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Discussão acesa no Banco de Portugal associou Montepio ao caso BES

Segunda-feira, Outubro 14th, 2019

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João Talone e Costa Pinto confrontaram cúpula do Banco de Portugal, que desvalorizou avisos dos dois conselheiros. Talone sugeriu a interrupção imediata da venda de produtos de subscrição mutualista aos balcões do Banco Montepio

Carlos Costa e Elisa Ferreira foram confrontados, em reunião do Banco de Portugal de Março de 2018, com o comentário de João Talone de que o Montepio “se assemelhava a um esquema Ponzi”, comparável ao BES. Uma denúncia que agitou a cúpula do supervisor.

No final de Março de 2018, dois membros do conselho consultivo do Banco de Portugal (BdP), João Talone, indicado pelo Governo, e João Costa Pinto, na qualidade de presidente da comissão de auditoria, colocaram o governador Carlos Costa e a ainda vice-governador Elisa Ferreira perante um tema fora da agenda da reunião: a relação do Banco Montepio (BM) com a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG). E fala mesmo num “esquema Ponzi [sic]”. O assunto, evidentemente, de tão delicado que era, fez faísca: Talone sugeriu a interrupção imediata da venda de produtos de subscrição mutualista aos balcões do banco; Elisa Ferreira perguntou se pretendia que “picasse a bolha”.

Um tema fora da agenda

De tão delicado que era o assunto Montepio, que o BdP nunca o submeteu à avaliação dos conselheiros, pelo menos desde Janeiro de 2017, quando o Estado nomeou João Talone, Francisco Murteira Nabo, Francisco Louçã e Luís Nazaré para o representar. Mas na manhã daquela quarta-feira, finalmente, e pela primeira vez, entrou na discussão, mas por impulso de João Talone (Louçã e Nazaré estavam no estrangeiro), que recebeu a ajuda inesperada de João Costa Pinto (ali por inerência, dado presidir à comissão de auditoria do BdP). A reunião contou com mais um protagonista: a vice-governadora. Como sempre acontece nestas reuniões, cabe ao administrador com a tutela da supervisão financeira, à época Elisa Ferreira, comentar a evolução do sistema financeiro. E foi o que se passou.

As dúvidas de João Talone

Só que, desta vez, a meio do discurso, João Talone pediu a palavra. E interpelou directamente Elisa Ferreira e o governador, Carlos Costa, sobre o relacionamento do Banco Montepio com o seu accionista de controlo (com quase 100% do capital), a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), “por ser uma realidade que se aproximava da do caso BES/GES”. Um dos conselheiros evoca: “Carlos Costa e a Elisa Ferreira manifestaram ambos muita preocupação”.

O que os conselheiros não perceberam foi se, dada a gravidade do assunto, Talone planeara abordar a questão nos termos em que o fez ou se resultou antes de um ímpeto de momento, pois comentou: “O que se está a passar no Montepio assemelha-se a um esquema Ponzi, que se rebentar abrirá um buraco de mais de dois mil milhões de euros.”

E foi quando Carlos Costa e Elisa Ferreira embranqueceram, aflitos – o tema Montepio era um empecilho. E quem terá dado o corpo às balas pelo BdP foi a vice-governadora, explicando que “tinha consciência do problema e que os serviços do BdP tinham vindo a recolher muita informação sobre a matéria”.

Porém, o que João Talone procurava ilustrar era um quadro explosivo (do grupo chefiado por Tomás Correia), a caminhar para um cenário de “ilegalidade” em que o emissor de dívida vende títulos para pagar os encargos da dívida anterior. E dirigindo-se novamente a Elisa Ferreira, questionou-a: “O BdP não deveria suspender de imediato a subscrição de dívida [produtos financeiros] da AMMG vendida aos balcões do banco, que serve para pagar resgates e juros de subscrições anteriores que se estão a vencer?”

Nessa altura, o que alguns conselheiros relatam é que Elisa Ferreira defendeu que era preciso tratar do assunto com pinças. Mas para um ex-vice-governador do BdP, valia a pena aprofundar a questão. E foi quando João Costa Pinto (actual gestor da Fundação Oriente), que “raramente se pronuncia, e quando o faz também nunca sabemos o que é que ele vai dizer, surpreendeu ao intervir para desancar toda a gente”, recorda ao PÚBLICO um dos presentes.

