A “arte difícil” de recuperar crédito de devedores sem bens

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Numa audição parlamentar, que durou mais de oito horas, António Ramalho afastou o “mito” do excesso de imparidades. Assumiu a dificuldade que é a atividade de recuperação de créditos, tendo encontrado muitos devedores sem património associado.

António Ramalho foi mais uma vez ao Parlamento, desta vez no âmbito da comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco. Numa audição que durou mais de oito horas, o CEO do banco garantiu que a ideia de que tem registado “perdas e imparidades excessivas” é um mito. E frisou estar a fazer tudo para recuperar os créditos, nomeadamente junto dos maiores devedores da instituição financeira. Isto ao mesmo tempo que tem vindo a vender imóveis. Esforços que vão ter de continuar: o banco ainda tem de se “libertar” de perto de 900 milhões de euros em ativos imobiliários.

“As perdas e as imparidades excessivas são um mito que foi criado à volta do banco”, disse António Ramalho, respondendo ao PSD que o acusou de estar a “atirar areia para os olhos” sobre a valorização de ativos. Ramalho rejeitou a crítica e pediu exemplos. O deputado Hugo Carneiro referiu-se então à Herdade da Matinha, que entrou no banco por 200 milhões, mas que acabou por ser vendida por 140 milhões.

Os deputados trouxeram também para a audição os grandes devedores do Novo Banco. Foi o caso da Nuno Vasconcellos, da Ongoing (que vai esta quinta-feira ao Parlamento), Moniz da Maia, mas também Luís Filipe Vieira, dono da Promovalor, e João Gama Leão, da Prebuild. Créditos que foram entretanto vendidos ou que o banco garante estar a tentar recuperar.

Mais de 900 milhões em imóveis
Além destes esforços de recuperação, o Novo Banco tem também vindo a libertar-se dos ativos imobiliários que herdou do Banco Espírito Santo. Ramalho relembrou no Parlamento que recentemente a Caixa Geral de Depósitos disse ter reduzido o montante em imóveis de 600 para 300 milhões. Mas o Novo Banco ainda tem “908 milhões de euros em imóveis, depois deste esforço enorme ainda temos isso”, disse, relembrando que o banco tem dois anos para alienar estes ativos.
Como o Negócios avançou em fevereiro, o banco libertou-se de perto de 1.700 milhões de euros em imóveis nos últimos quatro anos. O Novo Banco tinha uma carteira imobiliária no valor de 2.670 milhões de euros, em termos líquidos, em dezembro de 2016.

Grandes devedores ainda dão luta ao banco

Nuno Vasconcellos apareceu com grande mediatismo em 2006, por altura da oferta pública de aquisição (OPA) da Sonae sobre a Portugal Telecom. Surgiu ao lado de Ricardo Salgado contra a oferta. E em alguns anos formou uma posição de 10% na operadora, na qual, com o seu sócio Rafael Mora, chegou à administração. Vasconcellos estava então, também, ligado à consultora Heidrick & Strugles, que, aliás, era prestadora de serviços à Portugal Telecom. Mas Vasconcellos, através da sua empresa Ongoing, queria mais e em 2008 comprou o Diário Económico, e nesses anos quis comprar uma posição na TVI – travada pela ERC – e aumentar a sua posição na Impresa – travada por Francisco Pinto Balsemão.

2011 trouxe a troika. E em 2014 deu-se a queda do BES, que arrastou a PT. A Ongoing que tinha construído a sua posição na operadora e comprado o Económico com dívida viu-se em apuros. Agora, o nome Ongoing está no topo de lista das perdas do Novo Banco com os grandes devedores. A dívida atingiu, já em 2015, perto de 600 milhões de euros – crédito que o Fundo de Resolução não autorizou ser empacotado na venda da carteira de malparado designada Nata II.

A Ongoing faliu e Nuno Vasconcellos também, em Portugal. No Brasil está no portal IG. E é a partir do Brasil que Vasconcellos será esta quinta-feira ouvido na comissão parlamentar de inquérito.

600Ongoing
O Novo Banco chegou a registar uma dívida total de perto de 600 milhões, cujo valor foi totalmente imparizado pela instituição.

Foram feitas duas avaliações ao património do também presidente do Benfica, disse António Ramalho, CEO do Novo Banco, numa audição realizada esta quarta-feira no âmbito da comissão parlamentar de inquérito à instituição bancária. Primeiro, em 2016, encontrou-se o palheiro e mais tarde uma moradia e uma loja em Alverca do Ribatejo.

“Não quero dizer nada que prejudique as recuperações de crédito. O que vou dizer vou dizer com cautela. O aval do sr. Luís Filipe Vieira vale mais não executado do que executado”, disse o banqueiro aos deputados, salientando que a “recuperação de crédito é uma arte difícil”. E que “há quatro formas: mantendo as empresas vivas, mantendo empregos; há mandar para tribunal; e há vender créditos ou colocar os créditos sob gestão de terceiros. O que aconteceu é que temos várias coisas, várias formas conforme os casos das empresas.”

“É uma dívida muito ampla, demasiadamente ampla, a recuperação tem sido feita à base daquilo que os meus gestores fazem a cada momento”, disse Ramalho.

