Arquivo para a categoria ‘DCIAP’

Comissão de inquérito do Novo Banco expôs negócios de Luís Filipe Vieira

Sábado, Julho 10th, 2021

Citamos

Jornal de Notícias

A comissão de inquérito ao Novo Banco, na qual Luís Filipe Vieira foi ouvido no dia 10 de maio, expôs os negócios particulares do presidente da ​​​​​​​Promovalor e do Benfica, um dos maiores devedores da instituição financeira.

Luís Filipe Vieira foi um dos quatro detidos na quarta-feira numa investigação que envolve negócios e financiamentos superiores a 100 milhões de euros, com prejuízos para o Estado e algumas sociedades.

Segundo o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), estão em causa factos suscetíveis de configurar “crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento de capitais”.

“Eu tenho a noção exata que estou aqui porque sou presidente do Benfica”, disse no parlamento Luís Filipe Vieira em 10 de maio deste ano, dois anos exatos depois da audição parlamentar a Joe Berardo (ocorrida em 10 de maio de 2019), também grande devedor da banca e recentemente detido noutro processo.

A afirmação foi rapidamente rebatida pelo presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, que disse que Vieira não estava no parlamento “por causa do Benfica”, e também pela deputada do CDS-PP Cecília Meireles, que o questionava naquele momento, e quis “deixar claro” os motivos pelos quais tinha sido convocado a depor.

“Se nós olhamos para uma lista das perdas imputadas, acumuladas, que são pagas por todos os contribuintes, o senhor é o segundo maior devedor responsável pelas perdas, e por isso é que está aqui hoje”, disse Cecília Meireles.

Luís Filipe Vieira afirmou no parlamento que em setembro de 2017 a dívida do Grupo Promovalor ao Novo Banco ascendia a 227,3 milhões de euros, dos quais 217 milhões referentes a capital, 8,9 milhões a juros e 1,4 milhões a comissões bancárias.

A audição de Luís Filipe Vieira começou com uma longa intervenção inicial, em que admitiu que a sua ida para o Benfica, primeiro em 2001 como dirigente e a partir de 2003 como presidente, se deu, também, a pedido de vários bancos.

“A minha ida para o Sport Lisboa e Benfica não é apenas uma vontade e um orgulho da minha parte. Foi também um pedido de várias instituições financeiras” que estavam “interessadas na viabilização” do clube, admitiu.

Vieira disse também que a sua vida “não foi criada com o BES”, mas as suas relações empresariais com o banco liderado por Ricardo Salgado acabaram por marcar o seu percurso profissional, acabando como um dos maiores devedores do Novo Banco, que sucedeu ao BES.

Um desses negócios envolve a Imosteps, uma das empresas de Vieira devedoras do Novo Banco, cuja dívida foi comprada pelo fundo Davidson Kempner à instituição financeira e depois vendida a José António dos Santos, empresário da Valouro e conhecido como ‘rei dos frangos’ (sem relação com a cadeia comercial homónima), por um preço superior ao qual tinha sido vendida pelo Novo Banco.

“Ele pagou. Acho que fez um ótimo negócio”, disse o presidente da Promovalor, quando a deputada Mariana Mortágua (BE) perguntou “por que é que milagrosamente está disponível a oferecer por aquela dívida aquilo que nenhum outro sócio estava disposto”.

Mariana Mortágua tinha detalhado a Vieira que “a dívida que o Novo Banco vendeu por quatro milhões é comprada ao Nata II [nome da carteira de crédito comprada pelo fundo Davidson Kempner] pelo seu sócio por oito milhões”.

Luís Filipe Vieira revelou que o fundo Davidson Kempner o contactou, tendo o empresário perguntado “por quanto é que vendia aquilo”, mas as suas empresas não tinham dinheiro e iriam acabar por “arranjar comprador”.

“O comprador foi precisamente esta pessoa [José António dos Santos], através de um fundo que constituiu, e o resto não sei mais”, referiu Luís Filipe Vieira.

Mariana Mortágua concluiu dizendo que um sócio de Vieira “comprou de volta a sua dívida ao Nata II por um valor superior ao qual o Nata II tinha comprado”.

José António dos Santos é também o maior acionista individual da Benfica SAD e beneficiaria de uma eventual venda das suas ações, caso a OPA (Oferta Pública de Aquisição) de 2019 e 2020 do próprio clube à SAD fosse avante.

Porém, em maio de 2020, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) considerou a operação ilegal.

“Os fundos que o Oferente [a Benfica SGPS] pretendia utilizar para liquidação da contrapartida tinham, de forma não permitida pelo Código das Sociedades Comerciais, origem na própria Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, sociedade visada por esta Oferta Pública de Aquisição”, podia ler-se no comunicado da CMVM de maio de 2020.

Entre os potenciais beneficiários da operação – que não se veio a concretizar – estariam o próprio Luís Filipe Vieira e o construtor José Guilherme.

Na comissão de inquérito, Luís Filipe Vieira defendeu que a operação visava que o Benfica ficasse com um modelo societário semelhante ao do Bayern de Munique, e que “não tinha interesse” em ganhar dinheiro com a operação.

Outro dos negócios falados na comissão de inquérito diz respeito à reestruturação da dívida da Promovalor, feita pela C2 Capital Partners de Nuno Gaioso Ribeiro (antigo vice-presidente do Benfica) — que confirmou a realização de buscas na quarta-feira — e rejeitou a existência de um “canal de influência” no clube para negócios particulares.

A C2 Capital Partners comprou créditos ao Novo Banco devidos pela Promovalor, empresa do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, mas o gestor da C2 Capital Partners apelidou de “conversa de café” a possibilidade de existir qualquer conflito de interesses.

“Se o senhor deputado [João Paulo Correia, PS] me pergunta se o facto de o devedor nos conhecer pode ter sido importante para o devedor e pode ter dado tranquilidade ao devedor sermos nós a gerir os ativos, a minha resposta é sim”, disse Nuno Gaioso Ribeiro, num dos momentos mais tensos da audição.

Com a constituição do Fundo de Investimento Alternativo Especializado, que comprou as dívidas da Promovalor ao Novo Banco em novembro de 2017, “foram adquiridos ao Novo Banco 133,9 milhões de euros de créditos e foram, ainda, reestruturados pelo Novo Banco (isto é, mantiveram-se no balanço do banco) financiamentos existentes de 85,8 milhões de euros, perfazendo a operação o montante total de 219,7 milhões de euros”.

“O Novo Banco ficou, exatamente, com 95,89% do capital total subscrito do fundo que é de 146,1 milhões de euros”, disse Nuno Gaioso Ribeiro aos deputados.

O “plano criminoso” de Ricardo Salgado para a Venezuela – a investigação completa da SÁBADO

Domingo, Novembro 11th, 2018

Citamos

Sábado

Antigo banqueiro é suspeito de distribuir luvas por vários responsáveis venezuelanos para obter financiamento para o Grupo Espírito Santo. Leia a investigação completa da SÁBADO

Assente numa imagem de credibilidade conquistada por um banco histórico português e com a cobertura de um complexo circuito financeiro montado em geografias como Dubai, Suíça, Luxemburgo, Panamá, Cabo Verde, Angola, Macau e a Madeira, o grupo BES/Grupo Espírito Santo (GES) conseguiu durante anos dissimular a movimentação de muitos milhões de euros que terão servido para inúmeros negócios suspeitos. Um destes esquemas, que o juiz de instrução Carlos Alexandre considerou como altamente provável de se tratar de um “plano criminoso” em documentação a que a SÁBADO teve acesso, visa o alegado pagamento de luvas num negócio internacional multimilionário relacionado com empresas públicas da Venezuela.

“Os investimentos obtidos de entidades venezuelanas no GES, área financeira e não financeira, tiveram por base o compromisso assumido em nome, e com o acordo do arguido Ricardo Salgado, de serem efectuados pagamentos a pessoas venezuelanas que os tornaram possíveis junto de decisores das entidades públicas em causa”, garantiu o Ministério Público (MP) nas alegações que, no ano passado, enviou ao Tribunal da Relação de Lisboa (TRL). Em causa estava a defesa que o MP fez sobre a necessidade de serem mantidas as medidas de coacção aplicadas no Verão de 2017 pelo juiz de instrução ao ex-director do BES, João Alexandre Silva, o único detido que estava em prisão domiciliária no âmbito do processo 324/14, o inquérito principal do chamado caso BES/GES.

Para o MP, o antigo responsável do banco, que dirigia a discreta sucursal da Madeira e tratava dos “clientes da Venezuela”, terá agido como uma espécie de pivô menor nos negócios do BES com aquele país, negócios esses que terão sido acordados, a partir de Julho de 2008, com pelo menos 10 empresas ou entidades públicas, como a PDVSA, Petróleos de Venezuela, mas também o Banco do Tesouro (o gestor do Fonden, Fundo de Desenvolvimento Social), a Electricidad de Caracas e o Bancoex, só para citar alguns exemplos. No total, e até Dezembro de 2013, a ligação comercial do BES a estes clientes teve algumas oscilações: chegou a atingir os 8,2 mil milhões de euros (em Junho de 2009), e o valor mais baixo de 3,1 mil milhões, em Dezembro de 2011.

As operações bancárias centraram-se sobretudo na área de trade finance, ou seja, na concessão de linhas de crédito pelo BES (as chamadas cartas de crédito) em favor de contrapartes nos negócios internacionais realizados pelas empresas venezuelanas. Mas também em investimentos de depósitos à ordem e a prazo, operações cambiais, de mercado monetário e de valores mobiliários como a dívida do GES, nomeadamente da Rioforte. “Por determinação de Ricardo Salgado, foi desenvolvido um pagamento de comissões oculto das contas oficiais do BES e do GES, para iludir a sua existência”, refere o mesmo documento vincando que, só entre 2009 e 2013, o MP apurou um valor de “cerca de 124 milhões de dólares [cerca de 106 milhões de euros ao câmbio actual] que se destinou a remunerar terceiros”. À SÁBADO, um porta-voz de Ricardo Salgado disse que o ex-banqueiro não responde a questões dos jornalistas sobre processos em investigação.

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) acreditava então que todos estes milhões representavam cerca de metade das receitas geradas pelos investimentos públicos da Venezuela no BES/GES, isto já depois de deduzidos os custos operacionais bancários e os impostos devidos, ou seja, cerca de metade do total de 248 milhões de dólares (212 milhões de euros) simplesmente terão sido destinados ao pagamento de luvas a “entidades detidas por altos quadros venezuelanos ou por pessoas a eles ligadas”, conforme também especificou o despacho de 39 páginas que Carlos Alexandre assinou o ano passado e que permitiu deter João Alexandre Silva e fazer um conjunto de buscas em Portugal e em Espanha.

O que estes dois documentos da Relação de Lisboa e do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) também revelam é que nesta altura a investigação da equipa especial coordenada pelo procurador José Ranito estava centrada no muito dinheiro usado alegadamente para a prática de crimes, em alvos bem específicos e num complexo circuito internacional dissimulado que terá respondido sempre às ordens de Ricardo Salgado.

A conta secreta do dinheiro
Alegadamente usado para corromper “agentes públicos internacionais”, todo este dinheiro suspeito terá tido uma única origem: a conta nº 103443.01.200 (com subcontas em euros, dólares americanos e francos suíços), aberta no Banque Privée Espírito Santo, sediado na Suíça. Segundo o MP, a conta bancária seria controlada por um dos homens de maior confiança de Salgado, o suíço Jean-Luc Schneider, director do Departamento de Contabilidade da Espírito Santo Financial Group (ESFG) e administrador da subsidiária Espírito Santo Financiére (ESFIL), a sociedade holding do próprio Banque Privée (o banco entretanto faliu e decorre uma investigação autónoma na Suíça).

Mas se era Schneider quem movimentaria a conta, a titular das operações tornou-se hoje bastante conhecida no universo de casos suspeitos do grupo Espírito Santo: trata-se da Enterprises Management Services, a empresa­-fantasma que alimentava o saco azul do BES/GES. Sem fontes de financiamento autónomas ou actividade geradora de receitas, a ES Enterprises terá sido também usada nos negócios da Venezuela como o instrumento discreto para fazer boa parte das transferências entre sociedades do GES, designadamente da ESI BVI, para pelo menos 32 entidades offshore com nomes aparentemente insuspeitos como Travbell Assets, Redtone Investments, Canaima Financial e Alba Products. Ou a Paratus Investments, uma sociedade que teve como beneficiários Francisco Diaz e Margarita Mendola Sánchez, tendo esta última desempenhado as funções de procuradora-geral da Venezuela em 2011 e sendo, actualmente, diplomata na embaixada daquele país em Portugal. Segundo o MP, a Paratus recebeu 15 transferências da ES Enterprises avaliadas em cerca de 6,8 milhões de dólares (5,9 milhões de euros ao câmbio actual – ver infografia) justificadas com as indicações “PDVSA” e “Carbozulia”, sendo esta última a principal companhia venezuelana de minério. A SÁBADO tentou contactar Margarita Sánchez na embaixada da Venezuela em Lisboa, mas fomos informados que a diplomata se encontrava de férias até à próxima semana.

De acordo com a investigação do MP, offshores como o de Margarita Sánchez destinavam-se a esconder os verdadeiros beneficiários dos pagamentos das alegadas luvas ordenados por Ricardo Salgado. Mas o recurso a estas sociedades anónimas instrumentais terá sido concretizado com a colaboração de mais um homem de confiança dos Espírito Santo – Michel Joseph Ostertag. Trata-se de um suíço, conhecido como “o fininho”, que foi funcionário da Gestar, uma empresa que até 2007 pertenceu directamente ao GES (indirectamente entre 2007 e 2012) e que acabou fundida na suíça Eurofin Holding.

E tanto na Gestar como depois na Eurofin, Ostertag terá sido o responsável pelos serviços de constituição de milhares de entidades domiciliadas em paraísos fiscais, ou seja, este seria o homem encarregado por Salgado de gerir – como dizem os especialistas – um portefólio de soluções de optimização fiscal de rendimentos, de ocultação de patrimónios e de gestão de activos. Tudo soluções que terão também permitido a prática de um sem­-número de crimes fiscais, de branqueamento de capitais e até de actos de corrupção.

Do Dubai ao Panamá e Madeira
Todo este circuito de dissimulação foi também montado com a colaboração especializada da sociedade de advogados do Panamá “Alemán, Cordero e Galindo” (Alcogal), com o esquema a permitir associar os offshores à abertura de contas bancárias sediadas no grupo BES, nomeadamente no suíço Privée, no ES Bankers Dubai, aberto em 2007 nos Emirados Árabes Unidos, e na Sucursal Financeira Exterior (SFE) da Madeira.

