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Contabilidade manipulada e falso contrato laboral: inspector tributário revela esquemas no julgamento de Ricardo Salgado

Sábado, Julho 10th, 2021

Citamos

Público
Paulo Silva está a depor no Campus da Justiça, em Lisboa, para explicar como ex-banqueiro se apropriou de 10,6 milhões do GES.
O inspector tributário Paulo Silva, que participou nas investigações da Operação Marquês, expôs esta quinta-feira de manhã em tribunal, no julgamento de Ricardo Salgado, os alegados esquemas a que recorria o ex-banqueiro para desviar dinheiro do Grupo Espírito Santo em proveito próprio. Ricardo Salgado – que os juízes do Campus da Justiça, em Lisboa, dispensaram de estar presente em tribunal devido à pandemia e aos seus quase 77 anos – responde pela apropriação de 10,6 milhões de euros e por três crimes de abuso de confiança. Paulo Silva, que está também envolvido na investigação ao presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, descreveu o circuito do dinheiro entre o chamado “saco azul” do Grupo Espírito Santo, a sociedade ES Enterprises e outra sociedade offshore controlada por Ricardo Salgado, nomeadamente a Begolino, sediada no Panamá. “A ES Enterprises tinha um registo contabilístico peculiar” que contrariava todas as normas internacionais, explicou o inspector tributário. Em vez de serem registados como passivos, os avultados empréstimos que recebia de outras firmas eram contabilizados como activos negativos. Quando estas somas rumavam a outras paragens, “o saldo final ficava a zero”, resumiu. Segundo o mesmo especialista, Ricardo Salgado usou parte do dinheiro destas transacções – pelo menos quatro milhões – para comprar acções da EDP durante a reprivatização de 2011, tendo adquirido dois milhões de acções da empresa que mais tarde viria a tornar-se dos chineses Three Gorges. A sociedade ES Enterprises foi também responsável pelo pagamento a Hélder Bataglia, o luso-angolano sócio da Escom em Angola, de 15 milhões de euros a título de honorários, destinados alegadamente a pagar os serviços que este lhe prestou na obtenção de direitos de exploração de petróleo que viessem a ser objecto de concessão, nomeadamente na região do Soyo, quer na exploração de quaisquer direitos atribuídos através de concessões na República do Congo, quer na identificação e negociações de negócios imobiliário e ainda na expansão do sector financeiro do GES em África. Porém, segundo Paulo Silva, o contrato de trabalho firmado entre a ES Enterprises e Hélder Bataglia era fictício, servindo apenas para servir de álibi às entradas de dinheiro nas contas bancárias deste último, que, por seu turno, era depois remetido para a sociedade offshore do então “Dono Disto Tudo”. “A ES Enterprises não tinha quaisquer negócios. Hélder Bataglia estava envolvido na exploração de poços de petróleo mas através da Escom”, garantiu o inspector tributário, que mencionou ainda as vultuosas transferências efectuadas  desta empresa para  Zeinal Bava e Henrique Granadeiro. Mas o juiz de instrução Ivo Rosa descartou, na fase anterior deste processo, a tese do Ministério Público de que o “Dono Disto Tudo” havia corrompido estes dois dirigentes da Portugal Telecom.  Ricardo Salgado alega que o dinheiro que lhe chegou às contas bancárias via ES Enterprises era pura e simplesmente um empréstimo pessoal pelo qual até lhe eram cobrados juros, que apenas deixou de pagar quando o BES entrou em falência e as suas contas foram bloqueadas. E que este não era, de resto, o primeiro empréstimo do género que recebeu desta entidade. Também pretende demonstrar em tribunal que outros dirigentes do GES ordenaram transferências através da ES Enterprises: José Manuel Espírito Santo, José Castella, Ricardo Abecassis, Manuel Fernando Espírito Santo e Mário Mosqueira do Amaral. O ex-banqueiro propôs à Justiça portuguesa devolver o dinheiro de que alegadamente se apropriou em troca de ficar com o cadastro limpo, possibilidade prevista numa disposição do Código Penal. Porém, quer fazê-lo à custa do dinheiro e dos bens arrestados noutros processos que correm contra si: o do colapso do BES e o Monte Branco. “Prova plantada” Confrontado pelo advogado de Ricardo Salgado, já da parte da tarde, sobre um documento particular assinado por este banqueiro e pelo também banqueiro Hélder Bataglia, em que o segundo reconhecia dever 2,75 milhões de euros ao primeiro, o inspector tributário garantiu não ter dúvidas de se tratar de uma prova forjada, destinada a ser encontrada pelas autoridades por forma a dar uma aparência de legalidade aos movimentos bancários entre ambos.  No documento encontrado num cofre em buscas realizadas em 2016 a uma casa de Hélder Bataglia em Alfama, o patrão da Escom confessa-se devedor daquela quantia, por via de um alegado empréstimo de dois milhões que lhe teria sido feito por Salgado em 1999, e cujos juros tinham feito aumentar mais 750 mil euros.  Como em 2016 Bataglia já sabia que estava a ser alvo da curiosidade das autoridades, os investigadores da Operação Marquês entendem que o documento – que não foi alvo de reconhecimento notarial – foi fabricado para justificar transferências bancárias que tinham afinal propósitos criminosos. “É um documento sui generis, uma quitação entre dois banqueiros”, observou o inspector tributário. Para explicar depois por que razão os investigadores não lhe atribuíram significado: “Era uma prova plantada.”

 

BES terá enganado clientes em mais de 10 mil milhões de euros

Domingo, Maio 1st, 2016

Citamos

RTP

O Banco Espírito Santo terá enganado os clientes em 10 mil milhões de euros. Em causa está a venda de dívida de empresas do GES, apresentadas aos clientes como produtos de rendimento garantido.

O Ministério Público acredita que o Banco Espírito Santo enganou os clientes em mais de 10 mil milhões de euros. O número é avançado este sábado pelo jornal digital Observador, sendo apresentado como “o caso mais complexo dos inquéritos do chamado Universo Espírito Santo”.

Em causa estão produtos financeiros de risco que terão sido vendidos a clientes como se fossem produtos com rentabilidade garantida. Ou seja, os investimentos poderiam dar lugar a perdas financeiras, sem que estas tivessem sido apresentadas.

Os clientes estariam convictos que colocavam o dinheiro, por exemplo, em depósitos a prazo quando, na verdade, adquiriam títulos de dívida de sociedades ligadas ao universo Espírito Santo. A alegada fraude era feita através de uma empresa suíça controlada por pessoas próximas de Ricardo Salgado.

Através deste esquema, no qual participariam altos quadros do Grupo Espírito Santo e do banco, as autoridades acreditam que eram financiadas sociedades do grupo e ocultada a complicada situação financeira de algumas empresas do grupo.

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal suspeita que estão em causa os crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais, bem como o crime de abuso de confiança.

BES. Clientes terão sido enganados em 10 mil milhões

Sábado, Abril 30th, 2016

Citamos

Observador

O BES é suspeito de ter implementado esquemas de financiamento fraudulento do GES alegadamente à custa dos clientes do banco. Segundo a investigação, o valor pode chegar aos 10 mil milhões de euros.

É o caso mais complexo dos inquéritos do chamado Universo Espírito Santo: o caso Eurofin. O número da alegada fraude imputada aquela sociedade suíça já atinge, segundo os indícios recolhidos pelo Ministério Público (MP), mais de 10 mil milhões de euros. É esse o valor total de diversos produtos financeiros de alto risco colocados junto de clientes do BES com a promessa de que se tratavam de produtos de rentabilidade garantida (como um depósito a prazo) quando, na verdade, eram títulos de dívida de diversas sociedades do Grupo Espírito Santo (GES).

No centro do inquérito da Eurofin estão suspeitas da prática do crime de abuso de confiança precisamente porque existem indícios de que o BES e os seus clientes terão sido enganados e instrumentalizados para financiar ilicitamente o GES naquele montante. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) investiga ainda indícios de fraude fiscal e de branqueamento de capitais. Tudo com a alegada participação de altos quadros do GES e do BES.

