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Ministério Público admite que dois dos crimes da Operação Marquês já prescreveram. E podem prescrever mais

Sexta-feira, Outubro 1st, 2021

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Público

Adesão de Carlos Santos Silva a amnistia fiscal RERT II data de 2010, pelo que nem empresário, nem José Sócrates podem ser julgados por falsificação de documento. O mesmo sucedeu com um dos crimes de fraude fiscal imputados a Zeinal Bava.

O Ministério Público admite que um dos crimes de falsificação de documento que assacou ao ex-primeiro-ministro José Sócrates e ao seu amigo Carlos Santos Silva, e que diz respeito à adesão do empresário ao regime excepcional de regularização tributária RERT II, prescreveu este Verão. Destino idêntico poderão vir a ter outros crimes do mesmo género alegadamente cometidos pelos protagonistas da Operação Marquês.

No recurso que entregaram nesta terça-feira em tribunal a contestar a decisão do juiz de instrução Ivo Rosa de não levar a julgamento parte substancial dos arguidos do processo e de descartar também a maior parte dos crimes que constavam da acusação, como a corrupção, os procuradores Rosário Teixeira e Victor Pinto e dois outros colegas discordam de muitas das prescrições decretadas pelo magistrado. Mas reconhecem que há pelo menos um delito pelo qual não é possível responsabilizar os dois arguidos, por ter passado demasiado tempo.

A adesão ao RERT II foi entregue por Santos Silva a 15 de Dezembro de 2010, nas instalações do BES em Lisboa, para encaminhamento para o Banco de Portugal, para beneficiar da amnistia fiscal decretada pelo Governo de José Sócrates. Ao todo, o empresário transferiu da Suíça para Portugal 23 milhões de euros, que sempre garantiu que eram seus e não do antigo líder socialista.

O crime de falsificação radica, segundo o Ministério Público, no facto de os dois amigos terem feito constar na declaração de adesão a este mecanismo que os fundos pertenciam apenas ao empresário, “quando sabiam que pertenciam essencialmente ao arguido José Sócrates”.

Sucede que, não ultrapassando a moldura penal do crime em causa os três anos e meio de cadeia, o seu prazo de prescrição também não é dos mais elevados. Os procuradores fizeram as contas: “Estando em causa um crime punido com uma pena até três anos de prisão é aplicável um prazo de prescrição do procedimento de cinco anos, que foi interrompido com a constituição como arguido e suspenso, pelo período de três anos, com a dedução da acusação. Pelo exposto, tendo já decorrido mais de dez anos e seis meses sobre a consumação do crime, entendemos que o procedimento criminal relativamente ao mesmo se encontra extinto por prescrição, desde 15 de Junho de 2021.”

Ou seja, este delito prescreveu já depois de o Ministério Público ter deduzido acusação e de Ivo Rosa ter feito o despacho de pronúncia. E o PÚBLICO sabe que o mesmo poderá suceder com vários outros crimes do mesmo tipo de constam da Operação Marquês, que teve origem numa investigação iniciada em 2013 e fez as primeiras detenções em Novembro de 2014.

Por outro lado, o Ministério Público admite que Ivo Rosa teve efectivamente razão ao declarar prescrito um dos dois crimes de fraude fiscal imputados ao antigo dirigente da Portugal Telecom Zeinal Bava – por muito que o juiz de instrução tenha ilibado este arguido não apenas do delito em causa mas dos restantes que lhe eram também assacados pela acusação, incluindo peculato e corrupção. É um momento quase único da acusação, que faz inúmeras e violentas críticas a toda a actuação do magistrado.

A fraude fiscal que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal considera que Zeinal Bava cometeu diz respeito aos mais de 25 milhões de euros que lhe terão sido pagos por Ricardo Salgado em troca do favorecimento dos interesses do Grupo Espírito Santo, nomeadamente barrando a entrada da Sonae (proprietária do PÚBLICO) na PT, mas também no que dizia respeito aos futuros negócios do grupo de telecomunicações no Brasil. Esses pagamentos não foram declarados ao fisco e é discutível que o tivessem de ser, tratando-se de subornos. Nem teria tão pouco de o fazer se se tratasse de empréstimos, como alega o antigo presidente executivo da PT, para comprar acções da própria empresa. 6,7 dos mais de 25 milhões que recebeu através do chamado saco azul do GES, a Espírito Santo Enterprises, teriam de ter sido declarados no IRS de 2007, ano demasiado longínquo, do ponto de vista da prescrição, para este gestor poder algum dia vir a ser responsabilizado criminalmente pelo sucedido, admite agora o Ministério Público, recuando assim em relação ao que tinha defendido na acusação.

Críticas à decisão de Ivo Rosa

Como já aconteceu noutros momentos deste processo, os procuradores não hesitam em desqualificar o trabalho desenvolvido por Ivo Rosa na destruição de parte significativa da acusação produzida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal. “A decisão instrutória que é objecto do presente recurso revela menosprezo e incompreensão pelo trabalho de recolha de prova feito em sede de inquérito”, escrevem no recurso os magistrados. “Recorre a interpretações erradas e viciadas, isto é, faz uma leitura tendenciosa e adulterada dos factos narrados na acusação.” Principal prova disso, segundo os magistrados, é Ivo Rosa ter, nas conclusões a que chegou, “omitido os factos relacionados com os movimentos financeiros, que ocupam uma parte significativa da acusação, apesar de os admitir como indiciados”.