Costa Pinto questiona

A intervenção de Costa Pinto (ex-presidente do BNU e do Grupo Caixa Agrícola) até se revelou mais incisiva, pois acabou a classificar o que se passava na mutualista de “situação escandalosa”. Ao contrário de Talone (ex-administrador do BCP), que exibira números arredondados, apresentou-os ao milímetro. E Costa Pinto clarificou que “as novas subscrições já não vão servir apenas para pagar as anteriores, e evitar rupturas. O programa de colocação de produtos financeiros para 2018, se for completamente cumprido, prevê uma entrada de recursos superior às necessidades estritas do serviço das emissões anteriores. E a dificuldade vai continuar a crescer”.

Com efeito, as dificuldades antecipadas por Costa Pinto acabaram por não se concretizar, porque as subscrições programadas para 2018, de 1,078 mil milhões de euros, ficaram longe do que se viria a verificar-se: apenas 492 milhões. Contas feitas: o saldo foi negativo em 191 milhões, na medida em que os resgates o ano passado foram de 683 milhões (acima do projectado em 655 milhões).

O tema Montepio não desencadeou apenas um longo debate fora da agenda definida para aquele conselho consultivo. Estava igualmente a embaraçar a cúpula do BdP. E desembocou numa troca de impressões acesa entre Talone e Elisa Ferreira, como foi relatado ao PÚBLICO por alguns conselheiros, que viram a vice-governadora agastada: “Vocês pretendem que eu pegue na agulha e pique a bolha?” Leia-se: querem que eu rebente com o grupo? Ao que Talone contrapôs: “Não é preciso picar, basta encostar a agulha.” Traduzindo de novo: ameaçar.

A vice-governadora acabou por interpelar: “Porque é que criticam tanto e não nos ajudam, por exemplo, lendo o código do mutualismo que está em discussão [em 2018] e fazendo contributos?” Talone (à frente do fundo de private equity Magnum Capital) replicou: “Eu nem gosto de mutualistas.” E justificou-se com a experiência na Holanda quando liderou a seguradora Eureko.

“Somos todos bem-educados”

Então, Elisa Ferreira terá evidenciado que fora implementada, por pressão do BdP, entre a AMMG e o Banco Montepio (BM), um sistema de portas estanques, de controlos rígidos, para separar os interesses estritos da actividade bancária dos da AMMG.

Perante a explicação, Talone, que conhece bem a matéria, avançou com um novo argumento de que, “em Inglaterra, o sistema é muito regulado e por mais regulamentos que se façam, se se fixarem objectivos e metas de venda de produtos aos trabalhadores, é impossível evitar o misselling [venda enganosa]”. E reforçou a sugestão: “O tema do Montepio tem de ser resolvido na origem.” Ou seja: acabar com a venda de produtos financeiros (modalidades de capitalização) da mutualista aos balcões do BM.

Outros conselheiros discordavam dele, dadas as ligações históricas existentes entre o banco e a mutualista, e o facto de o banco ter de permanecer como um instrumento da recuperação da AMMG.

Mais do que confusão, o que se sentiu numa parte da reunião, foi tensão, como sublinhou um dos presentes: “Somos todos bem-educados e a conversa decorreu sempre dentro das regras, não me lembro de nenhum momento de exaltação.” Ainda assim, “confirmo que o Talone fez perguntas sobre o Montepio, tema de que o conselho até hoje não voltou a falar”.

Um outro conselheiro deu a seguinte opinião: “Foi pena que o [Francisco] Louçã não tivesse participado, pois ele prepara-se bem e teria contribuído para a discussão, mais até do que o [Luís] Nazaré que faz sempre as perguntas certas mas, às vezes, anda muito ocupado […]. Ambos tentam preservar alguma liberdade de espírito […].” Pelas descrições, percebe-se que Murteira Nabo “não se pronunciou grande coisa”, circulava fora de órbita.