O Ministério Público (MP) acredita que a Eurofin terá servido para criar e implementar alegados esquemas de financiamento fraudulento de diversas sociedades do GES com o objetivo de ocultar o passivo das holdings que dominavam os negócios da família Espírito Santo. Tudo à custa dos clientes do Banco Espírito Santo (BES) e de outros bancos internacionais dominados pela família Espírito Santo e com a própria instrumentalização do BES.

Os esquemas de financiamento fraudulento

Comecemos por uma contextualização do que era o GES. Além de atividade em Portugal, Luxemburgo e Suíça, o grupo da família Espírito Santo organizava-se em duas áreas:

  • A área financeira, onde imperava a Espírito Santo Financial Group (que detinha a participação da família no BES e geria as participações do ES Bank Panama e o ES Bank Dubai) e a Espirito Santo Financiére (que geria as participações em instituições financeiras francesas e suíças, como o Banque Privée Espirito Santo e o BES de La Vénetie);
  • A área não financeira que incluía as holdings Espírito Santo Control, aEspírito Santo International, a Espírito Santo Resources, a Rio Forte Investments e a Espirito Santo Services.

Desde finais de 2008, a ESI passou a acumular prejuízos, tendo-se verificado uma degradação galopante da sua situação financeira até finais de 2014 — que acabou por contaminar todas as outras sociedades detidas pela família Espírito Santo e levaram a ESI, a Espírito Santo Control, a Espírito Santo Financial Group (ESFG) e a Rio Forte a ficar sob gestão judicial desde 2014.

Segunda contextualização: entre 2008 e 2014, quer os prejuízos, quer os investimentos e custos operacionais da área não financeira do GES terão sido suportados pela constante emissão de títulos de dívida por parte, nomeadamente, da ESI e a Rioforte.

Tal dívida acabou por ser colocada junto de clientes das instituições financeiras da ESFG por via de contratos de gestão discricionária que habilitava os gestores de conta a investir o dinheiro dos clientes. Isto é, clientes do BES, sucursais e subsidiárias, como o Banque Privée Espirito Santo (Suíça), o BES de La Vénetie (França), o ES Panamá e o ES Bank Dubai desconheciam que estavam a adquirir aqueles títulos de dívida.

O objetivo da colocação da dívida juntos dos clientes (que desconheciam totalmente o que estava a acontecer) visava, segundo as suspeitas dos investigadores do Ministério Público, dissimular o real estado das contas da ESI e das sociedades por esta dominadas.

De acordo com os indícios recolhidos pelos investigadores, o montante do passivo ocultado nas contas da ESI passou do valor de 180 milhões de euros de 2008 para cerca 1,4 mil milhões de euros em 2012. Tal alegada ocultação levada a cabo pelos responsáveis do GES implicaram, no final, uma retificação no passivo real da ESI que chegou a 4,7 mil milhões de euros — e tornou inevitável o processo de insolvência da mesma sociedade.

O processo de ocultação do passivo contou, segundo os investigadores do Ministério Público, com a colaboração estreita de uma sociedade suíça chamadaEurofin — que teve origem numa entidade do GES e, segundo o MP, era controlada por pessoas próximas de Ricardo Salgado.

Na prática, a Eurofin disponibilizava um conjunto de sociedades veículo (muitas delas, sociedades offshore sedeadas nos mais diversos paraísos fiscais) para servirem de contraparte em operações com alguns dos investidores que tinha comprado títulos de dívida emitidos pelas sociedades do GES, assim como assumia a titularidade de determinados investimentos e participações sociais em nome do grupo da família Espírito Santo.

Ao que o Observador apurou, os investigadores do DCIAP que lideram os inquéritos do Universo Espírito Santo detetaram quatro situações de financiamento do GES alegadamente fraudulentas promovidas pela Eurofin:

  • Colocação de dívida do GES junto de clientes. A Eurofin concentrou-se, a partir de 2008, em recolher liquidez para financiar os investimentos efetuados em nome do GES. Assim, terão sido colocados até ao final de 2013 cerca de 2,8 mil milhões de euros de títulos de dívida de diversas sociedades do GES junto de clientes do BES, do Banque Privée Espirito Santo (Suíça), do BES de La Vénetie (França) através de Special Purpose Vehicle (SPV).

O que é um SPV?

Chama-se Special Purpose Vehicle, é uma sociedade veículo e serve para adquirir ou financiar a aquisição de ativos específicos. Genericamente, o SPV é uma empresa subsidiária que tem a obrigação de garantir as suas obrigações mesmo que a empresa mãe entre em processo de insolvência.

O problema é que os clientes não sabiam que detiam esse SPV e desconheciam a realidade financeira das sociedades do GES. Além disso, os SPV eram formalmente geridos pelo Crédit Suisse mas, na realidade, a gestão pertencia ao BES com o objetivo de ocultar a dívida das sociedades do GES.

  • Obrigações do GES cupão zero. Com o objetivo de amortizar os financiamentos da Eurofin, o BES emitiu um conjunto de obrigações próprias, de cupão zero.

O que são obrigações de cupão zero?

São obrigações que não têm cupão (taxa de juro) mas que é emitida com desconto em relação ao seu valor nominal. Ou seja, um investidor que compre uma obrigação de 100 euros por 95 euros (desconto de 5%), sabe que no final do contrato receberá mais 5 euros do que o montante investido inicialmente.

O MP entende que essas emissões tiveram como objetivo fomentar mais-valias que terão sido canalizadas para as sociedades-veículo da Eurofin, num total de cerca de 800 milhões de euros. Tais mais-valias terão sido obtidas, segundo os investigadores do DCIAP, com engano de clientes (que nada sabiam) e do BES (que não obteve qualquer retorno financeiro pelas responsabilidades que assumiu). E em benefício das sociedades da área não financeira do GES que eram financiadas pela Eurofin. Para tal, foram utilizadas diversas unidades bancárias domiciliadas em Londres, Ilhas Cayman e Luxemburgo.

  • Criação de sociedades-veículo para comprar junk assets do BES. A Eurofin terá igualmente servido para a criação e utilização de sociedades-veículo para aquisição de ativos desvalorizados ou com valor perto de zero (como as obrigações Lehman Brothers, por exemplo) para que o banco não tivesse que assumir a sua titularidade e suportar, também contabilisticamente, eventuais prejuízos. Desta forma, a capacidade financeira do BES era melhorada e evitava-se o registo de imparidades financeiras no balanço do banco. De acordo com o MP, esta atividade terá sido sempre omitida aos investidores e ao público em geral.
  • Produtos de rentabilidade garantida com 10 mil milhões de euros colocados nos clientes. O MP suspeita igualmente que o GES terá instrumentalizado o BES para financiar-se através de outros tipos de produtos financeiros, como as chamadas séries comerciais, operações sobre títulos compostos por ações preferenciais emitidas pelas SPV ou obrigações com cupão emitidas pelo BES.

O que eram as séries comerciais do BES?

De acordo com o site da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, o código que se inicia por SCBES era um código meramente interno utilizado pelo BES. “Estes instrumentos correspondem a investimentos em obrigações (emitidas pelo BES) ou ações preferenciais (de entidades relacionadas com o BES), e foram designados pelo BES como Séries Comerciais. Na sua substância, consistiu na aquisição de títulos pelos clientes em mercado secundário, com a promessa de recompra futura pelo BES, numa data predeterminada e a um preço predefinido, prometendo desta forma ao cliente, na maturidade do investimento, a recuperação do capital investido, assim como da rentabilidade acordada”, lê-se no site da CMVM.

