Citamos
Os liquidatários do BES excluíram a Petróleos de Venezuela da lista de credores, por considerarem que as perdas com o papel comercial não são responsabilidade do banco e que as cartas de conforto não têm valor jurídico. Petrolífera impugnou a decisão.
Depois de ter ficado de fora da lista de credores do Banco Espírito Santo (BES), a Petróleos de Venezuela (PDVSA) contesta a decisão da comissão liquidatária do banco. A petrolífera estatal venezuelana exige mais de 2 mil milhões de euros, a que acrescem juros e uma indemnização.
A PDVSA começou por exigir estes montantes ainda em 2019, quando decorria a reclamação de créditos no âmbito do processo de liquidação do BES. Conforme noticiou então o Jornal Económico, a empresa reclamava 1.970 milhões de euros, investidos em papel comercial da Rioforte e da Espírito Santo International, a que acresciam outros 36,6 milhões de euros que estavam depositados em contas à ordem no BES.
A comissão liquidatária reconheceu 4.955 credores, com um total de créditos superior a 5 mil milhões de euros. De fora desta lista ficaram 21.253 reclamantes, cujos créditos não foram reconhecidos – entre eles, a PDVSA.
A impugnação entretanto apresentada pela empresa venezuelana, consultada pelo Negócios, justifica a exclusão da lista de credores reconhecidos. No entender da comissão liquidatária, o papel comercial e as obrigações em que a PDVSA investiu foram emitidas por entidades do Grupo Espírito Santo (GES) e, assim, “consistem em títulos representativos de dívida sobre os respetivos emitentes, os quais não são o BES”. Na prática, uma vez que não era o BES que emitia estes títulos, apesar de vender os mesmos aos seus clientes, a comissão liquidatária considera que o banco falido não tem responsabilidade de ressarcir os lesados do papel comercial.
Mais: as cartas de conforto assinadas por Ricardo Salgado e José Manuel Espírito Santo, que asseguravam que o BES reembolsaria o investimento da PDVSA em dívida das empresas do GES, não terão valor jurídico. “Das declarações e condutas do BES não resulta que as mesmas contenham uma declaração de vontade tendente à criação de um vínculo jurídico de o BES suportar, com as forças do seu património, uma dívida dos emitentes dos instrumentos financeiros objeto da reclamação perante o reclamante”, aponta a comissão liquidatária.
Já no que diz respeito à alegada violação de deveres de intermediação de financeira por parte do BES, a comissão liquidatária considera que não estão “verificados os pressupostos de direito e de facto de que dependeria a responsabilidade civil do BES”.
Por fim, quanto aos depósitos à ordem, os liquidatários do BES argumentam que “os mesmos não se encontram atualmente registados na contabilidade do BES” e acrescenta que, “mesmo que tais depósitos existissem à data de aplicação da medida de resolução, teriam sido transferidos para o Novo Banco e não constituiriam, em qualquer caso, um crédito sobre a insolvência do BES”.
Provisões provam “responsabilidade” do BES
A PDVSA vem agora refutar estes argumentos, a começar pela responsabilidade do banco. “Face ao colapso do GES, o BES assegurou reiteradamente o reembolso das aplicações de todos os credores impugnantes, em papel comercial e outros, adotando, para o efeito, as seguintes medidas: provisão nas contas da Espírito Santo Financial Group e criação de conta ‘escrow’; provisão nas contas do BES”, começa por lembrar.
São estas provisões que, no entender da PDVSA, provam a responsabilidade do banco. “A assunção da obrigação pelo BES, através da constituição das provisões, correspondeu ao reconhecimento de uma responsabilidade do insolvente perante todos os seus clientes de retalho. Sem esse reconhecimento, não haveria motivo para a constituição da provisão”.
Para além disso, antes de ser alvo de resolução, o próprio banco comunicou essa responsabilidade. “O BES tem assegurado o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos seus clientes não institucionais junto das redes comerciais do grupo BES; o mencionado reembolso reporta-se a todas as emissões de papel comercial da Espírito Santo International e da Rioforte”, indicava um comunicado do BES datado de 18 de julho de 2014.
A comissão liquidatária do BES argumenta, ainda, que a PDVSA não apresentou a “documentação necessária para demonstrar a existência do crédito” reclamado, uma situação que a empresa agora justifica. “Com o avanço da queda do GES, a [PDVSA] começou a verificar constrangimentos no acesso à informação desenvolvida sobre os montantes, extratos e saldos das aplicações que tinha subscrito”, relata. Por isso, pede ao Tribunal do Comércio de Lisboa, onde decorre o processo de insolvência do BES, que notifique o Novo Banco, que agora terá “todo o ‘apport’ documental” da empresa, para disponibilizar esses documentos.
A PDVSA exige, assim, exatamente o mesmo montante que começou por reclamar há dois anos: 2.006.960.499 euros, a que acrescem juros e uma indemnização, não quantificada, pelo facto de o BES, enquanto intermediário financeiro, não ter prestado “boas informações” relativamente aos instrumentos que vendeu.