No entanto, no BdP há quem opte por se “fazer de morto”, ficando em silêncio. É que confrontado pelo PÚBLICO sobre que posição tomou enquanto Talone, Costa Pinto e Elisa falavam, um dos conselheiros que falaram com o PÚBLICO, revelou: “Eu? Não disse nada, ouvi com muita atenção e tirei notas.”

Por seu turno, confrontada (por telefone) pelo PÚBLICO, Elisa Ferreira observou que “não faz sentido estar a comentar assuntos de um órgão reservado, onde o diálogo tem de ser franco e aberto, onde se deve estar à vontade para falar”. E acrescentou que “nunca sentiu momentos de tensão e sempre houve troca de impressões franca e aberta”. E opinou: “Não vejo onde está a notícia.”

Mas entende-se por que razão Talone introduziu o tema na discussão. A missão dos membros do conselho nomeados pelo Governo é proteger os interesses do Estado, o que passa por assegurar a estabilidade do sistema financeiro, logo, garantir a solvabilidade do grupo Montepio, que gere poupanças e reformas futuras de parte substancial dos mais de 600 mil associados (os que subscreveram, por exemplo, produtos financeiros aos balcões da CEMG, agora BM, que desde 2010 acumula prejuízos com destruição de capital mutualista).

Naquela quarta-feira, 28 de Março de 2018, o tema Montepio ia constar do cardápio dos órgãos de comunicação social. Ao final da tarde, os associados da mutualista iam juntar-se em assembleia geral para aprovar as contas de 2017. E já era do conhecimento público que, para evitar ter de assumir uma situação líquida negativa, o Estado concordara em dar à AMMG um crédito fiscal de 805 milhões de euros, o impacto da medida só seria sentido a posteriori (quando os lucros futuros ficarem sujeitos a pagamento de impostos, dado que até ali estavam isentos).

Actas e minutas

Assim que terminou o conselho consultivo, o vice-governador Luís Máximo dos Santos encaminhou-se para Talone, que estava acompanhado de outro conselheiro, para lhe transmitir: “Fez muito bem em tocar no assunto [Montepio].”

Por via das dúvidas, Elisa Ferreira foi também ter com Talone, e com Carlos Costa a assistir, sugeriu-lhe: “Por que é que não dá uma palavrinha ao ministro das Finanças sobre o que aqui disse?” O gestor de fundos não se considerava pombo-correio e clarificou que o faria, sim, mas com a condição de o BdP incluir a matéria sensível na acta da reunião, apesar de não constar da agenda. Na qualidade de secretário-geral do BdP, José Queiró participava no conselho e tirava apontamentos.

Acontece o seguinte: quando Francisco Louçã chegou em 2017 ao BdP verificou que o conselho consultivo, um órgão de gestão formal, não produzia actas, e propôs que passasse a tê-las. Perante as resistências levantadas ao mais alto nível, o economista apenas conseguiu que se escrevessem minutas, com menção às presenças e à agenda oficial da reunião.

E quando a minuta do conselho consultivo de 28 de Março de 2018 chegou a Talone, este constatou que o BdP mantinha o ritual de negação que frequentemente encarna, pois no documento o tema Montepio foi suprimido.

Interrogado pelo PÚBLICO sobre o teor do conselho consultivo de 28 de Março de 2018, onde associou o Montepio a um “esquema Ponzi”, João Talone mostrou-se surpreendido, ficou em silêncio a ouvir as questões. Não as desmentiu, nem as confirmou, e deu por encerrada a conversa: “Não posso comentar esses assuntos.”

Por seu turno, também interrogado sobre a mesma matéria, João Costa Pinto também não desmentiu, nem confirmou: “Deve compreender que não posso falar, estou obrigado a sigilo, e já nem faço parte do conselho”. Aquele aliás foi último conselho consultivo em que João Costa Pinto participou, tendo entretanto assumido funções como membro do conselho geral da AMMG desde Março deste ano, pela lista de Ribeiro Mendes, adversário de Tomás Correia.