Os investigadores do DCIAP suspeitam que o BES colocou cerca de 10 mil milhões de euros em produtos desta natureza junto dos seus clientes entrejaneiro de 2011 e abril de 2014 com a intermediação da Eurofin. O problema mais grave é que, na ótica do MP, existem indícios de que tais produtos foram apresentados aos clientes do BES como se de rentabilidade garantida se tratassem. Isto é, como se fossem depósitos a prazo. O MP suspeita ainda que estas transações serviram igualmente para camuflas puras operações de reporte ou acordos de recompra com ganhos fiscais alegadamente ilícitos.

Juiz suspeitou de acordo entre Salgado e o Ministério Público

Sexta-feira, Março 11th, 2016

Citamos

Diário de Notícias

Carlos Alexandre estranhou comportamento dos advogados do banqueiro. E decidiu colocar o ex-banqueiro em prisão domiciliária

O cenário surpreendeu o juiz Carlos Alexandre: a 24 de julho, depois de o Ministério Público ter proposto as medidas de coação a Ricardo Salgado – duas proibições, de contactar pessoas envolvidas no caso e de se ausentar do país, assim como ao pagamento de 1,5 milhões de euros de caução -, o magistrado judicial estranhou que a defesa do ex-banqueiro apenas tenha gasto três minutos a responder ao procurador e a aceitar prontamente o pedido do MP. Com ironia, Carlos Alexandre começou por dizer que até conhece o sistema anglo-saxónico, em que acusação e defesa negoceiam, mas, afirmou: “Não passa pela mente do juiz que alguma vez o MP tenha sancionado tal procedimento.”

A consequência deste desentendimento, como foi já noticiado, passou pela decisão do juiz em colocar o ex-presidente do Grupo Espírito Santo (GES), suspeito de burla qualificada, falsificação de documentos, falsificação informática, branqueamento, fraude fiscal qualificada e corrupção no setor privado em prisão domiciliária de julho a dezembro de 2015, altura em que o próprio Carlos Alexandre deu por terminada a medida.

No final do interrogatório de julho, Carlos Alexandre fez ainda vários comentários ao tempo de reação da defesa de Ricardo Salgado à promoção do Ministério Público, ora dizendo que os advogados responderam num minuto ou em três, dizendo ainda que a defesa nem sequer quis cópia do documento do Ministério Público que propunha as medidas de coação. Isto tudo, segundo o juiz, só poderia ser entendido como uma “completa conformação da defesa do arguido Ricardo Salgado com as medidas de coação apresentadas no, aliás, extenso documento” dos procuradores.

Contactado pelo DN, Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, não quis prestar qualquer esclarecimento sobre o sucedido a 24 de julho com o juiz Carlos Alexandre: “O processo em causa está em segredo de justiça, pelo que a defesa do Dr. Ricardo Salgado não faz qualquer comentário.” Porém, no recurso apresentado contra a decisão, a que o DN teve acesso, a defesa de Ricardo Salgado não poupou nas críticas ao juiz de instrução e aos seus considerandos: “A única pessoa que tem inteira e exclusiva legitimidade para tecer considerações sobre o desempenho dos defensores é o recorrente [Ricardo Salgado].” E mais: “Os meritíssimos juízes não devem – ou melhor, não podem – imiscuir-se no papel dos defensores.”

Quanto ao tempo de reação -um, dois ou três minutos – às medidas de coação propostas pelo Ministério Público, os advogados recorreram à ata para contrariar a versão do juiz, declarando que, ao mesmo tempo que contestaram a existência de fortes indícios de crimes cometidos por Ricardo Salgado, defenderam que “por uma questão de total colaboração com as autoridades judiciárias, com as investigações em curso”, o ex-banqueiro não se opunha “às concretas e específicas medidas de coação” que estavam indicadas na promoção do MP.

O DN procurou saber junto da defesa de Salgado qual o resultado deste recurso – e se o mesmo tinha sido apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já que em dezembro a medida de coação foi alterada – mas não obteve o esclarecimento pedido.

Quanto a um eventual acordo, os advogados lançaram outra “farpa” ao juiz: “Se não passou pela mente do juiz que o MP e a defesa teriam chegado a um qualquer acordo (que, de facto, inexistiu), não se entrevê qual o sentido de tecer tal comentário num despacho, que não dignifica nem o MP nem os defensores.” Se Ricardo Salgado coopera com o inquérito, continuaram os advogados, “é porque não tem razão e deve ser privado da liberdade”; “se não coopera”, concluem, “é porque perturba o inquérito e o Tribunal Central de Instrução Criminal entende, do mesmo modo, privar a liberdade”.

 

Ricciardi continua a ser investigado por suspeita de tráfico de influências

Quinta-feira, Março 10th, 2016

Citamos

Observador

Primo de Ricardo Salgado esteve sob escuta durante 335 dias devido a alegadas irregularidades nas privatizações da EDP e da REN que terão prejudicado o Estado em 130 milhões, segundo a Sábado.

José Maria Ricciardi foi investigado e considerado suspeito pelo procurador Rosário Teixeira na investigação às privatizações da EDP e da REN, tendo sido passado a pente a fino todo o trabalho de assessoria que o Banco Espírito Santo Investimento (BESI) prestou às empresas chinesas China Three Gorges e State Grid – ambas vencedoras dos concursos que garantiam posições de controlo na EDP e na REN. Ricciardi foi mesmo constituído arguido em 2013 por suspeitas da prática do crime de tráfico de influência e ainda continua com esse estatuto porque a investigação ainda não foi concluída.

De acordo com a revista Sábado, que faz esta manhã capa com este tema, as suspeitas iniciais sobre alegadas irregularidades nos dois processos de privatização nasceram no processo Monte Branco e estão relacionadas com crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de informação, tráfico de influência, e violação do segredo. E ainda o ilícito contra-ordenacional de abuso de informação, previsto no Código dos Valores Mobiliários. Em 2013, e já depois de José Maria Ricciardi ter sido constituído arguido, o inquérito foi autonomizado do caso Monte Branco.

Pedro Reis, advogado de Riccardi, afirmou esta manhã em comunicado que o líder do Haitong Bank (empresa chinesa que comprou o BESI) vai processar a Sábado.

Tudo porque a revista noticia que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal suspeita que o Estado terá sido prejudicado em mais de 130 milhões de euros. Isto é, existem indícios de que os contactos políticos de Riccardi e de outros membros da administração do BESI terão permitido não só ganhar a assessoria das empresas chinesas como também terão permitido aos seus clientes poupar esse montante, ficando o Estado prejudicado já que não terá conseguido arrecadar mais de 130 milhões de euros de receita. No total, o Estado conseguiu uma receita de 3,3 mil milhões de euros com a venda das duas participações.

Trata-se de um caso que deu muito que falar em 2013 porque envolvia escutas telefónicas realizadas a José Maria Ricciardi que ‘apanharam’ o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Ricciardi contactou o líder do PSD com o objetivo de recolher informação sobre a privatização da REN mas, apesar de Passos Coelho ter afirmado de forma clara de que não podia falar sobre esse assunto, as escutas telefónicas foram enviadas para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de forma a serem validadas pelo conselheiro Noronha de Nascimento, então presidente do STJ.

“A circunstância de as referidas interceções não revelarem qualquer receptividade do sr. primeiro-ministro à abordagem realizada pelo suspeito José Maria Ricciari não afasta o preenchimento do crime de tráfico de influência (…), uma vez que se não exige que o agente do crime alcance um resultado favorável às suas pretensões, mas tão-só que venda e abuse da sua capacidade de influência”, lê-se num despacho de Rosário Teixeira, citado pela mesma revista.

Jorge Tomé foi constituído arguido

Além de Ricciardi, também Jorge Tomé foi constituído arguido, segundo a Sábado. Tomé era então o presidente da da Caixa BI, o banco de investimento da Caixa Geral Depósitos que assumia o papel de conselheiro do Estado nos dois processos de privatização, e foi considerado suspeito por alegadamente ter passado informação confidencial a Riccardi sobre os preços apresentados pelos concorrentes da China Three Gorges e da State Grid. Tomé, que foi até há pouco tempo líder do BANIF, foi constituído arguido em Abril de 2013 por suspeitas da prática do crime de violação de segredo, tendo alegado na altura que todas as informações que dera a Ricciardi já eram públicas.