‘Ora, foi precisamente neste banco do Funchal que trabalhou, entre 2008 e 2014, o responsável que acompanhou boa parte dos negócios com a Venezuela, João Alexandre Silva. Oficialmente, o director da SFE da Madeira e chefe do Departamento Internacional Business & Private Banking (criado em 2013) respondia directamente a José Manuel Espírito Santo, primo de Ricardo Salgado e o administrador do BES que historicamente no grupo foi o responsável pelos clientes endinheirados e pelas sucursais do BES da Venezuela e do Luxemburgo.

Apesar de sempre ter dito que nada sabia dos alegados esquemas de Salgado, José Manuel consta desde 2005 em investigações do MP como a Operação Furacão, tendo sido ele um dos principais responsáveis pela escolha do Panamá como centro de negócios. Em vários memorandos internos de 2003 a que a SÁBADO acedeu, o primo de Ricardo Salgado manifestou-se muito preocupado com a pressão internacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) para reduzir o sigilo bancário e adoptar legislação que, na prática, vigiava melhor a questão do branqueamento de capitais e as contas de sociedades offshore. Para José Manuel Espírito Santo, isto estava já na altura a afectar o BES Cayman e a sucursal BESV, em Paris, com os Espírito Santo a tomarem a decisão de transferir várias destas contas para o recém­-aberto ES Bank Panamá.

Na altura, depois de anunciar que o trabalho seria feito com o auxílio do pessoal que o BES tinha no Luxemburgo — havia ainda poucos funcionários no Panamá —, o responsável especificou também que via muitas vantagens em passar as próprias operações do Grupo BES para o Panamá porque o país tinha legislação muito forte sobre o  sigilo bancário e permitia algo que nem na Suíça acontecia: “O detentor de uma conta bancária numérica poderá através de um trust, uma fundação de família ou mesmo pela simples designação de beneficiário (…) atribuir a terceiros sem qualquer recurso à transição dos bens, ou seja, a transição de conta bancária. O juiz não se poderá opor à vontade do detentor da conta mesmo que existam opositores invocando problemas sucessórios.”

Segredo pouco secreto no BES
Anos depois, o primo de Ricardo Salgado tornou-se também chefe de João Alexandre Silva, a quem coube, com base nos cálculos efectuados trimestralmente pelo Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME) do BES quanto ao lucro da actividade do BES e GES com empresas públicas venezuelanas, “afectar as respectivas margens de resultado aos angariadores de negócios”, conforme refere o acórdão da Relação de Lisboa que justificou a manutenção da prisão domiciliária do antigo responsável do BES e depois consultor financeiro por conta própria no Dubai.

Ou seja, o MP já suspeitava que, além de Ricardo Salgado e José Manuel Espírito Santo, um conjunto de altos quadros do BES/GES terão sabido o que alegadamente se passou nos bastidores dos negócios com a Venezuela. Esta percepção do MP estará sustentada em vários indícios recolhidos em operações de busca feitas neste e noutros processos que visaram altos quadros do BES, como sucedeu no caso Monte Branco, o inquérito aberto em 2011 e ainda não encerrado. “Realizada essa tarefa coube a João Alexandre Silva e a Ricardo Salgado transmitirem a Humberto Coelho, director do ESBD [ES Bankers Dubai], e a Jean-Luc Schneider, quer por telefone, quer presencialmente, as percentagens do valor apurado trimestralmente que seriam distribuídas pelas inúmeras contas em nome de offshores abertos no ESBD, por referência ao angariador do negócio”, concretiza o documento da Relação de Lisboa.

Em outro caso, o procedimento referente aos “clientes Venezuela” terá sido registado internamente no BES através de mapas de controlo elaborados semanalmente, pelo menos desde Abril de 2009, na SFE Madeira e destinados Paulo Nacif, o número dois de João Silva. Esta informação referente, por exemplo, a aplicações de mercado monetário e de trade finance e investimentos em produtos do GES, também foi tratada por altos responsáveis do DFME/BES, como Isabel Almeida e Paulo Ferreira.

O MP chegou até a apreender dois documentos de 2009 de João Alexandre Silva, onde constavam indicações específicas oficiais quanto a entidades e contas no ES Bankers Dubai a quem teriam de ser feitos pagamentos pela ES Enterprises. “Entre as quais a Golden Captive, cujo beneficiário efectivo (…) é identificado por João Alexandre Silva como Rafael Cure Salazar”, conforme refere a documentação do DCIAP, que também identifica melhor aquele alvo venezuelano: tratar-se-ia do pai de Rafael Alfredo Lopez, o gerente das operações internacionais da PDVA.

Naqueles documentos foi igualmente anotado um alegado pagamento de cerca de 455 mil dólares (cerca de 399 mil euros), com o MP a achar que conseguiu seguir o circuito real dessa parcela de dinheiro, alegadamente corrupto, através de várias mensagens de correio electrónico apreendidas a Alexandre Silva, Isabel Almeida e ao suíço que controlava no terreno o saco azul dos pagamentos do BES/GES. Mas houve mais movimentações para a Golden Captive. “Foram realizadas 11 ordens de transferência pela Enterprises por ordem de Jean-Luc Schneider”, lê-se no longo documento judicial de 58 páginas da 9ª Secção da Relação de Lisboa.

No total, só estas transferências para o ES Dubai, verificadas entre Março de 2009 e Julho de 2011, atingiram cerca de 10,8 milhões de dólares (perto de 9,3 milhões de
euros). Como estas processaram-se muitas outras transferências, tendo o MP já identificado, em Novembro do ano passado, a maior parte dos “beneficiários económicos” dos offshores suspeitos. No entanto, faltava confirmar a maior parte dos reais donos do dinheiro.

As agendas pessoais de Salgado
Estas e outras movimentações financeiras internacionais para contas de offshores, controlados por cidadãos que internacionalmente têm de ser alvo de especial vigilância devido à relação com poderes públicos, levou a autoridade de supervisão dos Emirados Árabes Unidos, a Dubai Financial Services Authority (DFSA), a actuar de vez em 2012. Depois de uma operação de fiscalização ao ES Bankers, designadamente ao cumprimento das regras de detecção de branqueamento de capitais, a DFSA pretendeu saber informações sobre a origem da fortuna de certo tipo de clientes.

O alvo prioritário foram os angolanos, segundo a investigação da SIC Assalto ao Castelo emitida no ano passado. A troca de correspondência entre a DFSA e o Banco de Portugal (BdP) a propósito do ES Bankers Dubai revelou que, em 2011, 60% dos activos da filial do BES eram controlados por angolanos politicamente expostos ao Governo de José Eduardo dos Santos. Nesse ano, quatro dos clientes (incluindo o general Manuel Vieira Dias “Kopelipa”) tinham aplicado 750 milhões de dólares (641 milhões de euros) no ES Dubai, a maior fatia daquele valor, 500 milhões (427 milhões de euros), tendo como destino investimentos em empresas do GES.

Mas o leque de clientes de risco apontados pelo supervisor do Dubai era bem maior: estavam lá muitos offshores controlados por cidadãos da Venezuela. Por causa disso, o BES/GES terá tentado dissimular ainda mais o circuito financeiro usado alegadamente para os pagamentos corruptos. A tese do MP expressa na documentação a que a SÁBADO teve acesso é a seguinte: para evitar mostrar as relações directas entre o GES e os beneficiários das referidas contas offshore (e por determinação de Ricardo Salgado), João Alexandre Silva e José Manuel Espírito Santo contrataram uma empresa de assessoria domiciliada em Londres para ser “criada documentação” em que o GES assumiu posteriormente o pagamento de cerca de 110 milhões de dólares, feito através da ICG, Private Wealth Management (domiciliada no Panamá e representada por Michel Ostertag) a um conjunto de entidades que teriam angariado os negócios da Venezuela – uma “remuneração a justo título, com base em resultados obtidos e em factores intangíveis como a divulgação do nome Espírito Santo, e tangíveis como o volume de investimentos na área financeira e não financeira”, concretizou o DCIAP.

Mas apesar desta justificação, e ainda segundo o MP, a autoridade do Dubai não validou os procedimentos do ES Bankers “quanto à certificação da origem da fortuna de um conjunto de clientes, e as contas tituladas por offshores em benefício de cidadãos venezuelanos foram encerradas” naquele país.

Só que isso acabou por não ser um grande obstáculo à manutenção do alegado esquema. O MP diz que Ricardo Salgado, Ostertag e João Alexandre acabaram por deslocar as contas de parte dos offshores suspeitos para dois outros locais privilegiados: o Privée na Suíça e a SFE da Madeira. Mais uma vez, vários indícios sobre essas movimentações financeiras terão sido apreendidos pelos investigadores do DCIAP em “mensagens de correio electrónico, intercepções a conversações telefónicas” e registos de “deslocações ao estrangeiro” de vários suspeitos, com o MP a garantir que o próprio Ricardo Salgado terá abordado algumas destas questões nos registos que deixou em três “agendas pessoais” que foram apreendidas logo no caso Monte Branco e depois juntas ao processo BES/GES.

O assessor do sr. ministro
Outro caso polémico do negócio Venezuela detectado pelo MP – decorreu bem mais tarde, no primeiro semestre de 2014 (poucos meses antes de Salgado ser afastado do BES) – foi a assinatura de um contrato que dava à ESAF, entidade do grupo BES, a gestão durante seis anos do fundo de pensões dos trabalhadores da PDVSA, avaliado em 3,55 mil milhões de dólares (2,99 mil milhões de euros). O acordo terá sido adjudicado a 30 de Abril de 2014, em assembleia extraordinária da PDVSA, depois de muitos contactos directos entre Ricardo Salgado, os dois homens­-fortes do BES Madeira, João Alexandre Silva e Paulo Nacif, e Rafael Ramírez, presidente da empresa e ministro do Petróleo da Venezuela.
Nessa altura, Ramírez não era só mais um ministro, pois ainda mantinha o estatuto de ter sido um dos homens de maior confiança do presidente Hugo Chávez, falecido em Março de 2013.

Ramírez desempenhou durante 10 anos (entre Novembro de 2004 e Setembro de 2014) as funções de poderoso presidente da PDVSA. Depois de sair da empresa de petróleos, o político e gestor chegou a ser nomeado vice-presidente do Conselho de Ministros para a Área Económica de Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, e foi depois ministro dos Negócios Estrangeiros. Nomeado representante permanente da
Venezuela nas Nações Unidas, acabou por se recusar a voltar a Caracas, onde ainda hoje terá pendente um mandado de captura por suspeitas de estar implicado no desvio de fundos da PDVSA. É que entretanto, e de acordo com o Observador, a corrupção em negócios da PDVSA começou a ser investigada não só na Venezuela, mas também nos EUA e em Espanha. Ainda de acordo com este jornal online, um primo de Ramírez estará preso na Venezuela depois de terem sido apreendidos em Espanha, a pedido das autoridades norte-americanas, mais de 2 mil milhões de euros que estavam depositados em 37 contas abertas em nome de sociedades offshore do Panamá num banco de Andorra.

Na investigação do caso BES/GES, o antigo presidente da Petróleos de Venezuela também é um dos alvos indirectos do Ministério Público. De acordo com os documentos a que a SÁBADO teve acesso, a equipa especial do DCIAP tem estado a recolher dados sobre transferências financeiras internacionais e levantamentos em cash em Lisboa e ao balcão do BES – um total de cerca de 3 milhões de dólares (2,6 milhões de euros) – feitos pelo venezuelano que representou em Portugal a PDVSA nos negócios de 2014 que incluíram investimentos de 750 milhões de dólares na Rioforte. O alvo é um amigo pessoal do antigo ministro dos petróleos, Domingos Galán, então assessor do Conselho de Administração da PDVSA. Galán terá chegado a ser convidado por Ricardo Salgado para integrar um futuro conselho estratégico do GES.

“São tantos milhões e decisões ao mais alto nível e alguém acredita que o meu cliente é que é o responsável disto tudo e, por isso, deve ser detido durante quase um ano em casa?!”, reagiu à SÁBADO o advogado Artur Marques, que representa João Alexandre Silva. O advogado recusou comentar pormenores do processo, mas criticou várias decisões do MP e do juiz de instrução Carlos Alexandre. “Ele só foi libertado em Maio passado porque estava a chegar ao fim o tempo legal para o manterem detido [acabava este mês]. Agora, tem algum sentido proibi-lo de viajar para o estrangeiro? Ele é consultor e trabalha e reside no Dubai, é lá que tem a vida dele desde há três anos”, salientou Artur Marques, lembrando que o cliente, aquando das buscas do ano passado, verificadas em Portugal e Espanha, estava precisamente em Madrid, mas apresentou-se depois voluntariamente às autoridades portuguesas, já sabendo qual era o objecto da investigação.

“É incompreensível o tratamento desigual a que tem sido sujeito no processo”, concluiu o advogado referindo-se ao facto de mais ninguém ter sido posto em prisão preventiva no inquérito. Resumindo: a atitude das autoridades é vista como uma forma de pressionar João Alexandre a falar. Até porque o MP e o juiz continuam a achar que o ex-homem de confiança de Ricardo Salgado não contou tudo o que sabe sobre os negócios da Venezuela, a começar pelo facto de ele próprio ter recebido cerca de 1,2 milhões de euros da ES Entreprises. E também, em 2013, um apartamento no Dubai no valor de 2,3 milhões de dólares (quase 2 milhões de euros), por ordem de Salgado.

Prevista para terminar em Junho deste ano, a investigação do caso BES/GES (inclui as cartas de conforto do BES à Venezuela, assinadas em 2014 por Salgado e pelo primo José Manuel) ainda parece ter algum caminho a percorrer, visto que a questão dos negócios com o país de Chávez e Maduro é apenas um dos alvos do inquérito – o caso está centrado na questão do financiamento do grupo GES/BES. De resto, o processo tinha, há apenas um mês, pedidos de colaboração internacional não respondidos por Dubai, Panamá, Holanda e China. Neste último caso, o MP acha que o BES/GES terá usado sociedades como a Shu Tian e a Euroasian para fazer pagamentos corruptos, a partir de contas no Bank of China.

Investigação ao BES pode derrapar mais um ano

Terça-feira, Novembro 6th, 2018

Citamos

Sábado

Procuradores do processo declararam que só em Março de 2019 é que poderá estar recolhida toda a prova no processo que envolve Ricardo Salgado e alguns elementos da antiga administração do BES. Director do DCIAP diz que falta de meios da PJ é “enorme”.

Os procuradores do Ministério Público que estão a investigar o chamado “caso BES” comunicaram ao director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, que só em Março de 2019 é que toda a prova poderá estar recolhida e pronta para ser vertida numa eventual acusação.