Na sala onde o conselho consultivo se reuniu, a 28 de Março de 2018, apresentaram-se o governador (Carlos Costa) e os dois vice-governadores (Elisa Ferreira e Máximo dos Santos), a administradora Ana Paula Serra, o presidente da comissão de auditoria (Costa Pinto), os anteriores governadores António Sousa e Tavares Moreira (Vítor Constâncio estava no BCE), a presidente do IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, Cristina Casalinho, o delegado do governo dos Açores, Roberto Amaral, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), Fernando Faria de Oliveira, e ainda João Talone e Murteira Nabo.

O retrato da reunião fica fechado com José Queiró (ex-responsável pelo Departamento de Serviços Jurídicos), o secretário-geral que regista o que se passa, e com Helena Adegas, directora do BdP, que ali está para clarificar as dúvidas, entre outros.

A troca de opiniões acesa entre conselheiros e a cúpula do BdP poderá, afinal, ter tido desenvolvimentos. É que no dia 19 de Abril de 2018, em entrevista ao Negócios, o ministro das Finanças, Mário Centeno, prestou estas declarações: “Se a Associação Mutualista Montepio precisar, o Governo ‘deve estar disponível’ para a ajudar”.

Ano e meio depois, a expectativa seria que as autoridades tivessem, entretanto, enfrentado a realidade. Pelo menos, ao nível da governação do grupo Montepio, a instabilidade continua destacada na agenda mediática. A próxima reunião do conselho consultivo do BdP está marcada para a segunda quinzena de Novembro.

Cronologia: João Neves, do BES à administração do Montepio Geral

Quarta-feira, Março 22nd, 2017

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Público

Actual administrador da Caixa Económica Montepio Geral já viu o seu nome não ser aceite pelo Banco de Portugal no passado

O caso remonta a 1997, quando um cliente do Banco Espírito Santo (BES) entregou à família do actual administrador da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), João Neves, a título de um empréstimo que nunca passou a escrito, dois cheques ao portador totalizando 1,25 milhões de euros [250 mil contos, um de 100 mil e outro de 150 mil contos]. Os montantes foram depositados em contas de João Neves no BES, onde este trabalhava.

Em 2000, João Neves recebe mais três cheques ao portador que totalizam 2,08 milhões de euros. E, de novo, sem registos escritos.

Já em 2004, o cliente do BES que havia feito o empréstimo notifica o banco de alegadas irregularidades. E imputa a João Neves uma possível utilização indevida de fundos. O banco fica a saber, através do seu cliente, que este interpôs um procedimento cautelar de arresto de bens da família do bancário nas varas cíveis de Lisboa. Com o tema a ameaçar tornar-se público, Ricardo Salgado (na foto em baixo) interveio. O BES garante o reembolso das verbas reclamadas, mas determina uma auditoria interna a João Neves, que será interrogado a 23 de Dezembro de 2004. Em resultado da prova reunida e dos depoimentos recolhidos, anos depois, o BES vai esclarecer o Banco de Portugal (BdP) que da inspecção resultou “a verificação da prática consumada e reiterada de várias infracções, cuja gravidade” qualifica no relatório. As conclusões levaram João Neves a solicitar a “demissão”, e daí “não ter havido lugar à instauração de processo disciplinar no âmbito do qual o inquirido seria livre de dizer o que se lhe aprouvesse”. Tudo somado, nem o BES nem o seu cliente vão formalizar queixas nos tribunais.

A 26 de Setembro de 2005, dá-se um aparente volte-face. O cliente do BES que havia feito o empréstimo escreve à mulher de João Neves a mostrar o seu “arrependimento pelo desmedido distúrbio que, sem justificação”, provocou “à sua família” e a colocar-se “à sua disposição para ultrapassar qualquer confusão que ainda persista”. O cliente do BES esclarece que os 3,3 milhões de euros foram concedidos à família Neves a título pessoal para que esta ajudasse a viabilizar o projecto empresarial Polímeros do Ave. E, em qualquer dos financiamentos, ter-lhe-ão sido transmitidos cheques como garantia dos créditos. Observa ainda que “o receio” de que estes “pudessem não ter cobertura” se veio a verificar não ser verdade. O cliente explica ainda que o pedido de arresto de bens visou apenas assegurar o pagamento da dívida. É nesta fase que João Neves entra no Montepio Geral, onde emerge como homem de confiança de Tomás Correia, então o número dois de José Silva Lopes. Ao economista chegam os relatos de que no BES há um relatório que não abona a favor de João Neves.

