O governador do Banco de Portugal, em entrevista ao PÚBLICO, continua a defender a solução encontrada para a venda do Novo Banco. Mas lamenta “a duração e carácter tardio com que foi tratado” o problema provocada pela queda do BES.
A sequência de episódios a que se tem vindo a assistir no Novo Banco é classificada por Mário Centeno como um processo “penoso”, mas que ocorre, não por falhas na solução encontrada para o banco, mas pelo atraso com que o problema começou a ser resolvido, defende o governador do Banco de Portugal.
Sem querer referir-se a casos concretos, Mário Centeno, numa entrevista ao PÚBLICO sobre a revisão estratégica do BCE a publicar esta segunda-feira, defende que aquilo que é necessário é “celeridade, clareza e efectividade na forma como todos lidamos com estes casos”.
“No sector financeiro não há azar, há procrastinação. Estes casos revelam tudo isso. Situações bancárias que se prolongam sem viabilidade ao longo de muito tempo, geram comportamentos negativos, quer do lado do sistema bancário, que fica de mãos atadas a alimentar no seu balanço créditos que não têm destino previsivelmente bem-sucedido, quer do lado dos mutuários que insistem em encontrar soluções”, afirma.
Questionado se a sequência de episódios a que se tem vindo a assistir no Novo Banco não revelam também as fragilidades da solução encontrada para a instituição financeira no momento da sua venda, o ex-ministro das Finanças responde que “não, porque isto acontece em todos os bancos e em todo o lado”.
“Temos de ter noção que estes fenómenos decorrem da inacção que os sistemas têm e da complacência que demonstram com determinado tipo de comportamentos. Temos noutros países – na Alemanha, que é sempre um exemplo que gostamos de dar – fenómenos de corrupção e malversação da gestão bancária semelhantes a estes que estamos a observar em Portugal, e esses fenómenos são devidamente identificados e corrigidos, com as consequências para quem os pratica. Nós provavelmente atrasamo-nos a tratar deles no sistema bancário e a tratar deles no sistema judicial. Começámos a fazê-lo há alguns anos no sistema bancário”, diz.
Mário Centeno repete a sua defesa da solução adoptada no Novo Banco. Permitiu que o Novo Banco melhorasse todos os indicadores financeiros num banco que é o terceiro maior do país e que precisa dessa estabilidade para que haja estabilidade financeira em Portugal. Isso tem de ser avaliado como um sucesso, argumenta. “Outra coisa é que este processo pela sua duração e pelo carácter tardio com que foi tratado se tenha tornado um processo penoso. Isso é que não existe nos outros países: este atraso e esta duração no tratamento destas situações”, insiste.
O Novo Banco foi criado em Agosto de 2014, na sequência da resolução do BES, que colapsou perante o peso dos desequilíbrios financeiros gerados durante a gestão de Ricardo Salgado. Em 2015, o Banco de Portugal fez uma primeira tentativa de venda da instituição, que demorou seis meses e culminou com a suspensão do processo em Setembro, quando estavam apenas duas entidades na corrida: Apollo e Fosun. Em 2016, reacende-se o processo de venda, que é concluído apenas em Outubro de 2017, com a entrega do banco aos norte-americanos da Lone Star. Já este ano, de 2021, chegou ao fim o processo de reestruturação do banco negociado com o BCE no âmbito da venda do Novo Banco.
Este é um excerto da entrevista do governador do Banco de Portugal sobre a revisão da estratégia do BCE, a primeira desde 2003, que será publicada esta segunda-feira na íntegra
Ex-Governador vai esta 2ª feira ao parlamento e será confrontado com o relatório sobre a sua atuação no caso BES, noticiado pelo Observador. Esta é a história secreta por detrás desse documento.
“Se tu julgas, Carlos, que consegues manter este documento na gaveta por muito tempo, estás enganado. Um dia alguém o vai divulgar – e, até que esse dia chegue, muita gente vai ver no relatório até aquilo que lá não está. Não percebes isso?”
O aviso foi feito numa das últimas vezes em que os dois se falaram. Hoje, estão de relações cortadas: Carlos Costa, o então Governador do Banco de Portugal, e João Costa Pinto, o principal autor do “relatório secreto” sobre a atuação do supervisor no caso BES (noticiado em exclusivo pelo Observador a 13 de abril, praticamente seis anos depois da conclusão). Esta é a história nebulosa de como esse relatório surgiu, como foi feito e as razões pelas quais nunca foi tornado público por Carlos Costa – que esta segunda-feira, no parlamento, será confrontado pela primeira vez com as suas duras conclusões.
Para contar a história por detrás deste enigmático documento, que nos últimos anos se afirmou como o segredo mais bem guardado da banca portuguesa, o Observador consultou várias fontes que testemunharam de perto como este trabalho, esta ideia peregrina de Carlos Costa, acabou por abalar o Banco de Portugal de alto a baixo, levando os fiéis de um lado e do outro a cerrarem fileiras – e, daí, a difundirem visões totalmente opostas acerca das verdadeiras motivações e supostas “agendas escondidas” dos dois principais intervenientes.
Quem acha que João Costa Pinto fez um trabalho sério e corajoso, quem pertence a esse lado da “barricada”, considera que Carlos Costa cometeu um erro ao encomendar um trabalho que, achava o governador, iria ser uma defesa da atuação do Banco de Portugal no caso BES – identificando-se algumas falhas, claro, mas alegando-se que, globalmente, o supervisor não poderia ter feito muito mais do que fez, à luz do quadro legal que existia.
Também nessa linha de raciocínio, os críticos do ex-governador acreditam que quando este percebeu que o trabalho era tudo menos isso – que tinha, afinal, conclusões violentas sobre a forma como o Banco de Portugal tinha agido no caso BES – Carlos Costa ensaiou uma tentativa atabalhoada de evitar a publicação do relatório, ao mesmo tempo que era pressionado por várias pessoas à sua volta, que também se sentiram atingidas e ameaçadas pelas conclusões do trabalho e que “meteram medo ao governador”, disse uma fonte.
A “muralha de gente” que se ergueu para “meter medo” a Carlos Costa
Essa “muralha de gente”, que segundo os críticos de Carlos Costa se terá erguido no Banco de Portugal para “neutralizar” o relatório Costa Pinto, terá incluído pessoas como o vice-governador Pedro Duarte Neves (que em março de 2021, nesta comissão de inquérito, disse só ter lido o relatório em 2016) e José Queiró, homem da confiança de Carlos Costa, ex-diretor do departamento jurídico e o “todo-poderoso” secretário-geral e dos conselhos do Banco de Portugal (ainda no cargo, embora hoje sem a mesma influência, devido à mudança de governador).
Os críticos do ex-governador acreditam que quando este percebeu que o relatório tinha, afinal, conclusões violentas sobre a forma como o BdP tinha agido, Carlos Costa ensaiou uma tentativa atabalhoada de evitar a publicação, ao mesmo tempo que era pressionado por várias pessoas à sua volta, que também se sentiram atingidas. “Meteram medo ao governador”, disse uma fonte.
O que aconteceria se o relatório fosse publicado na íntegra, incluindo a duríssima prosa que estava no último capítulo, o das Conclusões? Era aí que se dizia que o Banco de Portugal podia e devia ter feito muito mais, e mais cedo, para evitar o colapso do BES. Recorde-se que o relatório, quando foi encomendado, foi propagandeado por Carlos Costa como uma absoluta inovação na banca portuguesa e, até, na Europa continental – uma análise independente à boa imagem dos “livros verdes” e “livros brancos” anglo-saxónicos.
No final, porém, acabou por apenas se divulgar uma súmula inócua das recomendações (expurgada do contexto arrasador escrito pela equipa de Costa Pinto), através de um simples comunicado exposto no site do Banco de Portugal.
