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Diário de Notícias
Fonte financeira ligada ao processo diz que negócio levará meses a concluir e capitalização tem riscos
Foram precisos quase três anos e duas tentativas para o governo fechar a venda do Novo Banco, mantendo na mão 25% do capital. Sem custos, “diretos ou indiretos”, para os contribuintes, sem qualquer garantia do Estado e com menor impacto do que um cenário de nacionalização, como frisou o primeiro-ministro, António Costa. Contudo, os próximos meses serão fundamentais para o sucesso da operação e os bancos, através do Fundo de Resolução, podem ser chamados a capitalizar o Novo Banco.
“A importância deste dia não esgota o risco do negócio”, disse ao Dinheiro Vivo uma fonte financeira ligada ao processo.
Há vários pontos que ainda têm de ser acertados: primeiro, é preciso que a primeira fase de capitalização tenha sucesso. O Lone Star vai injetar mil milhões de euros no Novo Banco: 750 milhões agora e mais 250 milhões dentro de três anos. Mas há 500 milhões de euros de capital que dependem da conversão de obrigações, num processo de “adesão voluntária” por parte dos investidores. E a conversão pode implicar perdas uma vez que haverá um menor juro e uma maior maturidade, segundo a mesma fonte. O governo deverá contar com o desconforto dos bancos perante a solução encontrada e também com as críticas do Bloco de Esquerda e do PCP, que constituem a maioria parlamentar.
O Fundo de Resolução poderá ser chamado a capitalizar o Novo Banco, com o custo a recair sobre os bancos. António Costa garantiu que “o necessário reforço de capital é integralmente assegurado pelo investidor privado e eventuais responsabilidades futuras não recairão sobre os contribuintes mas sobre os bancos que asseguram o capital do Fundo de Resolução”, através das suas contribuições ordinárias para este mecanismo. Se precisarem de capital podem pedir um empréstimo ao Estado.
Ao que apurou o Dinheiro Vivo junto de fonte do setor financeiro, o Fundo de Resolução terá de autorizar a venda de ativos que estão no side bank e vai ser criado um mecanismo para fazer esta gestão durante oito anos. Por outro lado, não terá direito de voto (embora as ações, se forem vendidas, tenham esse direito). Ficará também com os custos de litigância do Novo Banco. E o negócio impõe ainda o fecho de mais balcões e redução de pessoal. Do lado do Lone Star, o compromisso é que não sejam cobrados dividendos nos próximos cinco anos, revelou António Costa.
Venda pode sair cara a bancos
O acordo pode ter um preço alto para os bancos que constituem o Fundo de Resolução. Ou seja, como explicou Costa, “os bancos têm responsabilidade eventual por necessidades futuras”, através de um “mecanismo de capitalização contingente”. Este mecanismo prevê a cobertura de um “conjunto de ativos” com um limite máximo de 3,8 mil milhões de euros e só em caso de um evento de crédito e caso o rácio de capital do Novo Banco fique abaixo dos 12,5% é que o Fundo de Resolução será chamado a injetar capital. “Com a recapitalização o rácio ficará acima de 15%, haverá mais de 600 milhões de euros de distância”, explicou António Costa. “Para que haja essa necessidade era preciso que houvesse uma sucessão de eventos de crédito para repor capital”, considerou.
Questionado pelos jornalistas sobre a oposição da banca a este modelo, Costa foi claro: “Se eu fosse presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB) preferia a solução em que fosse o Estado a assumir a responsabilidade. A solução da nacionalização chegou a ser estudada, mas teria um custo de 4,7 mil milhões de euros, e a mim compete-me defender os interesses dos contribuintes.” O presidente da APB e alguns banqueiros foram na quinta-feira chamados ao Banco de Portugal, numa reunião que causou algum desconforto no seio do setor perante a solução encontrada, que foi vista como penalizadora, sabe o Dinheiro Vivo. António Costa também se mostrou preparado para uma eventual oposição dos partidos que constituem a maioria parlamentar. Questionado pelos jornalistas, afirmou que essa maioria tem uma “relação baseada na franqueza, onde todos sabemos quais as visões de cada um. Esta é uma solução em que todos farão a avaliação política que queiram fazer”.
Críticas de todos os lados
O Bloco de Esquerda classificou o negócio do Novo Banco como “uma venda a preço zero” e vaticinou que, dentro de alguns anos, o Estado será chamado a pagar os custos. Em declarações aos jornalistas, a deputada Mariana Mortágua desafiou o governo a debater esta operação no Parlamento, dizendo que, se tal não acontecer, o BE avaliará de que forma poderá trazer o tema à Assembleia da República para propor a nacionalização do banco, como a sua alternativa “entre a liquidação e uma má venda”. “Temos de ser muito claros, o que está em causa é uma venda a preço zero: o banco vai ser dado a um fundo americano. O fundo americano vai injetar dinheiro no seu próprio banco, vai-se pagar a si mesmo, e no meio deste processo o Estado assume futuras perdas no banco que vão até quatro mil milhões de euros”, criticou a deputada. Para Mortágua, a decisão do governo “até pode parecer a mais correta no curto prazo, mas o que vai fazer é empurrar os problemas com a barriga para o futuro, para outro governo, para os contribuintes, daqui a quatro, daqui a cinco, daqui a seis anos”.
Pelo PCP falou o deputado Miguel Tiago, igualmente crítico da solução. “Esta é uma má solução e o PCP não se comprometerá com nenhum aspeto desta solução. Não nos colocamos no espartilho do colete de forças da União Europeia e das regras que põem esta opção como a única ou a menos má”, afirmou. Os comunistas manifestaram ainda desconfiança quanto às certezas que António Costa deu de que a operação não terá custos para os contribuintes: “É uma história que já ouvimos. Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque também tinham dito que os portugueses não assumiriam os custos imputados ao Fundo de Resolução e, para já, prevê-se que daqui a 40 anos os bancos paguem o empréstimo do Estado ao Fundo.”
O PSD, pelo seu lado, preferiu antecipar-se, falando antes do governador do BdP e do primeiro-ministro. No essencial deixaram perguntas no ar: “Em primeiro lugar, se há ou não garantias públicas, empréstimos ou dinheiros do Estado envolvidos no negócio de venda do Novo Banco. Qual o montante? Que garantias são? Quais são as condições e qual é o custo para os contribuintes”, questionou o deputado Leitão Amaro.
Exceção às críticas foi, naturalmente, o PS. “Não sendo ideal, não sendo a venda estrondosa que, durante muito tempo, inúmeras figuras garantiam que iria acontecer, foi, pelo menos, o encerramento de um ciclo que tinha riscos para o país. Fazendo as contas, olhando para todas as alternativas, parece-nos ser a solução menos má de todas”, disse João Galamba.