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Cinco anos depois da hecatombe do Banco Espírito Santo, ainda há estilhaços por apanhar no interior do país. A investigação judicial à queda do banco está longe de terminar; o Novo Banco continua a registar prejuízos. Na Beira Baixa, encontram-se à venda propriedades que outrora deram azo ao lado feudal dos irmãos António e Ricardo Salgado. A Herdade do Vale Feitoso e o Hotel Fonte Santa estão no mercado, por 32,7 e 35 milhões de euros, respetivamente. A Herdade da Poupa enfrenta uma ação judicial de 2,4 milhões, levantada pelo Banco Haitong, ex-BES Investimento. O Hotel Astória está abandonado. Mais ou menos desertos, estes bens guardam histórias sobre os tempos áureos do Grupo Espírito Santo (GES). Ressalva para o balneário termal e para a Herdade do Clube de Tiro de Monfortinho, salvos do fecho de portas em 2017, ao serem adquiridos no âmbito de um PER.
Sete mil e trezentos hectares é mais do que um olhar consegue abarcar. Sete mil e trezentos hectares é a área da Herdade do Vale Feitoso, ativo do antigo Grupo Espírito Santo (GES) no concelho de Idanha-a-Nova, à venda por 32,7 milhões de euros. Trata-se da maior propriedade privada muralhada da Península Ibérica, local onde sobrevivem fábulas de ostentação sobre a família Espírito Santo (ES).
Adquirido em 2004 aos herdeiros do Conde da Ponte por 27,5 milhões de euros, este terreno é detido pela Companhia Agrícola de Penha Garcia (CAPG), que integra a empresa Euro Biodiversidade e Desenvolvimento (EBD), gerida pela Eurofin. Em 2017, o Novo Banco forçou a insolvência da CAPG de forma a contornar o arresto preventivo dos antigos bens do GES; o Estado pretende que o património arrestado seja utilizado como garantia para cobrir os danos resultantes da resolução do banco que vierem a ser comprovados em tribunal. O mesmo aconteceu com o Hotel Fonte Santa, nas Termas de Monfortinho, parte da Companhia das Águas da Fonte Santa (CAFS), também sob a alçada da EBD. Ainda nenhuma destas duas propriedades foi vendida.
Herdade do Vale Feitoso
Com uma ligação simbiótica ao território, é impossível evocar o Vale Feitoso sem falar de Penha Garcia. No início dos anos 1970, eram mais os moradores na herdade do que na própria aldeia; a dado momento, funcionaram ali duas escolas só para os filhos de trabalhadores e rendeiros. “Quando uma pessoa é criança não percebe o que é riqueza”, diz Maria Nunes, 68 anos, que nasceu no Vale Feitoso, onde os seus pais eram rendeiros.
Manuel Pascoal, 91 anos, trabalhou durante 40 anos para os Condes da Ponte e lembra uma “casa de muito trabalho, estilo tropa”. Hoje, confessa-se desgostoso com o destino da herdade e a venda ao GES. “Nunca pensei. Até digo que me abrissem a cabeça e pusessem lá a ideia de vender a propriedade. Aquilo tinha uma riqueza tão grande”, diz. Com a insolvência da CAPG, o antigo feitor perdeu a pensão mensal de 78 euros que o GES havia ficado responsável de pagar a antigos trabalhadores do Conde, no seguimento da compra. “Se fosse a meter-me num advogado, ainda pagava mais”, lamenta.
Para Jorge Calvete, fundador da consultora Causa e Efeito e administrador de insolvência escolhido pelo Novo Banco, a demora na alienação da Herdade do Vale Feitoso é “normal em processos de especial complexidade” e que põem no mercado ativos cuja procura é “bastante reduzida”. Após duas tentativas de venda falhadas e uma descida de preço de 36,4 para 32,7 milhões, o Novo Banco deu indicações para promover a propriedade fora de Portugal, segundo fonte próxima do processo. “É estranhíssimo não haver interessados, ninguém formalizar uma proposta”, garante a mesma fonte. Há uma possível explicação que não agrada a ninguém: potenciais compradores aguardam em silêncio uma nova baixa de preço.