Quando, depois de terminado o relatório, Carlos Costa o leu e o deu a ler aos seus próximos, terá sido avisado. E se o relatório for divulgado na íntegra e for usado em tribunal pelos (chamados) “lesados do BES”, ou outros, para argumentar que o supervisor falhou? E se isto acaba com uma responsabilização direta ao próprio governador? E se daqui puder advir uma responsabilização civil ou, mesmo, patrimonial para o governador?
É nisto que acreditam os críticos de Carlos Costa, que o governador teve medo, que houve quem metesse medo ao governador – e que, por essa razão, o documento foi enfiado na gaveta.
Os meses em que o país financeiro “fervilhava” para saber quem seria o próximo governador
Há, porém, uma outra versão desta história. Os próximos do ex-governador têm uma leitura diferente sobre o relatório e, sobretudo, sobre as pretensas “segundas intenções” de quem o escreveu, que podem explicar porque é que Costa Pinto o escreveu da forma que o fez, sobretudo o capítulo final. Um capítulo final que, por vezes, não “joga” com as muitas referências às condicionantes e à “infeliz letra da lei” que impediram que o Banco de Portugal, por exemplo, conseguisse afastar Ricardo Salgado mais rapidamente.
Estávamos no final de 2014. O país ainda mal refeito do choque que foi o colapso do banco (e do grupo) Espírito Santo mas quando ainda se acreditava, pelo menos, que o Novo Banco seria rapidamente vendido a um dos vários interessados que se dizia existirem. A Lisboa financeira fervilhava para saber quem seria o próximo governador – se Carlos Costa seria reconduzido ou se outra pessoa tomaria o seu lugar. Pode ter sido aqui que Costa Pinto terá visto a sua oportunidade, acredita a fação que acha que o relatório foi usado como trampolim.
No Ministério das Finanças já não estava Vítor Gaspar, com quem Carlos Costa tinha (e ainda tem) uma ótima relação. A interação com a sucessora, Maria Luís Albuquerque, era cortês, mas não era comparável à que havia com Gaspar. Alguns acreditavam mesmo que Maria Luís Albuquerque tinha em mente outro nome para governador – o nome de alguém que até já tinha sido colocado na administração do Banco de Portugal, António Varela.
Nesse contexto, foi Pedro Passos Coelho, mais do que qualquer outro, que fez com que Carlos Costa fosse reconduzido. Em parte pelo facto de, naquela altura, se estar a meio de vários processos importantes – como a própria venda do Novo Banco –, uma mudança de governador não pareceu oportuna aos olhos do então primeiro-ministro. Confirmou-se, então, a recondução de Carlos Costa, no verão de 2015. E não foi uma decisão bem vista pelo PS, quando se estava a poucos meses de eleições e António Costa liderava as sondagens.
A esse propósito, nessa altura, ninguém escondia que vários dos “sábios” escolhidos pelo líder do PS para preparar o seu programa económico eram perfeitamente “ministeriáveis”. E o mais proeminente desses “ministeriáveis” era Mário Centeno, proto-ministro das Finanças, que tinha (e ainda tem) uma relação péssima com Carlos Costa, por razões que o Observador contou, em detalhe (aqui).
Chegado o mês de outubro, o PS de António Costa perderia as eleições para a coligação liderada por Passos Coelho, mas acabou, porém, a formar governo graças ao apoio da “geringonça”. Centeno saltou para as Finanças e começou a tormenta.
“Vais-te meter numa coisa dessas, olha que isso é muito complicado…”
Recuemos de novo até ao final de 2014, até ao momento em que ainda não se sabia quem, dali a uns meses, estaria sentado à cabeça do conselho de administração do Banco de Portugal. Carlos Costa mostrava-se disponível para a recondução mas, sendo um eterno formalista, ter-se-á convencido de que um eventual segundo mandato começaria com maior legitimidade se o grande trauma do primeiro mandato – a queda do BES – tivesse sido analisado por uma “comissão independente” e desse exercício tivessem saído reparos construtivos sobre a supervisão do Banco de Portugal e notas sobre a legislação que deveria mudar.
O governador decidiu, assim, nomear uma “Comissão de Avaliação às decisões e à atuação do Banco de Portugal na supervisão do Banco Espírito Santo“, através de despacho do próprio Governador, assinado no dia 14 de novembro de 2014.
Carlos Costa mostrava-se disponível para a recondução mas ter-se-á convencido de que um eventual segundo mandato começaria com maior legitimidade se o grande trauma do primeiro mandato – a queda do BES – tivesse sido analisado por uma “comissão independente” e desse exercício tivessem saído reparos construtivos sobre a supervisão do Banco de Portugal e notas sobre a legislação que deveria mudar.
Carlos Costa – mais uma vez, um formalista – decidiu que quem havia de liderar a comissão seria o presidente do conselho de auditoria. Outra coisa poder-se-ia estranhar. Na ocasião, o cargo era ocupado por João Costa Pinto, com quem tinha uma relação de mais de quatro décadas, desde que os dois percorreram os mesmos corredores como jovens estudantes do Instituto Comercial do Porto.
Tinha sido pela mão de Carlos Costa que João Costa Pinto se tornara presidente do conselho de auditoria do Banco de Portugal, em outubro de 2014 – uma nomeação que se deve ao facto de, tal como o seu antecessor na auditoria, Emílio Rui Vilar, também João Costa Pinto ter sido no passado vice-governador. Além disso, naquela altura, era uma figura sem outros conflitos de interesse que impedissem a nomeação.
Cerca de um mês depois de Costa Pinto ter tomado posse, Carlos Costa sentou-se com o seu recém-nomeado presidente do conselho de auditoria e mostrou-lhe o despacho que se preparava para assinar.
Aí lia-se que “a Comissão avaliará a atuação do Banco de Portugal enquanto autoridade de supervisão bancária no período que antecedeu a aplicação da medida de resolução ao BES, de forma a apurar eventuais deficiências e oportunidades de melhoria, à luz do enquadramento jurídico vigente e das práticas de referência, na organização e condução dos processos de supervisão (quer ao nível dos serviços departamentais, quer ao nível dos processos de decisão pelo Conselho de Administração)”.
Costa Pinto terá mostrado alguma hesitação, perguntando a Carlos Costa se queria mesmo fazer aquilo, ordenar um trabalho com características que não eram tradição na Europa Continental. “Vais-te meter numa coisa dessas, isso é muito complicado…”, terá dito Costa Pinto a Carlos Costa, segundo uma das fontes ouvidas pelo Observador.
Mas o governador estava “determinado” – o trabalho era para se fazer. E era para se fazer até “final de abril de 2015”, como estabelecia o despacho, prazo que coincidia com o momento em que a decisão sobre a recondução (ou não recondução) seria tomada pelo Governo. Quanto às hesitações de Costa Pinto, disse apenas: “Se não quiser fazer, vou ter de arranjar outra pessoa”. E Costa Pinto acedeu.
Quatro meses para dissecar todos os fatores que levaram à queda do BES
Havia pouco mais de quatro meses para fazer o trabalho. Costa Pinto terá exigido três condições: serem-lhe colocados à disposição todos os meios necessários para fazer a análise (documentos e entrevistas com quadros); não ter limites temporais na análise, no sentido de poder abranger anos anteriores ao período de referência, que eram os três anos anteriores ao colapso; e, finalmente, Costa Pinto queria ter total liberdade para escolher os outros membros da comissão.