E não poupam nas críticas, ao acusarem o juiz de instrução de ter “pervertido o sentido narrativo da acusação, imputando-lhe significâncias erradas e alterando a cronologia dos factos e o sentido da acção dos arguidos, mas também adulterando o suporte legal e interpretativo das soluções jurídicas encontradas” pelo Ministério Público. Objectivo? Segundo os dois magistrados, para poder afirmar que a visão que o Ministério Público tem deste processo está viciada ou viola princípios constitucionais. Victor Pinto e Rosário Teixeira lamentam “a adesão acrítica” de Ivo Rosa às explicações dadas pelos arguidos para negarem a prática de actos criminosos, “bem como a sua adesão integral ao teor dos depoimentos dos correligionários políticos de José Sócrates” – como os seus ex-ministros e ex-secretários de Estado Teixeira dos Santos, Mário Lino, Paulo Campos e Carlos Costa Pina -, por muito que as suas declarações tenham sido “totalmente contrariadas por documentos e depoimentos prestados por outras testemunhas” da Operação Marquês no capítulo da rede de alta velocidade e no do controlo da Portugal Telecom.

Lamentam também que o magistrado tenha, no que a algumas destas questões diz respeito, descartado a credibilidade de testemunhas como José Maria Ricciardi, do grupo Espírito Santo, quando este revelou a existência de “um círculo de pessoas íntimas” que “passavam os dias em reuniões” uns com os outros: Mário Lino, Paulo Campos, as pessoas do grupo Ongoing, e o banqueiro Ricardo Salgado.

Tribunal da Relação anula despacho de Ivo Rosa e obriga-o a analisar declarações de Hélder Bataglia

Sexta-feira, Setembro 11th, 2020

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Observador

Tribunal da Relação anula despacho de Ivo Rosa e obriga-o a analisar declarações de Hélder Bataglia

Juiz de instrução da Operação Marquês obrigado a analisar prova testemunhal de ex-líder da Escom sobre transferências relacionadas com José Sócrates, o seu primo e Ricardo Salgado.

O Tribunal da Relação de Lisboa deu razão ao Ministério Público e anulou uma vez mais um despacho de Ivo Rosa, censurando-o por “extravasar as suas competências”, por esquecer o que determina a jurisprudência e por confundir “conceitos jurídicos” básicos. Desta vez foi na Operação Marquês e no centro do acórdão assinado pelos desembargadores Ricardo Cardoso e Artur Vargues estão declarações relevantes de Hélder Bataglia, ex-líder da Escom, que o juiz que lidera a fase de instrução criminal da Operação Marquês terá agora de ter em conta na sua decisão instrutória, que deverá ser conhecida até ao final deste ano. É a 14.ª derrota para Ivo Rosa na Relação de Lisboa em menos de três anos.

As declarações de Bataglia foram proferidas no processo Monte Branco e dizem respeito ao esquema de branqueamento de capitais de Francisco Canas (o principal suspeito daquele processo, que morreu em janeiro de 2017) que alegadamente permitiu a transferência de cerca de dois milhões de euros para contas bancárias na Suíça controladas por Carlos Santos Silva (alegado testa-de-ferro do ex-primeiro-ministro José Sócrates) e por Armando Vara (ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos). Tais transferências são, segundo a acusação do Ministério Público, uma alegada contrapartida paga a José Sócrates e Armando Vara pela aprovação um crédito de mais de 197 milhões de euros na Caixa Geral de Depósitos para um grupo de investidores liderados por Bataglia comprarem o resort algarvio Vale do Lobo. Bataglia fez igualmente declarações sobre transferências para o primo de José Sócrates e para Ricardo Salgado através das suas sociedades offshore Green Emerald e Overview Investments.

Decisão “revela confusão de conceitos jurídicos” e “extravassa competências”

Ivo Rosa tinha decidido a 21 de junho de 2019 anular a prova testemunhal de Hélder Bataglia, argumentando que a lei apenas permite que as declarações prestadas num determinado processo sejam utilizadas como prova nos mesmos autos em que foram proferidas. Como as declarações de Bataglia tinham sido feitas no âmbito do caso Monte Branco, então não podiam ser transferidas para a Operação Marquês para “formar qualquer juízo de indiciação” na fase de instrução.

O procurador Rosário Teixeira recorreu para a Relação de Lisboa argumentando que o juiz Ivo Rosa estava a extrapolar e a invocar para a fase de instrução criminal uma norma que apenas é usada durante a fase de julgamento. “A valoração de determinado meio de prova em fase de julgamento é questão diversa da possibilidade de utilização desses mesmos meios de prova em fase de inquérito ou de instrução”, escreveu o procurador no seu recurso.

Os desembargadores Ricardo Cardoso e Artur Vargues deram total razão ao procurador Rosário Teixeira. Num acórdão sintético (apenas 25 páginas) mas assertivo, o relator Ricardo Cardoso censura o raciocínio jurídico do juiz Ivo Rosa.

Em primeiro lugar, os desembargadores dizem que a decisão de Ivo Rosa “revela a confusão de conceitos jurídicos, de competência e funções do juiz de instrução”. E porquê?

Porque Ivo Rosa invoca normas do Código de Processo Penal que “se reportam às regras da audiência de julgamento, pelo que a decisão recorrida subverte e antecipa para a fase de instrução uma norma dirigida e integrada no regime da fase de julgamento”.

