponta o mesmo problema nas contas do fundo Fungere.  O auditor destaca o caso de um ativo imobiliário avaliado em 33,7 milhões de euros, com base na média de duas avaliações de peritos independentes, que tiveram por base pressupostos de desenvolvimento e posterior ou exploração dos ativos, o que passa por obter as licenças necessárias. Mas também nota que o Novo Banco – que detém o fundo – está a apressar as vendas e que isso pode fazer com que os pressupostos iniciais não venham a cumprir-se. Assim, dizem: “Não nos é possível concluir (…) sobre a razoabilidade do valor da valorização acima mencionada”.

Por outras palavras, as avaliações independentes ponderam o retorno que a exploração comercial destes imóveis pode dar a prazo, mas ao apressar a sua venda dentro de carteiras que misturam centenas de ativos, muitos dos quais ainda sem condições para a sua exploração, o resultado é a desvalorização de muitos destes imóveis face ao valor potencial que o perito independente fixou a partir de um quadro de pressupostos distinto.

Questionada pelo Observador sobre as reservas e questões suscitadas pelos auditores dos fundos de investimento imobiliário, fonte oficial do Novo Banco começa por sublinhar que a GNB Real Estate (uma empresa do grupo que ao ser contactada remeteu para a instituição bancária) “gere os fundos de forma independente, no melhor interesse dos seus participantes (seja o Novo Banco ou outros participantes) e dos fundos que gere”.

Dito isto, justifica que a alienação de imóveis realizada pelos fundos identificados (Fimes Oriente, Fungepi Novo Banco, Imogestão, entre outros) se enquadra “na estratégia de desinvestimento em ativos não produtivos ou não core (não centrais). Este desinvestimento segue princípios de racionalidade económica e de oportunidade, de forma a minimizar potenciais perdas futuras associadas”.

Sobre as opiniões dos auditores, o Novo Banco diz que “decorrem do facto dos objetivos e timings de desinvestimento colocarem pressão adicional nos valores concretizados de venda dos imóveis face à sua avaliação em carteira. No entanto, é de realçar que todas as alienações de ativos foram realizadas com base em processos de venda competitivos e feitas ao melhor preço recebido”.
Resposta dada ao Observador por fonte oficial do Novo Banco

Sobre as opiniões dos auditores, o Novo Banco justifica ao Observador que “decorrem do facto de os objetivos e timings de desinvestimento colocarem pressão adicional nos valores concretizados de venda dos imóveis face à sua avaliação em carteira. No entanto, é de realçar que todas as alienações de ativos foram realizadas com base em processos de venda competitivos e feitas ao melhor preço recebido“.

Por que razão os auditores levantam reservas?

Nas contas de 2019 do fundo de investimento imobiliário Fimes Oriente, o auditor Baker Tilly emite a seguinte reserva: “O ativo inclui ativos imobiliários — terrenos e participações financeiras em empresas imobiliárias, valorizados em 42,5 milhões de euros e 36,9 milhões de euros, respetivamente, determinados com base na média de duas avaliações de peritos avaliadores independentes registados na CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários). Aquelas avaliações e valorização foram determinadas com base em pressupostos de desenvolvimento e posterior exploração ou comercialização daqueles ativos, que assume a obtenção de eventuais licenças necessárias para o efeito”.

No entanto, recorda que o Fundo e as empresas participadas têm vindo a alienar ativos “por valores significativamente abaixo dos seus valores de balanço”, o que classifica como “vendas forçadas” que acabam em menos-valias significativas. É por isto que os auditores se dizem incapazes de tomar uma posição sobre se é possível ou não, ou se é razoável em termos de negócio, concretizar – como estava previsto – o desenvolvimento e a comercialização do projeto.  E com isto, os auditores assumem as suas dúvidas quanto à valorização inscrita nas contas.

Esta reserva consta das contas do fundo que protagonizou uma das maiores transações imobiliárias individuais do Novo Banco que até gerou uma mais-valia face ao valor contabilístico. O projeto da Matinha em Lisboa, com cerca de 20 hectares, foi adquirido pela VIC Properties por 140 milhões de euros, gerando uma mais-valia (ganho face ao valor de balanço) da ordem dos 2,5 milhões de euros. No entanto, e no quadro de uma alienação conjunta de vários ativos detidos por outros fundos, todos geridos pela GNB, um segundo imóvel avaliado em 6,2 milhões de euros (um número suportado por avaliações de abril de 2018) “foi alienado por cerca de 1,1 milhões de euros, tendo sido registada uma menos valia de cerca de 5,1 milhões de euros”.