Nesse último ponto, Carlos Costa deu toda a liberdade, mas terá sugerido dois nomes para, se Costa Pinto concordasse, pertencerem à comissão: Norberto Rosa e Maximiano Pinheiro, dois economistas que eram consultores-séniores do Banco de Portugal. Costa Pinto aceitou a sugestão e definiu, depois, os outros dois nomes que queria que integrassem a comissão: dois juristas, José Robin de Andrade, um low profile que é dos melhores especialistas portugueses em Direito Administrativo, e Luís Silva Morais, mais versado nas áreas do Direito Financeiro e Direito Europeu.
O trabalho iniciou-se e, em pouco tempo, a comissão percebeu que ia precisar de ajuda para tratar o imenso volume de documentação que existia para analisar. Daí que se tenha contratado a Boston Consulting Group (BCG) que, a dada altura, teve cerca de uma dezena de pessoas a trabalhar com a comissão, contribuindo com relatórios sobre áreas específicas.
Esses relatórios eram, depois, trabalhados por Costa Pinto e pelos restantes membros da comissão, nas longas sessões de trabalho em que se “partia pedra” e se tentava encontrar consensos entre as sensibilidades e visões, mais ou menos conservadoras, dos diferentes membros. A matéria mais controversa era a questão do afastamento de Ricardo Salgado, um ponto crucial (ainda mais crucial sabendo-se o que se sabe hoje) mas que todos reconheciam ser um ponto onde o Banco de Portugal caminhava sobre gelo finíssimo e qualquer erro poderia ser a salvação do banqueiro.
Foram, também, entrevistados quadros do banco, nas diferentes áreas – audições que estão resumidas nos anexos do relatório. Um dos entrevistados nesse processo, com quem o Observador falou, disse ter estranhado ter passado uma porção inesperadamente grande da sessão não a responder, mas sim a ouvir Costa Pinto falar e a discorrer sobre as opiniões que parecia já ter sobre o que se tinha passado.
Era difícil abrir um processo de reavaliação de idoneidade a Ricardo Salgado? Talvez, mas Costa Pinto sustentou, desde logo – e isso, depois, está nas conclusões do relatório – que havia outras formas mais indiretas de travar o banqueiro. Podia ter-se nomeado uma comissão administrativa para o banco (como tinha acontecido no Crédito Agrícola, uma instituição por onde Costa Pinto também tinha passado, precisamente quando foi substituir uma comissão administrativa), podiam ter sido lá colocados administradores com poder de veto, etc.
Nada disso foi feito, em parte porque o BES era um banco sistémico, talvez o mais sistémico da banca portuguesa numa certa perspetiva – por isso, o Banco de Portugal não achou que aquela situação fosse comparável a casos anteriores, como os do Crédito Agrícola, até pelo potencial impacto para o BES e para toda a banca de se afastar alguém como Ricardo Salgado.
A proximidade de Costa Pinto com Mário Centeno (que se mantém)
Nos últimos anos, Costa Pinto tem sido muito assertivo nas críticas à forma como o dossiê do BES/Novo Banco foi gerido, críticas que em vários pontos são alinhadas com as que também são feitas por Mário Centeno – com quem tinha (e ainda tem) uma relação de grande empatia.
E é por causa dessa empatia – e, até, proximidade – que os críticos de Costa Pinto ouvidos pelo Observador associam o teor violento das conclusões do seu relatório ao que pode ter sido a ambição do próprio Costa Pinto de ascender ao cargo de governador, navegando a mudança de maré política que se adivinhava já naquela altura.
O trabalho foi terminado a 30 de abril de 2015. Costa Pinto entregou a Carlos Costa uma versão preliminar e, logo aí, o governador ficou em pânico – encarregou os serviços jurídicos de perceber junto do presidente da comissão independente se não queria rever vários aspetos das conclusões do relatório que tinham, na sua ótica, erros e vulnerabilidades.
Costa Pinto não mostrou abertura para alterar o que quer que fosse, segundo as informações recolhidas pelo Observador. E não se mostrou aberto a que às quase 500 páginas do relatório fosse acrescentado um capítulo com contraditório – Costa Pinto não achava que fosse em sede daquele trabalho que tivesse de haver qualquer contraditório, nada no despacho original o previa.
Para os próximos de Carlos Costa, Costa Pinto recusou acrescentar esse contraditório – que, de facto, costuma existir nos tais “livros brancos” anglo-saxónicos em que o trabalho, originalmente, se inspirou – por duas razões: primeiro, porque poderia fragilizar as conclusões e, segundo, porque certamente iria atrasar todo o processo, provavelmente para depois do momento em que Costa Pinto pudesse, como suspeitam os seus críticos, aproveitar a divulgação do relatório para ganhar balanço numa pretensa tentativa de tomar o lugar de Carlos Costa.
Para os próximos de Carlos Costa, Costa Pinto recusou acrescentar o contraditório por duas razões: primeiro, porque poderia fragilizar as conclusões e, segundo, porque certamente iria atrasar todo o processo, provavelmente para depois do momento em que Costa Pinto pudesse, como suspeitam os seus críticos, aproveitar a divulgação do relatório para ganhar maior elã numa pretensa tentativa de tomar o lugar de Carlos Costa.
A versão final e definitiva foi entregue ao final do dia 19 de maio. Foi marcada para o dia 25 de maio uma reunião do conselho de administração, para as 16h, onde Costa Pinto apresentou o relatório a todos os membros. Uma das fontes ouvidas pelo Observador, próxima de Carlos Costa, indica que cada administrador recebeu uma cópia impressa das conclusões, em papel timbrado e marca de água com o respetivo nome, e tinha acesso ao sistema documental interno para poder obter a versão integral.
De acordo com essa mesma fonte, todos os administradores receberam a sua cópia das conclusões mas houve um que, depois, veio devolvê-la, formalmente – justificando essa decisão com a discordância de base com a decisão de avançar com aquela análise.
Uma outra fonte contactada pelo Observador, que estava presente, garante que isso é totalmente falso, que ninguém recebeu nenhuma cópia física e que apenas foram lidas as conclusões, em voz alta, por Costa Pinto.
Carlos Costa decidiu pedir comentários aos serviços, nas áreas que lhes diziam respeito, mas, na cúpula, a análise dominante entre os administradores terá sido que o relatório tinha várias falhas, sendo a mais grave a falta de um contraditório. Por isso, segundo as fontes ouvidas pelo Observador desse “lado da barricada”, a visão geral na cúpula do Banco de Portugal foi no sentido de não dar grande seguimento às recomendações do relatório, nem o divulgar fora da cúpula do Banco de Portugal – daí a perceção de que foi enfiado na gaveta por Carlos Costa.
Depois de ter sido solicitado aos diretores dos departamentos de supervisão e dos serviços jurídicos que produzissem comentários, em março de 2016 o conselho de administração revisitou o tema e daí surgiu um despacho de conclusão de Carlos Costa.
Nesse despacho, o governador considerou que as sugestões de alteração do quadro legislativo foram ponderadas tanto na elaboração dos pareceres sobre propostas do governo como na elaboração da proposta de Código da Atividade Bancária. Frisou, também, que os factos não indiciavam falhas que justificassem uma auditoria interna e, por outro lado, afirmou que o relatório tinha ignorado os limites da atuação que era possível para se concentrar na defesa de uma intervenção à luz do que entendia ser um quadro normativo desejável.
E, assim, ponto final. Se um poderá ter querido este relatório para ser reconduzido não “em ombros” mas, de algum modo, mais legitimado, o outro poderá ter usado aquela oportunidade para se posicionar de forma potencialmente decisiva para um cargo que sempre sonhou ocupar. “Foi um punhal“, resumiu uma das fontes ouvidas pelo Observador, próxima de Carlos Costa.
