Arquivo para a categoria ‘Opinião’

Marketing e redes sociais

Sexta-feira, Dezembro 11th, 2020

Citamos

Económico

Alguém se lembrou de criar o banco “bom” e o banco “mau” quando deveria ter criado o banco “com crime” e o banco “sem crime”, pois o crédito malparado não é crime.

O país está a ser gerido pelas redes sociais. Parece uma afirmação leviana mas, para quem está atento às notícias diariamente, às reações públicas e, sobretudo, as reações de quem não quer ser reconhecido, facilmente chega a esta conclusão. Até parece que a antiga brigada de um Governo antigo voltou a trabalhar em pleno.

Da parte da governação assistimos ao desmoronar de um elenco. As palavras da socialista Ana Catarina Mendes foram de crítica ao ministro Eduardo Cabrita por ter atuado tarde na questão do SEF, e os apoios divergentes de governantes socialistas aos candidatos presidenciais revelam até que ponto o apodrecimento vem de dentro.

Do lado da oposição há novidades, aliás, grandes novidades. Contrastando com a análise dos vários politólogos que aparecem na TV e nas redes sociais, as declarações do líder do Chega, André Ventura, não revelam um grande desplante, ou que Rio abriu a porta e Ventura está a falar de igual para igual. Não. A história de que Ventura num eventual Governo quer as pastas do MAI, Justiça, Defesa e Agricultura foi combinada com o líder do PSD, Rui Rio, e o objetivo é começar a criar a ideia de que o apodrecimento do Governo socialista vai criar condições e tornar viável uma coligação do centro-direita.

Ventura o que quis dizer com a afirmação de que quer pastas não pode ser entendida de forma literal. O que ele quis dizer foi que está disponível para uma coligação com o PSD, e até com o PS. O trabalho foi lançar a escada para obter votos.

O Chega é um partido do sistema e a sua constituição é perfeitamente legal em termos de programa e estatutos, de acordo com o Tribunal Constitucional. Os seus votos não são de segunda categoria, têm o mesmo valor que os votos dos comunistas e dos bloquistas, mas têm a diferença de ser votos de protesto e, sobretudo dos que habitualmente são abstencionistas. Lembremo-nos dos 2% do Tino de Rans para as presidenciais e percebemos que quem votou no candidato improvável não foram apenas os amigos da terra, mas todos os outros que não se reviam nos candidatos existentes.

Mas isto é a política que se está a fazer no Facebook e no Twitter, pois a política do dia a dia é realista e tem nomes sérios por detrás. Que o diga Teodora Cardoso, sobre quem acreditamos ter uma cabeça ainda mais lúcida do que Cavaco Silva, e que arrasou o Orçamento do Estado para 2021.

Do lado da economia real, o medo sobressai quando olhamos para a história e questionamos decisões como foi a intervenção no BES, a criação do Fundo de Resolução e o contrato com o comprador do Novo Banco. Pensamos no ridículo que foi alguém afirmar em 2014 que a intervenção no BES não custaria um euro ao contribuinte, ou as intervenções para ajudar o BPN ou o Banif, em que alguém decidiu que a culpa era do sistema financeiro.

A solução foi atacar um dos pilares da economia. Alguém se lembrou de criar o banco “bom” e o banco “mau” quando deveria ter criado o banco “com crime” e o banco “sem crime”, pois o crédito malparado não é crime e o BES (independentemente do que se descobrir nas investigações) estava particularmente exposto às PME. Vamos ver os novos “BES” quando terminarem as moratórias dos bancos e dos seguros e uma economia com projeções de crescimento anémico e novas exigências para grandes “buracos” como a TAP que vão acabar em défice. Felizmente temos marketing que nos diz que o contribuinte não irá desembolsar um único euro!

O roubo do BES

Segunda-feira, Julho 20th, 2020

Citamos

Económico

Os acusados continuarão a beneficiar da riqueza acumulada, e ninguém vai ressarcir as pessoas roubadas durante este processo que o Ministério Público considera ter sido levado a cabo por uma “associação criminosa”.

1. O processo contra Ricardo Salgado vai ser longo. A acusação demorou seis anos. Pela frente, entre contestações, incidentes processuais, julgamento e recursos teremos sempre uma década; para mais, nunca para menos. Muitos dos 18 arguidos individuais, a que se somam os responsáveis das sete empresas envolvidas, não assistirão ao final desta maratona, na qual a Justiça vai confrontar-se com o excessos de garantias com que o regime armadilhou a Lei para poder socorrer os seus ‘notáveis’ em caso de necessidade. Só por acaso alguém pagará objetivamente na prisão pelos crimes cometidos.

