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O braço-de-ferro que se trava nos bastidores entre o Banco de Portugal e a administração de Stock da Cunha, nomeada pelo supervisor, sofreu novo impulso com Carlos Costa a remeter para o Novo Banco a exclusiva responsabilidade da venda da operação de Cabo Verde a José Veiga.
O Banco de Portugal (BdP) pode abrir um processo de reavaliação da idoneidade da gestão do Novo Banco liderada por Eduardo Stock da Cunha, por eventual negligência no processo de alienação da operação de Cabo Verde a uma empresa-escritório de José Veiga. Isto, apesar de o próprio regulador ter enviado em Novembro ao homólogo de Cabo Verde um parecer “desabonatório” sobre José Veiga que não terá dado a conhecer a Stock da Cunha.
Quadros de topo do Banco de Portugal admitem falhas graves na actuação da administração de Eduardo Stock da Cunha, associadas à venda a José Veiga da filial africana, o Banco Internacional de Cabo Verde (BICV). Erros que consideram poderem configurar grave negligência susceptível de levar à abertura de um processo de reavaliação da idoneidade para o exercício das funções. As dúvidas surgem num contexto particularmente delicado, quando o BdP se prepara para reabrir o processo de “reprivatização” do Novo Banco, por concurso público, o que está a ser antecedido de sondagens a potenciais interessados.
Em causa está o facto de gestão de Eduardo Stock da Cunha, a quem coube conduzir as conversações para a venda do BICV (que representa 0,2% dos activos do grupo), não se ter certificado antecipadamente sobre as condições do adquirente para ser accionista e gestor de um banco. A sociedade canadiana Norwich Group, do empresário de futebol José Veiga, é um centro de escritórios e não uma instituição com licença para operar no sector, como a lei impõe. Mas o seu proprietário também não respeita os critérios de idoneidade requeridos, pois há vários anos que Veiga enfrenta publicamente suspeitas de fuga ao fisco e chegou mesmo a ser acusado de crimes de fraude fiscal (tendo, num dos casos, sido absolvido há dois anos). Tudo factos conhecidos. Assim, e apesar dos requisitos de adequação para se ser accionista e gestor de uma instituição financeira não se cumprirem, a 20 de Janeiro a administração do Novo Banco aprovou a venda a Veiga e submeteu a decisão ao Fundo de Resolução, gerido pelo BdP.
Se se vier a confirmar que a administração do Novo Banco (o vendedor) incumpriu, então a equipa de Stock da Cunha pode ser afastada. Mas só se o BdP avançar com a abertura de um processo de reavaliação de idoneidade e for essa a conclusão. À frente do departamento de supervisão está Carlos Albuquerque, ex-BCP. Já a gestão do Novo Banco, para além de Stock da Cunha (Santander e Lloyds Bank), é formada por Jorge Freire Cardoso (CGD), José João Guilherme (BCP), Vítor Fernandes (BCP), Francisco Cary (BESI) e Francisco Vieira da Cruz (ex-responsável do departamento jurídico do BES). Stock da Cunha tem procurado afastar da sua equipa os estilhaços das investigações policiais, alegando que o tema BICV foi tratado directamente pelos responsáveis da operação em Cabo Verde.
Mas este processo torna-se ainda mais complexo quando se sabe que o BdP pode também ter falhado gravemente ao não ter actuado de modo diligente no dossier. O Observador deu conta que, a 20 de Novembro de 2015, “José Veiga foi impedido de criar um banco novo em Cabo Verde pelo supervisor bancário local por alegada falta de idoneidade”, apreciação que foi sustentada “num parecer” enviado na altura pelo BdP. Dados que o supervisor nacional ainda não desmentiu. E que, a confirmarem-se, permitem levantar questões: como foi possível que o BdP tenha deixado Stock da Cunha avançar com o negócio se não considerava o adquirente do BICV idóneo? E o que o levou a omitir de Stock da Cunha o parecer “desabonatório” sobre Veiga que, meses antes, enviou para Cabo Verde? Recorde-se que o BdP tomou conhecimento em Dezembro de que Veiga era o potencial vencedor do concurso, oferecendo pelo BICV 14 milhões de euros, parte já entregues.
Mais de dois meses depois da comunicação ao Banco Central de Cabo Verde, e cerca de duas semanas depois de Veiga ser detido (3 de Fevereiro), Carlos Costa declarou na quarta-feira o contrato anulado. E suporta a decisão não no parecer enviado ao seu homólogo de Cabo Verde, antes de Novembro, mas nas “investigações relacionadas” pelo Ministério Público [que suspeita de favorecimento a Veiga] e para evitar danos reputacionais ao Novo Banco. E o que deixa outra pergunta em aberto: se a Polícia Judiciária não tivesse detido Veiga, será que a venda do BICV era autorizada e o contrato concretizado?