As escutas telefónicas a que Ricciardi foi sujeito durante 335 dias, incluíram contactos com os governantes mais influentes do Executivo PSD/CDS, como Miguel Relvas, Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque. Muitas conversas com jornalistas terão sido igualmente gravadas e transcritas. Segundo Paulo Silva, o inspetor tributário que é o braço direito do procurador Rosário Teixeira nos inquéritos por este dirigidos, tais conversas indiciavam uma alegada manipulação da comunicação social por parte do banqueiro. Estávamos no auge da guerra entre Ricardo Salgado e Ricciardi pelo controlo do Grupo Espírito Santo e as batalhas travadas pelos primos no interior da família começavam a ser noticiadas na imprensa.

A Sábado revela também que depois de ter solicitado a sua inquirição a Carlos Alexandre e a Rosário Teixeira, José Maria Ricciardi apresentou igualmente justificações para vários depósitos em numerário que tinham sido feitos nas suas contas, nomeadamente cerca de 385 mil euros. O banqueiro alegou que se tratavam de despesas confidenciais que tinham sido pagas pelo BESI e retificou as suas declarações fiscais – como o seu primo Ricardo Salgado também fez devido a uma prenda de 14 milhões de euros do construtor José Guilherme.

Ouvido pelo procurador Rosário Teixeira em 2013 na condição de arguido, Ricciardi negou qualquer espécie de pressão sobre o poder político ou acesso indevido a informação privilegiada, argumentando que não tinha conhecido antecipadamente as propostas finais da China Three Gorges e da State Grid.

Mas as explicações não convenceram Rosário Teixeira que continua a considerar que houve uma interferência ilícita nos processos de privatização da EDP e da REN – interferência essa que fez com que as propostas das empresas chinesas tivessem baixado da primeira fase para fase da best and final offer. No caso do concurso da EDP, a proposta da China Three Gorges terá sido reduzida de 3,6 para 3,45 euros por ação, enquanto no concurso da REN, ter-se-á verificado uma redução de 3 para 2,9 euros. Resultado: o Estado terá sido prejudicado em cerca de 130 milhões de euros.

Ricciardi processa Sábado

Pedro Reis, advogado de José Maria Ricciardi, afirmou esta manhã em comunicado que o seu cliente “não está incriminado por coisa nenhuma, nem é devedor de qualquer montante à Autoridade Tributária, razão pela qual o objetivo da reportagem só pode atribuir-se a um intuito meramente persecutório”, lê-se no texto enviado para as redações.

Além de considerar que o texto da Sábado “não passa de um conjunto de imputações caluniosas”, o advogado diz que Ricciardi vai “instaurar de imediato ações cíveis e criminais contra o autor da reportagem, bem como contra o diretor e a sociedade proprietária da revista”, acrescentando que “a manifesta intenção dolosa que pauta o desenvolvimento da reportagem e as sucessivas mentiras ou insinuações difamatórias nela constantes, convidam o meu constituinte [José Maria Ricciardi] a não anuir ao repto de exercer por ora o contraditório a que tem direito”.

“O Banif é um caso diferente do BES onde houve fraude”

Sábado, Janeiro 9th, 2016

Ciamos

Económico com som

Justiça. Cinco casos que vão marcar 2016. E outros de que vai ouvir falar

Quarta-feira, Janeiro 6th, 2016

Citamos

Observador

José Sócrates, Ricardo Salgado e Miguel Macedo continuarão a estar no centro da ação da justiça. Casos que envolvem Luís Filipe Menezes e Marco António deverão ter desenvolvimentos no novo ano.

Se 2014 e 2015 foram anos judiciários marcados pela Operação Marquês, 2016 não será muito diferente. José Sócrates representa uma espécie de espada de Dâmocles sobre o pescoço da senhora com os olhos vendados – a estátua da deusa romana Lustitia que simboliza a Justiça. O que acontecer no caso Sócrates marcará, inevitavelmente, não só 2016 mas, também, a relação entre o poder político e o poder judicial – dois poderes de que depende o equilíbrio da República. E veremos se a espada que Lustitia costuma ter na mão direita valerá mais do que aquela que José Sócrates invoca nas suas entrevistas.

. Operação Marquês

Sendo certo que é inevitável a conclusão do inquérito em 2016, a questão que se coloca é simples: em que data exata o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) proferirá o despacho de encerramento de inquérito? As divisões internas entre os investigadores que foram tornadas públicas impedem uma resposta clara.

Paulo Silva, inspetor da Autoridade Tributária e titular do órgão de polícia criminal da Operação Marquês, defende que apenas poderá apresentar o seu relatório final, que costuma preceder a decisão final do MP, em setembro de 2016. Amadeu Guerra, diretor do DCIAP, começou por dizer, num primeiro despacho datado de 11 novembro, que nem pensar. Num segundo despacho, de 22 de dezembro, depois de ouvir as explicações detalhadas do procurador Rosário Teixeira, titular dos autos, e de Paulo Silva, a sua posição evoluiu. Além de ter dado mais três meses para a investigação continuar (até 22 de março, portanto), Amadeu Guerra decidiu que só nessa data será obrigatório definir uma data final para a conclusão das investigações. Ou seja, não é garantido que o despacho final de encerramento de inquérito seja proferido antes do verão – o que faz com que a data programada por Paulo Silva esteja cada vez mais próxima.

Guerra e a procuradora-geral, Joana Marques Vidal, desejavam em outubro a conclusão mais rápida possível do inquérito, concentrando-se uma eventual acusação contra José Sócrates na relação deste comCarlos Santos Silva – ficando as restantes situações para outras investigações que podiam (e podem) ser abertas através de extração de certidões dos respetivos indícios. O inspetor tributário discordou em absoluto dessa estratégia, tendo feito questão de expor a mesma por escrito nos autos através de um relatório que foi tornado público pelo Diário de Notícias no final de outubro. Daí o despacho de Amadeu Guerra datado de 11 de novembro.

Essas divisões internas parecem esbatidas com a última decisão do diretor do DCIAP de 22 de dezembro, e com a sua aparente cedência à estratégia dos investigadores. Aliás, Amadeu Guerra tinha sempre a possibilidade legal de retirar a investigação ao procurador Rosário Teixeira e distribui-la a outro magistrado. Não só não o fez, como reforçou a equipa que está adstrita à Operação Marquês.

De facto, e segundo o último comunicado da Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público (MP) tem quatro procuradores do DCIAP, dois magistrados a área administrativa (que se dedicam às matérias urbanísticas da expansão imobiliária Vale do Lobo que está sob suspeita de corrupção) e um procurador da Instância Central Criminal de Lisboa (o magistrado Vítor Pinto que deverá um eventual julgamento do caso) a trabalhar na Operação Marquês. Enquanto que aAutoridade Tributária reforçou a equipa liderada por Paulo Silva para 16 inspetores tributários dedicados a analisar e a sistematizar os mais de 1900 documentos em suporte de papel, mais de 5.000.000 de ficheiros informáticos e os mais de 130.000 registos bancários que fazem parte dos autos.

E qual o resultado: acusação ou arquivamento?

Poucos acreditarão que o MP arquive um caso no qual propôs a prisão preventiva de um ex-primeiro-ministro durante dez meses. Sendo o arquivamento uma ideia teoricamente aceitável num inquérito normal, seria o descrédito do titular da ação penal, caso o procurador Rosário Teixeira não avançasse para uma acusação depois de apelidar as provas contra José Sócrates como “fortes indícios” da prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais em praticamente todas as respostas aos diversos recursos interpostos pela defesa de Sócrates.

Tal como é certo que, quanto mais tempo demorar uma acusação contra o ex-primeiro-ministro, maior será a ecitação das críticas de Sócrates junto da opinião pública – e maior eficácia terá a sua narrativa de que o MP não tem provas para apresentar.

