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Entidade quer ser considerada credora privilegiada no processo de falência. Se o tribunal lhe der razão, só depois de o Fundo receber 3 mil milhões de euros – o que pode nunca acontecer -, os lesados começarão a ser ressarcidos.
O Fundo de Resolução já fez pelo menos três requerimentos a pedir que as verbas transferidas para o Novo Banco no âmbito da falência do Banco Espírito Santo (BES) sejam consideradas créditos privilegiados. O último pedido diz respeito a mais de mil milhões de euros, uma verba que a instituição liderada por António Ramalho recebeu a 6 de maio de 2020. No total, estão em causa cerca de 3 mil milhões de euros nos últimos anos.
E o que significa um crédito privilegiado num processo destes? “Se o tribunal lhes der razão, o Fundo de Resolução será o primeiro a ser pago com o dinheiro que resultar da venda de ativos do BES”, explica à SÁBADO fonte da banca. Ou seja, não só o Fundo de Resolução quer ser ressarcido de todo o dinheiro que injetou no BES, como quer recebê-lo antes de qualquer outro credor. “Normalmente os primeiros a serem pagos são os depositantes, porque há um juízo de interesse social”, acrescenta a mesma fonte, “mas isto está muito bem argumentado”.
“A reclamação de créditos apresentada pelo Fundo de Resolução visa estritamente dar cumprimento à lei e a natureza privilegiada dos créditos reclamados pelo Fundo decorre da lei”, diz fonte oficial do Banco de Portugal à SÁBADO. Nuno da Silva Vieira, advogado que representa grande parte dos lesados do BES, concorda: “O que o fundo de resolução pede está previsto na lei. Por alguma razão os lesados estão a apostar todas as suas armas nos bens arrestados ao Grupo Espírito Santo, que incluem os arrestos a Ricardo Salgado e a outros ex-administradores do banco, num total de 1,8 mil milhões de euros. Neste processo crime não há hierarquia de credores”. Ou seja, o Estado não conseguirá passar à frente dos lesados, que no total reclamam 100 milhões de euros.
O último requerimento apresentado pelo Fundo de Resolução diz respeito a uma verba de mais de mil milhões de euros (1.035.015,612 euros) transferida para o Novo Banco no dia 6 de maio de 2020. Antes disso, o Fundo de Resolução já tinha reclamado que também as transferências de 24 de maio de 2018 (792 milhões de euros) e de 6 de maio de 2019 (1.150 milhões) fossem consideradas créditos privilegiados. “Na prática, o que o Fundo diz é: ando a contestar desde 2019 que os meus créditos são privilegiados. Atenção que este valor também faz parte do grupo. Se isto for reconhecido, é um enorme benefício para os bancos que contribuem para o Fundo de Resolução, mas prejudica os interesses dos lesados”, explica a mesma fonte da banca. E o valor ainda pode subir: o Fundo de Resolução comprometeu-se a fazer pagamentos de até 3.890 milhões de euros ao Novo Banco.
E é possível reclamar créditos seis anos depois da falência de uma empresa? Neste caso, sim. “A verificação ulterior só acontece porque a liquidação do BES ainda não transitou em julgado”, explica Nuno da Silva Vieira. “Quando uma empresa vai à falência há um prazo de seis meses para reclamar dívidas, mas há excepções. Uma delas é precisamente essa: podem reclamar-se créditos até seis meses depois do trânsito em julgado da sentença, o que no caso do BES ainda não aconteceu, apesar de o banco ter falido em 2014. Ou seja, enquanto a sentença não transitar em julgado, o Governo pode continuar a reclamar dívidas”, acrescenta Nuno da Silva Vieira.
Mas, mesmo que ganhe a ação, não é certo que o Fundo de Resolução receba estes 3 mil milhões de euros. Tudo depende do que se conseguir arrecadar com a venda de ativos do falido BES.