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Uma primeira venda falhada, uma ameaça de liquidação e uma alienação que tem custado milhões ao Estado. O Novo Banco nasceu há seis anos, mas continua no centro da polémica.
O Novo Banco nasceu há quase seis anos, depois da “morte” do Banco Espírito Santo, no verão de 2014. Uma instituição financeira que já passou por uma venda falhada que custou vários milhões de euros ao Estado, por uma ameaça de liquidação e pela alienação a um fundo norte-americano por um preço simbólico, cujo contratos de compra e venda ficaram agora no centro da polémica. O banco devia entrar, a partir do próximo ano, num novo processo de venda, mas a pandemia veio trocar os planos.
“O conselho de administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo, SA uma medida de resolução. A generalidade da atividade e do património do Banco Espírito Santo é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos”. Este foi o anúncio que marcou o fim do BES e o início do Novo Banco, feito por Carlos Costa, então governador do Banco de Portugal (BdP), a 3 de agosto de 2014, naquele que foi um verão “quente” no setor financeiro.
Nascia, assim, uma nova instituição financeira. O objetivo era vendê-la, mas a primeira tentativa não foi bem-sucedida. O processo, que se esperava que ficasse concluído em 2015, acabou por cair. O BdP decidiu, em setembro desse ano, cancelar a venda. Um desfecho que era esperado depois de os dias que antecederam terem sido marcados por vários sinais de recuo, com o Fundo de Resolução a não conseguir justificar aos potenciais compradores a avaliação feita ao Novo Banco, de 4.900 milhões de euros.
Primeira tentativa falhada
Inicialmente, surgiram 17 interessados, alimentando a ideia de que a venda seria um sucesso, mas apenas três chegaram à fase final: a Anbang, a Fosun e a Apollo, mas com ofertas muito inferiores ao valor pedido pelo fundo. Esta tentativa falhada acabou por custar 9,7 milhões de euros, de acordo com o número que foi avançado no relatório e contas do Fundo de Resolução de 2015. Também o BCP e BPI chegaram a demonstrar interesse, mas sem avançar.
O processo acabou por ser relançado pouco tempo depois, com Sérgio Monteiro a ser contratado para liderar a venda. Foram necessários perto de dois anos para fechar este dossiê. Em 2016, o Governo de António Costa afirmava à Comissão Europeia já ter “expressado ao BdP a sua profunda preocupação com o processo de venda”. E foi ainda mais longe: caso o Novo Banco não fosse vendido até agosto de 2017, admitiu que o banco iria “entrar num processo ordeiro de liquidação”. Não foi preciso chegar a esse ponto.
No início desse mesmo ano, o regulador decidiu convidar os norte-americanos da Lone Star a “aprofundar negociações” para a aquisição da instituição. Um processo que, no final de janeiro, Mário Centeno, então ministro das Finanças, dizia “avançar com bastante intensidade”. Para trás ficou a Apollo, mas também a Aethel Partners.
As negociações com os norte-americanos acabaram por rapidamente se tornar exclusivas. Foi em março de 2017 que o governador do BdP confirmou a venda do Novo Banco à Lone Star. O fundo comprometeu-se a injetar mil milhões de euros em troca de uma participação de 75% do capital. Os restantes 25% ficaram nas mãos do Fundo de Resolução. António Costa deixou, na altura, uma garantia: esta solução “não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes”. Chegou a ser estudada uma nacionalização, mas esta hipótese custaria, de acordo com o primeiro-ministro, até 4,7 mil milhões de dinheiro dos contribuintes.
Elogios, mas também muitas críticas
As opiniões sobre este processo dividiram-se. A comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, congratulou-se com a assinatura do acordo de aquisição. Já João Galamba, então porta-voz do PS, disse ser a “solução menos má de todas”, enquanto o social-democrata Luís Montenegro afirmou ser uma “má decisão”. Isto ao mesmo tempo que Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, defendeu que o Governo estava a “empurrar os problemas com a barriga”.
O contrato acabou por ser assinado em outubro de 2017, entre o Fundo de Resolução, o Banco de Portugal e a Lone Star. “Através desta operação de venda e do processo de recapitalização (…) a posição de capital do Novo Banco melhorou significativamente. Hoje, o Novo Banco é uma instituição sólida e bem capitalizada”, afirmou, à data, Donald Quintin, responsável da Lone Star.
Um contrato desvantajoso para o Estado
A partir desse momento, o Novo Banco perdeu o estatuto de banco de transição. Mas não foi o fim das polémicas. Aliás, o próprio contrato voltou a estar no olho do furacão muito recentemente, seis anos depois de ter sido assinado. Isto depois de o primeiro-ministro ter afirmado, no Parlamento, que se a auditoria da Deloitte aos atos de gestão do banco – ainda em curso – “concluísse que houve má gestão, o Fundo [de Resolução] tem toda a legitimidade para agir no sentido da recuperação do dinheiro que desembolsou ”.
A afirmação levou mesmo o Bloco de Esquerda a pedir ao fundo o acesso ao contrato. De acordo com Mariana Mortágua, em declarações à TSF, “estes contratos confirmam um negócio que foi feito em condições muito desvantajosas para o Estado”. Já no Parlamento, a deputada bloquista afirmou que no que toca aos poderes do fundo e a novas injeções, o documento “é impercetível ou confidencial”.
O Novo Banco devia entrar, a partir de 2021, num novo processo de venda. E há quem já tenha demonstrado interesse, como o BCP e o Bankinter. Mas a pandemia veio atrasar estes planos. Segundo António Ramalho, em entrevista ao Negócios e à Antena 1, “ninguém tem pressa de vender bancos neste momento”. Ainda assim, garantiu que a reestruturação fica fechada este ano.
A venda [do Novo Banco] é um passo importante na estabilização do setor bancário nacional.CARLOS COSTA
Declarações do ex-governador do BdP em março de 2017.
[Venda do NB] não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes.ANTÓNIO COSTA