Ou seja, e como o Ministério Público tinha argumentado, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal confunde conceitos jurídicos e “possibilidades de prova”, “sem querer perceber que o que está em causa é um mesmo objecto de prova e não um mesmo processo.”

Mais: de acordo com o relator do acórdão da Relação, Ivo Rosa “olvida o enunciado princípio de que o juízo de probabilidade razoável de condenação” aplicável “à pronúncia ou não pronúncia, não equivale ao juízo de certeza exigido ao juiz de julgamento na condenação”, escreve o desembargador Ricardo Cardoso.

Por isso, mesmo a Relação de Lisboa considera que, “ao pronunciar-se sobre a possibilidade de utilização em julgamento da prova por declarações como arguido de Hélder Bataglia constante da aludida certidão”, o juiz Ivo Rosa “extravasou a sua competência”, que está limitada pela lei, “violando a exclusiva competência do tribunal de julgamento pretendendo subtrair tal competência ao tribunal próprio dessa fase final ao efectuar a apreciação desses elementos de prova que só o juiz do julgamento tem competência para valorar”.

Por isso mesmo, os desembargadores Ricardo Cardoso e Artur Vargues declararam a nulidade insanável do despacho de Ivo Rosa que anulou a prova testemunhal de Hélder Bataglia e reafirmaram “a possibilidade de utilização como prova, em sede de instrução,” das declarações do ex-líder da Escom proferidas no caso Monte Branco.

Uma decisão idêntica já tinha sido tomada pela Relação de Lisboa em dezembro de 2019 em relação a um outro despacho de Ivo Rosa na Operação Marquês em que o juiz de instrução tinha determinado a anulação a transmissão da prova testemunhal de Ricardo Salgado no caso Universo Espírito Santo e Monte Branco.

 

 

Os falhanços em 15 anos: De banqueiros a governantes, o poder mudou?

Quinta-feira, Maio 31st, 2018

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Negócios

Em 15 anos muitos poderosos caíram. O caso mais marcante foi o do BES. Caiu em 2014. Xeque-mate a Ricardo Salgado? O banqueiro passou a “ex” e empenhado na defesa dos seus processos judiciais. Foi pela mão da Justiça que caíram outros gestores e políticos. Mas ainda falta a prova final: a do tribunal.

Nos últimos 15 anos muitos líderes se assumiram e destacaram. Mas houve quem caísse do pedestal. E com estrondo.

Em 2003 poucos acreditariam que nas 15 figuras relevantes para a economia portuguesa dos últimos 15 anos não figuraria “o” banqueiro: Ricardo Salgado. Nesse ano, quando o Negócios lançou a sua versão diária em papel, Ricardo Salgado já era o todo-poderoso banqueiro, concorrente do não menos poderoso Jardim Gonçalves, que comandava desde a fundação o BCP. Nenhum dos banqueiros sobreviveu, enquanto tal, ao tempo. Nem à crise financeira. Nem ao poder de um homem só.

O rosto do BCP era Jardim Gonçalves. O do BES era Ricardo Salgado. Os dois bancos são, hoje, completamente diferentes do que eram há 15 anos. O BCP assume agora nova liderança executiva, de Miguel Maya, depois de já ter estado nas mãos de Paulo Teixeira Pinto, Filipe Pinhal, Carlos Santos Ferreira e Nuno Amado, em mudanças que tiveram lutas de poder económicas, mas sobretudo políticas.

A 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal decidiu o fim do BES. Um dos maiores bancos desaparecia.

E foi também assim que os accionistas do BCP mudaram. Hoje, este banco é placa giratória entre a Ásia (com a chinesa Fosun a ser a principal accionista) e África (a Sonangol é a segunda maior). O poder naquele que foi o maior banco privado mudou. A crise financeira deu também o seu contributo. O capital não chegou. Teve de se ir buscar fora. Teimosamente naqueles agudos anos em que os principais bancos pediram ajuda ao Estado, em Portugal havia um que se orgulhava de ficar à parte. O BES chegou a fazer cerca de dois meses antes de cair um aumento de capital no mercado. Com sucesso. Em Agosto de 2014, no dia 3, traçou-se uma linha do tempo em Portugal. O Banco de Portugal decidiu a resolução do BES. Criou o Novo Banco, com o que então considerou ser os activos “bons”, e deixou o BES “mau” entregue ao banco central para liquidação. Já tinha empurrado Ricardo Salgado para fora da estrutura do banco. Mas foi preciso mais do que isso. O BES caiu, depois de já ter caído o BPN (de Oliveira Costa), o BPP (de João Rendeiro) e ao qual se seguiu o Banif. Todos arrastaram uma miríade de interesses e negócios. Mas o cofre, até então, sempre disponível na Avenida da Liberdade (sede do BES) para muitos empresários e gestores infligiu um dano maior.

As peças do dominó caíram, uma atrás da outra.

Com o fim do BES chegou também o da PT, tal como foi sonhada, uma operadora de telecomunicações em vários mercados internacionais. Tinha muita exposição ao universo Espírito Santo, a quem tinha emprestados quase 900 milhões de euros, o que a levou a uma fusão destrutiva com a brasileira Oi que, enredada em accionistas “apanhados” nos processos de corrupção do Lava Jato, teve de ir para tribunal tentar a recuperação judicial. A “antiga” e toda-poderosa PT dividiu-se. Parte ficou na Oi, parte ficou na Pharol e parte – a operação portuguesa – foi vendida ao grupo Altice. Lá como cá alguns dos grandes negócios e empresários tiveram, depois deste período, o mesmo destino: viram-se envolvidos em processos judiciais que em Portugal ainda estão à espera do desfecho.