Nos últimos três anos, a Sociedade Agrícola do Vale Feitoso (SAVF), empresa detida pela Companhia das Águas da Fonte Santa, responsável pelos bens materiais no terreno e pela exploração madeireira, leiloou vários equipamentos agrícolas no portal da empresa Avalibérica. Porções significativas da floresta têm seguido igual rumo. Em 2018, foram a leilão quase 12 mil toneladas de pinheiro bravo, com base de licitação em 250 mil euros. (A SAVF, ao contrário da CAPG, não está insolvente.) Questionado sobre se alguma parte dos ganhos é reinvestida na propriedade, Jorge Calvete diz, de forma telegráfica, que “pode ser”, não prestando mais esclarecimentos.
Ligações familiares
Diogo Castelo Branco, filho do Conde da Ponte e último administrador da propriedade antes de ter passado para o GES, garante que a família se desfez da herdade em 2004 por questões de partilhas. “Éramos cinco irmãos e uma só propriedade, por isso resolvemos vender. Além do BES, houve também outros interessados, inclusive espanhóis”, conta. Quanto à venda hoje em curso, sabe apenas que “está encravada”, não há interessados. “Deixei aquilo num mimo, dava lucro. Tinha uma mata que dava rendimentos. Fazia cortes programados”, garante.
Não foi por acaso que, há 15 anos, o GES comprou o Vale Feitoso: a mãe de Diogo Castelo Branco era prima direita da mãe de António e Ricardo Salgado. O antigo feitor, Manuel Pascoal, lembra-se dos irmãos Salgado quando estes ainda eram muito novos e passavam férias na herdade. “Iam à despensa como os filhos do Conde da Ponte e comiam tudo. Era como se fosse a casa deles”, conta. Nesta teia, há ainda outra relação de proximidade: Álvaro Ferrão Castelo Branco, pai de Diogo e 10.º Conde da Ponte, trabalhou na companhia de seguros Bonança.
Na posse do GES, a herdade tornou-se sítio de montarias, dinamizadas em particular por António Salgado, irmão de Ricardo Salgado. Em 2012, uma porta aos tordos na herdade podia custar 150 euros. Um fim de semana de caça às perdizes, com alojamento no Hotel Fonte Santa, chegava aos 1.700 euros. “Os hotéis nas Termas de Monfortinho estavam sempre cheios. Os empregados do Espírito Santo vinham cá passar férias”, diz Isaías Antunes, 70 anos, ex-presidente da junta de freguesia de Penha Garcia.
Herdade da Poupa, no Rosmaninhal
Composta sobretudo por amigos e parceiros de negócios dos irmãos Salgado, a lista de caçadores incluía nomes como o empresário Sousa Cintra. “As herdades [da Poupa e Vale Feitoso] eram de facto boas. Acima de tudo, as montarias tinham muito bom ambiente”, lembra. Desde a morte de António Salgado em 2011, porém, Sousa Cintra deixou de frequentar a região. “Não sei tão-pouco o que lá se passa agora”, afirma.
Em 2019, o Vale Feitoso continua com vida, mas o esplendor de anos passados pode estar a ser prejudicado, com a venda sistemática de árvores para abate sem a devida replantação; no terreno, há sete trabalhadores que garantem a manutenção das principais estruturas, o que “impede que esteja a desvalorizar a pique, como é o caso da Herdade da Poupa”, diz fonte próxima do processo.
Sem dono, sem rei
De helicóptero. Assim chegaram, durante muitos anos, os irmãos Salgado e outros rostos do BES, à Herdade da Poupa, no Rosmaninhal. Se o Vale Feitoso, a cerca de 50 km de distância, não tinha alojamento, naquela segunda propriedade com quase quatro mil hectares, existia um hotel rural de quatro estrelas, financiado com Fundos Europeus. Um estabelecimento com 16 quartos tão exclusivo que é virtualmente impossível encontrar quem lá tenha dormido fora do círculo de amizades. “Quando alguém desconhecido ligava para fazer reserva, tínhamos indicação para dizer que estava cheio”, diz Sandrine Folgado, rececionista entre 2006 e 2013 desta propriedade detida pela Controlled Sport Portugal.
