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Primeiro relatório da comissão de inquérito ao Novo Banco não poupa nem Vítor Constâncio, nem Carlos Costa, e atribui culpas à Comissão Europeia, que limitou leque de opções dos governos. PSD critica conclusões sobre Governo do PS: “Não se cita o dr. Mário Centeno”.
O Banco de Portugal falhou “em toda a linha” na supervisão do BES, até à resolução em Agosto de 2014, e o não afastamento de Ricardo Salgado da administração do banco foi uma “má opção”. Estas são algumas das conclusões do relatório preliminar da comissão de inquérito ao Novo Banco, que vê a Comissão Europeia como um elemento que condicionou a acção dos governos, tanto na resolução do BES como, mais tarde, na venda do Novo Banco.
“A conclusão de que a supervisão falhou em toda a linha é quase um consenso”, disse o deputado do PS, Fernando Anastácio, na apresentação do relatório aos deputados. “Ficou claríssimo que aos olhos de todos nós houve uma falha permanente e sistemática da supervisão”, afirmou, acrescentando que a falha se caracterizou por “chegar sempre tarde aos problemas, sem prejuízo de os identificar”. “Uma supervisão muito epistolar, com muita carta mas pouca acção”, resumiu.
Uma das matérias onde podia “ter actuado mais cedo” foi a da retirada da idoneidade de Ricardo Salgado. No relatório, o autor classifica esta como uma “má opção” do supervisor, já que existiam mecanismos para o fazer. Mas esta não é a única lacuna apontada: “Não actuar sobre partes relacionadas, não actuar quando os administradores da área financeira e não financeira [do Grupo Espírito Santo] eram comuns e decidiam em função dos interesses das empresas do grupo, não alterando medidas que foram identificadas, como a alteração do patamar de supervisão”. Esta postura – de preferir a prudência a um eventual risco de litigância – foi identificada desde 2008 a 2014. Ou seja, uma prática “transversal a dois governadores, ao dr. Vítor Constâncio e ao dr. Carlos Costa”, não ignorando as responsabilidades da administração do BES.
As conclusões a que chegou o deputado relator resultam de uma longa maratona de audições, mais de 50, e da documentação que a comissão recebeu. Deste acervo fazia parte o conhecido relatório Costa Pinto, elaborado pelo antigo vice-governador do banco central, ao qual os deputados nunca tinham tido acesso até à constituição desta comissão de inquérito. O relatório foi pedido pelo próprio Banco de Portugal, que não retirou dali conclusões. Fernando Anastácio considerou que o documento era “uma pedra no sapato muito forte para a administração do Banco de Portugal”. Daí manter-se secreto.
Bruxelas tirou margem de manobra aos governos
Apesar do mau desempenho da supervisão, o relator considera que não havia alternativa à solução encontrada em Agosto de 2014 e que passou pela resolução do BES e a criação do Novo Banco, como banco de transição para venda rápida.
“Na ausência de melhor alternativa para o erário público e para a estabilidade do sistema financeiro, a resolução era a única medida susceptível de ser considerada num tão curto espaço de tempo”, lê-se no relatório. No entanto, a resolução, uma responsabilidade do Banco de Portugal, surge no relatório como “a primeira experiência no quadro europeu, revestindo-se assim de uma natureza experimental e que não mereceu continuidade”. Umas “cobaias”, resumiu Fernando Anastácio quando apresentou o relatório aos deputados. O deputado foi, aliás, crítico do papel da Comissão Europeia em vários momentos. “A intervenção da Comissão Europeia foi determinante no condicionamento de todo este processo, à semelhança do já ocorrido em 2014, aquando da resolução”.
Exemplo: a comissão impediu que o Fundo de Resolução, com 25% do capital, participasse nos órgãos de gestão do banco. O que gerou um “contrato desequilibrado”. Ainda assim, a alternativa era a “liquidação” do banco, uma solução susceptível de poder representar “um enorme risco sistémico e uma séria ameaça à estabilidade financeira”, diz o relatório. O documento revela que um estudo da Deloitte indicava que a liquidação poderia apontar para custos entre “20 a 25 mil milhões de euros, com um impacto directo e imediato equivalente ao valor dos depósitos cobertos, que ascendia a 14 mil milhões de euros, a serem pagos pelo Fundo de Garantia de Depósitos”.
Estes números comparam com os 11 mil milhões de euros de verbas já injectadas pelo Fundo de Resolução, incluindo a capitalização inicial, e que podem crescer num valor superior a 400 milhões de euros, caso o Novo Banco vença as divergências que tem com o Fundo de Resolução e que estão em tribunal.
Embora veja na Comissão Europeia um factor de limitação aos governos, e precise que esta era uma competência do Banco de Portugal, o relator analisa a intervenção do Governo de Passos Coelho em 2014 aquando da resolução e de António Costa em 2017 no momento da venda. Segundo o relator, os executivos de Passos e Costa manifestaram “concordância” com a resolução e a venda, respectivamente.
Mas a forma como descreve o processo e o envolvimento dos dois executivos não agradou ao PSD. No final da apresentação do relatório, Duarte Pacheco sublinhou que no relatório “quando se fala do actual Governo, os nomes são omissos”. “Não se cita o dr. Mário Centeno”, disse, acrescentando que além disso do relatório sai a ideia de que o actual Governo “limitou-se a acompanhar o processo”, enquanto nas referências ao anterior Governo fica a ideia de que a intervenção foi maior.