2. Nunca será demais lembrar, a propósito do emaranhado de leis existentes, que o legislador, em muitos casos, é afinal o representante dos grandes escritórios de advocacia que bem avisados andam em enviar os seus operacionais para as listas dos partidos – e daí para o Parlamento e para o governo, onde pensam os prazos, multiplicam as etapas processuais e também estrangulam os meios para a investigação.

Outros ‘colegas’ desses operacionais estão ainda vigilantes no seu papel, paralelo, de comentadores oficiais, sobretudo nas televisões. Os bons profissionais nada deixam ao acaso.

3. Podemos ter uma certeza: durante todo esse tempo que a partir de agora se abrirá à paciência do coletivo dos portugueses, já bem treinados nesse aspeto, os acusados continuarão a ser protegidos por segurança israelita e a beneficiar da riqueza acumulada. Ninguém vai ressarcir as pessoas roubadas durante este processo que o Ministério Público considera ter sido levado a cabo por uma “associação criminosa”, a mesma que, manipulando contas e forjando documentos, cometeu 65 crimes, da já habitual burla qualificada (29) à corrupção ativa (12), passando pela falsificação de documentos (9), branqueamento de capitais (7), infidelidade (às orientações da tutela, o Banco de Portugal – 6), manipulação de mercado (1) e a emblemática associação criminosa (1).

4. Já ninguém se lembra, mas a destruição do BES (paga depois pelo Orçamento do Estado com o dinheiro dos nossos impostos) ao mesmo tempo que arruinou a vida a muita gente, permitiu via de escape para os amigos. A Goldman Sachs teve tempo e sagacidade para vender toda a carteira de lixo. A Portugal Telecom, de Granadeiro e Bava, fechou a conta no banco do acionista depois de ter comprado 900 milhões em papel da Rioforte. Numa extraordinária sexta-feira, em que as ações foram suspensas pela CMVM, 83 milhões delas foram transacionadas em 42 minutos (mais de duas vezes a média diária, até se chegar aos 12 cêntimos por ação!). Os amigos, como sempre acontece nestes casos, financiaram-se na desgraça do pequeno aforrador.

5. E enquanto tudo isto acontecia, o extraordinário Cavaco Silva, cuja última campanha presidencial – sabe-se agora – contou com a generosidade de muitos dos acusados (que depois foram ressarcidos dessas verbas por dinheiros provenientes de um saco azul…) garantia que o banco estava saudável e para as curvas. Foi assim, até, que o BES foi ao último aumento de capital, já para além da linha vermelha. E que a CMVM, desconhecedora da realidade, deu luz verde ao último empréstimo obrigacionista, enquanto Ricardo Salgado, para além dos propósitos individuais de enriquecimento, punha o banco por baixo da ruína do respetivo conglomerado empresarial, o GES, desobedecendo às instruções diretas do Governador do Banco de Portugal.

Este processo, somado a outros, como o da miséria política e pessoal de José Socrates, é um verdadeiro retrato do país. Ao menos, terá esse mérito.

 

“Só nos faltava a santificação de Passos no descalabro BES

Sexta-feira, Julho 17th, 2020

Citamos

DN

Pagar a conta sem fim da péssima resolução do BES e ainda levarmos com os arautos de Passos Coelho e o branqueamento da história? Há limites.

Comecemos então por uma frase que enquadra o que vem a seguir: o ex-primeiro ministro não tem quaisquer responsabilidades nos atos corruptos de Ricardo Salgado. Todavia, dito isto, Passos tem uma gigantesca responsabilidade na conta que colocou em cima de todos os portugueses pelos danos sociais e económicos da falência do BES. É que Passos Coelho preferiu eliminar a sangue frio o principal financiador do seu adversário político (onde também estava Sócrates e a entourage gestora dos centros de decisão nacional) do que aprovar uma solução que eliminasse Salgado sem rebentar com a solidez do sistema financeiro nacional.

Se há momento mistificadamente conotado com o Passismo liberal inspirado em “Milton Friedman” – ou seja, a tal governação de “mercado” – é este: fechar o BES “sem custos para os contribuintes”, disse o ex-PM no areal da (profética) Manta Rota.

Só que não foi nada disto que aconteceu.

Há um texto factual da Cristina Ferreira, no Público, com o título “Governo de Passos recusou todas as alternativas à queda do BES”. Sim, os crimes são de Salgado e da sua pandilha, mas são também de quem tinha a missão de evitar danos na economia e não o fez de forma minimamente diligente – Governo e Banco de Portugal.