Ricardo Salgado é arguido em quatro processos (Operação Marquês, Universo Espírito Santo, Monte Branco e rendas da energia). Zeinal Bava e Henrique Granadeiro – gestores estrelas que lideraram a PT em anos faustosos – acompanham Salgado como arguidos na Operação Marquês, que tem como figura central o ex-primeiro-ministro José Sócrates.

O fim dos governos de José Sócrates trouxe muitas mudanças. Começou com a necessidade do país pedir ajuda financeira à troika (BCE, União Europeia e FMI) que impôs algumas mudanças na economia nacional, que teve porta escancarada com o governo de Pedro Passos Coelho, liberal e defensor de uma menor presença do Estado na economia. Menos intervenção culminou com o deixar cair o BES.

Os poderes de outrora mudaram. Voltarão? Como referiu recentemente à Visão o próprio ex-primeiro-ministro: “O nosso futuro é aquilo que a vida nos trouxer. (…) Há uma coisa que a vida nos trará com certeza: um dia acabará. Quanto ao resto, ver-se-á”.

O testemunho demolidor de ex-administrador da PT que destrói as teses de Sócrates e Salgado

Domingo, Setembro 17th, 2017

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Observador

O testemunho demolidor de ex-administrador da PT que destrói as teses de Sócrates e Salgado

Jorge Tomé, representante da CGD na PT, ponderou o apoio à OPA da Sonae, foi contra a compra da Oi e diz que os investimentos em dívida do GES violaram os regulamentos da PT. As revelações à Justiça.

Não é o primeiro ex-administrador da Portugal Telecom (PT) a afirmar que as teses essenciais da Operação Marquês fazem sentido, mas é um dos testemunhos mais demolidores para as teses de defesa de José Sócrates e de Ricardo Salgado. As quatro horas que Jorge Tomépassou no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no dia 24 de março serviram para o ex-administrador não executivo da telefónica entre 2002 e 2012, em representação da Caixa Geral de Depósitos (da qual foi administrador executivo no mesmo período), confirmar que as principais suspeitas do Ministério Público (MP) têm fundamento.

  • O Governo de José Sócrates utilizou as golden shares para bloquear a venda da Vivo aos espanhóis da Telefónica, de forma a impor a entrada da PT na Oi;
  • A compra da Oi foi um mau negócio (muito por culpa da utilização das golden shares por parte de José Sócrates) e teve a oposição de Jorge Tomé;
  • Os investimentos da PT em títulos de dívida do Grupo Espírito Santo, que eram apresentados à administração da PT como sendo depósitos bancários, violaram os regulamentos da própria empresa de telecomunicações para os investimentos com partes relacionadas.

Vamos por partes para descrevermos os sete pontos essenciais do testemunho homem que liderou igualmente o Caixa Banco de Investimento (entre 2008 e 2012) e o Banif (entre 2012 e até à resolução decidida em dezembro de 2015 pelo Governo de António Costa e pelo Banco de Portugal liderado por Carlos Costa).

A mudança de opinião do Governo Sócrates e as golden shares

É falso que o Governo da altura, e em particular eu próprio, como primeiro-ministro, se tenha oposto à OPA da Sonae. Este é um embuste que a Sonae, o Ministério Público e os jornais afetos repetem com frequência, não deixando, por isso, de ser uma descarada mentira” 
José Sócrates, Público , 17 de agosto de 2017

O ex-gestor da PT declarou que soube da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonae de Belmiro ePaulo Azevedo sobre 100% do capital social da PT antes de a mesma ser pública. Mais: também teve conhecimento dos contactos que se verificaram entre a família Azevedo e o o Governo de José Sócrates em 2006, que culminaram com uma audiência formal em dezembro de 2006 em que Sócrates recebeu Belmiro e Paulo Azevedo na residência oficial do primeiro-ministro, tal como este último afirmou ao procurador Rosário Teixeira a 22 de setembro de 2015. O atual líder da Sonae disse que Sócrates garantiu que via a OPA com agrado e assegurou que iria manter-se equidistante, não fazendo uso das golden shares para vetar politicamente o negócio. Na prática, e de acordo com Paulo Azevedo, não foi isso que aconteceu, já que a Sonae sempre teve sinais de que o Governo estava contra a operação.

Ouvido pelos procuradores Rosário Teixeira e Inês Bonina, Jorge Tomé transmitiu a mesma ideia que Paulo Azevedo. O então administrador da CGD e da PT diz que percecionou em 2007, logo após o lançamento da OPA, que o Governo Sócrates era contra a operação — isto quando havia uma expectativa de sucesso da operação, devido ao apoio que teve na comunicação social. A posição do Executivo, diz Tomé, evoluiu mais tarde para a tal posição de neutralidade, como José Sócrates assegura publicamente desde o início da Operação Marquês. Mas, acrescenta o ex-gestor da CGD e da PT, só depois da expectativa inicial de sucesso da OPA ter diminuído – progressiva e drasticamente.