Para já, foram constituídos 12 arguidos: José Sócrates, Carlos Santos Silva, João Perna (ex-motorista de Sócrates), Gonçalo Trindade Ferreira (advogado de Santos Silva), Joaquim Barroca(administrador do Grupo Lena), Paulo Lalanda Castro (ex-patrão de Sócrates), Inês Rosário (mulher de Santos Silva), Diogo Gaspar Ferreira (administrador da empresa que detém o resort de Vale do Lobo), Armando Vara, (ex-vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos), Bárbara Vara (filha de Armando Vara) e Rui Mão de Ferro (gestor e sócio de Santos Silva).

Face ao último ponto da situação do processo feito pelo procurador-geral adjunto Rosário Teixeira, e àquilo que foi noticiado pelo Observador, esperam-se mais 20 inquirições das quais podem nascer novos arguidos.

Hélder Bataglia deverá ser um deles. O líder do Grupo Escom, que comprou o empreendimento de Vale do Lobo e propôs um financiamento de mais de 220 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos, encontra-se em negociações com o MP para ser ouvido o mais rapidamente possível. Bataglia receia ser detido em Portugal mas, tendo em conta que nenhum arguido está, neste momento, detido à ordem desses autos, é pouco provável que tal venha a acontecer.

E qual o resultado: acusação ou arquivamento?

Poucos acreditarão que o MP arquive um caso no qual propôs a prisão preventiva de um ex-primeiro-ministro durante dez meses. Sendo o arquivamento uma ideia teoricamente aceitável num inquérito normal, seria o descrédito do titular da ação penal, caso o procurador Rosário Teixeira não avançasse para uma acusação depois de apelidar as provas contra José Sócrates como “fortes indícios” da prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais em praticamente todas as respostas aos diversos recursos interpostos pela defesa de Sócrates.

Tal como é certo que, quanto mais tempo demorar uma acusação contra o ex-primeiro-ministro, maior será a ecitação das críticas de Sócrates junto da opinião pública – e maior eficácia terá a sua narrativa de que o MP não tem provas para apresentar.

Para já, foram constituídos 12 arguidos: José Sócrates, Carlos Santos Silva, João Perna (ex-motorista de Sócrates), Gonçalo Trindade Ferreira (advogado de Santos Silva), Joaquim Barroca(administrador do Grupo Lena), Paulo Lalanda Castro (ex-patrão de Sócrates), Inês Rosário (mulher de Santos Silva), Diogo Gaspar Ferreira (administrador da empresa que detém o resort de Vale do Lobo), Armando Vara, (ex-vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos), Bárbara Vara (filha de Armando Vara) e Rui Mão de Ferro (gestor e sócio de Santos Silva).

Face ao último ponto da situação do processo feito pelo procurador-geral adjunto Rosário Teixeira, e àquilo que foi noticiado pelo Observador, esperam-se mais 20 inquirições das quais podem nascer novos arguidos.

Hélder Bataglia deverá ser um deles. O líder do Grupo Escom, que comprou o empreendimento de Vale do Lobo e propôs um financiamento de mais de 220 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos, encontra-se em negociações com o MP para ser ouvido o mais rapidamente possível. Bataglia receia ser detido em Portugal mas, tendo em conta que nenhum arguido está, neste momento, detido à ordem desses autos, é pouco provável que tal venha a acontecer.

Por outro lado, dois jornalistas do Correio da Manhã, que são assistentes no processo, solicitaram a constituição como arguidos deFernanda Câncio, ex-namorada de José Sócrates, e de Sofia Fava, ex-mulher do ex-primeiro-ministro, por suspeitas de fraude fiscal e de branqueamento de capitais. Em causa, segundo alegam aqueles assistentes, estarão imputações de que Câncio e Fava terão beneficiado de capitais que saíram das contas de Carlos Santos Silva – que, no entendimento do MP, pertencerão a José Sócrates e têm origem ilícita.

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2. Caso BES/GES

Este caso, como todos os outros relacionados com a banca, tem duas vertentes, uma criminal e outra contra-ordenacional, que marcarão os noticiários em 2016.

Comecemos pela primeira. Embora seja conhecido como o caso BES/GES, a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu apelidar os processos relacionados com a derrocada do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo de “Universo Espírito Santo”. A PGR confirmou, a 24 de julho, que existem cinco inquéritos, sendo que um deles, relacionado exclusivamente com queixas de burla por parte de antigos clientes, tem apensas 73 investigações espalhadas por diversos distritos judiciais.

Além deste inquérito, também conhecido como o “caso dos clientes”, existem ainda mais quatro inquéritos com o seguinte objeto de investigação:

  1. O chamado “caso principal” relaciona-se com a alegada falsificação da contabilidade de sociedades fundamentais do Grupo Espírito Santo (GES), como a Espírito Santo International (ESI), e que já esteve na origem da primeira acusação do Banco de Portugal contra Ricardo Salgado e mais 14 ex-gestores do BES e do GES. A alegada gestão ruinosa do BES está no centro deste inquérito, assim como a emissão de papel comercial da ESI e daRioForte (duas sociedades do GES) em 2013 e 2014, que terá permitido a Ricardo Salgado adiar o inevitável quando o GES já tinha entrado em colapso, está igualmente a ser passada a pente fino;
  2. As relações entre o BES e o Banco Espírito Santo de Angola que terão levado a alegados desvios financeiros superiores a mais de mil milhões de euros;
  3. Um esquema alegadamente montado pela sociedade Eurofin Securities, empresa de direito suíço, que terá permitido retirar cerca de 800 milhões de euros do BES nas semanas que precederam a intervenção do Banco de Portugal e posterior desmembramento do banco da família Espírito Santo. O esquema da Eurofin terá estado na origem de prejuízos de cerca de 1,2 mil milhões de euros .
    • O investimento de cerca de 900 milhões de euros que a Portugal Telecom, liderada por Henrique Granadeiro e por Zeinal Bava, fez na RioForte em 2014. Neste inquérito estará, também, a ser investigado o investimento que a PT fez na empresa brasileira Oi,assim como as suspeitas de alegados pagamentos de luvas pela viabilização desse negócio essencial para a empresa se manter no mercado brasileiro.

    Até ao momento, estão confirmados sete arguidos nos inquéritos ao Universo Espírito Santo:

    • Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES e ex-líder do GES, foi constituído arguido por suspeitas dos crimes de burla qualificada, falsificação de documento, falsificação informática, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e corrupção no setor privado; Salgado esteve até recentemente em prisão domiciliária à ordem dos inquéritos ao Universo Espírito Santo;
    • Amílcar Morais Pires, ex-chief financial officer (CFO) do BES e braço direito de Salgado;
    • Isabel Almeida, ex-diretora financeira do BES que chegou a ser dada como administradora do banco numa lista encabeçada por Amílcar Morais Pires (apontado pelo próprio Ricardo Salgado como seu sucessor);
    • António Soares, ex-administrador da seguradora BES Vida;
    • José Castella, ex-controller financeiro do GES e figura próxima de Ricardo Salgado;
    • Cláudia Boal de Faria, ex-diretora do Departamento de Gestão de Poupança do BES;
    • Pedro Luís Costa, ex-alto funcionário do BES.

    O sucesso das investigações do DCIAP dependem muito da cooperação judicial internacional de países onde muitas das empresas do GES tinham ou ainda têm sede: Suíça, Luxemburgo, Reino Unido,Estados Unidos, Panamá, Dubai, etc. Sendo o GES (e por arrasto o BES) um grupo com implantação mundial, é necessário recolher muita prova em jurisdições nas quais o DCIAP não tem poder, dependendo assim da boa vontade das instâncias internacionais.

    Apesar de não ser possível adiantar uma data de conclusão para qualquer um dos cinco inquéritos do caso BES/GES, é expectável que novos desenvolvimentos sejam conhecidos ao longo de 2016. Por exemplo, mais membros da família Espírito Santo deverão ser chamados a prestar contas à Justiça e novos arguidos deverão nascer desses interrogatórios.