É entre estas duas suposições – que, na verdade, não são mutuamente exclusivas – que se divide a leitura que hoje é feita deste intrigante caso, sobre o qual os deputados vão esta segunda-feira, a partir das 15h, confrontar Carlos Costa. E como entretanto tiveram acesso ao documento que estava sob sigilo, vão fazê-lo pela primeira vez com pleno conhecimento de causa.
(Texto atualizado às 10h de segunda-feira, 17 de maio, com informação sobre a reunião do conselho de administração do Banco de Portugal em que Costa Pinto apresentou o trabalho.)
Em causa está um financiamento de 835 milhões de dólares de um veículo montado pelo banco americano e que foi transferido para o BES mau na sequência a resolução do Banco de Portugal.
O Goldman Sachs e mais de uma dezena de fundos internacionais, entre eles o ElliottInternational, do investidor Paul Singer (o conhecido “abutre” da Argentina), colocaram esta semana novas ações no tribunal português no âmbito da queda doBES, em 2014. Desta feita, o alvo é a República portuguesa. O processo não é novo e estas ações já eram esperadas. Em causa está um financiamento de 835 milhões de dólares feito por vários investidores ao BES através de um veículo montado pelo banco americano (a Oak Finance) e que foi transferido para o banco mau na sequência da resolução do Banco de Portugal.
Na prática, com aquela decisão de transferir o empréstimo da Oak Finance para o BES “mau”, o Banco de Portugal praticamente eliminou qualquer possibilidade de aqueles investidores reaverem o dinheiro aplicado.
Face a essa medida, este grupo de investidores e o próprio Goldman Sachs (em nome dos clientes) avançaram para os tribunais internacionais no sentido de serem reembolsados.
Já há processos contra o Banco de Portugal e Novo Banco. Agora, no início desta semana, o processo teve novo desenvolvimento. Este grupo de investidores internacionais deu entrada com as duas ações administrativas no Tribunal Administrativo de Lisboa, tendo como alvo a República portuguesa.
Uma delas foi apresentada por 11 investidores (os clientes do Goldman Sachs): Olifant Fund, FFI Fund, Elliott International, Suffolk (Mauritius) Limited, The Liverpool Limited Partnership, Mansfield (Mauritius) Limited, GL Europe Luxembourg, Silver Point Luxembourg, Silverpoint Mauritius, TDC Pensionskasse e FYI.
A outra foi avançada pelo próprio banco de investimento norte-americano e tem o valor de 292 milhões de euros (222 milhões de dólares).
Ao que o ECO apurou, este grupo de investidores questiona a forma como foi feita transposição da lei europeia da resolução para a lei nacional, em 2014, e é nesse sentido que o Estado português, enquanto legislador, é visado nestas duas ações. O banco americano contesta a “regra dos 2%” relativa às participações qualificadas. Foi essa a razão pela qual o Banco de Portugal transferiu o empréstimo de 835 milhões de dólares para o banco mau, mas o Goldman Sachs considera ter atuado em nome de outros investidores.
O ECO contactou o Goldman Sachs, mas não obteve uma resposta até à publicação do artigo.
A Oak Finance foi um veículo criado pelo Goldman Sachs que emprestou 835 milhões de dólares ao BES pouco tempo antes do colapso do banco, em 2014.
Embora montado pelo Goldman Sachs, este veículo foi financiado por outras entidades, incluindo o fundo de pensões da Nova Zelândia e o conhecido investidor Paul Singer.
Em julho de 2018, o Supremo Tribunal britânico decidiu que o caso devia ser decidido em Portugal, e não em Londres, como pretendiam os fundos. A decisão foi considerada uma vitória para o Banco de Portugal, na medida em que aumenta a probabilidade de o processo que ficou conhecido com o “caso Oak Finance” ter um desfecho favorável e não venha a aumentar a fatura da resolução do BES para o Fundo de Resolução nacional.
Na ação colocada nos tribunais britânicos, estes investidores internacionais consideraram ilegal a decisão do Banco de Portugal de transferir este crédito do Novo Banco para o banco mau do BES.
Do lado do supervisor português, a decisão de transferir este financiamento para o BES mau baseou-se no facto de “haver razões sérias e fundadas para considerar que a Oak Finance atuara (…) por conta do Goldman Sachs International, e que esta entidade detivera uma participação superior a 2% do capital do BES”. O que, à luz das regras da resolução, obrigava à inclusão do financiamento do Goldman Sachs no banco mau.
O Goldman Sachs contestou este entendimento e argumentou que a lei só foi transposta em agosto de 2014, enquanto deixou de ter posição qualificada em julho, rejeitando que seja aplicada a retroatividade da lei.
Mário Centeno só vai disponibilizar o relatório interno sobre a supervisão ao Banco Espírito Santo por decisão judicial.
“O Banco de Portugal (BdP) aguarda decisão judicial que aprecie e decida acerca da eventual quebra do dever legal de segredo”, refere o supervisor numa nota oficial enviada ao JN/Dinheiro Vivo.
“A ser decidida essa quebra do dever legal de segredo, o BdP colaborará, de imediato, com o Tribunal, ficando, nos exatos termos dessa decisão judicial, autorizado a disponibilizar, desde logo, esse documento ao Tribunal”, indica a mesma nota, não apontando que o documento siga para o Parlamento como pediu o Bloco de Esquerda (BE).
Na nota, o supervisor sublinha ainda que o relatório não é uma auditoria interna, “nem tem como objeto de análise o processo de resolução do BES”.
Pouco depois de Mário Centeno ter assumido o cargo de governador, o BE insistiu no pedido que já tinha feito durante o mandato de Carlos Costa para ter acesso ao Relatório da Comissão de Avaliação das Decisões e atuação do BdP na Supervisão do BES. E tal como com Carlos Costa, teve uma nega de Mário Centeno que invocou o “dever legal de segredo”.
Para o BE, este comportamento revela incongruências do agora governador Mário Centeno, que fez parte de um Governo que pediu para conhecer os resultados do relatório.
Venda à Lone Star
Ontem, Mariana Mortágua anunciou que o BE vai propor uma comissão parlamentar de inquérito à gestão do Novo Banco. O PS já disse que admite uma comissão com um objeto “amplo” de averiguação, mas só após analisar a auditoria da Deloitte.
“Não queremos repetir a comissão ao BES. Queremos que seja sobre a resolução com base no relatório interno sobre a resolução de 2014 e a decisão de venda à Lone Star”, frisou a deputada.
“Procuraremos transparência, procuraremos encontrar as decisões que poderiam ter sido evitadas e também os seus responsáveis”, sublinhou.A saber
Argumentos
“Terminou o ciclo do silêncio e iniciou-se o ciclo do esclarecimento”, afirmou ontem o CEO do Novo Banco, garantindo que o banco não concedeu nenhum crédito “tóxico” novo após a resolução do BES e que 95% das perdas (4042 milhões de euros) são anteriores a 2014.
Apoio dos partidos
O BE está confiante que a criação da comissão de inquérito ao Novo Banco seja aprovada na Assembleia da República. “Existe uma larga maioria – até no país – que quer saber o que se passou e perceber o que poderia ser evitado”, declarou a deputada Mariana Mortágua.
O presidente do PSD disse esta quinta-feira não ter ficado surpreendido com o relatório do Tribunal de Contas que sugere mais planeamento na resolução de bancos, lembrando que tem sido crítico da gestão do governador do Banco de Portugal
Opresidente do PSD disse esta quinta-feira não ter ficado surpreendido com o relatório do Tribunal de Contas (TdC) , acrescentando que foi um crítico da gestão do governador do Banco de Portugal. “Ainda não vi o documento do TdC, mas não me surpreende que possa haver um relatório crítico, porque eu também sou critico. Tenho sido crítico daquilo que foi a atuação do governador Carlos Costa ao longo dos anos”, disse Rui Rio, em Portimão, no Algarve.
