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O aviso foi feito pela Comissão de Acompanhamento e consta da auditoria da Deloitte. Foram identificados casos de clientes suspeitos de boicotar “qualquer hipótese de recuperação de créditos” tóxicos. António Ramalho decidiu avançar com a venda da carteira em que estes créditos estavam incluídos.
A maior carteira de activos problemáticos de sempre em Portugal foi vendida com alguns créditos em que se registaram “perdas enormes” para o Novo Banco, com casos de alegada “gestão danosa” por parte dos grandes devedores envolvidos, suspeitos de práticas de “subtracção dolosa de activos” e “flagrante má-fé negocial”. A gestão do Novo Banco foi avisada e aconselhada a “iniciar processos-crime” ou “acções de responsabilidade cível” contra estes devedores. No entanto, concretizou a venda sem o fazer. A operação chama-se Nata II e gerou perdas de 80 milhões para o Fundo de Resolução.
O cenário é descrito na auditoria da Deloitte conhecida na semana passada, a partir de um alerta da Comissão de Acompanhamento (que avalia as decisões de António Ramalho no recurso à almofada de 3,89 mil milhões de euros criada para acompanhar a venda ao Lone Star). Em causa está um parecer deste órgão que dá conta da “existência de casos de perdas enormes para o Novo Banco devidas a situações de gestão danosa, de subtracção dolosa de activos do património do devedor para dificultar qualquer hipótese de recuperação dos créditos, de flagrante má-fé negocial”.
O parecer explicava ainda que, nestes créditos, “no caso de existirem factores claramente indiciadores de comportamentos ou condutas ilícitas com o propósito de prejudicar o Novo Banco, este deve considerar a hipótese de iniciar processos-crime ou acções de responsabilidade cível contra os autores de tais actos e condutas que levaram a tão pesados prejuízos na instituição”.
Em causa está a operação Nata II, que envolveu os grandes devedores não só do Novo Banco, mas de todo o sistema bancário, com nomes conhecidos como a Ongoing, Joaquim Oliveira, Sogema, de Moniz da Maia, Prebuild, entre muitos outros. A carteira estava avaliada em três mil milhões, foi sendo sucessivamente reduzida com a intervenção do Fundo de Resolução, tendo sido excluídos créditos de alguns destes clientes famosos. Acabou vendida por 157 milhões de euros, com um desconto de 90% face ao valor bruto da carteira (34% face ao valor líquido), uma perda de cerca de 80 milhões coberta pela almofada de dinheiro público.
No seguimento do alerta da Comissão de Acompanhamento, o Fundo de Resolução, explica a Deloitte, solicitou por carta enviada ao Novo Banco que este “se pronunciasse e procedesse à necessária averiguação relativamente a este”. A auditora acrescentou que “não foram realizadas comunicações formais de resposta ao Fundo de Resolução neste contexto”.
Sobre este tema, o Novo Banco referiu aos auditores que “foi realizado um follow-up desta matéria com a Comissão de Acompanhamento”. Mais especificamente, a gestão de António Ramalho disse estar limitada pelo compromisso que tinha assumido no contrato de compra e venda (CVV) assinado com a entidade compradora, uma sociedade de gestão de activos do grupo americano Davidson Kempner.
Assim, diz a Deloitte, “de acordo com o Novo Banco, o CCV não previa a possibilidade de o Novo Banco interpor processos-crime e/ou acções de responsabilidade cível relativos a exposições alienadas na carteira Nata II após o CCV, passando tal decisão para a esfera do comprador”. Para além disso, os “resultados de processos judiciais sobre exposições incluídas na transacção e que estivessem em curso à data da alienação seriam integralmente devidos ao comprador, sendo este um factor ponderado e reflectido no valor proposto de compra”, deixando entender que, se tivesse seguido a recomendação da Comissão de Acompanhamento, teria recebido menos dinheiro pela venda do pacote de créditos.
Ao jornal digital Eco, que noticiou nesta terça-feira o alerta divulgado na auditoria da Deloitte, o Novo Banco explicou que “o dever fiduciário do banco é recuperar crédito, que é assunto cível e não criminal” e que a venda de créditos em pacote é uma solução de recuperação “mais eficiente” do que através do recurso ao tribunal.
Vendas em pacote penalizam banco
Sobre este negócio, a Comissão de Acompanhamento também fez observações críticas acerca dos créditos vendidos em pacote, em particular sobre a inclusão de credores que deviam ter ficado de fora. E destaca ainda que, dada a pressão de fechar a operação, o Novo Banco foi prejudicado.
Assim, segundo um parecer desta comissão, datado de 18 de Outubro – para uma operação que tinha de fechar a 31 de Outubro –, “caso a venda da carteira se tivesse prolongado por mais tempo, outras situações de exclusão poderiam ter sido concretizadas com benefício para o Novo Banco”. Isto dado ter “sido demonstrado interesse por alguns investidores em antecipar negociações bilaterais por via da sua inclusão no perímetro da carteira”.
Sobre as referidas exclusões, este órgão defendeu que, “desde que não resultasse num decréscimo do valor da carteira superior a 20% do preço acordado no CCV, o Novo Banco poderia ainda excluir posições credoras globais sobre certos grupos”. E, admitindo “a complexidade e custos inerentes aos esforços necessários a uma recuperação parcial da exposição”, sugeriu que fosse analisada a possibilidade de exclusão de alguns casos, ainda que tal constituísse uma diluição do objectivo de rápida redução do stock de NPL [crédito malparado] do Novo Banco”.
Na mira da comissão estavam 22 exemplos, entre casos em que o valor contabilístico era substancialmente superior ao preço oferecido, casos em que os preços oferecidos pelos dois investidores na fase de ofertas vinculativas foram muito díspares entre si, ou casos em que os valores oferecidos pelo comprador escolhido poderiam ser inferiores aos valores económicos de anteriores propostas de venda ou de reestruturação de créditos.
No final do processo, foram excluídos seis créditos, por indicação do Fundo de Resolução, o “limite máximo de grupos económicos permitido ao abrigo do CCV assinado com o comprador, sem dar lugar a compensações”, que representaram uma redução dos 51 iniciais para os finais 45.
Esta questão da venda em pacote de créditos foi levantada por João Costa Pinto, antigo vice-governador do Banco de Portugal, quando no Parlamento disse que, “quando se avança para vendas apressadas, tudo muda. As perdas de valor são imediatas. Quando se decide agregar em pacote créditos em que se misturam alhos e bugalhos, coisas boas e más, é receita para o desastre”.
O Novo Banco respondeu a estas acusações numa carta aos deputados, em que compilou a lista das transacções comparáveis à Nata II realizadas na Península Ibérica nos últimos três anos, “que somam 173 operações realizadas por 11 instituições portuguesas e 44 por instituições estrangeiras”. O objectivo, defendeu António Ramalho, foi “evitar a valorização de opiniões imprecisas e totalmente desfasadas da realidade”, num contexto em que a “boa gestão bancária aconselha, desde há muito, a venda rápida de activos não produtivos de forma a não onerar o balanço dos bancos”.