    Os cinco inquéritos contam, para já, com uma equipa de cinco magistrados do DCIAP e uma equipa multidisciplinar de seis procuradores de outras jurisdições em Portugal, nomeadamente na área administrativa e cível, que intervém em diferentes processos relacionados com o arresto de bens, recuperação de ativos (ambos para prevenir o pagamento de eventuais indemnizações) e insolvência.Outra questão prende-se com a vertente contra-ordenacional a cargo das entidades reguladoras do mercado bancário (o Banco de Portugal) e do mercado de capitais (a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários).

    O Banco de Portugal é o que está mais avançado. Dos quatro inquéritos de contra-ordenação abertos, o supervisor bancário já terminou dois:

    • O primeiro relacionado com a falsificação da contabilidade da ESI e a colocação de papel comercial da ESI e da RioForte em clientes do BES – que culminou em acusações graves, como gestão ruinosa, contra Ricardo Salgado, 14 gestores do BES e três sociedades do GES e a aplicação de multas máximas que podem chegar aos cinco milhões de euros no caso de Salgado e a inibição por 10 anos como gestor bancário. Está a decorrer a fase de instrução deste processo de contra-ordenação, prevendo-se que exista uma decisão final do conselho de administração do Banco de Portugal até maio de 2016;
    • As relações entre o BES e o BES Angola concentraram as atenções no segundo inquérito. Foram acusados 18 ex-gestores do BES, entre os quais se encontra novamente Ricardo Salgado. As contestações já terão sido entregues no BdP, seguindo-se a fase de instrução do processo que se assemelha, parcialmente, a uma espécie de pré-julgamento.
    • Faltam ainda mais dois inquéritos relacionados com os clientes que se dizem lesados e as relações entre o Eurofin e o BES.

    Do lado da CMVM, esperam-se novidades sobre os respetivos processos de contra-ordenação no início do Ano Novo. 

    3. Monte Branco

    É um caso que ficou conhecido em maio de 2012 e que se arrasta desde então. Tem uma rede de branqueamento de capitais com operações emPortugal e na Suíça, liderada por Michel Canals e Francisco Canas, no centro da investigação. Uma fuga em massa ao fisco português é o ponto de partida desta investigação, sendo que os números totais dessa evasão fiscal variam de forma significativa. O semanário Sol, que noticiou em exclusivo o caso em 2012, já falou num montante total superior a três mil milhões de euros, enquanto outros jornais, como o Expresso, falam num montante muito inferior: cerca de 100 milhões de euros – e só no que diz respeito a serviços prestados por Francisco Canas.

    O caso é complexo e tem cruzamentos com vários outros processos conhecidos (como o caso BPN, Furacão, BES/GES e Operação Marquês). Tudo começava com a entrega de dinheiro vivo a Francisco Canas nas instalações da sua loja de câmbios na baixa de Lisboa, fazendo este, posteriormente, transferências bancárias internacionais no mesmo montante entregue (com o desconto da sua comissão de 1%) a partir do BPN IFI de Cabo Verde para as contas das sociedades Akoya, gerida por Michel Canals e Nicolas Figueiredo, eArco Finance, de Ricardo Arcos, em diversos bancos suíços. Estas duas sociedades gestoras de fortunas, por seu lado, tinham uma rede quase interminável de sociedades sedeadas em paraísos fiscais que faziam “rodar” o dinheiro sempre que necessário para ocultar a sua origem.

    As listas de clientes da rede do Monte Branco estão, em parte, na origem do intenso escrutínio jornalístico que o caso conheceu desde maio de 2012. O Expresso revelou os principais nomes de uma lista de clientes de Francisco Canas com mais de 180 indivíduos, sendoManuel Vilarinho, ex-presidente do Benfica, e Maria José Rau, ex-secretária de Estado da Administração Educativa de António Guterres, os nomes mais conhecidos. Na Operação Marquês, como o Observador noticiou, foi igualmente detetada a participação deArmando Vara, então vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos, na rede do Monte Branco. Vara terá entregado a Canas, e recebido de várias offshores controladas por Canals, um total de cerca de 800 mil euros.

    Já as listas de clientes da Akoya e da Arco Finance têm nomes mais mediáticos. Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES, é um deles. Chamado a depor como testemunha para justificar as retificações fiscais superiores a 14 milhões de euros que realizou juntamente com a sua mulher no âmbito do Regime Excecional de Regularização Extraordinária (RERT) de 2012, Salgado confessou que era cliente da Akoya tendo utilizado a sociedade suíça, da qual Álvaro Sobrinho(ex-presidente do BES Angola) era acionista, para transferir montantes que lhe foram oferecidos por José Guilherme, empreiteiro e importante cliente do BES e do BES Angola. Mais tarde, em julho de 2014 e quando já não era líder do BES, Salgado foi detido para interrogatório para ser constituído arguido por suspeitas dos crimes de burla, abuso de confiança, falsificação de documento e branqueamento de capitais. Foi a primeira vez que o banqueiro, que era conhecido como o “dono disto tudo”, foi formalmente constituído suspeito da prática de ilícitos criminais.

    A maior curiosidade para 2016 reside em perceber se serão conhecidos mais detalhes das listas de clientes da Akoya e da Arco Finance, até porque um número significativo destes clientes já terão regularizado a sua situação fiscal ao abrigo do RERT. O MP já terá muitos dados na sua posse, pois os principais arguidos (Michel Canals, Nicolas Figueiredo, Francisco Canas e Ricardo Arcos) terão colaborado com o procurador Rosário Teixeira na descoberta da verdade.

    Resta saber se este caso terá o mesmo destino que o processo Furacão. Isto é, se o MP ficará satisfeito com as regularizações extraordinárias efetuadas junto do Fisco (que levaram a um acréscimo muito significativo da receita fiscal) ou se continuará a perseguir criminalmente os protagonistas da rede e os seus clientes. Tendo em conta os crimes pelos quais Ricardo Salgado foi constituído arguido, tudo aponta para que seja seguida a segunda opção.

    Não será ainda em 2016, contudo, que este caso será encerrado. O facto de o procurador Rosário Teixeira ter que dividir a titularidade destes autos com a Operação Marquês, e a prioridade que o caso que envolve José Sócrates terá de ter, implicam a passagem para segundo plano do caso Monte Branco.

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    4. Vistos Gold

    Foi uma das acusações que marcaram 2015. Direcionada a uma das medidas emblemáticas do governo PSD/CDS, a acusação do MP visouMiguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna de Passos Coelho, António Figueiredo, ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado, Manuel Palos, ex-diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e Maria Antónia Anes, ex-secretária-geral do Ministério da Justiça. Foram estes os principais arguidos de um caso que ficou conhecido da opinião pública com a detenção destes três últimos arguidos em novembro de 2014, dias antes da detenção de José Sócrates. Foram, ainda, acusados mais 13 arguidos, entre os quais Paulo Lalanda Castro (ex-patrão deSócrates) e quatro sociedades comerciais.

    O ano de 2016 começará com a abertura de instrução que pode ser requerida por qualquer um dos arguidos. É uma fase facultativa, existindo a possibilidade de alguns arguidos passarem diretamente para a fase de julgamento. E, ao que o Observador apurou, deverá ser essa a opção da maioria dos arguidos mais importantes. É expectável que apenas os arguidos com menos crimes contestem, desde já, a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

    Se apenas alguns arguidos, e os que têm menos acusações a contestar, avançarem para a fase de instrução, 2016 poderá igualmente ser o ano em que ficará decidido quem vai a julgamento e em que data. É essa a expectativa de diversos advogados do processo, até pela forma expedita como o Tribunal Central de Instrução Criminal costuma despachar a fase de instrução.