Em resposta a um memorando da equipa de magistrados liderada pelo procurador José Ranito, o director do DCIAP, num despacho a que a SÁBADO teve acesso, considerou estarem “suficientemente explicitadas e justificadas as razões do atraso em relação à conclusão do inquérito”. Ainda assim, o superior hierárquico pediu até ao última dia desde ano um memorando, no qual deve constar todas as diligências já realizadas, “bem como um cronograma detalhado que especifique os prazos necessários à realização de diligências em falta, com especificação concreta do prazo previsível para a elaboração do despacho final”.

O facto de os próprios magistrados titulares do processo apontarem para Março de 2019 o final da recolha de prova não quer dizer que essa data se mantenha. Isto porque, segundo os próprios, há diligências que dependem da cooperação internacional. Por isso, segundo um advogado ligado ao processo, tudo aponta para que a tal acusação possa só surgir nos últimos meses do próximo ano, isto se contarmos com o período de férias judiciais entre meados de Julho e o final do mês de Agosto.

Na comunicação feita ao director do DCIAP, os procuradores aproveitaram ainda para fazer um ponto de situação estatístico do processo: além do processo principal, existem 252 inquéritos apensos, que contam com 42 ofendidos que se constituíram como assistentes. Ao todo, desde a abertura da investigação, em 2014, foram constituídos 35 arguidos (entre os quais estão Ricardo Salgado e alguns elementos da restante antiga administração do BES), 178 pessoas já foram ouvidas e avançou-se com incidentes de arresto de bens, que totalizam 1,8 mil milhões de euros.

Polícia Judiciária “esgotada”
Em relação aos meios disponíveis, a equipa de José Ranito sublinhou que a “capacidade de resposta dos elementos da PJ colocados ao dispor da investigação está esgotada, impossibilitando a afectação de outras tarefas que permitam a fixação do termos da investigação”. Na resposta, Amadeu Guerra revelou que ainda na passada semana fez uma “diligência com o director nacional da PJ, Luís Neves, no sentido de “afectar, pelo menos, mais um inspector a este inquérito”. “Estou ciente, face ao que acontece noutros inquéritos do DCIAP, de que a falta de meios humanos da Polícia Judiciária é enorme”, referiu o director do DCIAP no despacho a que a SÁBADO teve acesso.

No mesmo documento, Amadeu Guerra refere ser “muito vasta a documentação a analisar – vinda de outros países – merecendo destaque, nomeadamente, dezenas de milhões de ficheiros e 760 apensos de documentação vinda da Suíça e outra a receber”. Há ainda, continuou o director do DCIAP, que relacionar toda a documentação apreendida e que se encontra “coligida em vários suportes”, a saber: informação contabilística, documentação bancária, correio electrónico, escutas telefónicas, memorandos diversos, contratos extremamente complexos em língua francesa e inglesa, instrumentos de dívida, financiamentos, informação diversa relacionada com valores mobiliários e imobiliários, informação relacionada directa ou indirectamente com a medida de resolução, venda de dívida emitida pelo BES e operações tendentes à obtenção de liquidez para o Grupo Espírito Santo.

Número de arguidos nas investigações ao BES duplica em 16 meses

Terça-feira, Novembro 6th, 2018

Citamos

Negócios

O processo que investiga a queda do BES tem 35 arguidos. E tem uma longa vida pela frente. Só em Março de 2019 é que os procuradores esperam concluir a análise dos dados recolhidos. O director do DCIAP quer saber quando há uma decisão final.

O processo que está a correr no Ministério Público em torno da queda do Banco Espírito Santo conta já com 35 arguidos. Quer isto dizer que, no espaço de 16 meses, houve uma mais do que duplicação dos suspeitos de terem praticado actos susceptíveis de serem considerados crimes, na óptica do Ministério Público.

A informação sobre o novo número de arguidos foi avançada pela revista Sábado, que teve acesso a um despacho da equipa de procuradores que está a acompanhar este processo no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), liderada pelo procurador José Ranito.

A última nota do Ministério Público sobre os inquéritos relacionados com o tema, denominados Universo Espírito Santo, datava de 23 de Junho do ano passado e indicava que tinham sido constituídos, então, 17 arguidos (14 pessoas singulares e três colectivas). No início deste ano, o Correio da Manhã noticiava que eram já 23 arguidos. Agora, são 37. Ricardo Salgado é a face central do processo em que estão em causa suspeitas da prática de vários crimes: burla qualificada, falsificação de documento, falsidade informática, fraude fiscal, infidelidade, abuso de confiança, branqueamento e corrupção no sector privado. Amílcar Morais Pires, ex-braço direito do antigo presidente executivo do BES e José Manuel Espírito Santo, que estava na liderança do suíço Privée Espírito Santo e foi administrador do BES, são outros nomes, a que se juntam, por exemplo, a directora financeira do banco português, Isabel Almeida.

As investigações judiciais ao Universo Espírito Santo iniciaram-se em 2014, depois de o Banco de Portugal ter descoberto que uma empresa do Grupo Espírito Santo, a Espírito Santo International, tinha contas manipuladas que ofuscavam a dimensão da dívida. A exposição do banco a sociedades do grupo acabou por ser uma das grandes justificações para a intervenção do supervisor, que ditou o fim do BES e criação do Novo Banco em Agosto daquele ano, e é um dos assuntos sob averiguação, a juntar a operações consideradas suspeitas que podem ter levado à descapitalização do banco.  

Arresto segura 1,8 mil milhões

De acordo com as informações avançadas no despacho citado pela Sábado, já foram ouvidas como testemunhas 178 pessoas, contando o processo com 252 inquéritos anexos (que resultam, na sua esmagadora maioria, das queixas feitas por clientes que se consideram lesados pela derrocada do banco e do Grupo Espírito Santo).

O Ministério Público determinou o arresto sobre determinados bens ligados ao grupo e seus gestores, activos que totalizam 1,8 mil milhões de euros, segundo o balanço mais recente, resultantes de 106 diligências de busca.

O arresto é, segundo explicou em 2015 o Ministério Público, uma “medida de garantia patrimonial que visa impedir uma eventual dissipação de bens que ponha em causa, em caso de condenação, o pagamento de quaisquer quantias associadas à prática do crime, nomeadamente a indemnização de lesados ou a perda a favor do estado das vantagens obtidas com a actividade criminosa”.

DCIAP quer saber este ano quando termina investigação 

De acordo com o despacho revelado pela revista Sábado, a equipa de procuradores informou o director do DCIAP, Amadeu Guerra (na foto), de que só em Março de 2019 é que seria possível concluir a recolha e análise de informação. Quase cinco anos após o início dos trabalhos de investigação.

Isto porque, conta também a revista, que a Suíça, onde o banco tinha o Banque Privée e onde estava sediada a Eurofin (que é suspeita de ter utilizado fundos da instituição financeira), enviou 760 apensos com documentos, juntamente com milhões de ficheiros informáticos. E ainda há mais a receber. Isto a juntar a inúmera documentação já existente.

Só depois é que começa o trabalho de preparação de um despacho final, onde o Ministério Público determina a acusação ou o arquivamento do que foi investigado.

Tendo em conta as indicações dadas pela equipa de investigação, o director do DICAP pediu que, até ao fim deste ano, haja um “cronograma detalhado que especifique os prazos necessários à realização de diligências em falta, com especificação concreta do prazo previsível para a elaboração do despacho final”, segundo cita a Sábado.

Número de arguidos nas investigações ao BES duplica em 16 meses

Quinta-feira, Novembro 1st, 2018

Citamos

Negócios

O processo que investiga a queda do BES tem 35 arguidos. E tem uma longa vida pela frente. Só em Março de 2019 é que os procuradores esperam concluir a análise dos dados recolhidos. O director do DCIAP quer saber quando há uma decisão final.

O processo que está a correr no Ministério Público em torno da queda do Banco Espírito Santo conta já com 35 arguidos. Quer isto dizer que, no espaço de 16 meses, houve uma mais do que duplicação dos suspeitos de terem praticado actos susceptíveis de serem considerados crimes, na óptica do Ministério Público.

A informação sobre o novo número de arguidos foi avançada pela revista Sábado, que teve acesso a um despacho da equipa de procuradores que está a acompanhar este processo no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), liderada pelo procurador José Ranito.

A última nota do Ministério Público sobre os inquéritos relacionados com o tema, denominados Universo Espírito Santo, datava de 23 de Junho do ano passado e indicava que tinham sido constituídos, então, 17 arguidos (14 pessoas singulares e três colectivas). No início deste ano, o Correio da Manhã noticiava que eram já 23 arguidos. Agora, são 37.

Ricardo Salgado é a face central do processo em que estão em causa suspeitas da prática de vários crimes: burla qualificada, falsificação de documento, falsidade informática, fraude fiscal, infidelidade, abuso de confiança, branqueamento e corrupção no sector privado. Amílcar Morais Pires, ex-braço direito do antigo presidente executivo do BES e José Manuel Espírito Santo, que estava na liderança do suíço Privée Espírito Santo e foi administrador do BES, são outros nomes, a que se juntam, por exemplo, a directora financeira do banco português, Isabel Almeida.

As investigações judiciais ao Universo Espírito Santo iniciaram-se em 2014, depois de o Banco de Portugal ter descoberto que uma empresa do Grupo Espírito Santo, a Espírito Santo International, tinha contas manipuladas que ofuscavam a dimensão da dívida. A exposição do banco a sociedades do grupo acabou por ser uma das grandes justificações para a intervenção do supervisor, que ditou o fim do BES e criação do Novo Banco em Agosto daquele ano, e é um dos assuntos sob averiguação, a juntar a operações consideradas suspeitas que podem ter levado à descapitalização do banco.  

Arresto segura 1,8 mil milhões

De acordo com as informações avançadas no despacho citado pela Sábado, já foram ouvidas como testemunhas 178 pessoas, contando o processo com 252 inquéritos anexos (que resultam, na sua esmagadora maioria, das queixas feitas por clientes que se consideram lesados pela derrocada do banco e do Grupo Espírito Santo).

O Ministério Público determinou o arresto sobre determinados bens ligados ao grupo e seus gestores, activos que totalizam 1,8 mil milhões de euros, segundo o balanço mais recente, resultantes de 106 diligências de busca.

O arresto é, segundo explicou em 2015 o Ministério Público, uma “medida de garantia patrimonial que visa impedir uma eventual dissipação de bens que ponha em causa, em caso de condenação, o pagamento de quaisquer quantias associadas à prática do crime, nomeadamente a indemnização de lesados ou a perda a favor do estado das vantagens obtidas com a actividade criminosa”.

 

DCIAP quer saber este ano quando termina investigação

 

De acordo com o despacho revelado pela revista Sábado, a equipa de procuradores informou o director do DCIAP, Amadeu Guerra (na foto), de que só em Março de 2019 é que seria possível concluir a recolha e análise de informação. Quase cinco anos após o início dos trabalhos de investigação.

Isto porque, conta também a revista, que a Suíça, onde o banco tinha o Banque Privée e onde estava sediada a Eurofin (que é suspeita de ter utilizado fundos da instituição financeira), enviou 760 apensos com documentos, juntamente com milhões de ficheiros informáticos. E ainda há mais a receber. Isto a juntar a inúmera documentação já existente.

Só depois é que começa o trabalho de preparação de um despacho final, onde o Ministério Público determina a acusação ou o arquivamento do que foi investigado.

Tendo em conta as indicações dadas pela equipa de investigação, o director do DICAP pediu que, até ao fim deste ano, haja um “cronograma detalhado que especifique os prazos necessários à realização de diligências em falta, com especificação concreta do prazo previsível para a elaboração do despacho final”, segundo cita a Sábado.

As revelações de Ricardo Salgado sobre Sócrates e muito mais

Quinta-feira, Outubro 12th, 2017

Citamos

Visão

Durante quatro horas de interrogatório, o banqueiro explicou a sua relação com José Sócrates e justificou a saída de fundos do GES para Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e para uma offshore em seu nome. Leia aqui a versão do arguido da Operação Marquês, relatada na VISÃO de 2 de Março

O procurador Rosário Teixeira demorou mais de 30 minutos a ler as razões porque Ricardo Salgado estava a ser ouvido como arguido na Operação Marquês. No final, o ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) só conseguia falar em “choque”. Pediu desculpa ao magistrado pela afronta e disse nunca ter visto “tanta mentira junta”.

Rosário Teixeira perguntou-lhe se não queria tempo para conferenciar com os seus advogados numa outra sala do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), e Salgado, abatido, pediu apenas “um copinho de água”, alegando que quem sofria um choque daqueles o merecia. Ainda bem que tinha “alguma preparação física”, desabafaria mais à frente. Caso contrário, teria “caído para o lado” com as acusações que lhe faziam.

Seguir-se-iam quase quatro horas de um interrogatório tenso, de que a VISÃO teve conhecimento e revela em exclusivo, e em que o ex-líder do BES foi “apertado” pelos investigadores para explicar transferências bancárias de mais de €90 milhões feitas pelo Grupo Espírito Santo (GES). Para responsáveis políticos, em Portugal e no Brasil, administradores da PT e até para o próprio Ricardo Salgado, entre 2006 e 2014.

Foi uma das revelações mais surpreendentes do interrogatório.

O Ministério Público (MP) descobrira que tinham sido “desviados” da Espírito Santo Enterprises (o alegado saco azul do GES) €7,75 milhões para uma conta da Savoices, offshore que era, nada mais, nada menos, de Ricardo Salgado. A equipa liderada por Rosário Teixeira acreditava que o então presidente do BES o teria feito deliberadamente, para também “tirar proveitos” dos negócios da PT e ocultar esses valores das suas declarações de rendimentos. As suspeitas eram gravíssimas: Salgado não só era apontado como o corruptor de José Sócrates e de administradores da PT, como era suspeito de ter prejudicado as contas do grupo que liderara durante mais de duas décadas, ao desviar o dinheiro para contas suas e para pagar subornos. O Grupo Espírito Santo ruiu, a PT também.

Chamado a explicar-se, o antigo banqueiro disse ter recorrido àquela empresa do grupo, em 2010 e em 2011, para ter financiamento e assim entrar em aumentos de capital do banco. Só não devolveu todo o dinheiro porque teria sido desse bolo que pagara a caução de €3 milhões que “o sr.

procurador tinha feito questão” de lhe estabelecer, no processo Monte Branco. E não tinha mais “recursos”, como Rosário Teixeira bem saberia: “Congelou-me as contas na Suíça!”, queixou-se.

Para explicar as razões que motivariam Salgado a corromper políticos e gestores em negócios da PT, o procurador começou por recuar até 2006, altura em que a Sonaecom, de Belmiro de Azevedo, lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a PT.

À época, diz o MP, Ricardo Salgado teria um controlo real sobre a operadora telefónica: porque o BES tinha uma participação direta de 8,3% na PT e porque era próximo de membros da comissão executiva da empresa.