Factos: em Julho de 2014, os banqueiros concorrentes de Salgado, fartos de avisar o Banco de Portugal sobre as falcatruas no Espírito Santo, perceberam que vinha aí um colapso sistémico que ia atirar o custo também para cima deles via Fundo de Resolução – tal como aconteceu.

Entretanto, o Banco de Portugal já não sabia mais o que fazer porque, no Governo, aparentemente, ninguém queria saber do furacão que se avizinhava. Carlos Costa, o Governador, também conhecido pelo “Mr. Magoo da supervisão”, vislumbrou finalmente em 2014 o descalabro. E, poucas semanas antes do apocalipse BES, lá afastou Salgado e colocou no BES um conselheiro do Presidente da República da altura: Vítor Bento.

O que fez Vítor Bento a duas semanas da falência do BES? Foi implorar à ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que fosse finalmente acionada a linha de recapitalização pública dada pela Troika para que os bancos se reestruturassem. BPI e BCP, por exemplo, já a tinham usado mas Ricardo Salgado recusava – não precisava!, dizia.

Maria Luís e Passos mandaram dizer a Vítor Bento: “Receptividade nula” em ajudar o BES.

O tempo escoava-se. O GES engolira as obrigações BES, o papel comercial “BES”, o aumento de capital BES, as promessas de que tudo estava controlado – feitas pelo feitas Governador de Banco de Portugal e depois pelo Presidente da República. E havia ainda a evaporação de três mil milhões em Angola, fora os desvios para os esquemas dos offshores.

Em poucos anos, uma vetusta casa centenária transformara-se numa organização de pilhagem, capaz de sacar dinheiro aos clientes BES de todas as formas possíveis. Prospetos de contas forjadas. Cartilhas de argumentos falaciosos ao balcão. Ausência de separação entre o património GES e o BES. Valeu tudo.

Portanto, retornemos à questão essencial: Salgado caiu por causa de Passos? Não. Caiu porque já estava brutalmente falido. Era irreversível. Tal como no caso Madoff. Porque chega sempre o dia em que o dinheiro pára de entrar. E quando assim é, já não se paga aos que aparecem no prazo para receber e tudo se descobre.

Passos foi vencido pela ansiedade, ou não soube perceber o que significava o colapso do BES na economia real. E, em vez de Salgado cair falido e sozinho, deu-lhe a oportunidade de ser a vítima de uma vingança política, um herói escorraçado antes de salvar o banco de novo, como sempre na história da família.

Ao transformar o “”coma” do BES num “cadáver-avatar” chamado Novo Banco – Passos e Maria Luís gizaram a pior solução, como foi dito logo na altura por muita gente. E isto conduziu-nos à trágica e infinita nacionalização dos prejuízos.

E não, não foi o Banco Central Europeu que obrigou à falência do BES no dia 1 de Agosto (concretizada dois dias depois). Quem gerou o cenário de colapso para aquele desfecho fatal foi igualmente o Governo português da altura, ao impedir a capitalização e o plano Vítor Bento/José Honório de recuperar o novo BES público em três anos. Assim tivemos de o oferecer a um fundo abutre norte-americano.

A História acaba aqui? Longe disso. Falta-nos saber muito mais. A conjugação dos julgamentos “Operação Marquês” e “Caso BES” vai-nos fazer descobrir quanto mal foi realmente feito a Portugal na última década, a mais trágica da nossa democracia, indiscutivelmente.

O que devíamos discutir sobre o Novo Banco

Sexta-feira, Maio 15th, 2020

Citamos

Público

Susana Peralta

Que democracia é esta que usa assim o dinheiro dos cidadãos em ideias que não são boas nem antes, nem depois, nem nunca?

Para além da espuma mediática sobre quem telefonou a quem, há vários temas que devíamos discutir sobre o Novo Banco. Deixo aqui uma lista para nos entretermos no fim de semana.

Nos EUA, no seguimento da crise de 2008, o governo lançou o programa Troubled Asset Relief Program (TARP), que podemos traduzir livremente por programa de alívio de ativos problemáticos. O TARP investiu, por exemplo, na indústria automóvel, bancos e seguradoras. Quem quiser conhecer melhor o TARP pode ir ao site do Tesouro dos EUA, onde tem uma página dedicada a este programa.

Aí pode consultar a parte “oversight and accountability”, que podemos traduzir por escrutínio e responsabilização, onde nos explicam que, desde a criação do TARP, há quatro instituições com poderes de controlo sobre o programa, incluindo uma criada especialmente para o efeito (Inspetor Geral Especial do TARP). Há outra secção separada com todos os relatórios. Alguns têm frequência mensal, como o “Relatório sobre dividendos e juros” ou o reporte mensal ao congresso, outros são trimestrais. Anualmente, são publicados três relatórios de retrospetiva, incluindo o “Citizen’s report on TARP”, um documento escrito em linguagem acessível, dirigido aos cidadãos não especialistas.