    Se todos estes cenários se concretizarem, e tendo em conta os timingsnacionais de processos complexos de crimes económico-financeiros, não deixará de ser um feito que um processo que se iniciou em 2013 tenha julgamento marcado apenas três anos depois.

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    5. Julgamento do caso principal do BPN

    Ao contrário do caso Vistos Gold, pode dizer-se que o caso BPN é um exemplo da lentidão da Justiça portuguesa. Para sustentar esta tese, basta olhar para os processos-crime que nasceram da derrocada do banco gerido por José Oliveira Costa.

    Dos 20 inquéritos criminais abertos e coordenados pelo procurador Rosário Teixeira, apenas quatro resultaram em acusações formais do DCIAP, sendo que apenas um teve sentença em primeira instância: o chamado caso Homeland, que envolve Duarte Lima. O ex-líder parlamentar do PSD foi condenado, em novembro de 2014, adez anos de prisão efetiva por burla qualificada e branqueamento de capitais. Para não se perder no caso BPN,fizemos este guia que voltamos a recomendar.

    Contudo, será precisamente a primeira acusação, e a mais importante por ser a principal, do caso BPN que marcará 2016. A acusação é de2009 mas o julgamento dura desde dezembro de 2010. São cinco anos de sessões de um caso que envolve 15 arguidos. Houve 16pronunciados e, ainda, mais uma sociedade comercial chamada Labicer que foi declarada insolvente. As acusações contra esta pessoa coletiva caíram. O processo envolveu mais de 150 testemunhas.  Só uma destas testemunhas, um alto quadro do BPN, foi ouvida durante mais de sete meses consecutivos em 200 sessões por praticamente todos os advogados terem colocado perguntas. O julgamento encontra-se na fase em que alguns dos principais arguidos estão a utilizar a prerrogativa legal de prestarem esclarecimentos ao tribunal após a audição das testemunhas, sendo esperada a conclusão das alegações finais no início do ano novo e a leitura da sentença até ao final do primeiro semestre de 2016.

    Está em causa a alegada falsificação da contabilidade do BPN e a criação de uma contabilidade paralela no Banco Insular de Cabo Verde – os dois principais factos que estiveram na origem da nacionalização doBPN tomada pelo governo de José Sócrates em novembro de 2008.

    José Oliveira Costa, ex-presidente executivo do banco, é o principal réu, estando a ser julgado pelos crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documento, branqueamento de capitais, infidelidade, aquisição ilícita de ações e fraude fiscal. É acompanhado, entre outros, por José Vaz de Mascarenhas (ex-presidente do Banco Insular), Luís Caprichoso e Francisco Sanchez (ambos ex-gestores do BPN) e pelo empresário Ricardo Oliveira.

    Está a decorrer, ainda, um julgamento de uma segunda acusação do caso BPN, relacionada com um investimento imobiliário que envolveArlindo Carvalho, ex-ministro da Saúde de Cavaco Silva, e Oliveira Costa, e que resultou num prejuízo superior a 78 milhões de eurospara o BPN. Contudo, diversos advogados contactados pelo Observador não preveem que a leitura da sentença ocorra em 2016.

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    6. Outros casos (e várias interrogações)

    • Luís Filipe Menezes

    Um caso a acompanhar com atenção em 2016 será o de Luís Filipe Menezes (ex-líder do PSD e ex-presidente da Câmara Municipal de Gaia) e, por arrasto, o inquérito que visa Marco António Costa(secretário-geral do PSD e ex-vice-presidente de Menezes em Gaia).

    Luís Filipe Menezes está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto e pela Polícia Judiciária por suspeitas, entre outros crimes, de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Estarão em causa alegações sobre uma divergência significativa entre o património declarado pelo ex-autarca e os vencimentos que declarou enquanto titular de cargo político – alegações que foram desmentidas de forma veemente pelo próprio Luís Filipe Menezes.

    Certo é que o ex-líder do PSD vai perder o lugar de conselheiro de Estado para o qual foi eleito em 2011 na quota relativa à Assembleia da República. Ao perder este estatuto, deixa de ter direito à imunidade que lhe era garantida como conselheiro do Presidente da República.

    • Marco António Costa

    Também Marco António Costa viu a Procuradoria-Geral da República, tal como aconteceu com Menezes, confirmar oficialmente a existência de uma investigação criminal contra si, na sequência de uma participação entregue ao DIAP do Porto por um ex-dirigente da distrital portuense do PSD: Paulo Vieira da Silva. Estão igualmente em causa denúncias que visam uma alegada prática do crime de tráfico de influências através do PSD e da Câmara de Gaia.

    Marco António Costa mostrou-se disponível para colaborar com a investigação e interpôs uma ação por difamação contra Paulo Vieira da Silva.

    • Caso Banif

    Com a mais do que provável instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do Banif, terá de se seguir com atenção as eventuais responsabilidades criminais que possam surgir. Seja pelas duras críticas de falta de proatividade que o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, dirigiram ao anterior governo de Pedro Passos Coelho, seja pelo processo de venda do Banif acarretar elevados prejuízos para os contribuintes, que podem chegar a cerca de quatro mil milhões de euros, seja, por último, por ser esse o padrão de todas as comissões parlamentares de inquérito abertas à gestão de entidades bancárias que tiveram apoio público. Nos casos BPN e BES, não faltaram factos que foram encaminhados para a Procuradoria-Geral da República.

    Para já, e tal como o Observador noticiou, a PGR está a analisar se toda a informação que já veio a público contém suspeitas da prática de crimes públicos.

    Um caso, mais um, a seguir em 2016.

 

 

 

Ex-CEO pede investigação judicial e sugere auditoria ao processo de venda do Banif

Quinta-feira, Dezembro 24th, 2015

Citamos

Negócios

Lançando várias dúvidas ao processo de alienação do Banif ao Santander Totta, Jorge Tomé sublinhou que deve ser feita uma auditoria independente que compare a operação e as suas alternativas.

Em entrevista à SIC Notícias, Jorge Tomé recusou ter medo de quaisquer investigações judiciais que possam vir a ser desencadeadas em torno do Banif.

“Acho que se deve fazer uma investigação judicial”, contrapôs o presidente executivo da instituição financeira até domingo, 20 de Dezembro, dia em que o Banco de Portugal ditou o seu fim.

O Ministério Público está, neste momento, a acompanhar o caso mas ainda não há quaisquer processos ou denúncias feitas em torno do Banif.

Por outro lado, Jorge Tomé também disse, no programa Negócios da Semana, que é favorável a uma auditoria independente ao caso, como têm pedido vários partidos políticos e como sugeriu o banqueiro António Horta Osório.

“Com certeza” que deve haver uma auditoria ao Banif, comentou. “Até se devia fazer uma auditoria ao processo de venda e ao resultado de venda e comparar as alternativas que havia”, adiantou.

Tomé liderava o Banif até domingo, quando o regulador, em coordenação com o Governo, anunciou a divisão do banco em três entidades: a parte bancária foi vendida ao Santander; foi criado um veículo para gerir os activos não bancários, como imobiliário e a Açoreana; o Banif permaneceu como uma entidade esvaziada de activos, com os accionistas e detentores de dívida pública (que deverão perder a totalidade dos investimentos).

Esta decisão do Banco de Portugal implicou uma injecção estatal imediata de 2.255 milhões de euros no banco (já vendido ao Totta), custo que poderá subir a 3 mil milhões de euros pela prestação de garantias ao Santander Totta e ao veículo de gestão de activos. Para trás, ficam já perdidos os 825 milhões de euros de ajuda estatal de 2012 que não foram devolvidos.

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Emigrantes. Solução do Novo Banco é “golpe de marketing”

Sexta-feira, Agosto 28th, 2015

Citamos

Dinheiro Vivo

“Regresso a Paris dia 8 de setembro para trabalhar. Não contava com isto há um ano. Queria voltar em definitivo a Portugal”. Os problemas com os produtos dos emigrantes arrasaram os planos de José Martins, que vive nos arredores da capital francesa há mais de 30 anos.