O TdC divulgou na quarta-feira ao fim da noite uma auditoria à Autoridade Nacional de Resolução (ANR) de bancos, a cargo do Banco de Portugal, em que fala também sobre os custos da resolução de bancos e os riscos da atual crise pandémica para a estabilidade do sistema financeiro e, logo, para as contas públicas.
Ainda antes da entrada em vigor do Mecanismo Único de Resolução europeu, Portugal fez duas intervenções em bancos (BES e Banif) em que o Governo teve um papel relevante na decisão e no financiamento do Fundo de Resolução (FdR) com empréstimos para este poder intervir nesses bancos.
Como o Fundo de Resolução não tem tido dinheiro suficiente para financiar as intervenções, obtém empréstimos do Estado que pagará a longo prazo, tendo o Estado de se endividar para emprestar esse dinheiro, como tem vindo a acontecer no caso das injeções de capital do Novo Banco.
Em declarações aos jornalistas à margem de uma reunião com profissionais de saúde, em Portimão, no segundo de dois dias de uma visita ao Algarve, o líder social-democrata recordou que desde há muito, antes ainda de liderar o maior partido da posição, já criticava a atuação do Banco de Portugal, nomeadamente “da forma como se fez a resolução do Banif e como se lidou com o BES”. “Acho que o Banco de Portugal teve, obviamente, graves deficiências ao nível da supervisão e da forma como esses assuntos foram resolvidos, o BES é um exemplo”, apontou.
Rui Rio recordou que o Novo Banco foi classificado pelo governador Carlos Costa como o banco bom, verificando-se depois que, “afinal não havia o bom e o mau, havia o mau e o péssimo”. “Fui sempre, repito, muito crítico daquilo que foi a gestão do doutor Carlos Costa à frente do Banco de Portugal”, sublinhou.
Rio acrescentou que em relação ao Banif, existem muitas dúvidas quanto ao processo de resolução do banco: “Se nós fossemos acreditar, não sei se devemos acreditar ou não, no balanço oficialmente publicado pelo Banif, nada justificava que o banco não pudesse continuar a funcionar de forma absolutamente normal”. “Então, pelo balanço o banco está perfeitamente razoável e depois, de repente, o banco é pura e simplesmente destruído . Ou não devia ser destruído ou o balanço era um engano completo apesar de auditado e certificado”, destacou.
O líder social-democrata esteve de visita ao Algarve para ouvir empresários de vários setores de atividade, de forma, segundo disse, a que possa formalizar uma opinião e apresentar medidas para atenuar os problemas económicos de uma das maiores regiões turísticas do país, afetada pela pandemia da covid-19.
O Banco de Portugal, governado por Mário Centeno desde 20 de julho, contesta as críticas do Tribunal de Contas e defende que há independência suficiente nas funções de resolução.
O Banco de Portugal (BdP) discorda das conclusões do Tribunal de Contas que, na sequência de uma auditoria à prevenção da resolução bancária em Portugal, veio dizer que a Autoridade Nacional de Resolução não tem independência suficiente para cumprir de forma eficaz as suas funções. A posição do banco central, liderado agora por Mário Centeno, contrasta com a posição do Ministério das Finanças quando este era tutelado pelo mesmo Mário Centeno.
“As principais conclusões não apresentam um retrato fiel do quadro em que se desenvolve a função de resolução bancária em Portugal e não refletem com justiça e adequação os próprios resultados da ação de auditoria,” defende o BdP, em sede de contraditório.
Desde logo, o BdP considera “imprescindível – por razões de rigor e de justiça –” que haja um enquadramento das conclusões e que “seja evitado extrapolar para o plano global de atuação da Autoridade Nacional de Resolução conclusões que resultaram de um objeto de análise muito circunscrito”.
Depois, discorda da conclusão de falta de independência operacional da ANR, socorrendo-se das normas europeias. O BdP argumenta que a independência está assegurada pela separação operacional, de recursos humanos, de orçamento e de linhas hierárquicas diferenciadas “até ao nível decisório mais elevado”. Sublinha ainda que o pelouro do Departamento de Resolução, que é separado de qualquer outro departamento do banco central, foi atribuído a um membro do conselho de administração “que não é responsável pelas matérias de supervisão prudencial (seja micro ou macro)”.
Ou seja, para o BdP a independência não fica em causa pelo facto de o poder último de decisão caber ao conselho de administração do banco central e acusa o Tribunal de Contas de só validar uma solução que implique a separação jurídica das duas entidades. Em resposta, o Tribunal recusa a ideia de que só uma separação jurídica resolveria o problema de falta de independência e mantém a sua análise, questionando a lógica de admitir que “o pessoal que exerce funções na ANR” está sujeito ao risco de “complacência e conflitos de interesse”, mas os membros do conselho de administração não estão, “não obstante tomarem as últimas decisões sobre todas as funções atribuídas ao Banco”.
Centeno já quis retirar resolução ao BdP
A linha de argumentação do BdP neste exercício do contraditório contrasta com a argumentação do Ministério das Finanças tutelado pelo mesmo Mário Centeno que é hoje governador. “A resolução é confiada a uma nova entidade, a Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia, com autonomia orgânica e que assim garante a adequada segregação, como recomendam as regras europeias”, disse o conselho de ministros em comunicado, depois de aprovar a proposta de Mário Centeno para a reforma da supervisão financeira, em março de 2019.
Nessa altura, o Executivo socorreu-se das mesmas regras europeias para defender a criação de uma nova autoridade de resolução, que seria presidida por um representante do Banco de Portugal, mas que permitiria a “autonomização de funções, tendo por finalidade o aumento da eficácia da supervisão e o reforço da estabilidade financeira”, explicou então o Governo.
O Negócios perguntou ao BdP se o exercício do contraditório no relatório do Tribunal de Contas vincula o atual governador Mário Centeno, que tomou posse a 20 de julho, ou apenas Carlos Costa, o ex-responsável pelo banco central. Mas não foi possível obter resposta até ao fecho desta edição.
As principais conclusões [do Tribunal de Contas] não apresentam um retrato fiel do quadro em que se desenvolve a função de resolução bancária em Portugal e não refletem com justiça e adequação os próprios resultados da ação de auditoria.BANCO DE PORTUGAL
Resposta ao Tribunal de contas em sede de contencioso.
Se Constâncio já tinha a imagem chamuscada pela falência do BPN, o episódio Berardo parece tê-la queimado. Carlos Costa também não sai bem no retrato: será sempre o governador que forçou o desastre da resolução do BES. Porque tudo falha na casa da supervisão?
Se o retrato dos últimos governadores do Banco de Portugal fosse feito à semelhança das suas prestações em comissões parlamentares de inquérito, das três uma: ou sairia o boneco de alguém sem memória ou o boneco de um homem sem poderes para fazer nada ou o boneco de alguém que tem a casa a arder mas continua a dormir. Os últimos meses têm sido profícuos em mostrar as falhas da supervisão bancária, pelo menos nos últimos 12 anos. À vez, temos visto desfilar uma série de escândalos sobre os erros, as mentiras ou o estado de dormência dos governadores. E, na maior parte das vezes, têm sobrado estas dúvidas: os responsáveis foram coniventes ou simplesmente azarados? Incompetentes ou apenas negligentes? Ninguém parece saber bem a resposta.