O estatuto permitia-lhe dar início a um plano para a OPA ser chumbada.

Perder a PT significaria perder dividendos e capacidade de influência, em Portugal e no Brasil. Por essa razão, diz a investigação, Salgado terá procurado apoio político para bloquear uma eventual decisão favorável à OPA, acordando com José Sócrates “o pagamento de uma quantia”, que deveria chegar à posse do então primeiro-ministro “de forma oculta”, com recurso a intermediários, contratos forjados e contas de passagem.

Nesta primeira fase, Ricardo Salgado terá “simulado” financiamentos à Escom empresa do Grupo Espírito Santo e do luso-angolano Hélder Bataglia para fazer o dinheiro chegar, de forma encapotada, a José Sócrates. Bataglia, acionista da Escom, e Pedro Neto, administrador da empresa, terão visto passar pelas suas contas €7,5 milhões, entre abril e maio de 2006. Desses, €6 milhões foram transferidos para uma conta na UBS de José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates residente em Angola, e já referenciado no processo Freeport. Uma parte terá sido enviada em numerário para Portugal, através de um circuito paralelo; e outra parte terá, mais tarde, sido transferida para as contas suíças do empresário e então administrador do grupo Lena, Carlos Santos Silva, suspeito de ser o testa de ferro de Sócrates.

O suposto plano de Ricardo Salgado para não perder o controlo da PT não terminaria aí. Em 2007, o então líder do BES terá acordado com Sócrates e com administradores da operadora telefónica “novos pagamentos” para levar avante a estratégia de reestruturação da PT e de investimentos no Brasil. Fundos de €7 milhões foram transferidos da Espírito Santo Enterprises (E.S. Enterprises) para Bataglia em julho de 2007, justificados por um contrato que o MP diz ter sido forjado entre a Markwell, offshore do luso-angolano, e a Pinsong, uma subsidiária da E.S. Enterprises.

Dos €7 milhões, €3 milhões chegariam a Santos Silva.

No mesmo mês, aquela empresa do GES passou também a ser o veículo para distribuir dinheiro aos administradores da PT. O primeiro contemplado foi Henrique Granadeiro, então chairman da empresa, que terá recebido €6,5 milhões numa conta do banco Pictet, na Suíça. Em dezembro, também Bava receberia, numa conta em Singapura, os seus primeiros €6,7 milhões com origem no GES. Esse pagamento nunca foi tornado público: o antigo gestor da PT assumira ter recebido €18,5 milhões do GES em 2011, mas ocultara esta transferência de 2007. No total, terá recebido mais de €25 milhões.

€48 MILHÕES PARA ADMINISTRADORES DA PT

Durante o interrogatório, Salgado justificou as transferências de 2011 para Zeinal Bava com o que chamou de “garantia fiduciária”. Disse que deu adiantamentos ao então presidente–executivo da PT para garantir que a sua equipa de gestores brilhantes, com Bava “montado em cima do cavalo”, não abandonava a corrida antes de pôr em ordem a brasileira Oi. E a transferência feita em 2007 para Bava? Salgado não sabia explicar.

Entre 2010 e 2012, contas no banco Pictet voltaram a ser alimentadas, desta vez com €5,5 milhões e cerca de 15 milhões de francos suíços (à data o equivalente a cerca de €12 milhões).

Salgado associou essas transferências a Granadeiro, constituído arguido a 24 de fevereiro, dia em que Zeinal Bava também foi ouvido e constituído arguido. São suspeitos de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais na Operação Marquês.

Sobre estes movimentos bancários para o ex-chairman da PT, Salgado já tinha explicações. Ou parte delas.

Primeiro, que o dinheiro serviria para pagar favores antigos do gestor, do tempo em que a família do banqueiro decidira investir em negócios ruinosos de cerâmicas. Depois, que seria para pagar a aquisição de parte de uma quinta de Granadeiro, reconhecido por Salgado como “um dos maiores sábios” da área agrícola e produtor de “uns vinhos fantásticos”. Qual quinta? Não sabia. Que participação? Não se lembrava. E o contrato? Não chegou a ser redigido, disse Salgado, garantindo porém que de certeza teria sido feita uma avaliação. No total, os administradores da PT terão recebido mais de €48 milhões, mais do dobro dos €22 milhões que terão chegado a Sócrates pelas suas alegadas interferências políticas nos negócios da operadora telefónica.

No ano de 2010, novas propostas alargaram os horizontes da PT.

A operadora portuguesa e a espanhola Telefónica tinham participações na brasileira Vivo. Em junho de 2010, a Telefónica formalizou uma proposta para adquirir a participação da PT.

À primeira vista, o negócio era bom para a empresa portuguesa, que encaixava o dinheiro da venda da Vivo e ganhava fundos para entrar no capital da Oi, outra operadora de telecomunicações brasileira.

Salgado não estava convencido.

Nesse momento, segundo o MP, o antigo banqueiro terá montado uma estratégia “para convencer o poder político a usar a goldenshare” detida pelo Estado na PT. A assembleia geral da PT concordou na venda da participação da Vivo à Telefónica. E no mesmo dia Sócrates usou as “ações douradas” para bloquear o processo.

A estratégia permitiu que a Vivo subisse a oferta de €7,15 mil milhões para €7,5 mil milhões, um valor que se considerava impensável. Na mesma data, a PT fez um acordo prévio para aquisição de capital da Oi.

Uns meses depois, em novembro, os administradores da PT foram compensados pela estratégia de expansão para o Brasil com novas transferências da E.S. Enterprises. Nas mesmas datas, Salgado recebeu dinheiro daquela empresa na sua Savoices e €4 milhões foram transferidos para Álvaro Sobrinho, então presidente do BES Angola.

O MP também descobriu movimentos em sentido inverso: entradas de verbas na E.S. Enterprises vindas da Socidesa, uma sociedade offshore com ligações à família de Sobrinho e que terá beneficiado dos créditos sem garantias dados pelo banco angolano. Salgado não soube explicar nenhuma das operações, mas lembrou não ser a única pessoa do grupo a poder movimentar as contas da empresa.

“NUNCA FUI ÍNTIMO DE SÓCRATES”

Ricardo Salgado acabaria por não se ficar só pelo “copinho de água”. Depois de uma paragem, regressou à sala do DCIAP e quis fazer uma declaração sobre o seu caráter: teria cometido erros de julgamento mas não “erros de princípio”. Nunca tinha falado “com o engenheiro José Sócrates” sobre a história da PT. E muito menos tinha entregado subornos a um ex-primeiro-ministro. E as coincidências das datas das transferências do Grupo Espírito Santo com as datas de decisões importantes para a PT? Salgado reconhecia a coincidência e respondia com humor: “Já ouvi falar várias vezes do diabo. Isto foi o diabo.” Com José Sócrates diz ter mantido apenas “relações institucionais”. “Nada de intimidades.” Aliás, nunca tivera relações íntimas com nenhum primeiro-ministro. Nunca usara contas de passagem. E tinha ficado “perplexo” por o dinheiro ter ido parar a Santos Silva, que jurou nunca ter visto. De resto, tinha estado duas vezes contra Sócrates publicamente: quando disse que a Vivo não devia ser vendida e quando, em 2011, foi à TVI defender a intervenção da troika. Desde então, acreditava que o ex-primeiro-ministro estaria “um bocado torcido” consigo. Depois disso, Sócrates não teria ido jantar à sua casa em Cascais?, perguntaram-lhe. Salgado tinha a vaga ideia de ter recebido uma visita de Sócrates no seu regresso de Paris, a pretexto da entrega do seu livro, que o banqueiro disse nunca ter lido. Nesse contexto, admitia lapsos de memória, mas não sobre passagens de dinheiro.

Isso, disse, só podia ter sido feito por uma pessoa: “Hélder Bataglia.”

DOIS PÁSSAROS, AS MESMAS PENAS

Desde o início da conversa que Ricardo Salgado pedia paciência e tentava interromper a ordem das perguntas para falar sobre as suas relações com Hélder Bataglia. Naquele dia, 18 de janeiro, Salgado já sabia que estava ali por causa do depoimento demolidor daquele que foi o homem do GES em África. Cerca de duas semanas antes, Bataglia tinha ido a Lisboa incriminar Salgado, dizendo que o então presidente do BES lhe pedira para ser intermediário do dinheiro para Santos Silva.

Salgado estava inquieto por ripostar.

E na onda acabou também por arrastar o ex-presidente do BES Angola (BESA), dizendo que, “ao buracão” de Sobrinho (havia 5 mil milhões de dólares de créditos irregulares no BESA), hoje já não tinha receio de juntar o nome de Bataglia. Salgado citou até o que dizia ser um provérbio inglês: “Pássaros com as mesmas penas voam juntos.” Contou que seria uma cunhada de Sobrinho a aprovar os créditos no BESA e que o angolano, escolhido para o cargo pelos seus dotes matemáticos, teria usado a matemática “só para benefício próprio”.

O ex-presidente do BES ia lançado e não poupou nas palavras. Quando ouviu que Bataglia tinha dito que vendera a sua posição no BESA a Sobrinho por 60 milhões de dólares, questionou de onde viria esse dinheiro, afirmando ter “quase a certeza” de que saíra dos cofres do banco em Angola. Nessa altura, insistiu, Sobri nho já se teria “servido muito bem” e já se falava que sairia de Angola com o dinheiro “em malas”. Salgado estranhava que tivesse comprado uma torre na Escom (o mais emblemático prédio de Luanda) por 400 milhões de dólares, financiado pelo BESA, e posteriormente vendido a torre por 800 milhões a outra entidade, também financiada por aquele banco. Para Salgado, era um escândalo como em Angola ainda ninguém lhe tinha tocado.

Para o ex-presidente do BES, isso só se explicava de uma maneira: com a existência de mais pessoas a lucrarem com o prejuízo do banco.

Embalado, Salgado chegou mesmo a levar para a história nomes de generais.

Disse ter ficado surpreendido ao saber que a equipa liderada por Rui Guerra que substituiu Álvaro Sobrinho no comando do BESA tinha chegado a Angola com “passaportes militares” e sido reencaminhada para o general Leopoldino Nascimento (“Dino”). “O Kopelipa era mais regrado”, terá então comentado Salgado.

O ex-líder do BES recordou como Bataglia tinha entrado no grupo nos anos 90; e como o BES tinha ajudado Angola ao liderar um sindicato bancário, que deu um empréstimo para o país conseguir pagar uma parte da sua dívida. Aqui, Salgado brincou. Disse que se as pessoas agora não gostavam de ouvir falar de offshores deviam saber que o Estado português tinha montado uma nesse negócio, para onde iriam os fundos para pagar a Portugal com “garantias de barris de petróleo”. Ironia maior ainda, lembrava Salgado, é que na mesa dessas reuniões estivesse sentado Carlos Costa, então na área internacional do BCP, e hoje governador do Banco de Portugal.

Depois da expansão dos negócios da Escom, o BES consegue a licença para abrir o primeiro banco de direito angolano e o BESA começa a crescer brutalmente. Cresce tudo de forma tão “inusitada” que Bataglia salta dali para o Congo Brazzaville. Para Salgado, esta terá sido mais uma forma de “passar dinheiros de Angola para fora”.

A primeira vez que se sentira traído por Bataglia aconteceu quando “um chinês esquisitíssimo” chamado Sam Pa, trazido na mão pelo luso-angolano, quis fazer negócios com o GES e lhes “passou a perna”. Certo é que, por mais desavenças que tivesse com Bataglia, e por mais que o chateasse que o fundador da Escom estivesse a toda a hora a pedir “success fees”, Salgado até assinou um contrato de prestação de serviços em 2005, prometendo remunerá-lo em negócios do petróleo aos diamantes, como diz ter feito.

O MP não acredita na veracidade deste contrato. Dos €29 milhões que o GES terá dado a Bataglia, o luso-angolano só terá ficado com €7 milhões.

A BONDADE NOS NEGÓCIOS DA PT

Salgado arrancou sorrisos na sala ao dizer que todas as decisões que tomou enquanto acionista da PT tinham sido em defesa da empresa e não com “objetivos maquiavélicos”. E lamentou o facto de hoje já não conseguir convencer as pessoas da sua “bondade”.

Contou que soube pelo bilionário mexicano Carlos Slim que a Telefónica iria comprar a Vivo. Slim estaria interessado porque era concorrente da Telefónica no Brasil. E Salgado não via razões para apoiar a OPA, nem para favorecer os espanhóis na venda da participação na Vivo, numa altura em que todos tinham interesse em estar no Brasil.

Também desmentiu ter forçado Nuno Vasconcellos, então presidente da Ongoing, a entrar no capital da PT.

Vasconcellos era “Rocha dos Santos” pelo lado materno e, por aí, tinha capitais.

O erro, diz, foi que Vasconcellos “exagerou” ao convencer-se de que a Ongoing iria ser “uma grande empresa de multimédia”.

Sobre os alegados lucros obtidos com a separação entre a PT e a PT Multimédia, em 2007, Salgado teimou em desmenti-los, puxando dos galões por ter sido durante 12 anos membro do Nyse Euronext, em Nova Iorque: “Ó sr. procurador, se alguém sabe alguma coisa de mercados sou eu!” O ex-presidente do BES foi então levado a explicar as alterações no conselho de administração da PT, com a saída de Miguel Horta e Costa e a entrada de Henrique Granadeiro.

É que César Alierta, presidente da Telefónica, teria convidado Horta e Costa para o conselho de administração da operadora espanhola. Além disso, recordou Salgado, a imagem do gestor estava denegrida na empresa.

Porque, além de Horta e Costa “se vestir muito bem” e ter “gravatas muito bonitas”, seria conhecido pelas viagens ao Brasil, “despesas sumptuárias” em festas e por ir a Paris apanhar um avião para São Paulo só para ir recostado “em cadeiras-cama”. Granadeiro, por seu turno, seria “extremamente controlado” nas despesas.

MILHÕES PARA HOMEM DE LULA

No interrogatório, que estava a ser gravado, o MP destacou Salgado como o grande impulsionador de outro plano para favorecer as parcerias da PT no Brasil. Salgado terá convencido a administração da PT a fazer pagamentos de 500 mil euros a José Dirceu, então braço-direito do presidente Lula da Silva, através de “pretensos contratos” de prestação de serviços com a sociedade de advogados de Abrantes Serra, já constituído arguido na Operação Marquês. Terá ainda desembolsado mais de €1,2 milhões (sem IVA) para Dirceu, através da Espírito Santo Financial, outra empresa do GES. Para o efeito, terão sido encenados outros contratos de prestação de serviços com aquele escritório, que justificavam uma avença de 30 mil euros por mês.