É junto à sede do Novo Banco que encontramos um dos emigrantes que acabaram por se juntar ao protesto de ontem dos lesados do papel comercial. O primeiro desde que foi anunciado que mais de metade dos emigrantes já aceitou a solução do Novo Banco.

“É um golpe de marketing”, considera Solange Morgado, lesada do papel comercial, problema que se mantém sem qualquer proposta de resolução. Solange tem as poupanças retidas em produtos da Rioforte. Rendimentos de 30 anos de trabalho que se encontram congelados há um ano. A situação é difícil: “eu e o meu marido estamos desempregados. Andamos a viver de ajudas”.

O protesto começou por volta das 11h. Foram recorrentes os confrontos com a polícia, sobretudo junto ao Ministério das Finanças, onde começou a manifestação, e junto à sede do Banco de Portugal. A avenida Almirante Reis chegou mesmo a ser bloqueada pelos lesados.

José, do Porto, foi outro dos presentes. Tem retidos rendimentos de “70 anos de trabalho” e que foram vendidos por um gestor “que está arrependido. Ele já me disse que se o caso for a tribunal que ele disposto a ir comigo”. Este lesado vive agora da reforma “e de alguns biscates”.

BES. Contas suspeitas desde 2000

Sexta-feira, Junho 26th, 2015

Citamos

Sol

Pierre André Butty. É este o nome do homem que passou mais ou menos despercebido na análise da derrocada do BES e do Grupo Espírito Santo (GES), apesar de ter sido o que mais estragos causou a Ricardo Salgado. O funcionário suíço da sucursal de Lausanne da Espírito Santo Services (ES Services) já esteve em Portugal a entregar documentos e a prestar declarações no Banco de Portugal (BdP). Se o seu nome não entrasse nesta história, Salgado nunca teria deixado provas escritas de que ordenou durante anos a falsificação das contas da Espírito Santo International (ESI), a holding que acumulou  uma dívida de 1.300 milhões de euros e que fez colapsar o GES.

Na acusação do BdP a 15 gestores do BES, a que o SOL teve acesso, o supervisor bancário acusa Salgado de manipulação das contas da empresa a partir de 2008, por uma questão processual. Mas um pedido de Pierre Butty junto ao processo levanta a suspeita de que as ilegalidades são mais antigas: exigiu documentos atestando que tudo o que fez desde o ano 2000 tinha sido por ordem do então presidente do BES. Foi o suficiente para se transformar numa testemunha-chave do caso.

Carta de responsabilização  
 
Butty era o homem que trabalhava na sombra de Francisco Machado da Cruz, o commissaire aux comptes da ESI, que denunciou na comissão parlamentar de inquérito os esquemas montados para esconder a verdadeira situação da holding. O suíço era um dos cinco funcionários da ES Services, sociedade anónima luxemburguesa que integrava o GES e prestava serviços administrativos e de contabilidade a diversas empresas do grupo, como a ESI ou a Espírito Santo Control.  
 
Segundo a acusação do BdP, a rotina instalou-se ao longo dos anos: em Janeiro, Butty entregava a Machado da Cruz as contas verdadeiras do ano anterior e recebia de volta, em Março, anotações de Salgado sobre o que deveria alterar na contabilidade da empresa.  
 
Em 2011, Butty começou a bater o pé, mas Machado da Cruz ter-lhe-á dito que tinha de continuar a seguir as ordens, que eram dadas por Salgado ou por José Castella, o director da ESI. Em Novembro de 2013, depois de o BdP ter começado a pedir informações sobre a ESI, Butty resolveu tomar cautelas maiores: recusou continuar «a falsear os registos contabilísticos da ESI com base em meras instruções orais» e pediu a Salgado uma declaração escrita que comprovasse que todos os actos da ES Services tinham sido executados em resposta às suas ordens. O pedido obrigava a que a declaração tivesse efeitos retroactivos a Janeiro de 2000.  
 
Salgado e José Manuel Espírito Santo assinaram então, em representação da ESI, um documento a reconhecer que os trabalhadores da ES Services agiram apenas no cumprimento de instruções da empresa, «nunca tendo comprometido aquela sociedade, por acção ou omissão, para além das instruções recebidas e das disposições do contrato».  
 
Em Novembro de 2013, enquanto o BdP insistia em perceber «o inusitado acréscimo» do passivo da holding, Salgado dava indicações para que tal fosse compensado com a inscrição de dois activos, localizados em Angola. Não havia «qualquer documentação» que atestasse a «existência, titularidade e valorização» daqueles activos. Ainda assim, Salgado deu ordens a Castella e a Machado da Cruz para que Butty os registasse.  

Como nem havia comprovativos de que aqueles activos existiam, Butty fez uma nova exigência: a ordem tinha de lhe ser dada por escrito. E Salgado voltou a cumprir a instrução.  
 
Contabilista avisou  
 
O documento do BdP – que acusa 15 gestores do BES de gestão ruinosa ou de prestação de falsas informações, com dolo – deixa expresso que Machado da Cruz teve várias conversas com Manuel Fernando Espírito Santo, a partir do primeiro semestre de 2012, sobre a sua preocupação com a manipulação das contas da ESI e o nível de endividamento de algumas holdings do GES. O chairman da Rioforte, porém, nada fez. Por outro lado, em Abril de 2013, Machado da Cruz transmitiu a mesma preocupação, «em diferentes momentos», a José Manuel e a Ricardo Abecassis Espírito Santo. Ambos sugeriram que o commissaire aux comptes deveria explicá-la no Conselho Superior – o órgão que reunia os cinco principais ramos da família. Segundo o BdP, nada fizeram, pelo menos até ser conhecida a ocultação da dívida da holding. Apesar de os Espírito Santo terem repetido que ninguém da família tinha ficado com um cêntimo do grupo, a acusação não deixa margem para dúvidas: no ano de 2011, Salgado pediu alterações nas contas da ESI que permitiram gerar os resultados necessários para atribuir dividendos extraordinários à família de cerca de 18 milhões. Em Dezembro de 2013, a verdadeira situação da ESI era esta: dívida de 1.300 milhões e capitais próprios negativos de mais de três mil milhões de euros. Ou seja, mesmo que a holding pagasse toda a sua dívida e vendesse todos os seus activos, já estaria falida. Isso não impediu que o BES desenvolvesse estratégias para comercializar dívida da ESI junto dos seus clientes. O rating da sociedade só começou a ser feito a pedido da KPMG suíça, devido à crescente exposição dos clientes do Banque Privée, e mesmo esse ter-se-á baseado em informações financeiras que não reflectiam a verdade contabilística. Além de gestão ruinosa e de prestação de falsas informações ao supervisor, Salgado e José Manuel Espírito Santo são ainda acusados de violarem as regras sobre conflito de interesses: não poderiam tomar decisões sobre comercialização de dívida da ESI porque eram accionistas indirectos daquela holding. Ricardo Abecassis e Manuel Fernando enfrentam uma acusação por actos dolosos de gestão ruinosa por, na qualidade de administradores do BES, terem permitido a comercialização de dívida de uma empresa falida. José Maria Ricciardi também não escapa, mas por algo menor: ter permitido que não existisse qualquer sistema de controlo interno ou de avaliação de risco no BES.  
 
Salgado ainda não é arguido  

Ricardo Salgado ainda não é arguido nos processos-crime do chamado ‘Universo Espírito Santo’, confirmou o SOL A dúvida agudizou-se com o segundo arresto preventivo, que levou a Justiça a apreender os bens móveis (carros, mobílias ou obras de arte) de Salgado, José Manuel Espírito Santo e Amílcar Morais Pires. Mais ninguém foi visado na operação. Há especialistas que defendem que o arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial e, como tal, à semelhança das medidas de coacção, exige prévia constituição de arguido. Mas os investigadores do caso BES/GES têm outro entendimento. Sobre a acusação do BdP, os arguidos têm 30 dias para apresentar defesa. S.C.