Questionado sobre a relação do CEO com Luís Filipe Vieira – cuja dívida ao Novo Banco alcançou os 400 milhões de euros -, o gestor garantiu que “não assisti a nenhum jogo de futebol a convite” do presidente do Benfica. “Conheço-o, naturalmente, como empresário, nada mais”, afirmou, acrescentando que não foi ele que geriu a situação da Promovalor, pois já estava “em curso” quando entrou no banco.

“Só tomei uma decisão, foi que depois de aprovada a reestruturação no conselho de crédito, eu sugeri, pela notoriedade que o caso ia ter, que fosse aprovado no conselho de administração”, rematou. Na sua audição, Vieira disse que não teve perdão de capital ou de juros.

400Promovalor
A dívida da Promovalor, o grupo de Luís Filipe Vieira, o também presidente do Benfica, chegou a alcançar 400 milhões de euros no Novo Banco.

| “Fomos enganados” no processo Moniz da Maia

António Ramalho, CEO do Novo Banco, afirma que o banco que lidera foi “enganado” no caso de Moniz da Maia. O gestor diz que foi uma “sucessão de catástrofes” neste processo junto de um grupo considerado um dos maiores devedores da instituição financeira. A dívida superou os 500 milhões de euros.

“O caso tem origem em ações, como sabe”, disse António Ramalho numa audição realizada esta quarta-feira, no âmbito da comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco. A informação era pouca, mas sabia-se que havia uma “estrutura empresarial desestruturada”. Ainda assim, o banco aceitou negociar, mas “fomos enganados com aumentos de capital”, referiu o presidente executivo do Novo Banco.

Questionado pela deputada bloquista Mariana Mortágua como é que o grupo conseguiu fazer os aumentos de capital à revelia, o gestor disse que a instituição financeira tentou anular as operações e que, juridicamente, foram feitas “na nossa opinião de forma fraudulenta”.

Na sua ida ao Parlamento, Bernardo Moniz da Maia recusou a acusação de “calote” de Mortágua. Segundo a deputada, o empresário aumentou o capital de empresas devedoras ao Novo Banco para diluir a posição do banco e “fugir à dívida”.

“Depois de ter falhado o processo de reestruturação, o doutor Moniz da Maia vai, à revelia do Novo Banco e em segredo, e faz um aumento de capital destas empresas para diluir a posição do Novo Banco. Nós conhecemos essa estratégia. Foi exatamente a estratégia que José Berardo usou para diluir a participação dos credores na Coleção Berardo. Esta estratégia tem outro nome: chama-se calote”, denunciou a deputada. O empresário recusou comparações com Berardo, dizendo que “foram aumentos de capital feitos por investidores externos” e que “o Novo Banco estava a par das coisas”.

500Sogema
Bernardo Moniz da Maia, administrador da Sogema, entrou nas contas do Novo Banco, em 2014, com uma dívida superior a 500 milhões de euros.

O Novo Banco diz ter executado todos os responsáveis ligados à Prebuild, de João Gama Leão, um dos grandes devedores do Novo Banco. Mas, revela António Ramalho, quando o fez já não encontrou nenhum dos automóveis de luxo que faziam parte da lista de ativos deste grupo. Uma gama de automóveis de serviço que ” me enerva”, disse o presidente executivo do banco.

Foi esta quarta-feira, na comissão parlamentar de inquérito, que António Ramalho, CEO do Novo Banco, foi confrontado com a dívida de João Gama Leão, do grupo Prebuild. Sobre este caso, o gestor começou por dizer que o nível de operações de “trade finance” praticados anteriormente com o empresário “eram muito maiores do que volume de negócios do cliente” e que, quando assim é, estamos na presença de “transferências de fundos sem qualquer base que assentem na realidade”.

O gestor confirmou ainda que a aquisição da Cerâmicas Aleluia se enquadrou numa lógica que existia de “aquisições de favor”, em que o empresário em causa ficava com ativos problemáticos do banco, mas a pedido. “Houve a perceção de que as aquisições feitas por favor estavam a ser aproveitadas para desnatar um pouco dos ativos existentes”, disse o banqueiro.

António Ramalho mostrou-se também indignado “quando vejo a lista de automóveis das empresas de Gama Leão. Com aquele tipo de automóveis de serviço. Eram Aston Martin e outros. Eu também gosto de carros, mas aquilo…”, frisou, concluindo que, o “banco executou toda a gente, mas já não estavam lá os carros”.

Na sua audição, Gama Leão, cujas dívidas chegam aos 300 milhões, atacou o Novo Banco. O fundador da Prebuild garantiu que a empresa só não sobreviveu porque o banco não esteve disponível para ajudar aquele que é hoje um dos seus “grandes devedores”. Um rótulo que disse aceitar, mas não a comparação com a “elite podre” que tem ido à comissão de inquérito, já que a sua dívida se deveu à expansão do grupo. “É mais fácil enterrar uma empresa e depois ir aos contribuintes pedir o dinheiro do que tratar um empresário em dificuldades”, acusou o empresário.

João Gama Leão é um dos maiores devedores do Novo Banco. A dívida do empresário, que também já foi ao Parlamento, supera os 300 milhões de euros.

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