Declarações que colocam em causa a posição de sempre de José Sócrates e que se resume numa frase de um artigo de opinião do ex-primeiro-ministro publicado no DN a 18 de março deste ano: “O governo assumiu uma posição de estrita imparcialidade nem contra nem a favor da OPA”.

No que diz respeito à CGD, uma das instituições públicas que tinha participação no capital da PT, e numa altura em que Armando Vara(amigo próximo de José Sócrates) era o braço-direito de Carlos Santos Ferreira na CGD e o segundo representante da Caixa na administração da PT, Jorge Tomé diz que o banco público manteve sempre uma atitude expectante. Líder de uma instituição com cerca de 5% do capital social da PT e com o Estado como único acionista, Santos Ferreira também recebeu Paulo Azevedo antes do anúncio da OPA (o Grupo Sonae era um importante cliente da Caixa) mas nunca abriu o jogo. Segundo Tomé, que era próximo de Carlos Santos Ferreira, a administração da Caixa estava a tentar perceber qual seria a posição do Governo sobre a OPA, existindo a preocupação de que o Ministério das Finanças (liderado por Fernando Teixeira dos Santos e que tinha a tutela da CGD) e o Ministério das Obras Públicas (chefiado por Mário Lino e que detinha a tutela técnica da PT) tivessem uma posição única.

Uma coisa é certa: de acordo com Jorge Tomé, o BES de Ricardo Salgado estava a pressionar a administração da CGD a votar contra a OPA. Isso mesmo foi-lhe assegurado por Carlos Santos Ferreira. Segundo o então administrador da Caixa, o banco público era a única entidade que conseguia contrabalançar a forte influência e até o domínio do BES da administração da PT, que era então liderada por Henrique Granadeiro.

Apoio à OPA da Sonae foi ponderado

A primeira oferta da família Azevedo aos acionistas da PT foi de 9,5 euros por ação. Um valor que Jorge Tomé considerava insuficiente. Contudo, e tendo em conta que a sua função era defender o interesse dos acionistas (em particular, o da CGD), Tomé disse ao MP que entendia que uma oferta acima dos 10 euros deveria ser tida em consideração. Se a Sonae atingisse os 11 euros, então o gestor votaria favoravelmente a proposta da OPA.

Em meados de fevereiro de 2007, a 15 dias de uma Assembleia Geral que iria votar a desblindagem dos estatutos (condição sine qua nondefinida pela Sonae para avançar com a OPA), a Sonaecom aumentou a proposta para 10,5 euros por ação. Isto numa altura em que a administração da PT de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava já se opunha à operação e prometia aos acionistas um pacote milionário de dividendos extraordinários no valor total de 3,5 mil milhões de euros e a cisão da PT Multimédia, que permitia dar aos acionistas da PT as ações da subsidiária que estavam avaliadas em cerca de 2 mil milhões de euros, entre outras promessas. Mais tarde, este pacote de remuneração teve uma revisão em alta.

A Caixa BI, liderada por Jorge Tomé, fez um estudo comparativo entre as propostas da Soane e da administração da PT e concluiu que, somadas todas as promessas e valências das mesmas, os valores finais por ação eram os seguintes:

  • Oferta da Sonaecom – 10,5 € por ação;
  • Plano de remuneração da administração da PT – intervalo entre os 10,4 € e os 11,1 € por ação.

Isto é, as propostas eram muito semelhantes, existindo uma ligeira vantagem para a proposta da administração da PT. Se tivermos em conta o ponto médio desta última proposta, o plano anti-OPA valia mais cerca de 25 cêntimos por ação.

Quando depôs na Comissão Parlamentar de Inquérito da CGD em janeiro deste ano, Carlos Santos Ferreira mostrou-se satisfeito com a decisão aprovada pela Conselho de Administração da Caixa, com duas abstenções, alegando que o preço oferecido pela família Azevedo “não era suficientemente atrativo. O conselho da CGD, por aquele preço, 10,5 euros, procedeu bem”.

Jorge Tomé admitiu aos investigadores da Operação Marquês, por outro lado, que a estratégia de reforçar a distribuição de dividendos aos acionistas era promovida pelo acionista BES de Ricardo Salgado. O mesmo acontecendo com o Grupo Ongoing — que dependia bastante do ponto de vista financeiro dos dividendos da PT para pagar a dívida em que estava alavancado.

Os procuradores Rosário Teixeira e Inês Bonina questionaram igualmente o então gestor da CGD e da PT sobre a origem dos novos acionistas da PT (e o reforço de outros acionistas, como o BES) que surgiram um pouco antes ou durante a OPA da Sonae — e que se posicionaram contra a proposta da família Azevedo. Tomé confirmou a ideia que os investigadores já tinham de que a Ongoing surgiu por iniciativa do BES e acrescentou que a entrada em cena de vários investidores internacionais, como o mexicano Carlos Slim, verificou-se por intermédio de Zeinal Bava. O então vice-presidente da PT terá ido ao México para convencer Slim, um ‘inimigo’ da Telefónica no continente americano, a adquirir uma posição qualificada na PT.

O sentido de voto da Caixa

É falso que eu próprio, ou alguém em nome do Governo, tenha dado qualquer indicação de voto à Administração da Caixa Geral de Depósitos ou a qualquer dos seus membros. Isso foi já desmentido pelos Administradores”
José Sócrates, Público, 17 de agosto de 2017

O sentido de voto da CGD tem sido o grande cavalo de batalha de José Sócrates para contrariar a indicação do MP de que o então primeiro-ministro deu indicações à administração do banco público para votar contra a OPA da Sonae e assim permitir a continuação do domínio da PT por parte do BES.