Vítor Constâncio dificilmente sai ileso da novela Joe Berardo – que se junta ao velho escândalo do BPN, que já havia deixado muitas dúvidas sobre a sua postura do “não vi nada, não sabia de nada”. E Carlos Costa, atual governador do Banco de Portugal, também não escapa às críticas sobre o desastre da resolução do BES e da venda do Novo Banco, sobre o colapso do Banif e, até, sobre as suas performances do passado enquanto diretor da Caixa Geral de Depósitos ou enquanto responsável, no BCP (Banco Comercial Português), por autorizar créditos de 590 milhões de euros para 17 sociedades offshore.
Comecemos por Constâncio. O mais provável é que o leitor já se tenha perdido entre tantas idas ao Parlamento, notícias e desmentidos. Primeiro, em março deste ano, os deputados ficaram chocados ao ver o ex-governador em estado amnésico na comissão parlamentar de inquérito sobre a recapitalização e a gestão da Caixa (e os seus créditos ruinosos). Depois, e antes de ser ouvido pela segunda vez, o Público escreveu que Vítor Constâncio autorizara, em 2007, que Joe Berardo fosse levantar à Caixa um crédito de 350 milhões para comprar ações do BCP. O mesmo jornal adiantou que Constâncio mentira quando disse no Parlamento que só soube daquele contrato entre a CGD e a Fundação José Berardo “a posteriori”: houve troca de correspondência entre a administração do Banco de Portugal e a Fundação Berardo e reuniões para debater o tema, no verão quente de 2007, quando se vivia a guerra de poder dentro do BCP que viria a afastar a equipa de Jardim Gonçalves.
Constâncio apressou-se a rebater a notícia em várias frentes. Tinha viajado para Frankfurt e por isso não esteve presente na reunião em que o conselho de administração do Banco de Portugal aprovou que Berardo aumentasse a sua participação no BCP; o contrato entre a CGD e a Fundação José Berardo ditava que não era necessária mais “qualquer autorização, interna ou externa” – o que ilibava o Banco de Portugal de culpas nesta matéria – e, afinal, o crédito em causa tinha outras garantias além das próprias ações do BCP que o empresário madeirense tencionava comprar.
Se o homem que liderou o Banco de Portugal entre 2000 e 2010 conseguiu com estes detalhes sacudir algumas culpas, ainda assim não foi convincente quanto ao seu alegado desconhecimento sobre aquele financiamento bancário da CGD. Mesmo sem um instrumento legal para impedir o empréstimo dado pela Caixa, não é crível que numa época em que a guerra de poder no BCP estava debaixo de todos os holofotes, o então governador não soubesse das condições em que Berardo se preparava para reforçar o seu poder naquele que era à época o maior banco privado português. Ou não soubesse da troca de correspondência entre o supervisor bancário, do qual era o responsável máximo, e a fundação que Berardo fundou no Funchal.
A troca de cartas e emails durou pouco mais de dois meses. Começou a 19 de junho de 2007, quando a Fundação Berardo enviou um pedido ao Banco de Portugal para aumentar a sua participação qualificada no BCP. Na prática, pelo menos desde esta altura, o Banco de Portugal tinha de saber que Joe Berardo iria recorrer a financiamento da Caixa para o efeito. Quase um mês depois, a 18 de julho, o regulador bancário pediu à fundação uma cópia das condições do crédito contratualizado com a CGD. A 7 de agosto, a fundação terá enviado uma cópia desse contrato. Umas semanas depois, a 28 de agosto, o Banco de Portugal respondeu que não se opunha ao reforço da posição acionista de Berardo. O conselho de administração do BdP tinha decidido a 21 de agosto – na reunião em que Constâncio diz não ter estado presente – que não se iria “opor à detenção pela Fundação Berardo” de uma participação qualificada no BCP superior a 5% e inferior a 10%. Poderia uma decisão desta importância ser tomada sem o conhecimento do governador? Poucos acreditam nisso.
PODIA OU NÃO TER SIDO FEITO MAIS?
Na data em que a fundação se dirigiu pela primeira vez ao Banco de Portugal, o empréstimo de 350 milhões de euros dado a Berardo – e que ainda está por liquidar, 12 anos depois – já tinha sido aprovado e assinado (em maio de 2007). Berardo só se dirigiu ao supervisor bancário porque, por lei, aquela entidade tem de avaliar como o investidor se vai financiar: se tem capacidades para financiar a operação de reforço da sua participação num banco privado, se é idóneo, ou qual é, por exemplo, a origem do dinheiro. Os deputados olharam para a análise que foi feita à informação financeira da fundação como uma “pseudoanálise”. É verdade que o Banco de Portugal não autorizou o crédito mas também não se opôs a que Berardo reforçasse o seu poder no BCP naquelas condições. É tudo uma questão de semântica ou o Banco de Portugal podia ter feito mais? O ex-vice-presidente do Banco Central Europeu tem defendido que não podia. Que não cabe ao supervisor autorizar ou apresentar juízos de valor sobre financiamentos bancários, que não podia travar operações já aprovadas, que “o governador não pode ir além da lei”.
E, afinal, podia ou não ter sido aplicado o nº 2 do artigo 118 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, por se tratar de uma operação que violava “as regras de uma gestão sã e prudente”, como sugeriu no meio desta novela o advogado e comentador de televisão António Lobo Xavier? A VISÃO perguntou ao Banco de Portugal quantas vezes este mecanismo foi usado. O supervisor bancário esclareceu que a lei se aplica quando o Banco de Portugal toma “conhecimento antecipado de projetos de operações bancárias”, o que “é raro ocorrer”: “Tanto mais que, no caso de operações de concessão de crédito, o Banco de Portugal não discute, aprova ou, de qualquer forma, autoriza operações decididas autonomamente pela gestão de uma instituição de crédito.” Essa matéria diz respeito às “instituições mutuantes” que dão o crédito: “O Banco de Portugal não tem, por princípio, qualquer intervenção prévia.” O que o supervisor pode fazer é, no âmbito de outros artigos da lei, impor medidas de intervenção corretiva, como auditorias, ou destituir administradores que não preencham os requisitos de idoneidade. Nada pode fazer para travar operações de crédito, insiste a instituição liderada por Carlos Costa.
OUTRAS VERGONHAS DA SUPERVISÃO
O financiamento ruinoso que a CGD deu a Joe Berardo não é a única matéria digna de envergonhar a entidade máxima da supervisão em Portugal. Bem pelo contrário. Já nem um milagre permitiria que o sucessor de Vítor Constâncio à frente do Banco de Portugal saísse do cargo com a ficha limpa. Carlos Costa é o homem a quem durante muitos anos serão apontadas responsabilidades pela resolução do Banco Espírito Santo (BES), a solução que na altura se dizia ser a que menos custos teria para os contribuintes.
Um longo historial de documentos já antes revelados pela VISÃO contraria a sua versão sobre o caso BES. Mas talvez a atitude mais polémica do Banco de Portugal durante a gestão do fim do BES tenha sido o destino que deu ao dinheiro que a instituição liderada por Ricardo Salgado havia provisionado nos seus últimos meses de vida, para reembolsar os clientes que tinham investido em dívida de empresas do GES, que estavam, afinal, falidas (e que, por essa razão, já não tinham capacidade para reembolsar os investidores).
Até maio de 2014, e perante o cerco apertado do supervisor, o BES reembolsou a maior parte do papel comercial do GES (1 447 dos 1 719 milhões de euros totais que deviam ser pagos até essa data). A posição do Banco de Portugal não oferecia dúvidas e ficou expressa numa carta enviada à ministra das Finanças, a 7 de julho de 2014: “O BES assegurará, em caso de incumprimento da ESI ou da Rioforte, o reembolso da dívida colocada em clientes não institucionais que a tenham subscrito através do BES ou de uma das suas participadas.” Pouco antes da queda, o banco foi obrigado a incorporar nas suas contas semestrais uma provisão para assegurar o reembolso daqueles clientes. Após a resolução de 3 de agosto, o supervisor bancário respondeu a emails de investidores dando a garantia de que a responsabilidade do reembolso do papel comercial tinha passado para as mãos do Novo Banco. Os “lesados” pareciam poder respirar de alívio. Mas afinal não. A certa altura, o Banco de Portugal parece ter decidido que o Novo Banco não podia assumir responsabilidades que não eram suas. Resumindo: o dinheiro provisionado para um fim não foi usado para esse fim.