Tal como as transferências do Orçamento do Estado para o Fundo de Resolução do Sector Financeiro, também uma parte do TARP consistiu em empréstimos. O que aconteceu a esse dinheiro? No relatório dirigido aos cidadãos de 2017 aparece, logo na mensagem de abertura, a seguinte notícia: em 30 de setembro de 2017 já se havia recuperado a totalidade dos 412 mil milhões de dólares que tinham sido investidos, o que inclui pagamento de juros. Dos dez programas de investimento incluídos no TARP, oito já estavam encerrados.

Esta história, que já vai longa, suscita duas questões acerca do Novo Banco. A primeira é porque é que nós não temos direito ao mesmo nível de transparência e escrutínio dos americanos. A segunda é que há países onde se empresta dinheiro público ao abrigo de programas especiais de recuperação de empresas e esses empréstimos são pagos. Por aqui, o Estado já emprestou 25 mil milhões ao sector financeiro e ainda só recuperou 5 mil milhões. Procurei com afinco um único estudo ou documento acerca do risco de não reavermos os restantes 20 mil milhões, sem sucesso.

O facto de os empréstimos serem reembolsados não impede um debate interessante entre os economistas acerca da sua rentabilidade. O artigo “Did Taxpayers Earn a ‘Fair’ Return on TARP Investments?” de Thomas Flanagan e Amiyatosh Purnanandam, da Universidade de Michigan, afirma que o retorno do TARP foi inferior ao que teria sido obtido em investimentos com o mesmo risco, o que o torna um “mau” investimento. Outros economistas dizem que o objetivo era salvar empregos e que a economia recuperasse rapidamente, pelo que a ideia de comparar o seu retorno com outros investimentos faz pouco sentido. Miguel Faria e Castro explica numa nota publicada no site do Federal Reserve Bank of Saint Louis que quando se investiu havia uma probabilidade elevada do investimento não ser reembolsado. Uma ideia que até se revelou rentável dez anos depois não era necessariamente boa quando se fez o investimento. É fácil perceber isto pensando numa boa ideia de investimento de uma empresa, por exemplo, no sector do turismo, tomada em outubro. Se essa empresa tiver entretanto investido, neste momento o mais provável é estar numa situação desastrosa, mas isso não torna a ideia má à partida. Com estes investimentos do TARP, é isso, só que ao contrário

Aqui chegada, deixo a minha terceira questão: porque não temos este tipo de debate em relação ao Novo Banco? Neste caso, é mais fácil: a ideia era má à partida e é má à chegada. O Novo Banco não nasceu de uma crise externa; nasceu de uma gestão incompetente e dolosa que destruiu as poupanças de quem as confiou à gestão do então BES. Mas isto suscita outra questão: que democracia é esta que usa assim o dinheiro dos cidadãos em ideias que não são boas nem antes, nem depois, nem nunca?

Entretanto, convém lembrar que esta transferência para o Novo Banco estava prevista no Orçamento do Estado 2020, que foi votado pela Assembleia da República. Desde que o OE foi aprovado, o mundo virou do avesso com a chegada da maior crise do século. Há já quase um mês que, com outras pessoas, assinei uma carta ao primeiro ministro onde assinalávamos algumas despesas previstas no OE – incluindo os apoios à banca – que deviam ser reavaliadas em face da enorme necessidade de despesa pública provocada pela crise pandémica. O governo estima que vai gastar cerca de 20 mil milhões a apoiar a economia, quase 10% do PIB. Em números redondos, esta transferência para o Fundo de Resolução representa 4,3% desse total. Portanto, a quinta questão que coloco é: transferências desta envergadura no meio da maior crise do século não são objeto de uma discussão cuidadosa em Conselho de Ministros?

O mais importante, no entanto, é que aprendamos alguma coisa para o futuro. Ainda andamos às voltas com o legado da última crise e já entrámos numa pior, onde o Governo se prepara para voltar a intervir na economia, entrando no capital de várias empresas e a própria UE está a preparar um plano de financiamento para esta finalidade. A minha última questão (a lista já vai longa) é a seguinte. Será que o Governo está a fazer alguma coisa para não repetirmos os erros do passado?