Jorge Tomé não foi totalmente claro sobre essa matéria. O ex-administrador da CGD deixou implícito que houve instruções do Governo de José Sócrates, ao afirmar que o banco público durante muito tempo não recebeu nenhuma indicação de voto. Tais instruções só terão sido dadas numa data próxima da Assembleia Geral (AG) da PT, que decorreu no dia 2 de março de 2007. Aliás, acrescentou Tomé, estranho seria se o banco público, enquanto acionista da PT, não seguisse a posição do Governo numa questão tão relevante quanto a OPA da Sonae.

Seja como for, Tomé só teve conhecimento do voto contra a OPA da CGD dias antes da AG da PT para votar o desbloqueamento do estatutos da operadora. Carlos Santos Ferreira, que lhe transmitiu essa posição que tinha sido deliberada em Conselho de Administração da CGD (depois de o próprio Tomé ter feito uma exposição verbal à administração da Caixa), explicou-lhe que o banco público limitava-se a seguir a recomendação da administração da PT (que entendia que a proposta da Sonae não refletia o real valor da operadora) liderada por Henrique Granadeiro.

As posições de Jorge Tomé diferem das de Santos Ferreira. O então líder da CGD e militante do PS afirmou claramente numa audição da Comissão Parlamentar de Inquérito à CGD que “não falei com nenhum membro do Governo nem nenhum membro do Governo falou comigo” sobre a OPA da Sonae, embora tenha admitido contactos com Luís Ribeiro Vaz, assessor do secretário de Estado Paulo Campos que acompanhou exclusivo o processo da OPA da Sonae à PT entre abril de 2006 e 2007. Ou seja, o sentido de voto da CGD foi decido pelo “Conselho de Administração da CGD” e não pelo Governo.

Problemas com a Vivo e com a Oi

A venda da Vivo significaria para a PT perder o seu potencial futuro. Para ser feito tem de ser feito de forma a que o futuro não fique amputado, nem comprometido”
Ricardo Salgado, 26 de maio de 2010, Expresso

“A Oi tem grandíssimo potencial”
Ricardo Salgado, 27 de julho de 2010, Público

A maior divergência entre o Governo de José Sócrates e o GES de Ricardo Salgado, de um lado, e o Grupo Sonae, do outro, foi sempre o Brasil. Enquanto Belmiro e Paulo Azevedo queriam vender diversas operações internacionais da PT (sendo que, destas, a principal era a participação na empresa brasileira Vivo), Sócrates e Salgado viam o Brasil como um ativo estratégico essencial para o futuro da operadora.

Jorge Tomé fez questão de contextualizar no seu depoimento as diferentes fases da Vivo. Em 2006/2007, altura da OPA da Sonae, Tomé diz que a operadora brasileira, detida em partes iguais pela PT e pela espanhola Telefónica, não era tão atrativa como viria a ser em 2010. Em primeiro lugar, a Vivo tinha diversos problemas técnicos na sua rede e concentrava-se apenas nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. É certo que são os dois principais estados brasileiros mas estavam longe de configurar a operação da Vivo como uma operação nacional. Um testemunho também ele muito semelhante ao que Ricardo Salgado fez na Operação Marquês.

Por outro lado, acrescentou Tomé, a Vivo não tinha em 2007 uma rentabilidade comparável à que surgiu em 2010 — melhoria que se deveu a alterações técnicas na sua rede no Brasil, passando então a ser uma operadora global no território brasileiro e com capacidade de se interligar com outras redes. Tudo isto tinha feito com que Zeinal Bava equacionasse em 2007, afirmou Jorge Tomé, vender as posições que a PT tinha no Brasil, caso a situação não se alterasse.

Já a Oi, operadora que em 2007 se chamava Telemar e que chegou a ser alvo do interesse da PT para uma troca de participações, era uma sociedade com uma estrutura acionista complexa, cujo controlo de gestão por parte da PT nunca seria fácil. Na ótica de Jorge Tomé, o grande investimento exigido à PT para ter uma posição acionista nunca compensaria, porque a aquisição de mais de 25% do capital não daria (como não deu) um controlo automático da situação.

Visão muito diferente daquela que Ricardo Salgado promoveu em 2010, ao elogiar o “grandíssimo potencial” da Oi.

Entrada em cena de José Sócrates

Certo é que a Telefónica foi aumentando a parada pela participação da Brasilcel, holding que detinha a participação luso-espanhola na Vivo. Depois de uma oferta de 6,5 mil milhões de euros, em maio de 2010, os principais acionistas da operadora portuguesa começaram a mudar a sua posição sobre a manutenção da Vivo. Segundo Jorge Tomé, só não foi marcada uma AG nessa altura para decidir a venda porque no Conselho de Administração da PT o administrador Rafael Mora (que representava a Ongoing) terá insistido que a proposta de aquisição teria de ultrapassar os 7 mil milhões de euros. O que veio a acontecer, com uma última revisão do preço da parte da Telefónica para os 7,15 mil milhões de euros.