A 24 de Março de 2008, Silva Lopes deixa o Montepio e Tomás Correia afigura-se como o substituto natural. E João Neves evidencia-se como um dos braços direitos do novo presidente.

No meio bancário, as competências de João Neves são reconhecidas por todos: “O Neves é tecnicamente muito bom, entra dentro dos assuntos”, admite um funcionário do banco. Ninguém se surpreende, assim, quando, no final de 2008, o seu nome aparece no grupo encarregue por Tomás Correia de estudar a aquisição do Finibanco à família Costa Leite, da Vicaima. A instituição vai, numa primeira fase, ser avaliada, em torno dos 240 milhões. Tal como o PÚBLICO revelou a 20 de Março de 2016, a operação seria finalizada ano e meio depois através de uma oferta pública de aquisição (OPA), lançada em Julho de 2010, com acordos confidenciais e que fizeram o preço disparar para 341 milhões de euros. Uma subida justificada com a inclusão no negócio do Finibanco Angola, uma imposição de Tomás Correia.

No início de Janeiro de 2013, João Neves é recorrentemente mencionado como “aspirante” a integrar a comissão executiva do banco. E o seu nome surgiu na lista candidata às eleições para os órgãos sociais da CEMG, encabeçada por Tomás Correia.

Mas assim que é mencionado ao BdP, as luzes vermelhas acenderam-se. A inspecção desencadeada pelo BES a João Neves já tinha sido reportada ao supervisor, e é no âmbito da avaliação de idoneidade dos gestores que o departamento de Estabilidade Financeira interrogou pela primeira vez o BES sobre os motivos que levaram à “cessação de funções” de João Neves em 2004.

A 18 de Fevereiro de 2013, o BES respondia ao supervisor: a inspecção decorrera de uma queixa de um cliente das relações pessoais do seu antigo trabalhador e as “irregularidades” e “infracções” remontavam à década de 1990. O BES participa que o denunciante, entretanto, já se tinha considerado “totalmente ressarcido quanto às situações evocadas” e garantira nada ter “a reclamar do BES”. As explicações partem da caixa de correio do gestor do BES Rui Silveira e chegam à da supervisora Adelaide Cavaleiro, com cópia do Relatório de Inspecção n.º56/2004. E onde constam os depoimentos de João Neves, a 23 de Dezembro de 2004 e a 4 de Janeiro de 2009; bem como toda a prova obtida. Com a auditoria na mão, o então director do Departamento de Supervisão Prudencial do BdP, Luís Costa Ferreira, convoca Tomás Correia a quem faz saber que não será dado parecer positivo de idoneidade a João Neves, entretanto na administração do Finibanco Angola.

Em Novembro de 2013, é posto em cima da mesa um trunfo para João Neves: uma nova carta, assinada pela mulher do cliente do BES que havia feito os empréstimos. “Nunca” a família Neves “causou qualquer prejuízo a mim ou a meu marido (…) ou por qualquer forma nos prejudicaram ou enganaram, seja no que for”, lê-se. Na carta, de 6 de Novembro, a signatária reafirma ainda o que o marido já tinha dito: todas as verbas emprestadas a João Neves foram reembolsadas com os respectivos juros. E tudo não passou, afinal, de um grande equívoco: “Porque a amizade” era “sólida e sincera, nada foi escrito”. Com a assinatura reconhecida no escritório da advogada Ana Bruno — referenciada na imprensa como sócia minoritária da Akoya, a empresa suíça de gestão de fortunas que está no centro do processo Monte Branco —, o testemunho chega a João Neves, que o usa para convencer o BES a deixar cair a auditoria que o põe na lista negra do BdP, liderado por Carlos Costa (na foto em baixo).