Deixo aqui uma lista (não exaustiva) de conselhos para proteger o nosso dinheiro e a nossa democracia. Fazer estudos prévios, por entidades independentes, antes de investir. Impor condições estritas às empresas apoiadas relativamente a pagamentos de prémios chorudos e dividendos, práticas agressivas de otimização fiscal, transição energética. Isto já está a ser feito por vários governos europeus como o francês e o dinamarquês, é só copiar. Procurar que o dinheiro investido tenha uma contrapartida nos direitos de decisão, que é como quem diz, evitar a bizarria da TAP em que o Estado detém 50% do capital e apenas 5% dos direitos de decisão, ou do próprio Novo Banco, que é detido apenas em 25% pelo Fundo de Resolução, quando este já gastou mais de quatro vezes o que a Lone Star pagou pelo banco. Finalmente, se não for pedir muito, fazer um site parecido com o do TARP nos EUA, para podermos todos perceber melhor de que forma é investido o dinheiro que é nosso.

Do assalto ao BES Angola às injeções no Novo Banco

Quarta-feira, Janeiro 29th, 2020

Citamos

Jornal de Notícias

BES Angola (BESA) foi fundado em 2001. Três anos depois, o BES vendeu 19% à Geni, do general Dino, sócio de Isabel dos Santos. Em 2009, vendeu 24% à Portmill, de Manuel Vicente e dos generais Kopelipa e Dino, o triunvirato próximo de José Eduardo dos Santos.

Esta participação foi comprada com um crédito de 375 milhões de dólares concedido pelo próprio BESA. A Portmill recebeu ainda outro crédito de 375 milhões, concedido pelo Banco Angolano de Investimentos (o banco da Sonangol), cujo destino se desconhece. Os acionistas mais pequenos do BESA eram Álvaro Sobrinho, seu presidente, e Hélder Bataglia, da Escom.

Já depois do afastamento de Sobrinho, tornou-se público que o BESA teria concedido 5700 milhões de dólares em empréstimos secretos (e irrecuperáveis…) a figuras do regime angolano e ao próprio Sobrinho. Estes créditos foram suportados por constantes financiamentos vindos do BES Lisboa.

Sob risco de falência, o saque do BESA – e do BES – acabaria exposto. Para o evitar, no fim de 2013, Salgado negociou com José Eduardo dos Santos uma garantia estatal sobre os créditos ruinosos. Tarde demais. Em 2014, os destroços do BES caem sobre o Estado português e o presidente angolano apressa-se a cancelar a garantia angolana. Começa aqui a segunda parte da nossa história.

Do BESA, ficaram duas heranças. No Novo Banco, os créditos concedidos ao BESA, 3 mil milhões. No BES “banco mau”, a participação de 55,7% na instituição angolana. Em outubro de 2014, o banco central (Banco Nacional de Angola) reúne os acionistas do BESA em Luanda – estão representados Kopelipa, Dino, Sobrinho. A representante do BES (55,7% do BESA) é retida numa operação stop. Quando chega à assembleia, a estrutura acionista do BESA é já outra.

O BNA decidiu novos donos, liderados pela Sonangol, que se comprometeu a injetar 650 milhões de dólares, por si e pelos generais: Dino ficou com 19,9%, Kopelipa com 30,9%. O BES perdeu 273 milhões naquele dia. O Novo Banco, em vez de créditos de 3 mil milhões de euros, levou uma pequena participação no novo BESA, rebatizado como Banco Económico e agora administrado pelo responsável do BNA pela mudança. Das instituições portuguesas – Governo PSD/CDS, fundo de resolução, Banco de Portugal -, nem uma palavra.

Em 2018, os créditos do BESA representavam 80% dos prejuízos do Novo Banco nos cinco anos anteriores. O Novo Banco, entretanto privatizado, voltará a pedir injeções de dinheiro público. É por esta e outras razões que o Bloco quer retirar do Orçamento do Estado o aval ao Governo para continuar a sangria.

*Deputada do BE

O Novo Banco e a democracia

Terça-feira, Março 19th, 2019

Citamos

Público Opinião Helena Roseta

Que imóveis são estes que passaram de mãos para um fundo americano, com perdas a suportar pelo Fundo de Resolução? Há aqui muita coisa por explicar.

O Novo Banco e o velho centrão

Terça-feira, Março 12th, 2019

Citamos

Jornal de Notícias Opinião Mariana Mortágua

Quando o Novo Banco foi criado, sobre os escombros do BES, foi capitalizado com 4900 milhões de euros. Nesse momento, a lei permitia que fossem bancos e fundos de investimento – os credores institucionais do BES – a suportar uma parte maior das perdas. Mas não foi essa a opção do Governo PSD/CDS nem do Banco de Portugal.