A operação em causa envolveu um prédio rústico de 157 mil metros quadrados em Alfanzina, no Carvoeiro, uma freguesia do concelho de Lagoa com vista privilegiada para o mar, no Algarve.

A operação, que suscitou um ênfase na auditoria às contas do ano passado, é justificada pela entidade gestora do fundo como tendo resultado de um “processo de venda estruturado e organizado de forma competitiva, gerido e coordenado por consultores e advogados de renome nacional e internacional, integrando um portefóleo de ativos imobiliários — o projeto Sertorius — , com diversificadas características relativamente ao qual tiveram a participação de diversos investidores nas diferentes fases do processo, tendo sido selecionada a proposta de maior valor considerando o portefóleo como um todo”.

O Fimes Oriente, um fundo imobiliário fechado, fechou 2019 com prejuízos de 4,1 milhões de euros, depois de uma perda de 13,5 milhões de euros em 2018.

O auditor do fundo Imoinvestimento, a mesma Baker Tilly, reporta que o ativo deste fundo inclui ativos — terrenos e participações financeiras em imobiliárias que estão valorizadas em 10 milhões de euros e 45,5 milhões de euros, respetivamente, com base em avaliações de peritos independentes. Estas avaliações tiveram como “base em pressupostos de desenvolvimento e posterior exploração ou comercialização daqueles ativos”, o que passa por obter as necessárias licenças para o efeito.

Mas, “nos últimos exercícios têm sido concretizadas alienações por parte do Fundo e daquelas empresas participadas, de alguns ativos por valores significativamente abaixo dos seus valores de balanço, em resultado de vendas forçadas e de que resultaram menos-valias”. E o auditor repete a impossibilidade de concluir se os valores dos ativos são razoáveis ou exequíveis.

Os imóveis que estão contabilizados na Imoinvestimentos até apresentam uma mais-valia potencial de mais de quatro milhões de euros, entre o valor de balanço, quase 11 milhões de euros, e a média das avaliações independentes que aponta para mais de 15 milhões de euros. Mas considerando a experiência recente de vendas forçadas e integradas em portefóleos, não há garantia de que estas mais-valias se materializem em resultados. O fundo teve um prejuízo de 25 milhões de euros no ano passado, o que resulta do reconhecimento de perdas relativas a compras feitas no passado a preços elevados.

As compras por valores generosos feitas no tempo do BES/GES

Uma consulta mais atenta do relatório e contas de 2019 da Imoinvestimentos revela que os imóveis foram adquiridos por valores muito elevados, alguns ainda do tempo do GES/BES, o que também ajuda a explicar a dimensão das perdas.

Contas de 2019 do fundo Imoinvestimento (Novo Banco)

A carteira de títulos deste fundo é composta por ações de várias sociedades que são proprietárias de terrenos, quase todos em Sesimbra. Algumas destas sociedades foram adquiridas a empresa ligadas ao antigo Grupo Espírito Santo, ainda no tempo da gestão de Ricardo Salgado. Os valores de aquisição de seis sociedades totalizam 141 milhões de euros, a que se somam prestações acessórias de 17,8 milhões de euros (capital emprestado por acionistas), mas o valor líquido é de apenas 45,5 milhões de euros, o tal número referido pelo auditor. Isto significa que foram feitos ajustamentos negativos (para baixo) do valor destes ativos no montante de 113 milhões de euros.

Uma destas sociedades, a Quinta da Areia, tinha sido adquirida por 11,9 milhões de euros à construtora Opway em 2012. Em 2019, foi assinado um contrato promessa de compra e venda para a sua venda por cerca de 515 mil euros. A diferença (perda) foi reconhecida nas contas deste fundo, metade da qual no ano passado. Em 2018, a Quinta da Areia estava valorizada em cinco milhões de euros (menos 6,9 milhões de euros face ao valor de compra). Mas em 2019, esta sociedade estava já valorizada em 516 mil euros, ou seja, ao valor negociado para a sua venda. Entre a compra e a venda, o valor caiu mais de 11 milhões de euros, o que corresponde a uma desvalorização de mais de 90%.