Esses pagamentos, que se estenderam durante três anos, terão acabado numa conta que seria usada exclusivamente para pagar despesas, designadamente viagens, do ex-ministro Dirceu, condenado em 2016, no Brasil, a uma pena de 23 anos de prisão no processo Lava-Jato.

Salgado insistiu que o dinheiro não era para Dirceu, mas para pagar ao escritório de advogados que tinha correspondentes no Brasil, para o ajudarem num processo judicial antigo relacionado com a invasão de uma propriedade da família. Mas Rosário Teixeira não descolava dos factos: Dirceu reunira-se em Portugal com Granadeiro e os pagamentos entregues a Abrantes Serra tinham acabado numa conta bancária onde, durante muitos anos, não tinha caído um cêntimo além dos do GES. Rosário Teixeira terá então desabafado em voz alta: “Outra vez essas coincidências…”

Para quem foi o dinheiro

O Grupo Espírito Santo terá distribuído mais de €90 milhões, de forma encapotada, por responsáveis políticos, administradores da PT e banqueiros, incluindo o próprio Ricardo Salgado

Os pagamentos para a PT

Em 2007 saíram cerca de €13,2 milhões da Espírito Santo Enterprises, do GES, para contas de Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.

A 9 de julho saem €6 milhões para Granadeiro e a 7 de dezembro mais 468 mil euros. Nesse mesmo dia de dezembro, Bava recebe €6,7 milhões. De 2010 a 2012, decorre uma nova ronda de pagamentos.

São feitas cinco transferências para contas no banco Picté, na Suíça, que Salgado associa a Granadeiro no interrogatório. Em janeiro de 2011, uma conta em Singapura de uma offshore de Bava recebe €8,5 milhões. Outros €10 milhões chegam em setembro desse ano.

No total, os administradores da PT terão lucrado mais de 48 milhões de euros.

Os pagamentos para Sócrates

Segundo o Ministério Público, Salgado terá dado as primeiras ordens de transferências para o então primeiro-ministro em abril de 2006. Os fundos vêm do BES Angola e da Sucursal Financeira Exterior do BES, através de supostos financiamentos à Escom, a empresa do Grupo Espírito Santo em que Hélder Bataglia detinha 33%. Seguem para uma conta do BESA no Santander. Passam por Hélder Bataglia e Pedro Neto, administrador da Escom. Vão para uma conta de José Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates.

Uma parte chega a Portugal em numerário, através de um circuito paralelo. Outra segue para as contas suíças de Santos Silva, mas só em 2008. Em julho de 2007, seguem mais €7 milhões para Bataglia, mas desta vez com origem no alegado saco azul do GES (a Espírito Santo Enterprises): só €3 milhões chegam a Santos Silva. Em 2008 e 2009, a ronda de pagamentos para Sócrates completa-se com a chegada à Suíça de €12 milhões, através de duas offshores de Bataglia, a Monkway e a Markwell. O primeiro circuito financeiro não incluiria Carlos Santos Silva. Na verdade, o empresário só foi chamado ao plano de ocultação de fundos em 2008. Até então, segundo Rosário Teixeira, o alegado testa de ferro seria José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates residente em Angola, conhecido como “O Gordo”. O problema começou quando José Paulo passou a ser visado em investigações judiciais, como o processo Freeport, que rebentara nas vésperas das eleições legislativas e continuaria a perseguir Sócrates depois de ser eleito. Era preciso desviar os fundos para alguém mais discreto, que escapasse aos olhos da justiça.

Terão então escolhido Santos Silva.

Os pagamentos para Ricardo Salgado

Depois de concluída a venda da participação na Vivo por mais €350 milhões (devido ao uso das “ações douradas” pelo Estado), e da entrada da PT no capital da operadora Oi, o alegado saco azul do GES transferiu a 8 e a 18 de novembro de 2010 mais €7,5 milhões para a Green Emerald, offshore de Bataglia.

Só que desta vez o destinatário final não seria José Sócrates. A 9 de novembro são feitas duas transferências para a sociedade Savoices, de Ricardo Salgado, no total de €2,75 milhões. A 21 de outubro de 2011, outros €4 milhões seguem diretamente da Espírito Santo Enterprises para a Savoices, que acumula assim €6,75 milhões.

Em 2011, a Green Emerald volta a distribuir verbas que tinham ficado guardadas desde a transferência do GES, ainda em 2010: a 3 de janeiro saem €4 milhões com destino à Grunberg, de Álvaro Sobrinho, então presidente do BESA.

O testemunho demolidor de ex-administrador da PT que destrói as teses de Sócrates e Salgado

Domingo, Setembro 17th, 2017

Citamos

Observador

O testemunho demolidor de ex-administrador da PT que destrói as teses de Sócrates e Salgado

Jorge Tomé, representante da CGD na PT, ponderou o apoio à OPA da Sonae, foi contra a compra da Oi e diz que os investimentos em dívida do GES violaram os regulamentos da PT. As revelações à Justiça.

Não é o primeiro ex-administrador da Portugal Telecom (PT) a afirmar que as teses essenciais da Operação Marquês fazem sentido, mas é um dos testemunhos mais demolidores para as teses de defesa de José Sócrates e de Ricardo Salgado. As quatro horas que Jorge Tomépassou no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no dia 24 de março serviram para o ex-administrador não executivo da telefónica entre 2002 e 2012, em representação da Caixa Geral de Depósitos (da qual foi administrador executivo no mesmo período), confirmar que as principais suspeitas do Ministério Público (MP) têm fundamento.

  • O Governo de José Sócrates utilizou as golden shares para bloquear a venda da Vivo aos espanhóis da Telefónica, de forma a impor a entrada da PT na Oi;
  • A compra da Oi foi um mau negócio (muito por culpa da utilização das golden shares por parte de José Sócrates) e teve a oposição de Jorge Tomé;
  • Os investimentos da PT em títulos de dívida do Grupo Espírito Santo, que eram apresentados à administração da PT como sendo depósitos bancários, violaram os regulamentos da própria empresa de telecomunicações para os investimentos com partes relacionadas.

Vamos por partes para descrevermos os sete pontos essenciais do testemunho homem que liderou igualmente o Caixa Banco de Investimento (entre 2008 e 2012) e o Banif (entre 2012 e até à resolução decidida em dezembro de 2015 pelo Governo de António Costa e pelo Banco de Portugal liderado por Carlos Costa).

A mudança de opinião do Governo Sócrates e as golden shares

É falso que o Governo da altura, e em particular eu próprio, como primeiro-ministro, se tenha oposto à OPA da Sonae. Este é um embuste que a Sonae, o Ministério Público e os jornais afetos repetem com frequência, não deixando, por isso, de ser uma descarada mentira” 
José Sócrates, Público , 17 de agosto de 2017

O ex-gestor da PT declarou que soube da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonae de Belmiro ePaulo Azevedo sobre 100% do capital social da PT antes de a mesma ser pública. Mais: também teve conhecimento dos contactos que se verificaram entre a família Azevedo e o o Governo de José Sócrates em 2006, que culminaram com uma audiência formal em dezembro de 2006 em que Sócrates recebeu Belmiro e Paulo Azevedo na residência oficial do primeiro-ministro, tal como este último afirmou ao procurador Rosário Teixeira a 22 de setembro de 2015. O atual líder da Sonae disse que Sócrates garantiu que via a OPA com agrado e assegurou que iria manter-se equidistante, não fazendo uso das golden shares para vetar politicamente o negócio. Na prática, e de acordo com Paulo Azevedo, não foi isso que aconteceu, já que a Sonae sempre teve sinais de que o Governo estava contra a operação.

Ouvido pelos procuradores Rosário Teixeira e Inês Bonina, Jorge Tomé transmitiu a mesma ideia que Paulo Azevedo. O então administrador da CGD e da PT diz que percecionou em 2007, logo após o lançamento da OPA, que o Governo Sócrates era contra a operação — isto quando havia uma expectativa de sucesso da operação, devido ao apoio que teve na comunicação social. A posição do Executivo, diz Tomé, evoluiu mais tarde para a tal posição de neutralidade, como José Sócrates assegura publicamente desde o início da Operação Marquês. Mas, acrescenta o ex-gestor da CGD e da PT, só depois da expectativa inicial de sucesso da OPA ter diminuído – progressiva e drasticamente.

Declarações que colocam em causa a posição de sempre de José Sócrates e que se resume numa frase de um artigo de opinião do ex-primeiro-ministro publicado no DN a 18 de março deste ano: “O governo assumiu uma posição de estrita imparcialidade nem contra nem a favor da OPA”.

No que diz respeito à CGD, uma das instituições públicas que tinha participação no capital da PT, e numa altura em que Armando Vara(amigo próximo de José Sócrates) era o braço-direito de Carlos Santos Ferreira na CGD e o segundo representante da Caixa na administração da PT, Jorge Tomé diz que o banco público manteve sempre uma atitude expectante. Líder de uma instituição com cerca de 5% do capital social da PT e com o Estado como único acionista, Santos Ferreira também recebeu Paulo Azevedo antes do anúncio da OPA (o Grupo Sonae era um importante cliente da Caixa) mas nunca abriu o jogo. Segundo Tomé, que era próximo de Carlos Santos Ferreira, a administração da Caixa estava a tentar perceber qual seria a posição do Governo sobre a OPA, existindo a preocupação de que o Ministério das Finanças (liderado por Fernando Teixeira dos Santos e que tinha a tutela da CGD) e o Ministério das Obras Públicas (chefiado por Mário Lino e que detinha a tutela técnica da PT) tivessem uma posição única.

Uma coisa é certa: de acordo com Jorge Tomé, o BES de Ricardo Salgado estava a pressionar a administração da CGD a votar contra a OPA. Isso mesmo foi-lhe assegurado por Carlos Santos Ferreira. Segundo o então administrador da Caixa, o banco público era a única entidade que conseguia contrabalançar a forte influência e até o domínio do BES da administração da PT, que era então liderada por Henrique Granadeiro.

Apoio à OPA da Sonae foi ponderado

A primeira oferta da família Azevedo aos acionistas da PT foi de 9,5 euros por ação. Um valor que Jorge Tomé considerava insuficiente. Contudo, e tendo em conta que a sua função era defender o interesse dos acionistas (em particular, o da CGD), Tomé disse ao MP que entendia que uma oferta acima dos 10 euros deveria ser tida em consideração. Se a Sonae atingisse os 11 euros, então o gestor votaria favoravelmente a proposta da OPA.

Em meados de fevereiro de 2007, a 15 dias de uma Assembleia Geral que iria votar a desblindagem dos estatutos (condição sine qua nondefinida pela Sonae para avançar com a OPA), a Sonaecom aumentou a proposta para 10,5 euros por ação. Isto numa altura em que a administração da PT de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava já se opunha à operação e prometia aos acionistas um pacote milionário de dividendos extraordinários no valor total de 3,5 mil milhões de euros e a cisão da PT Multimédia, que permitia dar aos acionistas da PT as ações da subsidiária que estavam avaliadas em cerca de 2 mil milhões de euros, entre outras promessas. Mais tarde, este pacote de remuneração teve uma revisão em alta.

A Caixa BI, liderada por Jorge Tomé, fez um estudo comparativo entre as propostas da Soane e da administração da PT e concluiu que, somadas todas as promessas e valências das mesmas, os valores finais por ação eram os seguintes:

  • Oferta da Sonaecom – 10,5 € por ação;
  • Plano de remuneração da administração da PT – intervalo entre os 10,4 € e os 11,1 € por ação.

Isto é, as propostas eram muito semelhantes, existindo uma ligeira vantagem para a proposta da administração da PT. Se tivermos em conta o ponto médio desta última proposta, o plano anti-OPA valia mais cerca de 25 cêntimos por ação.

Quando depôs na Comissão Parlamentar de Inquérito da CGD em janeiro deste ano, Carlos Santos Ferreira mostrou-se satisfeito com a decisão aprovada pela Conselho de Administração da Caixa, com duas abstenções, alegando que o preço oferecido pela família Azevedo “não era suficientemente atrativo. O conselho da CGD, por aquele preço, 10,5 euros, procedeu bem”.

Jorge Tomé admitiu aos investigadores da Operação Marquês, por outro lado, que a estratégia de reforçar a distribuição de dividendos aos acionistas era promovida pelo acionista BES de Ricardo Salgado. O mesmo acontecendo com o Grupo Ongoing — que dependia bastante do ponto de vista financeiro dos dividendos da PT para pagar a dívida em que estava alavancado.

Os procuradores Rosário Teixeira e Inês Bonina questionaram igualmente o então gestor da CGD e da PT sobre a origem dos novos acionistas da PT (e o reforço de outros acionistas, como o BES) que surgiram um pouco antes ou durante a OPA da Sonae — e que se posicionaram contra a proposta da família Azevedo. Tomé confirmou a ideia que os investigadores já tinham de que a Ongoing surgiu por iniciativa do BES e acrescentou que a entrada em cena de vários investidores internacionais, como o mexicano Carlos Slim, verificou-se por intermédio de Zeinal Bava. O então vice-presidente da PT terá ido ao México para convencer Slim, um ‘inimigo’ da Telefónica no continente americano, a adquirir uma posição qualificada na PT.

O sentido de voto da Caixa

É falso que eu próprio, ou alguém em nome do Governo, tenha dado qualquer indicação de voto à Administração da Caixa Geral de Depósitos ou a qualquer dos seus membros. Isso foi já desmentido pelos Administradores”
José Sócrates, Público, 17 de agosto de 2017

O sentido de voto da CGD tem sido o grande cavalo de batalha de José Sócrates para contrariar a indicação do MP de que o então primeiro-ministro deu indicações à administração do banco público para votar contra a OPA da Sonae e assim permitir a continuação do domínio da PT por parte do BES.

Jorge Tomé não foi totalmente claro sobre essa matéria. O ex-administrador da CGD deixou implícito que houve instruções do Governo de José Sócrates, ao afirmar que o banco público durante muito tempo não recebeu nenhuma indicação de voto. Tais instruções só terão sido dadas numa data próxima da Assembleia Geral (AG) da PT, que decorreu no dia 2 de março de 2007. Aliás, acrescentou Tomé, estranho seria se o banco público, enquanto acionista da PT, não seguisse a posição do Governo numa questão tão relevante quanto a OPA da Sonae.

Seja como for, Tomé só teve conhecimento do voto contra a OPA da CGD dias antes da AG da PT para votar o desbloqueamento do estatutos da operadora. Carlos Santos Ferreira, que lhe transmitiu essa posição que tinha sido deliberada em Conselho de Administração da CGD (depois de o próprio Tomé ter feito uma exposição verbal à administração da Caixa), explicou-lhe que o banco público limitava-se a seguir a recomendação da administração da PT (que entendia que a proposta da Sonae não refletia o real valor da operadora) liderada por Henrique Granadeiro.