E, como se isto não bastasse, a venda do Novo Banco foi também ela desastrosa. Meses e meses de negociações e, na prática, acabou por ser vendido a um preço negativo. E isto depois de, só numa primeira fase, terem sido injetados 4 900 milhões de euros na criação do banco herdado do BES. Aquele que era suposto ser bom e estar livre de ativos tóxicos.
A gestão pós-resolução do BES também não terá sido a melhor, de acordo com um parecer da Comissão Europeia de outubro de 2017, que a VISÃO consultou. O parecer fala em “deficiências críticas” na condução do Novo Banco, já sob a gestão do Fundo de Resolução e sob a responsabilidade do Banco de Portugal, e de uma enorme destruição de valor depois da resolução do BES. Segundo os cálculos da Comissão Europeia, a 30 de junho de 2014 o BES apresentava 80,2 mil milhões de euros em ativos, mas em junho de 2017 o Novo Banco já só apresentava ativos de 50,1 mil milhões de euros, e era expectável que o valor desses ativos baixasse para os 40 mil milhões.
O mais curioso é que quando Carlos Costa foi escolhido para substituir Constâncio à frente do Banco de Portugal, já não tinha propriamente um passado consensual na banca: estava na CGD quando o banco público aprovou muitos dos créditos problemáticos e, no BCP, foi o responsável por autorizar créditos de milhões a sociedades offshore. Do BCP à CGD, do Banif ao BES, Costa acumulou tantas polémicas que o Bloco de Esquerda chegou a pedir a exoneração do homem que manda no Banco de Portugal desde 2010. Carlos Costa só é um sobrevivente porque o seu cargo é praticamente inamovível: só pode ser demitido em circunstâncias muitíssimo especiais, provas de falha grave e em articulação com o BCE. Responsável ou negligente pelo que falhou neste ou noutro banco, não interessa. Poucos homens podem dar-se ao luxo de ter um cargo como o de Costa e Constâncio. Em que podem dizer, independentemente do que façam ou não façam: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira.”
AS FALHAS DE CARLOS COSTA
Luís Barra
1 – Os empréstimos a offshores do BCP
Quando era diretor da Direção Internacional do BCP, Carlos Costa autorizou, entre 2000 e 2004, créditos de 590 milhões de euros a 17 sociedades offshore com sede nas ilhas Caimão. O atual governador do Banco de Portugal, porém, apesar de ter dado luz verde à renovação destes créditos milionários (chegaram a ser de 60 milhões de euros de uma só vez), nunca foi acusado. Chamado como testemunha ao processo-crime, Costa argumentou sempre desconhecer quem eram os beneficiários finais (UBO) das offshores ou que estes investiam apenas em ações do próprio banco.
2 – Os créditos ruinosos da CGD
Enquanto administrador da CGD com o pelouro da área internacional, terá aprovado, entre julho de 2004 e setembro de 2006, uma série de créditos que seriam ruinosos para o banco público, entre eles o de Vale do Lobo ou um financiamento de 47 milhões de euros à Metalgest de Joe Berardo. Defende-se, dizendo que nunca lesou os interesses do banco público e que não participou em nenhum Conselho Alargado de Crédito “nos 25 grandes créditos que geraram imparidades para a Caixa”.
3 – O colapso do Banif
O ex-ministro Vítor Gaspar foi um dos primeiros a remeterem para Carlos Costa a responsabilidade da decisão de recapitalizar o Banif, em 2013, em 1,1 mil milhões de euros. Já Costa culpou o governo pela decisão de acabar com o banco. Mais tarde, na comissão parlamentar de inquérito, o governador defendeu que tinha sido o Banco Central Europeu (BCE) a impedir o Banif de aceder a financiamento externo do BCE. Porém, as minutas de uma reunião revelaram que a proposta teria partido do próprio governador do BdP.
4 – Os lesados do BES
Será sempre a maior pedra no sapato de Carlos Costa durante os seus tempos de liderança do Banco de Portugal: a resolução do BES e as consequências trágicas que essa decisão teve para quem comprou papel comercial de empresas do GES. Na verdade, o Banco de Portugal (BdP) foi a única parte que bloqueou o reembolso dos lesados do BES. Carlos Costa alega que uma nova entidade administrativa (Novo Banco) não pode assumir responsabilidades que não são suas. O problema é que durante meses o supervisor passou a mensagem de que era preciso pagar a todos os clientes de retalho que investiram em dívida do GES aos balcões do BES. Sem exceções. Houve um antes e um depois: quem tinha dívida a vencer mais cedo foi reembolsado pelo BES; quem tinha dívida a vencer mais tarde transformou-se num lesado. E para onde foi a provisão destinada a reembolsar os lesados?
5 – O desastre do Novo Banco
Como se não bastasse o desastre da resolução do BES, também a venda do Novo Banco e a gestão do suposto “banco bom” deixaram muito a desejar. O Novo Banco foi vendido a preço negativo e um parecer da Comissão Europeia que a VISÃO consultou diz que, depois da resolução do BES, se destruíram mais de 40 mil milhões de euros de ativos no espaço de dois anos.
AS FALHAS DE VÍTOR CONSTÂNCIO
José Caria
1 – A nacionalização do BPN
Nunca foi devidamente esclarecido o papel de Vítor Constâncio no processo de nacionalização e reprivatização do Banco Português de Negócios (BPN) enquanto responsável máximo do órgão de supervisão bancária. Ou desde quando sabia das fraudes da equipa de Oliveira e Costa, já que há anos alertava para a exposição excessiva à SLN, mas não concretizava acusações. Deve ter sido por esta altura que se tornou recorrente ouvir nas comissões de inquérito a desculpa do “não vi, não ouvi, não sei de nada”. Em 2012, o CDS lamentou que o relatório final dessa comissão de inquérito não carregasse mais nas culpas a Constâncio e nas “graves responsabilidades que teve a supervisão, um poder público que não defendeu os contribuintes”. À época, o então governador do Banco de Portugal afirmou que a supervisão não tem como missão detetar fraudes nem tinha “os poderes do FBI ou do KGB” e que naquela altura os poderes de supervisão eram muito escassos. Ainda hoje se fazem contas aos prejuízos da nacionalização do banco.
2 – A fraude no BPP e no BCP
Antes de assumir a vice-presidência do Banco Central Europeu (BCE), Vítor Constâncio respondeu, em Bruxelas, a perguntas de eurodeputados. Uma eurodeputada luxemburguesa do Partido Popular Europeu perguntou-lhe então: “Como se pode explicar que um homem que fracassou no seu país possa ser responsável pela supervisão na Europa?” Em causa estavam as suas responsabilidades de supervisão financeira no caso BPN mas também no BPP de João Rendeiro ou no BCP de Jardim Gonçalves. Era como “dar barras de dinamite a um pirómano”, acrescentou a eurodeputada. Constâncio disse que nada podia fazer, porque os três casos de fraude na banca portuguesa tinham sido “cometidos ao mais alto nível”.