A Quinta da Areia é descrita como um terreno rústico no concelho de Sesimbra, com uma área total de 147,4 mil metros quadrados e uma área de construção de 95.100 metros quadrados que se encontra abrangido pelo plano de urbanização da Quinta do Conde.

O fundo que vendeu tudo por 17% do valor médio das avaliações

Outro fundo imobiliário e mais uma nota do auditor. Apesar de não colocar reservas às contas de 2019, a BDO destaca a incerteza sobre a continuidade do fundo.

O Asas Investimento vendeu todos os seus ativos imobiliários em 2019 “por valores significativamente abaixo dos valores de avaliação no âmbito de processos de venda de portefóleos imobiliários constituídos por ativos dos fundos geridos pela sociedade gestora e ativos das carteiras do Novo Banco, tendo sido apurada uma menos-valia líquida de 462.500 euros, para além da menos valia potencial de cerca de dois milhões de euros registada em 2018, quando foi celebrado o contrato promessa de compra e venda do seu principal imóvel, por um valor correspondente a cerca de 17% do valor médio das avaliações efetuadas por peritos externos nesse mesmo mês, venda essa que se concretizou em 2019”.

As vendas envolveram a Quinta de Santo António, no Entroncamento, onde estavam os ativos mais valiosos, e vários terrenos em Aldoar, Porto, numa zona que hoje está integrada na freguesia de Aldoar, Foz do Douro e Nevolgide, vizinha do rio Douro.

Nas contas do fundo de investimento Arrábida, uma das ênfases colocadas pelo auditor, outra vez a BDO, remete para imóveis que foram alvo de contratos promessa de compra e venda por valores “significativamente abaixo dos seus valores de avaliação”, celebrados no âmbito de um processo de venda de portefóleos de ativos imobiliários que engloba ativos de outras carteiras do Novo Banco e que resultaram no registo de menos-valias de 3,6 milhões de euros.

O fundo Fungepi Novo Banco II, que alienou vários imóveis no quadro das carteiras Sertorius e Viriato, fechou o ano de 2019 com prejuízos de 33 milhões de euros que resultam essencialmente dos ajustamentos negativos de imóveis. A Fungepi registou perdas de 44,6 milhões de euros em vendas de imóveis no ano passado. Entre os ativos que terão sido vendidos está um prédio urbano no Porto, ao pé da Alameda das Antas que até ao primeiro semestre de 2019, segundo as contas de 2018, estava contabilizado por 27 milhões de euros, com uma avaliação média de 33 milhões de euros. Este imóvel já não consta do ativo do Fungepi em 2019.

As notas de reserva e ênfase repetem-se nas contas dos fundos Imogestão e Prediloc. Já no caso do NB Património a reserva incide sobre o valor de balanço registado para o imóvel Leiria Retail Park de 20,4 milhões de euros, com base num acordo de venda celebrado em 2008 com outro fundo gerido pela GNB Investimento. Só que este imóvel foi entretanto valorizado a um preço de mercado médio de 3,7 milhões de euros, o que poderá resultar numa desvalorização de 16,7 milhões de euros no caso de a venda prevista há mais de dez anos não acontecer.

Nem todas as perdas dão direito a dinheiro do Fundo de Resolução

Mas em que medidas estas perdas se traduziram em pedidos de capital ao Fundo de Resolução por estes imóveis terem cobertura do mecanismo de capital contingente?

Quando saiu uma investigação no jornal Público sobre a venda da carteira Viriato, com cerca de 5.000 imóveis, com desconto, o Novo Banco desvalorizou o impacto das transações destes ativos nos pedidos de capital feitos este ano e no ano passado, sublinhando que a operação Viriato não teve qualquer custo direto (não se percebe se houve custos indiretos) para o Fundo de Resolução. Acrescentou ainda que para a totalidade dos imóveis protegidos até dezembro de 2019, o “Banco tinha obtido para o Fundo de Resolução uma mais valia de 10 milhões de euros” que abate “às perdas noutros créditos”, e que sustentaram os pedidos de capital.

No primeiro semestre, o Novo Banco “alienou imóveis ao abrigo do mecanismo de capital contingente no valor total de venda de 9,7 milhões de euros, sobre os quais se observou uma menos valia de 4% face ao seu valor líquido em balanço”.
Resposta do Novo Banco

No entanto, em respostas enviadas a deputados do PSD em julho, o presidente executivo identifica as cinco transações envolvendo imóveis abrangidos por esse mecanismo que geraram mais perdas e que dão acesso a compensações públicas.

