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A Quinta Patiño continua a ser o refúgio de Nuno Vasconcellos quando está em Portugal. Mas isso é cada vez mais raro. Desde que assumiu a liderança de todos os negócios da Ongoing, em Março, o gestor de 50 anos passa a maior parte do tempo no Brasil – 20 dias por mês, pelo menos. Nos sete dias que restam, vem a Lisboa – desloca-se num Mercedes da empresa, fica no luxuoso condomínio do Estoril, agora na casa da mãe, Isabel Rocha dos Santos, e marca viagens pela Europa – Londres, sobretudo. Nas férias, continua a ir até à Comporta, e não escapa aos comentários – que o irritam – de quem o encontra na praia e pensa que já faliu. “Nuno, estás bem? Vi as notícias…”
Já teve outras duas moradas na Quinta Patiño: a casa da ex-mulher, Alexandra Mascarenhas (que a tem à venda numa imobiliária, por 5 milhões de euros), e, depois de se ter separado, uma outra, arrendada. “Deixou de arrendar quando passou a viver a maior parte do tempo no Brasil”, diz um amigo. O Brasil não é só a nova casa do empresário. É também a “nova casa” da Ongoing. Os principais investimentos têm-se concentrado neste país. É lá que funciona, por exemplo, a RealTime, a principal exportadora de tecnologia do grupo, que em 2012 o The Huffington Post colocou no topo da lista das startups mais valiosas (avaliou-a em 100 mil milhões de dólares, 91 mil milhões de euros), acima do Twitter, Airbnb e Spotify.
Do outro lado do Atlântico, Vasconcellos tem três escritórios: o de São Paulo, onde trabalha três dias por semana e onde têm sede o portal de media iG (que encolheu de 450 para 150 pessoas), a Ejesa (dona do Brasil Econômico, que deixou de ser impresso o mês passado por problemas financeiros e passou a existir apenas online) e as tecnológicas; o do Rio de Janeiro, na Barra, a partir do qual acompanha sobretudo a imprensa e a Oi; e uma estrutura mais pequena, em Brasília – quatro salas.
Em Portugal, a operação não tem parado de emagrecer. Desde 2012 que a Ongoing está a ser reestruturada. Entre 2013 e 2014, os custos com as holdings caíram 38%. Este ano, desceram 47%. “Essa estrutura está praticamente destruída”, diz fonte próxima da empresa. A meta seguinte é renegociar a dívida à banca, um trabalho que começou há cerca de dois anos. Fonte conhecedora do processo garante que estará concluído até ao fim de Agosto. Gonçalo Silva Carvalho, actual número dois de Vasconcellos e um dos melhores amigos do gestor, é o responsável pelas negociações com o BCP (onde a dívida da Ongoing ultrapassa os 230 milhões de euros) e com o Novo Banco, os principais credores. “A empresa não consegue cumprir os compromissos nas condições actuais. Precisa de mais tempo ou de uma redução da dívida”, acrescenta a mesma fonte. Uma das opções em estudo é recorrer ao Processo Especial de Revitalização (PER).
7 milhões pela sede no Chiado
Nos últimos dois anos, a sede do grupo em Lisboa, no número 19 da Rua Vítor Córdon, no Chiado, onde chegaram a trabalhar 60 pessoas, tem perdido gente. Pelo menos desde 2013 que a Ongoing espera por uma boa proposta para vender o imóvel – terá tido interessados, mas nenhum convenceu. O edifício valerá mais de 7 milhões de euros. “Até há quatro ou cinco meses estava quase vazio. Tinha umas 15 pessoas”, diz um ex -funcionário. Agora, acolheu cerca de 20 trabalhadores da tecnológica Mobbit – que deixou de arrendar o 1º piso do edifício Suécia, em Carnaxide. A sede acolhe também os funcionários da Heidrick & Struggles e da especialista em marcas My Brand.
No quinto piso do prédio de 800 m2, os gabinetes de Nuno Vasconcellos e de Rafael Mora, com vista para o Tejo, continuam lado a lado, separados por uma sala de estar, embora Mora também pare pouco por lá. “Quando abandonou todos os cargos, mudou-se de São Paulo para o Rio, onde a telefónica brasileira tem sede”, revela um amigo. Gonçalo Silva Carvalho, responsável financeiro, não quis ocupar aquele espaço – tem escritório no 6º andar, no sótão. Mora terá voltado algumas vezes ao edifício do Chiado mas não em contexto de trabalho. Quando deixou a Ongoing, garantiu que não havia “zangas nem sangue”. A exigência do trabalho na Oi e na ex-PT SGPS justificavam a opção – a RS Holding, que controla a Ongoing, tem 10,05% da agora Pharol, ex-PT
Há outros sinais de que o grupo que nasceu com ambições de gigante (em 2006, Vasconcellos dizia que queria a Ongoing entre as 500 maiores do mundo) está a encolher. Só no último ano e meio, perdeu 70% das pessoas, sobretudo no topo da estrutura. Em Dezembro de 2014, o administrador Fernando Maia Cerqueira renunciou; em 2012, José Eduardo Moniz deixou a vice-presidência da área de media. Também saíram Agostinho Branquinho, hoje secretário de Estado da Segurança Social (e que, enquanto deputado, perguntou numa comissão parlamentar o que era a Ongoing – 13 meses depois foi contratado), o ex -espião Jorge Silva Carvalho (antigo director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, acusado de usar os conhecimentos nas Secretas para obter informações e beneficiar a empresa). No fim de Julho, dois administradores da consultora Heidrick & Struggles, Mariana Branquinho da Fonseca e Pedro Rocha Matos, pediram a demissão. Voltou Filipa Xara Brasil – funcionária número três, a mais antiga depois de Mora e Vasconcellos.