3 – A gestão da CGD e a “operação Berardo”
Chamado à comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos, Vítor Constâncio apresentou-se em março, mal preparado, e num estado de amnésia tal que viria a chocar os deputados. Porém, à segunda parecia ter feito o trabalho de casa. Os deputados queriam saber qual a sua responsabilidade nos créditos ruinosos que tinham sido dados pela Caixa Geral de Depósitos, sobretudo nos créditos ao madeirense Joe Berardo. Porque falhara a supervisão?
Constâncio conseguiu rebater muitas das acusações que lhe foram feitas nas últimas semanas, mas não conseguiu convencer quando disse que só soube do financiamento da CGD a Berardo para compra de ações do BCP muito mais tarde. Afinal, houve troca de correspondência entre a Fundação Berardo e o Banco de Portugal e reuniões em que se discutiu e se aprovou que o supervisor não iria opor-se ao reforço da posição acionista do empresário madeirense. Sobre as acusações que lhe foram feitas pelo ex-administrador do BCP Filipe Pinhal – que fez parte do triunvirato que quis tomar de assalto aquele banco privado (juntamente com José Sócrates e Teixeira dos Santos) –, defendeu serem calúnias e ameaçou com um processo.
O governador do Banco de Portugal considera que se o BES tivesse sido resolvido hoje teria tido um valor diferente devido a mudanças na lei e admite que havia ativos sem valor no balanço do banco bom.
Apesar dos custos, a resolução do Banco Espírito Santo (BES) foi a melhor opção para o grupo financeiro em 2014, segundo defendeu o governador do Banco de Portugal (BdP). No Parlamento, Carlos Costa garantiu que a atuação do supervisor foi “estritamente cumpridora da lei” em todo o processo.
“A resolução foi um bem público, mesmo que com custos. Se eu gostei? Tem custos e são evidentes. Mas o que temos de ver são os custos que implicava não a fazer“, afirmou Carlos Costa, esta quinta-feira numa audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa. “A resolução resgatou depositantes, credores seniores que não eram investidores institucionais, condições de financiamento da economia, postos de trabalho e, mais importante, evitou um impacto financeiro que teria levado a uma situação em que teríamos de impor limites à circulação de capitais“, disse.
Carlos Costa deixou claro que a situação de garantias não é estranha e ainda explicou que “o menor pedido de cobertura de perdas foi o que resultou na venda”. Questionado pelo deputado social-democrata Duarte Pacheco sobre se foram feitas alterações nos critérios contabilísticos para considerar maiores prejuízos e degradar os rácios de capital (que são imposição para que seja acionado o mecanismo de capital contingente), o governador respondeu: “No contrato está explícito que não podem haver alterações contabilísticas. Não creio que haja motivos para duvidar da diligência do Fundo de Resolução e há todos os motivos para acreditar na capacitação técnica”.
Também a bloquista Mariana Mortágua questionou sobre os prejuízos do Novo Banco logo após a limpeza do balanço. Além de ter afirmado a sua “fé” nos auditores que certificaram as contas, Carlos Costa explicou que “ficaram no balanço do Novo Banco ativos com valor zero, mas que tinham de ficar para beneficiar o Fundo de Resolução”, clarificando que a recuperação de ativos em incumprimento que ficaram no banco mau revertem a favor da massa insolvente, ao contrário dos que estão no Novo Banco, que revertem para o fundo.
“Desses ativos, já foram recuperados 3 mil milhões de euros do que foi alienado”, sublinhou “Os ativos que não tinham valor tiveram imparização a 100%”. Carlos Costa explicou ainda que caso a resolução tivesse acontecido agora, teria sido diferente — nomeadamente no que diz respeito ao cálculo de perdas — já que a legislação mudou desde então, tal como mudaram os requisitos de capital exigidos pelas autoridades europeias.
Face ao comentário de Cecília Meireles, do CDS-PP, sobre o Novo Banco não ser o banco bom, mas o banco talvez (devido aos prejuízos e imparidades registados), Carlos Costa respondeu ainda: “Se disser que o Novo Banco é um banco talvez, tem de se dizer que todos os bancos portugueses são bancos talvez porque todos registaram imparidades. Registar imparidades é resultado da crise e das decisões de crédito. Todos os bancos portugueses depois de 2014 tiveram necessidade de reforço de capital”.
Um dos membros do conselho consultivo do Banco de Portugal diz que o governador Carlos Costa está fragilizado. Murteira Nabo critica a forma como foi criado o fundo de resolução de apoio à banca.
O grupo parlamentar do PS requereu hoje a audição do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, no Parlamento, para prestar esclarecimentos sobre o processo de resolução do BES e sobre a gestão do banco até à venda.
O grupo parlamentar do PS requereu hoje a audição do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, no Parlamento, para prestar esclarecimentos sobre o processo de resolução do BES e sobre a gestão do banco até à venda.
“É do máximo interesse público esclarecer com maior profundidade a informação e afirmações que têm sido reveladas nas últimas semanas” sobre a resolução do BES e sobre o processo de venda, em audições na comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, argumentam os deputados do PS João Paulo Correia e Fernando Rocha Andrade.
No requerimento, que deu hoje entrada na Assembleia da República, o PS sublinhou que “os responsáveis pela resolução do BES foram os atual governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e “os principais responsáveis do anterior governo PSD/CDS-PP”.
De acordo com o PS, as audições realizadas nas últimas semanas no parlamento sobre o pedido do Novo Banco ao Fundo de Resolução para uma injeção de cerca de 1.100 milhões de euros “permitiram confirmar que persiste um `banco mau´ dentro do Novo Banco por força de uma resolução do reconhecidamente insuficiente e marcada por opções muito discutíveis e outras ainda por esclarecer”.
“Os ativos tóxicos transferidos do BES para o Novo Banco têm sido responsáveis por quase 6.000 milhões de euros de imparidades”, salientou o PS, realçando que “afinal o Novo Banco não foi o tal `banco bom´ prometido pelo anterior governo PSD/CDS”.
No requerimento, os deputados socialistas destacam afirmações do presidente do Fundo de Resolução, Máximo dos Santos, na comissão parlamentar, segundo as quais “a resolução do BES está a ser feita a prestações” porque “não havia condições para fazê-la de uma só vez”.
“Já o presidente do Novo Banco [António Ramalho] afirmou que a resolução do BES `Não foi preparada totalmente´ e que `a injeção inicial foi insuficiente´”, assinalou o PS.
Em 03 de agosto de 2014, quatro dias depois de ter apresentado prejuízos de quase 3,6 mil milhões de euros, o ‘histórico’ Banco Espírito Santo [BES] acabou tal como era conhecido. O Banco de Portugal, apoiado pelo Governo PSD/CDS-PP, liderado por Pedro Passos Coelho, aplicou uma medida de resolução ao BES e criou o Novo Banco, uma instituição que, para proteger os depositantes, foi capitalizada pelo Fundo de Resolução bancária (entidade na esfera do Estado, gerida pelo Banco de Portugal) com 4,9 mil milhões de euros.
Sem dinheiro suficiente para capitalizar o Novo Banco, o Fundo de Resolução pediu um empréstimo bancário e ainda um empréstimo ao Tesouro público de 3,9 mil milhões de euros.
Contudo, rapidamente se percebeu que a capitalização tinha sido ‘curta’, até porque muitos dos ativos com que o Novo Banco ficou estavam longe de ser ‘bons’, eram mesmo muito ‘tóxicos’ (sobretudo crédito malparado) acarretando grandes perdas para o banco.
Em dezembro de 2015, face a novas necessidades de capitalização do Novo Banco, o Banco de Portugal passa para o ‘banco mau’, o BES, obrigações seniores que inicialmente ficaram no Novo Banco, provocando grandes prejuízos nos investidores dessa dívida, sobretudo institucionais como os grandes fundos de investimento Pimco e BlackRock. Os processos correm agora em tribunal.