De helicóptero. Assim chegaram, durante muitos anos, os irmãos Salgado e outros rostos do BES, à Herdade da Poupa, no Rosmaninhal. “Quando alguém desconhecido ligava para fazer reserva, tínhamos indicação para dizer que estava cheio”, diz Sandrine Folgado, que foi rececionista na propriedade.
Muitos rostos conhecidos dos portugueses passaram por lá, garantem antigos funcionários. Miguel Horta e Costa, dono de uma propriedade nas redondezas, era um dos “habitués” da Poupa. Os nomes mais recorrentes nos fins de semana dedicados à caça incluem também o empresário Sousa Cintra, o empresário João Pereira Coutinho, o ex-presidente do Benfica Manuel Vilarinho, o ex-acionista do GES Patrick Monteiro de Barros, o escritor e cronista Miguel Sousa Tavares, e membros da família Champalimaud. “Era lá que ficavam alojados os VIP dos VIP”, garante Sandrine.
A fatura por três dias – despesas com batedores, compra de animais, alojamento e alimentação – podia chegar aos 75 mil euros, valor invariavelmente pago por Ricardo Salgado. Três antigos funcionários indicam que a maioria dos recibos eram então emitidos para o Banque Privée Espírito Santo (BPES), sucursal do BES na Suíça, com sede em Lausanne, e uma das primeiras delegações a levantar suspeitas sobre o estado financeiro do grupo, ainda antes da resolução do BES. “Quando é uma só pessoa a pagar a despesa de um fim de semana e é sempre a mesma a pagar, o dinheiro desaparece”, assume Sandrine.
Em 2008, a Poupa foi vendida à AA-Iberian Natural Resources & Tourism S.A., empresa do grupo Eurofin, administrado pelo suíço Alexandre Cadosch. “Foi uma fantochada, pois foi o grupo Espírito Santo que continuou a mandar”, garante um antigo funcionário administrativo do grupo. Recorde-se: a Eurofin, liderada por Cadosch, é vista na investigação judicial à queda do BES como uma empresa-fantoche do grupo, que terá sido utilizada para realizar transações financeiras para a família Espírito Santo e as companhias do grupo. O Negócios fez várias tentativas de contactar Paulo Agapito, o liquidatário da Controlled Sport, mas não obteve resposta.
Um ano depois de ter passado para as mãos da Eurofin, a Controlled Sport foi adquirida pela luxemburguesa Dassa Investissement S.A. Apesar de não estar insolvente, a Herdade da Poupa apresentava em 2016 um passivo corrente de mais de 13 milhões de euros, 201 mil euros de ativo, e empregava um único trabalhador. No passado mês de junho, o banco Haitong, antigo BES Investimento, que detém 0,03% da Controlled Sport, avançou com uma ação judicial exigindo 2,4 milhões de euros. Os motivos em causa não são conhecidos.
Nos últimos cinco anos, a propriedade caiu ao abandono, acabaram as montarias. O Hotel Rural da Herdade da Poupa, por sua vez, já tinha fechado portas em maio de 2013, o prazo de funcionamento definido pelo financiamento europeu. As poucas corças e veados que até agora escaparam aos caçadores furtivos tomaram conta do espaço e podem usar como bebedouro a piscina construída em 2011; as cercas eletrificadas deixaram de o ser; a vegetação apoderou-se aos poucos do edifício. Numa visita à herdade, uma antiga funcionária aponta a janela empoeirada da suíte exclusiva de Ricardo Salgado. Mais adiante, revela que um edifício ali construído para acolher eventos só foi utilizado duas vezes.
Em conversa no Rosmaninhal, o nome de António Salgado é recorrentemente evocado. O irmão de Ricardo Salgado, que faleceu em 2011 vítima de cancro, é recordado com carinho pela população local, por ter sido uma pessoa “acessível” e por ter criado muitos postos de trabalho. “Mesmo quando já estava muito mal, fez questão de vir à Poupa dizer adeus aos trabalhadores e ver a piscina que na época ainda estava a ser construída”, lembra uma antiga funcionária.
História de dois hotéis
Um busto de bronze, como se dum antigo rei ou um descobridor se tratasse. O rosto de António Salgado está eternizado na principal rotunda das Termas de Monfortinho; uma homenagem da câmara de Idanha-a-Nova, datada de abril de 2013. Se houvesse dúvidas quanto à influência do GES nesta região, estavam esclarecidas. Coração da localidade, este eixo de trânsito, que dá acesso ao balneário termal, a uma antiga delegação do BES e aos principais hotéis: o Fonte Santa e o Astória.