As mudanças têm sido muitas e rápidas – talvez por isso, quando se tenta aceder à composição da equipa da Ongoing, surge o erro 404. “A página não pode ser encontrada” – a estrutura funcional que aparece no site é de 2010.
Além disso, o BESI tem, desde Julho, um mandato para vender o Diário Económico e a Económico TV. Fontes próximas da empresa disseram à SÁBADO que o processo deve estar concluído até ao fim do ano. No início de 2014, a Ongoing vendeu os 23% que detinha na Impresa, por 50 milhões de euros. Os negócios em África (Angola, Moçambique, África do Sul) e na Ásia (Pequim), sobretudo na área do imobiliário, nunca descolaram. Encerraram há quatro anos. “Para ficar nesses países era preciso investir durante mais dois ou três anos e não havia dinheiro”, diz um próximo.
As últimas contas apresentadas pela Ongoing são as de 2012. Na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, estão em falta as de 2013 e 2014 (e as de 2011 e 2012 foram entregues com muito atraso). As últimas disponíveis, segundo um relatório consultado pela SÁBADO, não são animadoras: em 2012 os prejuízos são de quase 140 milhões de euros.
Ninguém na empresa quis justificar o atraso ou comentar os números. Fonte próxima adiantou apenas que é muito provável que os negócios passem integralmente para o Brasil. “O Nuno acha que a Ongoing é alvo de demasiado escrutínio e gostava de tirá-la de Portugal. Não apresenta contas porque não quer que ninguém as veja. E porque o grupo não é cotado e a maior parte das empresas não tem contas cá.” Várias fontes disseram à SÁBADO que há pagamentos a fornecedores e a ex-colaboradores em atraso. Fonte próxima da Ongoing reconheceu que podem “existir falhas por dificuldades de tesouraria”, mas lembrou que “o Estado paga a seis meses”.
A “grana” que vinha de Portugal
Só com o BES, em 2014, a Ongoing perdeu mais de 150 milhões de euros. E a PT perdeu 2,29 mil milhões do seu valor de mercado desde que foi conhecido o investimento de 897 milhões em dívida da Rioforte, empresa do falido Grupo Espírito Santo. Daqui deixou de vir “a grana” de que se falava nas redacções dos jornais do grupo no Brasil sempre que o prazo dos pagamentos derrapava.
Antes de comunicar à redacção do Brasil Econômico, o primeiro da Ongoing no país, que o jornal deixaria de existir em papel (os jornalistas receberam a notícia a 14 de Julho, três dias antes de a mudança se concretizar, e 30 ficaram sem emprego), Vasconcellos fez uma visita ao Palácio do Planalto. Encontrou-se com o ministro da Comunicação, Edinho Silva. Evanise Santos, responsável pelas relações institucionais da Ejesa (da qual a Ongoing detém 29,9% e Xandinha, ex-mulher de Vasconcellos, 70,1%), foi com ele. A ex-companheira de José Dirceu (ex-ministro condenado no caso Mensalão e detido na operação Lava Jato) disse à SÁBADO que o encontro durou 20 minutos e foi “um gesto de cortesia”.
Afinal, o Brasil Econômico fora bem recebido pelo poder – na capa da primeira edição, o então Presidente, Lula da Silva, aparece ao lado de Vasconcellos a ler o jornal. O jornalista brasileiro Fernando Rodrigues escreveu no seu blogue que as verbas publicitárias estatais federais do título aumentaram 60% entre 2013 e 2014, de 2,2 milhões de reais (573 milhões de euros) para 3,6 milhões (938 milhões de euros), e que 94% vieram de empresas estatais.
Quando souberam do fecho, os colaboradores do jornal ainda não tinham recebido esse mês – a empresa prometeu pagar em três tranches. Os quadros, diz um dos jornalistas, vão receber em 10 prestações. “Muitas vezes, quando havia um atraso, nos acalmavam dizendo que ia chegar uma grana de Portugal.”
De Lisboa chegou a sair o papel em que se imprimia o jornal. A Ongoing fez tanto estrondo na chegada ao Brasil (até anunciou que ia comprar um canal de televisão) que os grupos concorrentes reagiram com um boicote: nenhuma gráfica lhe vendia papel. Fontes próximas da empresa atribuem o falhanço às características do mercado – “Num país com mais de 200 milhões de habitantes, o económico líder vende 45 mil exemplares por dia, o da Ejesa vendia menos de metade” – e à crise económica. “A publicidade caiu 30% e os custos do papel subiram 35%.” Outras culpam a estratégia de gastar muito e de fazer do projecto uma manobra de marketing e de poder.
Este não foi o único negócio no Brasil a correr mal. Em 2011, a Ongoing ficou com 66% do grupo editorial Babel, então presidido por Paulo Teixeira Pinto (ex-presidente do BCP). Em 2013, os accionistas separaram-se – o Globo noticiou que os 10 autores ficaram sem receber e os livros não chegaram às lojas.
As relações com os bancos brasileiros também arrefeceram. Fonte próxima da empresa diz que não existe dívida em reais. “A taxa de juro é muito alta, chega aos 14%, nunca se financiaram lá, a não ser para resolver questões de tesouraria.”