Em 2014, Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e até Carlos Costa foram rápidos a afirmar que o resgate não teria custos para os contribuintes: “nem um cêntimo”, garantiam. O truque passou pela criação de uma entidade – o Fundo de Resolução – de onde saía o dinheiro para o Novo Banco. Mas de onde veio essa enorme quantia?

Em teoria, o fundo seria financiado por contribuições dos próprios bancos. Porém, quando foi chamado a pagar pelo Novo Banco, o fundo só tinha 365 milhões. O Estado decidiu então endividar-se e emprestar 3900 milhões ao fundo, que os entregou ao Novo Banco. O fundo teria então dois anos para reunir contribuições da Banca para devolver todo aquele dinheiro ao Estado.

Na altura era óbvio que nunca as contribuições bancárias (cerca de 200 milhões anuais) chegariam para pagar o empréstimo, quanto mais os juros. António Costa, então líder da Oposição, acusou disso Passos Coelho: o Governo PSD/CDS enganou os portugueses ao negar custos para os contribuintes.

Em 2017, sendo claro que os bancos não iriam pagar a sua dívida ao fundo, o Governo do PS reestruturou-a, alargando ligeiramente o prazo, de 2017 para 2046.

Na prática, para os bancos, ficou tudo na mesma, uma vez que as suas contribuições para o Fundo de Resolução não se alteraram substancialmente.

Para além dos 3900 milhões públicos iniciais, o Governo PS vendeu o Novo Banco e deu uma nova garantia de mais 3900. Um negócio ruinoso: o comprador já veio reclamar metade desse valor que chegará, como antes, através do Fundo de Resolução. Sempre que o fundo não tiver verba, o Estado empresta.

Nada mudou, o dinheiro é dos contribuintes, tanto como era em 2014. Mas desta vez, são Assunção Cristas e Rui Rio que rasgam as vestes pelo dinheiro dos contribuintes, e António Costa e Ana Catarina Mendes juram que a venda do banco não traz custos para o erário público.

Para mal do interesse público, as soluções do PS para a Banca não são diferentes das do PSD/CDS. Por isso contaram com os votos da Direita para doar o Banif ao Santander, a mesma Direita que apoiou a venda do Novo Banco ao Lone Star. O resto são truques de semântica que custam uma fortuna ao país.

* DEPUTADA DO BE

O Novo Banco e a desinformação

Quinta-feira, Março 7th, 2019

Citamos

Negócios Opinião André Veríssimo

Uma auditoria à forma como foram concedidos os créditos que estão a provocar pesados prejuízos ao Novo Banco e a motivar injeções de capital pelo Fundo de Resolução (FdR) será em larga medida uma auditoria ao tempo em que ainda havia BES e este era liderado por Ricardo Salgado.

Ora para isso já houve uma, encomendada pelo Banco de Portugal à Deloitte.

Essa auditoria já denunciava a existência de empréstimos sem avaliação de risco, operações aprovadas por um único administrador, financiamentos sem destino identificado e por aí fora… O documento serviu, de resto, para os processos de contraordenação abertos contra os antigos administradores.

Isto não invalida que não possa ser feita uma avaliação mais específica à concessão de créditos – a anterior abrangia outras dimensões conducentes ao colapso do BES – que abarque também o período pós-resolução. Quanto mais informação melhor, sendo certo que esta segunda auditoria poderia ter sido solicitada há mais tempo.

A surpresa com mais estes 1.149 milhões pedidos pelo Novo Banco ao FdR, que justifica o exercício anunciado por Mário Centeno, é um fingimento tático-político.

Se a Lone Star exigiu um mecanismo de capital contingente de 3.890 milhões para comprar a instituição era porque iria recorrer ao bolo praticamente todo, ou mesmo todo. Afinal, quanto mais o fizer, mais limpo ficará o banco e mais valerá numa futura venda, cujo encaixe é 75% seu e 25% do FdR.

Tendo em conta os riscos daquele incentivo e que o FdR é uma entidade pública, seria conveniente que alguém avaliasse se o reconhecimento de imparidades está ou não a ir além do que é suposto e se a venda de ativos (em especial imóveis e carteiras de malparado) está a ser feita com descontos normais ou exagerados. A auditoria vai fazê-lo? Teremos um parecer da Comissão de Acompanhamento?

Além da auditoria, o anúncio de nova injeção milionária desencadeou inflamadas declarações do Bloco, PCP e até UGT sobre como o Governo estava a gastar na banca o dinheiro que não gasta com professores ou enfermeiros. Ou como ficava assim demonstrada a vantagem de uma nacionalização.