A maior operação, como já foi noticiado pelo Observador, envolveu a alienação este ano da Herdade do Pinheirinho em Grândola ao grupo VCI Properties por cerca de 60 milhões de euros, o que representa uma menos-valia de 56 milhões de euros, com um desconto de quase metade face ao valor de entrada deste ativo no balanço do banco. Mas esta imparidade já teria sido reconhecida quando o terreno foi transacionado, não sendo claro se chegou a dar origem a pedido de capital ao Fundo de Resolução e quando isso aconteceu.

.O documento mostra ainda que a operação foi feita abaixo da avaliação mais recente de agosto de 2018 e que era de cerca de 105 milhões de euros (menos 45 milhões de euros).

As cinco operações assinaladas envolvem sobretudo terrenos — e não imóveis — o que tem sido um dos argumentos do banco para as vendas abaixo do valor de balanço, uma vez que faltam autorizações e há um risco associado ao desenvolvimento dos projetos. Os quatro terrenos (incluindo uma herdade) que foram alienados, e que estão cobertos pelo Fundo de Resolução, geraram perdas face ao valor de inicial a que deram entrada no balanço e foram entregues por um preço abaixo da última avaliação. Só a venda de um imóvel residencial em Albufeira gerou uma mais-valia (cerca de 400 mil euros) e obteve um encaixe superior ao da avaliação.

No total, as perdas associadas a estas transações, tendo em conta o valor inicial a que foram transferidas para balanço do banco, atingiram mais de 62 milhões de euros. Mas as imparidades já estariam reconhecidas nas contas da data da venda, gerando mesmo mais-valias porque as imparidades já tinham sido registadas antes.

O presidente executivo do Novo Banco, António Ramalho, já se mostrou disposto a ir ao Parlamento dar explicações — sobre esta e outras polémicas suscitadas pela venda de ativos — mas os deputados só o vão ouvir em setembro, numa altura em que deverá ser conhecida a auditoria pedida pelo Governo à gestão dos ativos herdados do antigo BES, e cujas alienações estão a gerar as perdas que dão direito a compensações de capital. Entretanto, e até lá, o Fundo de Resolução pediu ao banco que suspenda novas vendas de ativos, o que será acatado.

No entanto, e como esclarece ao Observador fonte oficial do Novo Banco, o acordo celebrado com o Fundo de Resolução apenas confere a esta entidade “poderes relativos aos ativos abrangidos pelo mecanismo de capital contingente e não à totalidade dos ativos, produtivos ou não produtivos”. O que significa que até pode haver vendas, mas não de ativos (imóveis, créditos ou participações) abrangidos por este acordo. Segundo o Expresso, o Novo Banco ainda tem em carteira para venda cerca de 4.000 imóveis, a maioria dos quais com origem em créditos com execução de garantias.

Bruxelas autorizou Novo Banco a financiar venda de imóveis

Segunda-feira, Agosto 10th, 2020

Citamos

Eco

Bruxelas autorizou Novo Banco a financiar venda de imóveis

O acordo assinado entre a Direção Geral da Concorrência europeia e o Estado impedia o financiamento do comprador de ativos do banco, exceto no caso do imobiliário.

Quando o Novo Banco foi constituído, o acordo assinado entre a Direção Geral da Concorrência europeia e o Estado autorizava a instituição a realizar a prática de vendor financing de ativos imobiliários, ou seja, conceder crédito aos compradores do imobiliário vendido pelo banco, avança o Jornal Económico (acesso pago)..

Na venda de imóveis, “o banco de transição [Novo Banco] pode dar financiamento ao comprador, se este novo empréstimo for realizado de acordo com práticas prudentes de crédito”, lê-se no acordo, um detalhe que já foi entretanto revalidado em 2015, quando o Banco de Portugal fez o ajustamento final do perímetro de ativos e passivos do banco.

Quanto a outro tipo de ativos, ações, obrigações, o acordo proibia o Novo Banco, enquanto banco de transição, de financiar o comprador. No entanto, a instituição já não é um banco de transição desde 2017, sendo que atualmente já não está impedido de financiar outros ativos. Ainda assim, fonte do banco garante ao jornal que o Novo Banco nunca financiou a venda de malparado.