As posições de Jorge Tomé diferem das de Santos Ferreira. O então líder da CGD e militante do PS afirmou claramente numa audição da Comissão Parlamentar de Inquérito à CGD que “não falei com nenhum membro do Governo nem nenhum membro do Governo falou comigo” sobre a OPA da Sonae, embora tenha admitido contactos com Luís Ribeiro Vaz, assessor do secretário de Estado Paulo Campos que acompanhou exclusivo o processo da OPA da Sonae à PT entre abril de 2006 e 2007. Ou seja, o sentido de voto da CGD foi decido pelo “Conselho de Administração da CGD” e não pelo Governo.

Problemas com a Vivo e com a Oi

A venda da Vivo significaria para a PT perder o seu potencial futuro. Para ser feito tem de ser feito de forma a que o futuro não fique amputado, nem comprometido”
Ricardo Salgado, 26 de maio de 2010, Expresso

“A Oi tem grandíssimo potencial”
Ricardo Salgado, 27 de julho de 2010, Público

A maior divergência entre o Governo de José Sócrates e o GES de Ricardo Salgado, de um lado, e o Grupo Sonae, do outro, foi sempre o Brasil. Enquanto Belmiro e Paulo Azevedo queriam vender diversas operações internacionais da PT (sendo que, destas, a principal era a participação na empresa brasileira Vivo), Sócrates e Salgado viam o Brasil como um ativo estratégico essencial para o futuro da operadora.

Jorge Tomé fez questão de contextualizar no seu depoimento as diferentes fases da Vivo. Em 2006/2007, altura da OPA da Sonae, Tomé diz que a operadora brasileira, detida em partes iguais pela PT e pela espanhola Telefónica, não era tão atrativa como viria a ser em 2010. Em primeiro lugar, a Vivo tinha diversos problemas técnicos na sua rede e concentrava-se apenas nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. É certo que são os dois principais estados brasileiros mas estavam longe de configurar a operação da Vivo como uma operação nacional. Um testemunho também ele muito semelhante ao que Ricardo Salgado fez na Operação Marquês.

Por outro lado, acrescentou Tomé, a Vivo não tinha em 2007 uma rentabilidade comparável à que surgiu em 2010 — melhoria que se deveu a alterações técnicas na sua rede no Brasil, passando então a ser uma operadora global no território brasileiro e com capacidade de se interligar com outras redes. Tudo isto tinha feito com que Zeinal Bava equacionasse em 2007, afirmou Jorge Tomé, vender as posições que a PT tinha no Brasil, caso a situação não se alterasse.

Já a Oi, operadora que em 2007 se chamava Telemar e que chegou a ser alvo do interesse da PT para uma troca de participações, era uma sociedade com uma estrutura acionista complexa, cujo controlo de gestão por parte da PT nunca seria fácil. Na ótica de Jorge Tomé, o grande investimento exigido à PT para ter uma posição acionista nunca compensaria, porque a aquisição de mais de 25% do capital não daria (como não deu) um controlo automático da situação.

Visão muito diferente daquela que Ricardo Salgado promoveu em 2010, ao elogiar o “grandíssimo potencial” da Oi.

Entrada em cena de José Sócrates

Certo é que a Telefónica foi aumentando a parada pela participação da Brasilcel, holding que detinha a participação luso-espanhola na Vivo. Depois de uma oferta de 6,5 mil milhões de euros, em maio de 2010, os principais acionistas da operadora portuguesa começaram a mudar a sua posição sobre a manutenção da Vivo. Segundo Jorge Tomé, só não foi marcada uma AG nessa altura para decidir a venda porque no Conselho de Administração da PT o administrador Rafael Mora (que representava a Ongoing) terá insistido que a proposta de aquisição teria de ultrapassar os 7 mil milhões de euros. O que veio a acontecer, com uma última revisão do preço da parte da Telefónica para os 7,15 mil milhões de euros.

Convocada a AG da PT para 30 de junho de 2010, o representante do Estado utilizou as 500 golden shares para bloquear o negócio que tinha sido aprovado pelos titulares de 74% do capital social da PT. De acordo com Jorge Tomé, o Governo de José Sócrates estava a impor a participação da PT na Oi, como condição sine qua non, para levantar o bloqueio à decisão da venda da Vivo. Um facto que todos os jornais noticiaram na época, mas que Sócrates persiste em desmentir.

Jorge Tomé afirmou igualmente aos investigadores da Operação Marquês que o negócio entre a PT e a Oi não era apenas desejado por José Sócrates, mas também pelas autoridades brasileiras. Leia-se: pelo então Presidente Lula da Silva. Como, alías, o próprio Ricardo Salgado já tinha afirmado nessa altura: “O Presidente Lula já disse que queria a PT no Brasil e o primeiro-ministro [José Sócrates] também já disse que a PT deve manter-se no Brasil. E nós estamos nessa”, afirmou a 27 de julho de 2010 o então o líder do BES

O gestor revelou igualmente um dado curioso — que encaixa com um conjunto alargado de informação que os investigadores já recolheram sobre o Grupo Ongoing e que os levou a promover em fevereiro buscas domiciliárias à dupla que governou aquele pequeno conglomerado de empresas, Nuno Vasconcelos e Rafael Mora, e ainda ao ex-gestor da empresa Gonçalo Faria de Carvalho. E a empresas como a Heidrick & Struggles.

Disse Jorge Tomé que, no período de 2010, a Ongoing já tinha diversos investimentos no Brasil, nomeadamente na área dos media e como prestador de serviços informáticos. Nesta última área, a Oi/Telemar era um dos clientes da Ongoing. Daí Tomé ter admitido que talvez tenha sido a Ongoing, através de Nuno Vasconcelos e Rafael Mora, a pressionar o BES para apoiar uma entrada da PT no capital da Oi/Telemar.

Após a utilização das golden shares por parte de Sócrates, numa ação que foi apresentada publicamente pelo então primeiro-ministro como uma decisão em defesa do interesse nacional de manter os investimentos da PT no Brasil, o BES de Ricardo Salgado teve, segundo Jorge Tomé, uma intervenção muito ativa no processo de negociação que levou à compra de uma participação superior a 20% na Oi, de forma a ultrapassar o bloqueio imposto por Sócrates.

Um mês depois, assegurada que estava a compra de cerca de 21% do capital social da Oi por cerca de 3,75 mil milhões de euros e o aumento da proposta da Telefónica para 7,5 mil milhões de euros, Sócrates levantou o veto e aprovou o negócio.

Compra da Oi pela PT foi um mau negócio

A defesa intransigente do interesse estratégico foi absolutamente essencial para que a PT pudesse fazer um excelente negócio. (…) [A Oi é uma empresa] “com mais clientes e mais faturação”.
José Sócrates, 29 de julho de 2009, Público

Jorge Tomé, contudo, considerava que a entrada da PT no capital social da Oi seria um erro. Tendo em conta que iria ficar com uma elevada disponibilidade financeira com a venda da participação da PT na Vivo, a operadora portuguesa devia esperar por uma boa oportunidade de negócio — e não avançar numa nova aventura brasileira. Tanto mais, acrescentou Tomé, que os acionistas da Oi/Telemar sabiam (como o mercado em geral) o valor exato do cheque que a PT iria receber.

Isto é, o facto de os acionistas da Oi terem uma noção exata dos fundos que a PT tinha para investir numa nova empresa brasileira permitia-lhes impor o preço de aquisição e as condições que entendessem — uma péssima posição negocial. Resumindo e concluindo: o condicionamento provocado pela utilização das golden shares por parte do Goveno Sócrates fez com que, na opinião de Tomé, a posição dos acionistas da Oi ficasse valorizada, deixando a PT refém dos sucessivos aumentos de preço feitos pelos brasileiros.

Por outro lado, Tomé afirmou que essa tomada de posição na Oi, que surgiu durante o mês de julho de 2010, era inaceitável e pouco prudente, visto que a Oi era uma empresa com muitos problemas, tendo acionistas complicados. Entre os problemas, destacam-se questões técnicas graves e um endividamento galopante. Também Luís Pacheco de Melo, então chief financial officer da PT, ter-se-á mostrado contra o negócio da Oi. Duas posições que ficaram vertidas nos autos da Operação Marquês como testemunhos mas que terão de ser confirmadas nas atas das reuniões do Conselho de Administração da PT.

Os investimentos da PT no GES e na Ongoing

Desde 2002, a Portugal Telecom manteve aplicações de tesouraria no BES e no GES, sempre públicas e divulgadas nos relatórios anuais, submetidos ao parecer da Comissão de Auditoria, ROC e auditores externos, sem qualquer reparo ou observações, bem como, de resto, pelo detentor da golden sharese, por maioria de razão, do terceiro elemento da parceria e acionista da PT, a Caixa Geral de Depósitos”
Ricardo Salgado, 9 de dezembro de 2014, Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES/GES

Jorge Tomé foi um dos protagonistas de um caso que fez correr muita tinta no ano de 2009 na imprensa económica: o investimento de cerca de 75 milhões de euros da sociedade gestora dos fundos de pensões da PT num fundo de investimento gerido pela Ongoing. Tomé demitiu-se do Comité de Investimentos da PT em protesto por tal operação não ter sido previamente aprovada e por estar em causa uma relação de negócios entre partes relacionadas. Isto é, a PT estava a investir dinheiro num fundo de um seu acionista (a Ongoing).

Apesar de o montante ser relativamente pequeno para a dimensão da PT, este caso foi um prenúncio de um investimento trágico de cerca de 900 milhões de euros que a operadora fez em dívida da ESI — Espírito Santo International (sociedade do Grupo Espírito Santo que entrou em insolvência) que nunca foi recuperado e que está na origem da revisão do negócio da fusão entre a PT e a Oi.

Questionado pelos investigadores da Operação Marquês, Tomé recordou o caso. Disse que soube, no final de julho de 2009 numa reunião do Conselho de Administração da PT, que a PT Prestações tinha investido num dos vários fundos geridos pela Ongoing a partir do Luxemburgo. Considerou o caso grave, não só por não ter sido previamente aprovado mas também porque não tinha ocorrido a chamada de capital para um investimento específico. Ou seja, o fundo da Ongoing não informou a PT sobre o destino que seria dado aos seus fundos. O então administrador da PT disse que tentou saber essa informação mas a mesma sempre lhe foi recusada por Melo Franco, então presidente do Comité de Investimentos e futuro presidente da Comissão de Auditoria, e o administrador Fernando Soares Carneiro — que viria a sair da PT para a Ongoing.

Segundo Tomé, Zeinal Bava, então líder da PT, e Pacheco de Melo, CFO da PT, tentaram dissuadi-lo do pedido de demissão do Comité de Investimentos, tendo ele imposto a obrigação de elaborar-se um regulamento mais específico do que aquele que existia para a realização de aplicações que envolvessem partes relacionadas.

No Conselho de Administração da PT, Jorge Tomé terá feito críticas duras em relação a este tipo de investimentos entre a PT e os seus acionistas, o que levou Ricardo Salgado a queixar-se perante Faria de Oliveira, então presidente da CGD, sobre os posicionamentos que o então administrador da CGD estava a assumir.

Jorge Tomé afirmou nos autos da Operação Marquês que, tendo em conta o que se sabe hoje sobre os investimentos da PT em títulos de dívida do Grupo Espírito Santo, compreende que Salgado não terá apreciado a sua pretensão de que fosse elaborado um regulamento mais apertado sobre as aplicações da PT, já que, caso existissem tais regras, provavelmente a operadora não teria investido cerca de 900 milhões de euros que investiu em títulos de dívida da ESI.

Sobre estas aplicações em papel comercial do GES, Jorge Tomé não teve dúvidas em afirmar: violavam o regulamento que então já existia sobre investimentos com partes relacionadas. Mais: o então gestor não executivo da PT não conhecia os termos exatos dessas aplicações porque eram apresentadas como se tratassem de depósitos bancários.

Questionado sobre como foram feitos tais investimentos, Jorge Tomé afirmou que os mesmos não eram levados a Conselho de Administração. Ou seja, foram uma decisão da Comissão Executiva da PT, atribuindo Tomé a origem da mesma decisão a Zeinal Bava, mas com o eventual apoio de Henrique Granadeiro, tendo em conta o montante em causa e o facto de se tratar de investimentos em dívida de um acionista da PT. Até porque, segundo Tomé, existia um canal de comunicação direito entre a liderança executiva da PT e o BES — o qual ultrapassava as normais relações que existiam no Conselho de Administração da PT, onde o banco tinha como representantes Amílcar Morais Pires e o Joaquim Goes.

Uma ideia que contraria em absoluto a posição de sempre de Ricardo Salgado: os investimentos da PT em dívida do Grupo Espírito Santo sempre foram transparentes e do conhecimento dos acionistas, incluindo da CGD.

Aliás, e sobre a forma como PT investiu os fundos que recebeu da Telefónica pela venda da Vivo, Tomé recordou que, enquanto gestor da CGD, manifestou discordância nas reuniões do CA da PT sobre a forma como a operadora beneficiou sistematicamente o BES, em detrimento da Caixa. Depois de ter falado com Zeinal Bava e Pacheco de Melo, os fundos foram distribuídos de forma equitativa.

Apesar de ter admitido que o banco de Ricardo Salgado oferecia melhores condições de juros, Tomé acrescentou que quando foi feito o pagamento aos acionistas brasileiros da Oi, a PT decidiu desmobilizar essencialmente os fundos que estavam depositados na CGD.

Justiça manda arrestar mais de mil milhões em contas de suspeitos ligados ao GES

Terça-feira, Agosto 23rd, 2016

Citamos

Observador

Jornal de Notícias avança que a ordem do juiz Carlos Alexandre abrange novas contas de suspeitos do caso GES descobertas recentemente e que pretende garantir eventual pagamento de coimas.

O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) terá mandado arrestar contas bancárias controladas por suspeitos, indivíduos e empresas, ligados ao Grupo Espírito Santo que terão mais de mil milhões de euros, avança o Jornal de Notícias, que cita uma ordem assinada pelo juiz Carlos Alexandre.

Depois do arresto de património imobiliário e, em determinado período, do congelamento de contas dos responsáveis diretos do grupo, a Policia Judiciária terá recebido ordem para apreender os saldos bancários de um conjunto de ex-responsáveis do grupo suspeitos de crime no caso do colapso do GES.

O arresto terá como objetivo garantir que não há dissipação dos bens pelos arguidos e, assim, que são pagas multas, caso a justiça assim o determine nos processos que estão em curso em relação a este caso.

O JN avança que entre as contas que são alvo de arresto estão novas contas de alguns dos suspeitos que as autoridades só agora conseguiram identificar e contas de empresas em dificuldades, objeto de planos especiais de revitalização, o que pode tornar mais difícil o arresto dos bens.