O que nenhum deles diz é que quem paga a conta do FdR são os outros bancos. O Estado não gasta, empresta dinheiro que os bancos terão de devolver. É por isso que o presidente do BCP se incomoda tanto com a solução encontrada: leva-lhe dezenas de milhões de euros todos os anos. Assim como à Caixa.

Os contribuintes só serão chamados a contribuir se os bancos, um dia, não pagarem a fatura. Se se optasse pela nacionalização, aí sim, seriam os nossos impostos a pagar tudo. Até lá há impactos indiretos, como seja um défice e uma dívida pública mais elevada, que têm o seu custo, mas não o que a desinformação política quer fazer crer.

Depois do BPN, só no Banif e na Caixa é que teve de existir injeção de dinheiro público. O BCP e o BPI pagaram juros elevadíssimos pela ajuda que receberam e depois devolveram. No BES, até ao momento, só os acionistas e alguns obrigacionistas foram sacrificados (perderam tudo). O importante agora é zelar para que os contribuintes também não o venham a ser.

Freitas do Amaral escreve “a pedido do Banco de Portugal” que governador não manipulou o mercado

Quinta-feira, Março 7th, 2019

Citamos

Expresso

Há três meses, Freitas do Amaral escreveu que Salgado não podia ser o único culpado pela queda do BES. Havia mais. Um deles era o governador, que, na sua ótica, “enganou o mercado”. Agora, o ex-ministro escreve que não quis imputar qualquer crime a Carlos Costa

Diogo Freitas do Amaral sublinha que, quando acusou o governador do Banco de Portugal de enganar o mercado num artigo de opinião no jornal Público, não quis dizer que Carlos Costa estava a manipular o mercado. Nem o fez imputando-lhe declarações enganosas. O esclarecimento do antigo vice-primeiro-ministro português foi feito na mesma publicação e seguiu-se a interações com o supervisor da banca.

Dia 19 de dezembro de 2018: “O governador tinha escrito uma carta e fez declarações públicas a garantir que o BES tinha dinheiro suficiente para ultrapassar a sua crise, mas um mês depois decidiu que não tinha… Mais: o Banco de Portugal exigiu ao BES um aumento de capital e aprovou o respetivo ‘prospeto’: portanto, o governador enganou o mercado”. Escreveu Diogo Freitas do Amaral, em artigo de opinião no Público, intitulado “BES e GES – Um só responsável? Novos ataques a Ricardo Salgado”, em que havia ainda mais considerações: “O governador enganou o Presidente da República e levou este, sem querer, a reforçar o engano do mercado. No meio de tudo isto, como é que um semelhante governador não foi demitido, podendo sê-lo? Pior ainda, pasme-se, foi reconduzido”.

Dia 5 de março de 2019: “Ao dizer que o governador do Banco de Portugal, declarando várias vezes que ‘o BES estava sólido’, por ocasião do aumento de capital efetuado em Junho de 2014, ‘enganou o mercado’, não quis imputar, nem imputei ao governador ou à administração do banco a prática do crime de ‘manipulação do mercado’, tal como definido na lei portuguesa, nem a prática de ‘declarações enganosas’, tal como regulado em regras europeias”. Escreveu Diogo Freitas do Amaral, em artigo de opinião no Público, intitulado “BES e GES – Um esclarecimento”.

“A PEDIDO DO BDP”

O texto publicado esta terça-feira foi escrito pelo antigo líder do CDS “a pedido do Banco de Portugal”, após troca de correspondência, para prestar “alguns esclarecimentos” e para fazer “precisões pontuais”.

Segundo o novo texto, Freitas do Amaral procurou “apenas fazer uma apreciação do alcance” das declarações de Carlos Costa sobre a solidez do BES nos destinatários, e não de “qualquer hipotética intencionalidade” do governador ao proferi-la.

“Nada me leva a crer que o Banco de Portugal e o seu governador tenham prestado ao mercado informação falsa ou incompleta, exagerada ou tendenciosa, ou tenham tido outro propósito que não o de atuar estritamente no sentido de manter e garantir o normal funcionamento do mercado”, considera ainda o artigo de opinião.

Freitas do Amaral retifica ainda que não foi o Banco de Portugal que aprovou o prospeto do aumento de capital realizado em maio de 2014, já que esse papel cabe à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários – a falta de articulação entre os supervisores no caso BES foi uma das conclusões da comissão parlamentar de inquérito à gestão do banco e do grupo, bem como uma das causas para que o Governo esteja a promover uma reforma da supervisão financeira.