O rosto de António Salgado está eternizado na principal rotunda das Termas de Monfortinho; uma homenagem da câmara de Idanha-a-Nova, datada de abril de 2013. Em conversa no Rosmaninhal, o seu nome é evocado. O irmão de Ricardo Salgado, que faleceu em 2011 vítima de cancro, é recordado com carinho pela população local, por ter sido uma pessoa “acessível” e por ter criado muitos postos de trabalho”.
A 2 de setembro de 2014, o Hotel Astória fechou portas; 33 funcionários, a maioria com cargos administrativos, foram despedidos; os restantes transitaram para o Hotel Fonte Santa. Milhares de euros foram pagos em indemnizações, valores conseguidos com a venda de ativos como o balneário termal ou o Clube de Tiro e Caça de Monfortinho, garante fonte próxima do processo. Em 1991, o então Espírito Santo Saúde entrou na Companhia das Águas da Fonte Santa, que pertencia aos herdeiros do Conde da Covilhã, Júlio Anahory de Quental Calheiros.
Cinco anos após o fecho, a estrutura exterior do Astória continua intacta, mas os sinais de ausência de vida são visíveis: as grandes palmeiras do jardim morreram; perscrutando o interior do edifício pelos vidros, veem-se maciças camadas de pó. Será difícil encontrar interessados em adquirir o hotel, que data do final dos anos 1940 e tem muitas das amenidades desatualizadas, diz um empresário local. É por isso que a avaliação patrimonial de 38,5 milhões de euros “não é realista”, frisa. Principalmente quando, a 50 metros, existe outra unidade hoteleira mais barata e bem equipada.
Hotel Fonte Santa
Ao lado, o Hotel Fonte Santa está à venda por 35 milhões de euros. Jorge Calvete, o administrador de insolvência (AI) responsável pela Herdade do Vale Feitoso, também tem em mãos a alienação deste ativo. Já a gestão administrativa está a cargo da empresa Amazing Evolution. “A nossa única responsabilidade passa por coadjuvar o AI, uma vez que ele não tem conhecimentos específicos de hotelaria, no contexto de proteção dos interesses dos credores e do ativo”, garante Margarida Almeida, CEO da empresa.
O pedido do Negócios para entrevistar Vítor Hugo, atual gestor do Hotel Fonte Santa, foi recusado pelo administrador de insolvência. De acordo com registos fiscais, o hotel apresentava em 2015 um passivo corrente de quase 31 milhões de euros e 1,6 milhões de ativo. Nos mesmos registos, Alexandre Cadosch consta no cargo de presidente do conselho de administração da empresa-mãe da Companhia das Águas da Fonte Santa, a EBD.
O que já foi salvo
Nem tudo o que um dia fez parte do feudo Espírito Santo na Beira Baixa está abandonado. O balneário termal e a Herdade do Clube de Tiro e Caça de Monfortinho (HCTCM) foram vendidos a 29 de julho de 2016, no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER) da Companhia das Águas da Fonte Santa; no mesmo dia, foram alienados alguns terrenos na localidade, onde o GES contava instalar uma empresa de engarrafamento e comercialização de água, garante fonte próxima do processo.
“Se o balneário fechava, era a morte completa das Termas de Monfortinho”, diz António Trigueiros de Aragão, administrador das Fábricas Lusitana e rosto da sociedade de empresários que adquiriu o empreendimento. O encerramento da estação termal poderia criar um efeito dominó e levar ao fecho das unidades hoteleiras da localidade. “Em 2016, o balneário só esteve aberto dois meses. No tempo do GES estava aberto seis meses por ano. Agora passamos a estar abertos o dia todo e o ano todo. Houve um esforço”, diz Pedro Próspero, atual gestor do projeto.