E é o que faz a 8 de Janeiro de 2014. Numa carta remetida da Rua Áurea, sede da instituição mutualista, dirige-se ao BES. João Neves lamenta que tenha sido facultado ao BdP informação a seu respeito, apenas disponível “na base de dados de Recursos Humanos” do BES, e sem que lhe tenha sido dado conhecimento prévio ou solicitada autorização. Munido do depoimento da mulher do cliente do BES que emprestou mais de três milhões de euros, o bancário pede ao BES que anexe a declaração ao processo instruído contra si e que considera ter sido desencadeado por “uma denúncia caluniosa” e que a dê a conhecer ao BdP. João Neves apresenta-se ao BES na sua condição do momento: quadro superior do CEMG. E adianta que representou o Montepio “junto da troika e do BdP”, a instituição que não lhe reconhece idoneidade.

A 22 de Janeiro de 2014, chega a Adelaide Cavaleiro, do Departamento Financeiro do BdP, nova carta do BES que surpreende todos. Os dois executivos do BES, Rui Silveira e António Souto, surgem com uma versão mais suave dos acontecimentos: no BES, nada há a apontar “ao comportamento do dr. João Neves, colaborador em que reconhecemos grande competência profissional”.

Em sucessivas conversas com o BdP, os dois executivos tentam levar o supervisor a tirar os olhos do bancário, assinalando que o relatório não deu lugar “a qualquer aprofundamento da investigação ou instauração de qualquer processo disciplinar”.

Mas a súbita disponibilidade para deixar cair a inspecção a João Neves chama a atenção de Pedro Machado, então número dois do departamento de supervisão do BdP. O que levava agora Ricardo Salgado a desvalorizar as suas próprias conclusões? As averiguações não foram correctas? Há algo a correr por detrás do pano?

Por esta altura, já há sinais de que o Grupo Espírito Santo (GES) está prestes a eclodir. E é por esta época que se dá um aumento substancial da exposição da CEMG ao GES, cuja situação financeira está prestes a descontrolar-se. Mas não se registam créditos ao BES, já sob escrutínio cerrado do BdP.

A 12 de Fevereiro de 2014, a gestão de Tomás Correia dá luz verde a um crédito de 40 milhões à holding Rio Forte, do GES, que por esta altura já recebera um financiamento da Portugal Telecom de 900 milhões. Nesta altura, o BdP também já tinha detectado movimentos financeiros entre o Montepio e o Finibanco Angola, usado para fazer circular fundos e dar maleabilidade aos construtores civis que financiava. Um tema que o supervisor participa ao Ministério Público por suspeita de fraude.

A 11 de Março de 2014, Pedro Machado e Sofia Magalhães (BdP) voltam a contactar o BES: como justifica o BES o facto de estar a desmentir informações reportadas um ano antes?

Com vista a desfazer “qualquer equívoco”, a 19 de Março, Rui Silveira e António Souto respondem aos supervisores: “O relatório de inspecção fala por si, sendo inequívoco quer quanto às irregularidades apuradas quer quanto à gravidade e qualificação, pelo que nos dispensámos de formular juízos valorativos.” E mantém que até à queixa recebida pelo seu cliente — “de onde resultou a verificação da prática consumada e reiterada de várias infracções cuja gravidade está qualificada no relatório” —, o banco “nada tem a apontar” ao seu antigo colaborador.

A 25 de Março de 2014, a CEMG volta a financiar o GES com 60 milhões à ES Hotéis. A 3 de Junho, financia a Rioforte em 30 milhões. Todos os financiamentos são parcialmente garantidos.

A 15 de Julho de 2014, o PÚBLICO noticiava que o BdP tinha em curso uma inspecção forense ao Montepio Geral/Caixa Económica (MG), por suspeitas de ilícitos criminais cometidos no quadro da sua actividade. O que envolvia as relações do grupo mutualista, com grandes clientes, como é o caso do GES, do qual a Rioforte faz parte. Outro grande cliente é a Ongoing. A exposição ao GES já ia em 150 milhões, na maior parte com garantias reais.

A 3 de Agosto de 2014, o BES colapsa, com os contribuintes a arriscar 3900 milhões de euros.

A 9 de Setembro de 2014, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, dá posse a António Varela como administrador responsável pela área de supervisão do BdP.

Em Outubro de 2014, Costa Ferreira e Pedro Machado reafirmam a sua oposição à entrada de João Neves na administração da CEMG, que sustentam no relatório de inspecção do BES.