Justiça. Cinco casos que vão marcar 2016. E outros de que vai ouvir falar

Quarta-feira, Janeiro 6th, 2016

Citamos

Observador

José Sócrates, Ricardo Salgado e Miguel Macedo continuarão a estar no centro da ação da justiça. Casos que envolvem Luís Filipe Menezes e Marco António deverão ter desenvolvimentos no novo ano.

Se 2014 e 2015 foram anos judiciários marcados pela Operação Marquês, 2016 não será muito diferente. José Sócrates representa uma espécie de espada de Dâmocles sobre o pescoço da senhora com os olhos vendados – a estátua da deusa romana Lustitia que simboliza a Justiça. O que acontecer no caso Sócrates marcará, inevitavelmente, não só 2016 mas, também, a relação entre o poder político e o poder judicial – dois poderes de que depende o equilíbrio da República. E veremos se a espada que Lustitia costuma ter na mão direita valerá mais do que aquela que José Sócrates invoca nas suas entrevistas.

. Operação Marquês

Sendo certo que é inevitável a conclusão do inquérito em 2016, a questão que se coloca é simples: em que data exata o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) proferirá o despacho de encerramento de inquérito? As divisões internas entre os investigadores que foram tornadas públicas impedem uma resposta clara.

Paulo Silva, inspetor da Autoridade Tributária e titular do órgão de polícia criminal da Operação Marquês, defende que apenas poderá apresentar o seu relatório final, que costuma preceder a decisão final do MP, em setembro de 2016. Amadeu Guerra, diretor do DCIAP, começou por dizer, num primeiro despacho datado de 11 novembro, que nem pensar. Num segundo despacho, de 22 de dezembro, depois de ouvir as explicações detalhadas do procurador Rosário Teixeira, titular dos autos, e de Paulo Silva, a sua posição evoluiu. Além de ter dado mais três meses para a investigação continuar (até 22 de março, portanto), Amadeu Guerra decidiu que só nessa data será obrigatório definir uma data final para a conclusão das investigações. Ou seja, não é garantido que o despacho final de encerramento de inquérito seja proferido antes do verão – o que faz com que a data programada por Paulo Silva esteja cada vez mais próxima.

Guerra e a procuradora-geral, Joana Marques Vidal, desejavam em outubro a conclusão mais rápida possível do inquérito, concentrando-se uma eventual acusação contra José Sócrates na relação deste comCarlos Santos Silva – ficando as restantes situações para outras investigações que podiam (e podem) ser abertas através de extração de certidões dos respetivos indícios. O inspetor tributário discordou em absoluto dessa estratégia, tendo feito questão de expor a mesma por escrito nos autos através de um relatório que foi tornado público pelo Diário de Notícias no final de outubro. Daí o despacho de Amadeu Guerra datado de 11 de novembro.

Essas divisões internas parecem esbatidas com a última decisão do diretor do DCIAP de 22 de dezembro, e com a sua aparente cedência à estratégia dos investigadores. Aliás, Amadeu Guerra tinha sempre a possibilidade legal de retirar a investigação ao procurador Rosário Teixeira e distribui-la a outro magistrado. Não só não o fez, como reforçou a equipa que está adstrita à Operação Marquês.

De facto, e segundo o último comunicado da Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público (MP) tem quatro procuradores do DCIAP, dois magistrados a área administrativa (que se dedicam às matérias urbanísticas da expansão imobiliária Vale do Lobo que está sob suspeita de corrupção) e um procurador da Instância Central Criminal de Lisboa (o magistrado Vítor Pinto que deverá um eventual julgamento do caso) a trabalhar na Operação Marquês. Enquanto que aAutoridade Tributária reforçou a equipa liderada por Paulo Silva para 16 inspetores tributários dedicados a analisar e a sistematizar os mais de 1900 documentos em suporte de papel, mais de 5.000.000 de ficheiros informáticos e os mais de 130.000 registos bancários que fazem parte dos autos.

E qual o resultado: acusação ou arquivamento?

Poucos acreditarão que o MP arquive um caso no qual propôs a prisão preventiva de um ex-primeiro-ministro durante dez meses. Sendo o arquivamento uma ideia teoricamente aceitável num inquérito normal, seria o descrédito do titular da ação penal, caso o procurador Rosário Teixeira não avançasse para uma acusação depois de apelidar as provas contra José Sócrates como “fortes indícios” da prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais em praticamente todas as respostas aos diversos recursos interpostos pela defesa de Sócrates.

Tal como é certo que, quanto mais tempo demorar uma acusação contra o ex-primeiro-ministro, maior será a ecitação das críticas de Sócrates junto da opinião pública – e maior eficácia terá a sua narrativa de que o MP não tem provas para apresentar.

Para já, foram constituídos 12 arguidos: José Sócrates, Carlos Santos Silva, João Perna (ex-motorista de Sócrates), Gonçalo Trindade Ferreira (advogado de Santos Silva), Joaquim Barroca(administrador do Grupo Lena), Paulo Lalanda Castro (ex-patrão de Sócrates), Inês Rosário (mulher de Santos Silva), Diogo Gaspar Ferreira (administrador da empresa que detém o resort de Vale do Lobo), Armando Vara, (ex-vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos), Bárbara Vara (filha de Armando Vara) e Rui Mão de Ferro (gestor e sócio de Santos Silva).

Face ao último ponto da situação do processo feito pelo procurador-geral adjunto Rosário Teixeira, e àquilo que foi noticiado pelo Observador, esperam-se mais 20 inquirições das quais podem nascer novos arguidos.

Hélder Bataglia deverá ser um deles. O líder do Grupo Escom, que comprou o empreendimento de Vale do Lobo e propôs um financiamento de mais de 220 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos, encontra-se em negociações com o MP para ser ouvido o mais rapidamente possível. Bataglia receia ser detido em Portugal mas, tendo em conta que nenhum arguido está, neste momento, detido à ordem desses autos, é pouco provável que tal venha a acontecer.

E qual o resultado: acusação ou arquivamento?

Poucos acreditarão que o MP arquive um caso no qual propôs a prisão preventiva de um ex-primeiro-ministro durante dez meses. Sendo o arquivamento uma ideia teoricamente aceitável num inquérito normal, seria o descrédito do titular da ação penal, caso o procurador Rosário Teixeira não avançasse para uma acusação depois de apelidar as provas contra José Sócrates como “fortes indícios” da prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais em praticamente todas as respostas aos diversos recursos interpostos pela defesa de Sócrates.

Tal como é certo que, quanto mais tempo demorar uma acusação contra o ex-primeiro-ministro, maior será a ecitação das críticas de Sócrates junto da opinião pública – e maior eficácia terá a sua narrativa de que o MP não tem provas para apresentar.

Para já, foram constituídos 12 arguidos: José Sócrates, Carlos Santos Silva, João Perna (ex-motorista de Sócrates), Gonçalo Trindade Ferreira (advogado de Santos Silva), Joaquim Barroca(administrador do Grupo Lena), Paulo Lalanda Castro (ex-patrão de Sócrates), Inês Rosário (mulher de Santos Silva), Diogo Gaspar Ferreira (administrador da empresa que detém o resort de Vale do Lobo), Armando Vara, (ex-vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos), Bárbara Vara (filha de Armando Vara) e Rui Mão de Ferro (gestor e sócio de Santos Silva).

Face ao último ponto da situação do processo feito pelo procurador-geral adjunto Rosário Teixeira, e àquilo que foi noticiado pelo Observador, esperam-se mais 20 inquirições das quais podem nascer novos arguidos.

Hélder Bataglia deverá ser um deles. O líder do Grupo Escom, que comprou o empreendimento de Vale do Lobo e propôs um financiamento de mais de 220 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos, encontra-se em negociações com o MP para ser ouvido o mais rapidamente possível. Bataglia receia ser detido em Portugal mas, tendo em conta que nenhum arguido está, neste momento, detido à ordem desses autos, é pouco provável que tal venha a acontecer.

Por outro lado, dois jornalistas do Correio da Manhã, que são assistentes no processo, solicitaram a constituição como arguidos deFernanda Câncio, ex-namorada de José Sócrates, e de Sofia Fava, ex-mulher do ex-primeiro-ministro, por suspeitas de fraude fiscal e de branqueamento de capitais. Em causa, segundo alegam aqueles assistentes, estarão imputações de que Câncio e Fava terão beneficiado de capitais que saíram das contas de Carlos Santos Silva – que, no entendimento do MP, pertencerão a José Sócrates e têm origem ilícita.

Voltar ao índice

2. Caso BES/GES

Este caso, como todos os outros relacionados com a banca, tem duas vertentes, uma criminal e outra contra-ordenacional, que marcarão os noticiários em 2016.

Comecemos pela primeira. Embora seja conhecido como o caso BES/GES, a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu apelidar os processos relacionados com a derrocada do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo de “Universo Espírito Santo”. A PGR confirmou, a 24 de julho, que existem cinco inquéritos, sendo que um deles, relacionado exclusivamente com queixas de burla por parte de antigos clientes, tem apensas 73 investigações espalhadas por diversos distritos judiciais.

Além deste inquérito, também conhecido como o “caso dos clientes”, existem ainda mais quatro inquéritos com o seguinte objeto de investigação:

  1. O chamado “caso principal” relaciona-se com a alegada falsificação da contabilidade de sociedades fundamentais do Grupo Espírito Santo (GES), como a Espírito Santo International (ESI), e que já esteve na origem da primeira acusação do Banco de Portugal contra Ricardo Salgado e mais 14 ex-gestores do BES e do GES. A alegada gestão ruinosa do BES está no centro deste inquérito, assim como a emissão de papel comercial da ESI e daRioForte (duas sociedades do GES) em 2013 e 2014, que terá permitido a Ricardo Salgado adiar o inevitável quando o GES já tinha entrado em colapso, está igualmente a ser passada a pente fino;
  2. As relações entre o BES e o Banco Espírito Santo de Angola que terão levado a alegados desvios financeiros superiores a mais de mil milhões de euros;
  3. Um esquema alegadamente montado pela sociedade Eurofin Securities, empresa de direito suíço, que terá permitido retirar cerca de 800 milhões de euros do BES nas semanas que precederam a intervenção do Banco de Portugal e posterior desmembramento do banco da família Espírito Santo. O esquema da Eurofin terá estado na origem de prejuízos de cerca de 1,2 mil milhões de euros .
    • O investimento de cerca de 900 milhões de euros que a Portugal Telecom, liderada por Henrique Granadeiro e por Zeinal Bava, fez na RioForte em 2014. Neste inquérito estará, também, a ser investigado o investimento que a PT fez na empresa brasileira Oi,assim como as suspeitas de alegados pagamentos de luvas pela viabilização desse negócio essencial para a empresa se manter no mercado brasileiro.

    Até ao momento, estão confirmados sete arguidos nos inquéritos ao Universo Espírito Santo:

    • Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES e ex-líder do GES, foi constituído arguido por suspeitas dos crimes de burla qualificada, falsificação de documento, falsificação informática, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e corrupção no setor privado; Salgado esteve até recentemente em prisão domiciliária à ordem dos inquéritos ao Universo Espírito Santo;
    • Amílcar Morais Pires, ex-chief financial officer (CFO) do BES e braço direito de Salgado;
    • Isabel Almeida, ex-diretora financeira do BES que chegou a ser dada como administradora do banco numa lista encabeçada por Amílcar Morais Pires (apontado pelo próprio Ricardo Salgado como seu sucessor);
    • António Soares, ex-administrador da seguradora BES Vida;
    • José Castella, ex-controller financeiro do GES e figura próxima de Ricardo Salgado;
    • Cláudia Boal de Faria, ex-diretora do Departamento de Gestão de Poupança do BES;
    • Pedro Luís Costa, ex-alto funcionário do BES.

    O sucesso das investigações do DCIAP dependem muito da cooperação judicial internacional de países onde muitas das empresas do GES tinham ou ainda têm sede: Suíça, Luxemburgo, Reino Unido,Estados Unidos, Panamá, Dubai, etc. Sendo o GES (e por arrasto o BES) um grupo com implantação mundial, é necessário recolher muita prova em jurisdições nas quais o DCIAP não tem poder, dependendo assim da boa vontade das instâncias internacionais.

    Apesar de não ser possível adiantar uma data de conclusão para qualquer um dos cinco inquéritos do caso BES/GES, é expectável que novos desenvolvimentos sejam conhecidos ao longo de 2016. Por exemplo, mais membros da família Espírito Santo deverão ser chamados a prestar contas à Justiça e novos arguidos deverão nascer desses interrogatórios.

    Os cinco inquéritos contam, para já, com uma equipa de cinco magistrados do DCIAP e uma equipa multidisciplinar de seis procuradores de outras jurisdições em Portugal, nomeadamente na área administrativa e cível, que intervém em diferentes processos relacionados com o arresto de bens, recuperação de ativos (ambos para prevenir o pagamento de eventuais indemnizações) e insolvência.Outra questão prende-se com a vertente contra-ordenacional a cargo das entidades reguladoras do mercado bancário (o Banco de Portugal) e do mercado de capitais (a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários).

    O Banco de Portugal é o que está mais avançado. Dos quatro inquéritos de contra-ordenação abertos, o supervisor bancário já terminou dois:

    • O primeiro relacionado com a falsificação da contabilidade da ESI e a colocação de papel comercial da ESI e da RioForte em clientes do BES – que culminou em acusações graves, como gestão ruinosa, contra Ricardo Salgado, 14 gestores do BES e três sociedades do GES e a aplicação de multas máximas que podem chegar aos cinco milhões de euros no caso de Salgado e a inibição por 10 anos como gestor bancário. Está a decorrer a fase de instrução deste processo de contra-ordenação, prevendo-se que exista uma decisão final do conselho de administração do Banco de Portugal até maio de 2016;
    • As relações entre o BES e o BES Angola concentraram as atenções no segundo inquérito. Foram acusados 18 ex-gestores do BES, entre os quais se encontra novamente Ricardo Salgado. As contestações já terão sido entregues no BdP, seguindo-se a fase de instrução do processo que se assemelha, parcialmente, a uma espécie de pré-julgamento.
    • Faltam ainda mais dois inquéritos relacionados com os clientes que se dizem lesados e as relações entre o Eurofin e o BES.

    Do lado da CMVM, esperam-se novidades sobre os respetivos processos de contra-ordenação no início do Ano Novo. 

    3. Monte Branco

    É um caso que ficou conhecido em maio de 2012 e que se arrasta desde então. Tem uma rede de branqueamento de capitais com operações emPortugal e na Suíça, liderada por Michel Canals e Francisco Canas, no centro da investigação. Uma fuga em massa ao fisco português é o ponto de partida desta investigação, sendo que os números totais dessa evasão fiscal variam de forma significativa. O semanário Sol, que noticiou em exclusivo o caso em 2012, já falou num montante total superior a três mil milhões de euros, enquanto outros jornais, como o Expresso, falam num montante muito inferior: cerca de 100 milhões de euros – e só no que diz respeito a serviços prestados por Francisco Canas.