Convocada a AG da PT para 30 de junho de 2010, o representante do Estado utilizou as 500 golden shares para bloquear o negócio que tinha sido aprovado pelos titulares de 74% do capital social da PT. De acordo com Jorge Tomé, o Governo de José Sócrates estava a impor a participação da PT na Oi, como condição sine qua non, para levantar o bloqueio à decisão da venda da Vivo. Um facto que todos os jornais noticiaram na época, mas que Sócrates persiste em desmentir.

Jorge Tomé afirmou igualmente aos investigadores da Operação Marquês que o negócio entre a PT e a Oi não era apenas desejado por José Sócrates, mas também pelas autoridades brasileiras. Leia-se: pelo então Presidente Lula da Silva. Como, alías, o próprio Ricardo Salgado já tinha afirmado nessa altura: “O Presidente Lula já disse que queria a PT no Brasil e o primeiro-ministro [José Sócrates] também já disse que a PT deve manter-se no Brasil. E nós estamos nessa”, afirmou a 27 de julho de 2010 o então o líder do BES

O gestor revelou igualmente um dado curioso — que encaixa com um conjunto alargado de informação que os investigadores já recolheram sobre o Grupo Ongoing e que os levou a promover em fevereiro buscas domiciliárias à dupla que governou aquele pequeno conglomerado de empresas, Nuno Vasconcelos e Rafael Mora, e ainda ao ex-gestor da empresa Gonçalo Faria de Carvalho. E a empresas como a Heidrick & Struggles.

Disse Jorge Tomé que, no período de 2010, a Ongoing já tinha diversos investimentos no Brasil, nomeadamente na área dos media e como prestador de serviços informáticos. Nesta última área, a Oi/Telemar era um dos clientes da Ongoing. Daí Tomé ter admitido que talvez tenha sido a Ongoing, através de Nuno Vasconcelos e Rafael Mora, a pressionar o BES para apoiar uma entrada da PT no capital da Oi/Telemar.

Após a utilização das golden shares por parte de Sócrates, numa ação que foi apresentada publicamente pelo então primeiro-ministro como uma decisão em defesa do interesse nacional de manter os investimentos da PT no Brasil, o BES de Ricardo Salgado teve, segundo Jorge Tomé, uma intervenção muito ativa no processo de negociação que levou à compra de uma participação superior a 20% na Oi, de forma a ultrapassar o bloqueio imposto por Sócrates.

Um mês depois, assegurada que estava a compra de cerca de 21% do capital social da Oi por cerca de 3,75 mil milhões de euros e o aumento da proposta da Telefónica para 7,5 mil milhões de euros, Sócrates levantou o veto e aprovou o negócio.

Compra da Oi pela PT foi um mau negócio

A defesa intransigente do interesse estratégico foi absolutamente essencial para que a PT pudesse fazer um excelente negócio. (…) [A Oi é uma empresa] “com mais clientes e mais faturação”.
José Sócrates, 29 de julho de 2009, Público

Jorge Tomé, contudo, considerava que a entrada da PT no capital social da Oi seria um erro. Tendo em conta que iria ficar com uma elevada disponibilidade financeira com a venda da participação da PT na Vivo, a operadora portuguesa devia esperar por uma boa oportunidade de negócio — e não avançar numa nova aventura brasileira. Tanto mais, acrescentou Tomé, que os acionistas da Oi/Telemar sabiam (como o mercado em geral) o valor exato do cheque que a PT iria receber.

Isto é, o facto de os acionistas da Oi terem uma noção exata dos fundos que a PT tinha para investir numa nova empresa brasileira permitia-lhes impor o preço de aquisição e as condições que entendessem — uma péssima posição negocial. Resumindo e concluindo: o condicionamento provocado pela utilização das golden shares por parte do Goveno Sócrates fez com que, na opinião de Tomé, a posição dos acionistas da Oi ficasse valorizada, deixando a PT refém dos sucessivos aumentos de preço feitos pelos brasileiros.

Por outro lado, Tomé afirmou que essa tomada de posição na Oi, que surgiu durante o mês de julho de 2010, era inaceitável e pouco prudente, visto que a Oi era uma empresa com muitos problemas, tendo acionistas complicados. Entre os problemas, destacam-se questões técnicas graves e um endividamento galopante. Também Luís Pacheco de Melo, então chief financial officer da PT, ter-se-á mostrado contra o negócio da Oi. Duas posições que ficaram vertidas nos autos da Operação Marquês como testemunhos mas que terão de ser confirmadas nas atas das reuniões do Conselho de Administração da PT.

Os investimentos da PT no GES e na Ongoing

Desde 2002, a Portugal Telecom manteve aplicações de tesouraria no BES e no GES, sempre públicas e divulgadas nos relatórios anuais, submetidos ao parecer da Comissão de Auditoria, ROC e auditores externos, sem qualquer reparo ou observações, bem como, de resto, pelo detentor da golden sharese, por maioria de razão, do terceiro elemento da parceria e acionista da PT, a Caixa Geral de Depósitos”
Ricardo Salgado, 9 de dezembro de 2014, Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES/GES

Jorge Tomé foi um dos protagonistas de um caso que fez correr muita tinta no ano de 2009 na imprensa económica: o investimento de cerca de 75 milhões de euros da sociedade gestora dos fundos de pensões da PT num fundo de investimento gerido pela Ongoing. Tomé demitiu-se do Comité de Investimentos da PT em protesto por tal operação não ter sido previamente aprovada e por estar em causa uma relação de negócios entre partes relacionadas. Isto é, a PT estava a investir dinheiro num fundo de um seu acionista (a Ongoing).