A 30 de Outubro, os dois quadros demitem-se do BdP e protagonizam uma transferência polémica ao passarem para a consultora PwC. Para o lugar de Costa Ferreira, o governador vai ao BCP buscar um ex-colega seu, Carlos Albuquerque, e junto do qual Tomás Correia voltará a insistir na nomeação de João Neves. Carlos Albuquerque considera-o idóneo para as funções e os obstáculos levantados pelos seus antecessores são derrubados.

A 24 de Novembro de 2014 Tomás Correia anuncia João Cunha Neves como o quinto elemento da gestão da CEMG que vai exercer o mandato até final de 2015, cumprindo o exigido pelos estatutos da instituição.

A 11 de Julho de 2015, o PÚBLICO anuncia que o BdP abriu investigações ao banco Montepio, para reavaliar a idoneidade da equipa de Tomás Correia, mas não considera João Neves incluído na sua acção.

5 de Agosto de 2015 O governador do BdP, Carlos Costa, sugere que José Félix Morgado, também ex-quadro do BCP, substitua Tomás Correia como líder da CEMG. Este apenas revela confiança num gestor da equipa anterior: João Neves. Actualmente, Carlos Albuquerque já deixou o BdP, e Costa Ferreira, que sempre se opôs à nomeação de João Neves, voltou ao departamento de supervisão do banco central pela mão de Elisa Ferreira.

Elisa Ferreira: União Bancária tem de ser afinada

Domingo, Junho 5th, 2016

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Expresso

Elisa Ferreira vai deixar o Parlamento Europeu sem ver concluída a União Bancária. A eurodeputada do Partido Socialista diz que foram dados passos importantes para pôr de pé o mecanismo único de supervisão e o mecanismo único de resolução, mas faltam peças ao puzzle. É o caso da prometida garantia comum de depósitos, que salvaguarde de igual forma depositantes portugueses, alemães ou finlandeses. “Tenho feito o máximo de pressão, vamos ver onde é que as coisas acabam”, diz ao Expresso, salientando a necessidade de os grupos maioritários no Parlamento Europeu — Populares e Socialistas — “levarem a peito” o compromisso assumido com o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos. Um sistema que a Alemanha não quer e que, por isso, tem estado bloqueado.

Elisa Ferreira, que sai a meio de junho para assumir o cargo de administradora no Banco de Portugal, mudou-se para Bruxelas em 2004, onde assistiu à chegada de uma crise que veio mostrar que o “sector financeiro não se autorregula”.

As regras e mecanismos introduzidos, nos últimos anos, aumentaram o nível de supervisão do sistema bancário e passaram a dar mais garantias de estabilidade. “Aliás, os grandes problemas que sofremos com a banca, e estou a referir-me em particular ao Banif, não resultam da aplicação da União Bancária”, defende, referindo-se a um banco apanhado entre a transição de legislações.

O CASO BANIF

Foi para evitar ser cobaia das novas regras de resolução — que entraram em vigor em janeiro deste ano — que o governo antecipou a venda do Banif. “Se não tivesse havido aquela gestão superapressada haveria aí um impacto que não era o que se queria”, diz a eurodeputada. Esperar por 2016 levaria à possibilidade de imputar perdas aos depositantes acima de cem mil euros, que poderia provocar uma uma corrida súbita aos levantamentos e um “impacto com reflexos sistémicos”.

Mas se o que aconteceu com o BES e o Banif se repetir com outro banco, a nova legislação será mesmo aplicada. “O que se pretende é que isso nunca venha a acontecer”, refere a eurodeputada que participou na construção legislativa do mecanismo único de resolução. “Aquilo que se pretende é que haja estabilidade suficiente e, no fundo, capital suficiente nos bancos”, para que, em situação de crise, sejam os acionistas, outros credores e os grandes depositantes a pagar a fatura da resolução e não os contribuintes. Ao contrário do que aconteceu com o Banif, apanhado em situação de transição, quem empresta dinheiro aos bancos tem agora de estar “consciente dos riscos” e da nova legislação.

“Há aqui uma mudança que vai no sentido certo mas que precisa de ser afinada, de maneira a que não haja efeitos perversos”, defende.