    O caso é complexo e tem cruzamentos com vários outros processos conhecidos (como o caso BPN, Furacão, BES/GES e Operação Marquês). Tudo começava com a entrega de dinheiro vivo a Francisco Canas nas instalações da sua loja de câmbios na baixa de Lisboa, fazendo este, posteriormente, transferências bancárias internacionais no mesmo montante entregue (com o desconto da sua comissão de 1%) a partir do BPN IFI de Cabo Verde para as contas das sociedades Akoya, gerida por Michel Canals e Nicolas Figueiredo, eArco Finance, de Ricardo Arcos, em diversos bancos suíços. Estas duas sociedades gestoras de fortunas, por seu lado, tinham uma rede quase interminável de sociedades sedeadas em paraísos fiscais que faziam “rodar” o dinheiro sempre que necessário para ocultar a sua origem.

    As listas de clientes da rede do Monte Branco estão, em parte, na origem do intenso escrutínio jornalístico que o caso conheceu desde maio de 2012. O Expresso revelou os principais nomes de uma lista de clientes de Francisco Canas com mais de 180 indivíduos, sendoManuel Vilarinho, ex-presidente do Benfica, e Maria José Rau, ex-secretária de Estado da Administração Educativa de António Guterres, os nomes mais conhecidos. Na Operação Marquês, como o Observador noticiou, foi igualmente detetada a participação deArmando Vara, então vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos, na rede do Monte Branco. Vara terá entregado a Canas, e recebido de várias offshores controladas por Canals, um total de cerca de 800 mil euros.

    Já as listas de clientes da Akoya e da Arco Finance têm nomes mais mediáticos. Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES, é um deles. Chamado a depor como testemunha para justificar as retificações fiscais superiores a 14 milhões de euros que realizou juntamente com a sua mulher no âmbito do Regime Excecional de Regularização Extraordinária (RERT) de 2012, Salgado confessou que era cliente da Akoya tendo utilizado a sociedade suíça, da qual Álvaro Sobrinho(ex-presidente do BES Angola) era acionista, para transferir montantes que lhe foram oferecidos por José Guilherme, empreiteiro e importante cliente do BES e do BES Angola. Mais tarde, em julho de 2014 e quando já não era líder do BES, Salgado foi detido para interrogatório para ser constituído arguido por suspeitas dos crimes de burla, abuso de confiança, falsificação de documento e branqueamento de capitais. Foi a primeira vez que o banqueiro, que era conhecido como o “dono disto tudo”, foi formalmente constituído suspeito da prática de ilícitos criminais.

    A maior curiosidade para 2016 reside em perceber se serão conhecidos mais detalhes das listas de clientes da Akoya e da Arco Finance, até porque um número significativo destes clientes já terão regularizado a sua situação fiscal ao abrigo do RERT. O MP já terá muitos dados na sua posse, pois os principais arguidos (Michel Canals, Nicolas Figueiredo, Francisco Canas e Ricardo Arcos) terão colaborado com o procurador Rosário Teixeira na descoberta da verdade.

    Resta saber se este caso terá o mesmo destino que o processo Furacão. Isto é, se o MP ficará satisfeito com as regularizações extraordinárias efetuadas junto do Fisco (que levaram a um acréscimo muito significativo da receita fiscal) ou se continuará a perseguir criminalmente os protagonistas da rede e os seus clientes. Tendo em conta os crimes pelos quais Ricardo Salgado foi constituído arguido, tudo aponta para que seja seguida a segunda opção.

    Não será ainda em 2016, contudo, que este caso será encerrado. O facto de o procurador Rosário Teixeira ter que dividir a titularidade destes autos com a Operação Marquês, e a prioridade que o caso que envolve José Sócrates terá de ter, implicam a passagem para segundo plano do caso Monte Branco.

    Voltar ao índice

    4. Vistos Gold

    Foi uma das acusações que marcaram 2015. Direcionada a uma das medidas emblemáticas do governo PSD/CDS, a acusação do MP visouMiguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna de Passos Coelho, António Figueiredo, ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado, Manuel Palos, ex-diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e Maria Antónia Anes, ex-secretária-geral do Ministério da Justiça. Foram estes os principais arguidos de um caso que ficou conhecido da opinião pública com a detenção destes três últimos arguidos em novembro de 2014, dias antes da detenção de José Sócrates. Foram, ainda, acusados mais 13 arguidos, entre os quais Paulo Lalanda Castro (ex-patrão deSócrates) e quatro sociedades comerciais.

    O ano de 2016 começará com a abertura de instrução que pode ser requerida por qualquer um dos arguidos. É uma fase facultativa, existindo a possibilidade de alguns arguidos passarem diretamente para a fase de julgamento. E, ao que o Observador apurou, deverá ser essa a opção da maioria dos arguidos mais importantes. É expectável que apenas os arguidos com menos crimes contestem, desde já, a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

    Se apenas alguns arguidos, e os que têm menos acusações a contestar, avançarem para a fase de instrução, 2016 poderá igualmente ser o ano em que ficará decidido quem vai a julgamento e em que data. É essa a expectativa de diversos advogados do processo, até pela forma expedita como o Tribunal Central de Instrução Criminal costuma despachar a fase de instrução.

    Se todos estes cenários se concretizarem, e tendo em conta os timingsnacionais de processos complexos de crimes económico-financeiros, não deixará de ser um feito que um processo que se iniciou em 2013 tenha julgamento marcado apenas três anos depois.

    Voltar ao índice

    5. Julgamento do caso principal do BPN

    Ao contrário do caso Vistos Gold, pode dizer-se que o caso BPN é um exemplo da lentidão da Justiça portuguesa. Para sustentar esta tese, basta olhar para os processos-crime que nasceram da derrocada do banco gerido por José Oliveira Costa.

    Dos 20 inquéritos criminais abertos e coordenados pelo procurador Rosário Teixeira, apenas quatro resultaram em acusações formais do DCIAP, sendo que apenas um teve sentença em primeira instância: o chamado caso Homeland, que envolve Duarte Lima. O ex-líder parlamentar do PSD foi condenado, em novembro de 2014, adez anos de prisão efetiva por burla qualificada e branqueamento de capitais. Para não se perder no caso BPN,fizemos este guia que voltamos a recomendar.

    Contudo, será precisamente a primeira acusação, e a mais importante por ser a principal, do caso BPN que marcará 2016. A acusação é de2009 mas o julgamento dura desde dezembro de 2010. São cinco anos de sessões de um caso que envolve 15 arguidos. Houve 16pronunciados e, ainda, mais uma sociedade comercial chamada Labicer que foi declarada insolvente. As acusações contra esta pessoa coletiva caíram. O processo envolveu mais de 150 testemunhas.  Só uma destas testemunhas, um alto quadro do BPN, foi ouvida durante mais de sete meses consecutivos em 200 sessões por praticamente todos os advogados terem colocado perguntas. O julgamento encontra-se na fase em que alguns dos principais arguidos estão a utilizar a prerrogativa legal de prestarem esclarecimentos ao tribunal após a audição das testemunhas, sendo esperada a conclusão das alegações finais no início do ano novo e a leitura da sentença até ao final do primeiro semestre de 2016.

    Está em causa a alegada falsificação da contabilidade do BPN e a criação de uma contabilidade paralela no Banco Insular de Cabo Verde – os dois principais factos que estiveram na origem da nacionalização doBPN tomada pelo governo de José Sócrates em novembro de 2008.

    José Oliveira Costa, ex-presidente executivo do banco, é o principal réu, estando a ser julgado pelos crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documento, branqueamento de capitais, infidelidade, aquisição ilícita de ações e fraude fiscal. É acompanhado, entre outros, por José Vaz de Mascarenhas (ex-presidente do Banco Insular), Luís Caprichoso e Francisco Sanchez (ambos ex-gestores do BPN) e pelo empresário Ricardo Oliveira.

    Está a decorrer, ainda, um julgamento de uma segunda acusação do caso BPN, relacionada com um investimento imobiliário que envolveArlindo Carvalho, ex-ministro da Saúde de Cavaco Silva, e Oliveira Costa, e que resultou num prejuízo superior a 78 milhões de eurospara o BPN. Contudo, diversos advogados contactados pelo Observador não preveem que a leitura da sentença ocorra em 2016.

    Voltar ao índice

    6. Outros casos (e várias interrogações)

    • Luís Filipe Menezes

    Um caso a acompanhar com atenção em 2016 será o de Luís Filipe Menezes (ex-líder do PSD e ex-presidente da Câmara Municipal de Gaia) e, por arrasto, o inquérito que visa Marco António Costa(secretário-geral do PSD e ex-vice-presidente de Menezes em Gaia).

    Luís Filipe Menezes está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto e pela Polícia Judiciária por suspeitas, entre outros crimes, de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Estarão em causa alegações sobre uma divergência significativa entre o património declarado pelo ex-autarca e os vencimentos que declarou enquanto titular de cargo político – alegações que foram desmentidas de forma veemente pelo próprio Luís Filipe Menezes.

    Certo é que o ex-líder do PSD vai perder o lugar de conselheiro de Estado para o qual foi eleito em 2011 na quota relativa à Assembleia da República. Ao perder este estatuto, deixa de ter direito à imunidade que lhe era garantida como conselheiro do Presidente da República.

    • Marco António Costa

    Também Marco António Costa viu a Procuradoria-Geral da República, tal como aconteceu com Menezes, confirmar oficialmente a existência de uma investigação criminal contra si, na sequência de uma participação entregue ao DIAP do Porto por um ex-dirigente da distrital portuense do PSD: Paulo Vieira da Silva. Estão igualmente em causa denúncias que visam uma alegada prática do crime de tráfico de influências através do PSD e da Câmara de Gaia.

    Marco António Costa mostrou-se disponível para colaborar com a investigação e interpôs uma ação por difamação contra Paulo Vieira da Silva.

    • Caso Banif

    Com a mais do que provável instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do Banif, terá de se seguir com atenção as eventuais responsabilidades criminais que possam surgir. Seja pelas duras críticas de falta de proatividade que o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, dirigiram ao anterior governo de Pedro Passos Coelho, seja pelo processo de venda do Banif acarretar elevados prejuízos para os contribuintes, que podem chegar a cerca de quatro mil milhões de euros, seja, por último, por ser esse o padrão de todas as comissões parlamentares de inquérito abertas à gestão de entidades bancárias que tiveram apoio público. Nos casos BPN e BES, não faltaram factos que foram encaminhados para a Procuradoria-Geral da República.

    Para já, e tal como o Observador noticiou, a PGR está a analisar se toda a informação que já veio a público contém suspeitas da prática de crimes públicos.

    Um caso, mais um, a seguir em 2016.

 

 

 

“É uma grande injustiça o que o Estado faz a Ricardo Salgado”

Sábado, Outubro 24th, 2015

Citamos

Diário de Notícias

O DN sabe que o DCIAP não concordou com a aplicação desta segunda caução de três milhões a Ricardo Salgado pelo juiz de instrução Carlos Alexandre

“Ricardo Salgado é das pessoas mais fortes que conheci na minha vida, com uma impressionante capacidade de adaptação a uma nova e difícil realidade”. As palavaras são de Francisco Proença de Carvalho, advogado do ex-líder do BES, em entrevista ao Diário Económico. O advogado não poupa críticas ao estado do segredo de Justiça em Portugal, assumindo que “o uso deste à la carte existe, muitas vezes, para esconder as fragilidades da acusação e dos processos”. Embora admita que neste caso concreto que envolve o seu cliente tem havido “da parte do Ministério Pùblico uma grande preocupação pelo cumprimento do segredo de Justiça”.

O advogado critica o facto de, depois de recentemente Ricardo Salgado ter ido voluntariamente ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e ao Tribunal Central de Instrução Criminal prestar declarações, “foi entendido pelo senhor juiz de instrução crominal que existe, em concreto, perigo de fuga ou de perturbação de inquérito. Isto parece-nos que choca de forma violenta com a realidade”.

Em causa a medida de coação aplicada pelo juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, em Julho deste ano ao ex-banqueiro: prisão domiciliária sem pulseira electrónica e com vigilância policial. O processo do “Universo BES” investiga suspeitas de prática de crimes de falsificação, falsificação informática, burla qualificada, abuso de confiança, fraude fiscal, corrupção no sector privado e branqueamento de capitais.

O advogado vai mais longe ao afirmar que “é uma grande injustiça o que o Estado lhe faz, ao aplicar uma medida de coação privativa da liberdade, numa fase em que não há, enfim, qualquer condenação e em que existe, pelo contrário, um grande caminho pela frente”.

Na quarta-feira, a Procuradoria-Geral das República anunciou que Ricardo Salgado poderia ficar em liberdade se pagasse uma caução de três milhões de euros. Uma decisão do juiz Carlos Alexandre que terá sido à revelia do Ministério Público (MP), já que o DN sabe que DCIAP terá ficado incomodado com esta aplicação de uma segunda caução. Os cinco procuradores do DCIAP que investigam o caso promoveram apenas que a medida de coação fosse atenuada face à caução que já tinha sido aplicada a Salgado, do mesmo valor, mas relativa ao processo Monte Branco. Caução essa aplicada em Julho de 2014 e paga por Ricardo Salgado em agosto desse mesmo ano.

O DCIAP pretendia que a caução de três milhões já paga ‘servisse’ para os dois processos (Universo BES e Monte Branco) mas Carlos Alexandre acabou por decidir uma segunda caução do mesmo valor. Um valor considerado demasiado alto para a a média de cauções aplicadas pela Justiça portuguesa.

Francisco Proença de Carvalho já recorreu da aplicação da prisão domiciliária e espera agora a decisão. Já em Julho, aquando a aplicação desta prisão domiciliária relativa ao processo ‘Universo BES’, o Ministério Público defendera que bastaria a caução já aplicada pelo Monte Branco e não uma nova medida de coação. Por isso, na entrevista ao Diário Económico, Francisco Proença de Carvalho admite que o MP tem tido uma posição transparente para com Ricardo Salgado “que desde a primeira hora considerou que não se justifica a aplicação de medidas de coação privativas de liberdade”.

Quanto a Carlos Alexandre, juiz de instrução que é quem valida a medida de coação aos arguidos, Proença de Cravalho defende: “não espero nem deixo de esperar nada do senhor juiz de instrução”.

Rematando que a “a lei vencerá sempre a arbitrariedade” e que “Ricardo Salgado não foge, nem nunca fugiu às responsabilidades”.

A defesa já admitiu vir também a contestar a caução definida durante esta semana.