Em 2018, o balneário termal acolheu cerca de 2.800 clientes, 30% dos quais espanhóis; com um milhão de euros investidos em melhorias, o empreendimento aproxima-se do “break-even”. Mas há mais dinheiro a ser injetado: com o encerramento do Hotel Astória criou-se um “gueto entre um hotel de 4 estrelas e o resto do mercado” do alojamento na aldeia raiana, explica Pedro Próspero. Um projeto de conversão de parte do edifício das termas em hotel já foi submetido para avaliação. O objetivo é que as obras possam avançar no inverno deste ano. “Monfortinho tem água e um nome histórico. O que precisa agora é de dinâmica”, garante António Trigueiros de Aragão.
A 2 de setembro de 2014, o Hotel Astória fechou portas; 33 funcionários, a maioria com cargos administrativos, foram despedidos; os restantes transitaram para o Hotel Fonte Santa.
Cidália Nascimento recorda um tempo das Termas de Monfortinho em que “as pessoas pareciam formigas”, num “vai e vem” na avenida principal, e em que até as pequenas unidades hoteleiras “se viam à rasca para arranjar mão de obra”.
A cerca de cinco quilómetros do balneário termal fica a Herdade do Clube de Tiro e Caça de Monfortinho. Esta propriedade, com cerca de 90 hectares, foi comprada por Luís Paixão Martins, fundador da agência LPM Comunicação. O empresário adquiriu o terreno por meio milhão de euros, uma vez que tinha terrenos anexos, conhecia bem a região e detinha, inclusive, uma casa numa aldeia próxima. “Para mantermos o HCTCM aberto, tivemos de fazer obras de requalificação da propriedade, já que os últimos anos da gestão do GES não foram muito felizes. Decidimos investir nas infraestruturas da parte turística”, conta. Em 2018, foram construídos quatro bungalows revestidos a xisto no terreno, para alojamento turístico. Este investimento, todavia, não foi fácil: no interior do país, não há muita mão de obra, o ritmo de certas diligências é mais lento. Outro problema: tendo em conta que o antigo balcão do BES nas Termas fechou em 2014, os funcionários têm de se deslocar 30 quilómetros até ao banco mais próximo para fazer depósitos.
Dentro do HCTCM, além das carreiras de tiro, há piscinas, espreguiçadeiras, canoas de aluguer, uma barragem e um restaurante com iguarias locais; à imagem do balneário termal, a maioria dos clientes são espanhóis. “Queremos criar um espaço de tranquilidade. Aqui somos a primeira porta de Espanha e a última de Portugal”, diz Cidália Nascimento, gestora do projeto há quatro meses; antes trabalhou 18 anos nos hotéis do GES.
Cidália recorda um tempo das Termas de Monfortinho em que “as pessoas pareciam formigas”, num “vai e vem” na avenida principal, e em que até as pequenas unidades hoteleiras “se viam à rasca para arranjar mão de obra”. Nos últimos anos, a paisagem das Termas mudou. Justificações para a quebra de veraneantes há muitas e variam consoante a perspetiva: do fim dos apoios do Estado aos tratamentos termais até à queda do BES. Um ponto, contudo, une o discurso dos donos do balneário e do HCTCM sobre o futuro da região: a necessidade de estender a A23 de Alcains a Monfortinho e depois fazer-se uma ligação à EX-A1 espanhola, traçado que permitiria ligar Madrid à região centro do país.
Para Luís Paixão Martins, as administrações regionais portuguesas têm falta de coesão com Espanha. “A questão da autoestrada é até mais relevante para a região do Centro do que para as próprias termas.” Neste ponto, está em consonância com António Trigueiros de Aragão: “É inconcebível que a zona Centro não tenha um acesso direto de quem vem de Madrid.” Quem ficaria realmente a ganhar? Leiria, Fátima, Nazaré, Peniche, Óbidos. Segundo um pequeno estudo feito pelo administrador das fábricas Lusitana, uma ligação Santarém-Madrid com passagem por Monfortinho permitiria poupar até 125 km, em comparação com os trajetos via Vilar Formoso ou Elvas.
Ao longo dos anos, este projeto foi discutido e adiado por sucessivos governos; o último a suspendê-lo foi o Executivo de Passos Coelho, em agosto de 2011. No entretanto, as Termas de Monfortinho esforçaram-se por sobreviver. Primeiro à sombra do GES, agora com novos investidores. Cinco anos depois da hecatombe do BES, sobram apenas resquícios metafóricos da presença do grupo.