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O Relatório Costa Pinto não poupou críticas ao supervisor português. Mas outras entidades esconderam dados, atrasaram respostas ou falharam nos seus deveres. O regulador CMVM é especialmente visado.
O Banco de Portugal é o principal alvo das críticas, mas há alvos secundários na auditoria independente conduzida pela equipa liderada por João Costa Pinto à atuação no caso Banco Espírito Santo. O relatório, concluído em abril de 2015, que tinha sido encomendado pelo então governador Carlos Costa (e que ficou secreto até o Observador o divulgar esta semana), aponta falhas a outro supervisor importante, a CMVM, bem como a empresas de auditoria e, ainda, ao congénere do Banco de Portugal em Angola, o BNA.
Essas são outras entidades que tinham responsabilidades no controlo e fiscalização do Banco e do Grupo Espírito Santo – e que também tiveram falhas, aponta o relatório. O documento considera que estas prejudicaram algumas das medidas adotadas pelo supervisor bancário e há críticas fortes à atuação da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, na altura liderada por Carlos Tavares (hoje chairman do Banco Montepio).
No interação com a CMVM são duas as matérias analisadas: o aumento de capital realizado em maio de 2014 pelo Banco Espírito Santo e a comercialização pelo banco – junto de clientes de retalho – de produtos financeiros que serviram para financiar as empresas não financeiras do Grupo Espírito Santo, e que numa fase final foram concebidos e vendidos de forma a contornar as ordens de travão dadas a estas práticas de financiamento do grupo. É neste ponto que o relatório concluiu que houve uma “supervisão ineficaz”por parte do regulador da bolsa.
“Um dos piores negócios da história”
“Um dos piores negócios da história” dos mercados financeiros. A expressão foi usada pelo Financial Times dias depois da resolução para descrever o último aumento de capital do BES, em junho de 2014, e é reveladora do dano reputacional que Portugal sofreu com o colapso do GES/BES. A operação, fechada entre maio e junho, permitiu captar mais de mil milhões de euros, sob a direção de Ricardo Salgado, e foi considerada um sucesso na medida em que a procura excedeu a oferta.
As novas ações foram liquidadas em meados de junho, ou seja, foi nessa altura que os acionistas que as compraram debitaram das suas contas de investimento os euros necessários para concluir a transação. Um mês depois, perante as notícias sobre a falência iminente do Grupo Espírito Santo, tinham perdido quase todo o seu valor e acabaram a valer praticamente zero quando o banco foi alvo de resolução nos primeiros dias de agosto.
Na página 390 do relatório lê-se que “a informação ao dispor dos reguladores, nomeadamente do Banco de Portugal e da CMVM, no momento da emissão do prospeto do aumento de capital, perspetivava que o incumprimento da ESI não era um mero risco potencial, como indicado no prospeto. Nesta questão específica, não está em causa a atuação do Banco de Portugal, que cumpriu os deveres de cooperação com a CMVM“.
Não sendo uma crítica expressa, a frase pode ser lida como uma crítica ao supervisor do mercado que deu o selo de aprovação ao prospeto da operação no dia 20 de maio, no mesmo dia em que teve conhecimento da auditoria final à Espírito Santo Internacional (ESI), que confirmava o que o Banco de Portugal já sabia desde novembro do ano anterior.
A dívida da ESI, então a principal holding do GES, era mais do dobro do que estava nas contas e a KPMG aponta para uma subavaliação da ordem dos 1.300 milhões de euros que tinha por base “erros contabilísticos” efetuados intencionalmente desde 2008 pelo responsável da contabilidade” (Machado da Cruz). A auditoria não apontava para a existência de “apropriação indevida de ativos”. Poucos dias depois surgiria outra revelação que implicava Ricardo Salgado na falsificação das contas.
A análise liderada por Costa Pinto nota que, “não obstante as conclusões do relatório, a CMVM decidiu aprovar, ainda no dia 20 de maio, o prospeto da emissão acionista do BES no montante de 1.045 milhões, embora com uma referência explícita aos riscos incorridos pelos investidores devido à situação da ESI”.