Por afinar está também a questão do crédito malparado. Para Elisa Ferreira, “uma União Bancária deveria ter também uma solução para os casos em que a acumulação de ativos de baixa rentabilidade precisa de uma intermediação”. Fala de uma plataforma comum onde esses ativos poderiam ser preparados antes de serem revendidos aos operadores, à semelhança do que se tem feito nos Estados Unidos. “Para isso é preciso uma garantia de Estado, ou uma garantia, e depois a garantia vai reduzindo até se conseguir que os privados tomem conta de todos esses ativos e, no fundo, os revalorizem”, explica.

Sobre o que fazer com o crédito malparado português, prefere não especular. É um assunto que “tem de ser tratado com todo o cuidado”, diz.

A tese de um “banco mau” — que não seria propriamente um banco mas um veículo para colocar os ativos não produtivos — tem sido defendida pelo primeiro-ministro, António Costa, e também pelo governador do Banco de Portugal. Carlos Costa defendeu, esta semana, num artigo de opinião publicado no “Jornal de Negócios’” a necessidade de “um esquema público nacional e europeu que garanta a cobertura das necessidades de capital” e que poderia ser formado por uma garantia do “Estado e uma contragarantia do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).

“O MEE foi criado no contexto desta crise e é um embrião de qualquer coisa muito interessante”, refere Elisa Ferreira. “Dizia-se em 2012 que o Mecanismo Europeu de Estabilidade poderia financiar diretamente o capital dos bancos”, lembra ainda. Uma possibilidade falada para quando a supervisão única estivesse operacional, o que veio a acontecer em 2014. No entanto, o MEE continua longe de ter este tipo de função. Por tratar-se de um mecanismo intergovernamental — em que os acionistas são os Estados-membros da moeda única — ‘não’ para bloquear todo o sistema. “Isso é um dos elementos que é urgente ser reapreciado”, defende a eurodeputada socialista, sublinhando que no horizonte está a possibilidade de que venha a ser gerido por mecanismos europeus, o que permitiria “fazer política europeia”, sem estar dependente da chantagem potencial dos países acionistas.

“Estava também previsto nos textos legislativos da resolução bancária que ele fosse um mecanismo de reforço do Fundo Europeu de Resolução”, acrescenta, e, nesse contexto poderia ter outras funções. Hipóteses que parecem para já distantes mas que para Elisa Ferreira não são necessariamente impossíveis. “Temos é de encontrar aliados e persistir”, conclui.

Elisa Ferreira e Máximo dos Santos no Banco de Portugal

Quarta-feira, Abril 13th, 2016

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Negócios

Elisa Ferreira está de saída do Parlamento Europeu e a caminho do Banco de Portugal, apurou o Negócios. A eurodeputada ficará com a pasta da supervisão bancária, depois da saída de António Varela. Luís Máximo dos Santos entra para a administração.

Elisa Ferreira está de saída do Parlamento Europeu e a caminho do Banco de Portugal, apurou o Negócios. A eurodeputada vai ficar com a pasta da supervisão, que estava livre desde a saída de António Varela do banco central. Máximo dos Santos também entra para a administração do banco, deixando assim a liderança do BES “mau”.

António Varela saiu do Banco de Portugal a 7 de Março, tendo a pasta da supervisão prudencial sido assumida por Carlos Costa, enquanto não houvesse substituto.

Durante a sua visita ao Parlamento Europeu, o Presidente da República tinha sinalizado que um eurodeputado iria ocupar um lugar no sistema financeiro em Portugal.

Marcelo Rebelo de Sousa, que está em Estrasburgo a visitar o Parlamento Europeu, reuniu-se com os eurodeputados e depois do encontro deixou no ar, informalmente, que poderia haver uma baixa entre os eurodeputados.

“Estava eu a falar de instituições financeiras e acontece, quem sabe, se não haverá aqui perdas – relativas porque há enriquecimento noutras áreas – de quem, em qualquer caso, tem uma posição muito útil para continuar a fazer a ponte com as instituições europeias no domínio financeiro”, disse junto dos eurodeputados, de acordo com o noticiado pela TVI24.