Apesar de o montante ser relativamente pequeno para a dimensão da PT, este caso foi um prenúncio de um investimento trágico de cerca de 900 milhões de euros que a operadora fez em dívida da ESI — Espírito Santo International (sociedade do Grupo Espírito Santo que entrou em insolvência) que nunca foi recuperado e que está na origem da revisão do negócio da fusão entre a PT e a Oi.

Questionado pelos investigadores da Operação Marquês, Tomé recordou o caso. Disse que soube, no final de julho de 2009 numa reunião do Conselho de Administração da PT, que a PT Prestações tinha investido num dos vários fundos geridos pela Ongoing a partir do Luxemburgo. Considerou o caso grave, não só por não ter sido previamente aprovado mas também porque não tinha ocorrido a chamada de capital para um investimento específico. Ou seja, o fundo da Ongoing não informou a PT sobre o destino que seria dado aos seus fundos. O então administrador da PT disse que tentou saber essa informação mas a mesma sempre lhe foi recusada por Melo Franco, então presidente do Comité de Investimentos e futuro presidente da Comissão de Auditoria, e o administrador Fernando Soares Carneiro — que viria a sair da PT para a Ongoing.

Segundo Tomé, Zeinal Bava, então líder da PT, e Pacheco de Melo, CFO da PT, tentaram dissuadi-lo do pedido de demissão do Comité de Investimentos, tendo ele imposto a obrigação de elaborar-se um regulamento mais específico do que aquele que existia para a realização de aplicações que envolvessem partes relacionadas.

No Conselho de Administração da PT, Jorge Tomé terá feito críticas duras em relação a este tipo de investimentos entre a PT e os seus acionistas, o que levou Ricardo Salgado a queixar-se perante Faria de Oliveira, então presidente da CGD, sobre os posicionamentos que o então administrador da CGD estava a assumir.

Jorge Tomé afirmou nos autos da Operação Marquês que, tendo em conta o que se sabe hoje sobre os investimentos da PT em títulos de dívida do Grupo Espírito Santo, compreende que Salgado não terá apreciado a sua pretensão de que fosse elaborado um regulamento mais apertado sobre as aplicações da PT, já que, caso existissem tais regras, provavelmente a operadora não teria investido cerca de 900 milhões de euros que investiu em títulos de dívida da ESI.

Sobre estas aplicações em papel comercial do GES, Jorge Tomé não teve dúvidas em afirmar: violavam o regulamento que então já existia sobre investimentos com partes relacionadas. Mais: o então gestor não executivo da PT não conhecia os termos exatos dessas aplicações porque eram apresentadas como se tratassem de depósitos bancários.

Questionado sobre como foram feitos tais investimentos, Jorge Tomé afirmou que os mesmos não eram levados a Conselho de Administração. Ou seja, foram uma decisão da Comissão Executiva da PT, atribuindo Tomé a origem da mesma decisão a Zeinal Bava, mas com o eventual apoio de Henrique Granadeiro, tendo em conta o montante em causa e o facto de se tratar de investimentos em dívida de um acionista da PT. Até porque, segundo Tomé, existia um canal de comunicação direito entre a liderança executiva da PT e o BES — o qual ultrapassava as normais relações que existiam no Conselho de Administração da PT, onde o banco tinha como representantes Amílcar Morais Pires e o Joaquim Goes.

Uma ideia que contraria em absoluto a posição de sempre de Ricardo Salgado: os investimentos da PT em dívida do Grupo Espírito Santo sempre foram transparentes e do conhecimento dos acionistas, incluindo da CGD.

Aliás, e sobre a forma como PT investiu os fundos que recebeu da Telefónica pela venda da Vivo, Tomé recordou que, enquanto gestor da CGD, manifestou discordância nas reuniões do CA da PT sobre a forma como a operadora beneficiou sistematicamente o BES, em detrimento da Caixa. Depois de ter falado com Zeinal Bava e Pacheco de Melo, os fundos foram distribuídos de forma equitativa.

Apesar de ter admitido que o banco de Ricardo Salgado oferecia melhores condições de juros, Tomé acrescentou que quando foi feito o pagamento aos acionistas brasileiros da Oi, a PT decidiu desmobilizar essencialmente os fundos que estavam depositados na CGD.

José Sócrates terá favorecido o Grupo Espírito Santo

Quarta-feira, Janeiro 27th, 2016

Citamos

SIC com som

O Ministério Público suspeita que José Sócrates recebeu luvas do Grupo Espírito Santo. Os pagamentos terão sido feitos a troco de decisões políticas que favoreceram negócios do império de Ricardo Salgado. Em causa poderá estar, por exemplo, o chumbo indireto da OPA da Sonae à Portugal Telecom, em 2006. Contactado pela SIC, Sócrates negou ter alguma vez favorecido o Grupo Espírito Santo e garantiu que nunca foi confrontado com essa suspeita. O ex-primeiro-ministro reafirma que não indicou qualquer sentido de voto à Caixa Geral e sublinha que a única vez que usou a goldenshare foi para travar a venda da Vivo, contra a vontade do Grupo Espírito Santo. Conntactada pela SIC, a assessoria de imprensa de Ricardo Salgado registou o pedido de reação, mas ainda não teve tempo útil para enviar qualquer comentário.