DIVERGÊNCIAS MANTÊM-SE, MAS SEM IMPUTAÇÃO DE CRIME

“Reafirmo as divergências de natureza política relativamente à solução adotada no caso BES, embora sem qualquer intenção de ofender o Banco de Portugal ou o seu principal responsável e, muito menos, de acusar aquele ou este da prática de qualquer crime”, conclui o esclarecimento agora publicado.

Em dezembro, Freitas do Amaral escrevia que Ricardo Salgado não podia ser apontado como o único culpado pela derrocada do BES, atacando não só o governador como os restantes gestores do banco e dos acionistas maioritários e ainda o Governo PSD e CDS. .

Esta semana, o Banco de Portugal também fez um esclarecimento relativo ao BES, em resposta a uma entrevista de Ricardo Salgado à TSF. A autoridade do sector bancário relembrou o antigo banqueiro, que recusava responsabilidade na queda do banco, com o facto de já ter sido alvo de uma condenação do Tribunal pelos factos apurados pelo Banco de Portugal.

O caso BES vai também ser tema na comissão de inquérito à CGD: PS e BE pediram o relatório de auditoria que foi feito ao Banco de Portugal pelo papel desempenhado na queda do banco privado, documento feito com o apoio da Boston Consulting Group, que traz críticas à atuação do governador.

O desgoverno do governador

Domingo, Fevereiro 24th, 2019

Citamos

Esquerda Net opinião Pedro Filipe Soares

Carlos Costa é juiz em causa própria e, além disso, recusa ser avaliado. Se não pode ser avaliado, como pode ser considerado idóneo? Esta é a questão de fundo.

O governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, veio a público defender-se das acusações de envolvimento nos créditos ruinosos da Caixa Geral de Depósitos (CGD). “Não, não e não”, naquela noite Carlos Costa negou por três vezes a participação nas reuniões de onde saíram as decisões que nos estão a ser muito caras. Tudo esclarecido? Longe disso.

Percebeu-se o desprendimento com que Carlos Costa cumpria as suas obrigações. Ele só “ocasionalmente” participava nas reuniões do conselho alargado de crédito (CAC), porque “não tinha competências de crédito, nem competências de acompanhamento de clientes”, e apenas para “assegurar o número de administradores necessários para que a decisão pudesse ter lugar”. Palavras do próprio para explicar que só lá ia fazer número.

De Armando Vara não foi amigo e não terá recordações aprazíveis. Já não bastava ser enganado uma vez por não perceber a gestão danosa do administrador Vara, foi intrujado uma segunda vez pelo proprietário Armando que lhe terá vendido um monte alentejano acima do preço. Segundo Carlos Costa, com a intermediação da própria CGD, que lhe terá sugerido o negócio que saiu “5 a 10 mil euros” mais caro do que teria sido através de uma imobiliária. É aqui que ficamos a conhecer o Carlos Costa, lesado de Armando Vara.

Com estas memórias da passagem pela Caixa, só faltou alegar trauma psicológico para explicar porque não quis saber do maior banco português quando chegou governador. Parece estranho, mas a auditoria que expôs todos os créditos ruinosos da Caixa não foi pedida pelo BdP. Resultou de uma proposta do Bloco de Esquerda que o governo executou. Quando as notícias há muito denunciavam gestão danosa na Caixa, porque razão Carlos Costa não agiu? Se dependesse do BdP ainda tudo estaria por investigar.

Aliás, quando instado a explicar a sua inação, Carlos Costa disse que em causa estava uma “auditoria a atos de gestão e não uma auditoria de natureza prudencial”, coisa que não lhe competiria. A explicação tem perna curta, porque o próprio BdP promoveu auditorias a atos de gestão do Montepio ou do antigo BES. Além disso, um dos exercícios a que toda a banca foi sujeita foi o SAP, que incidiu sobre os procedimentos de concessão de crédito, e deveria ter identificado alguns dos créditos ruinosos, mas não há notícia que isso tenha sido encontrado pelo BdP. Será que a verdadeira justificação para não investigar a fundo seria a vontade de não mostrar algum esqueleto no armário?

Esta e outras questões serão avaliadas pela comissão de inquérito que inicia agora os seus trabalhos. Mas, há uma confusão que não devemos criar e que se tentou instalar nas últimas semanas. A proposta do Bloco de Esquerda para a exoneração de Carlos Costa do cargo de governador do BdP não se mistura com os trabalhos da comissão de inquérito.

Uma comissão de inquérito não decide sobre a idoneidade de um administrador bancário. Pode apurar factos que provem maus atos de gestão, demonstrar gestão danosa, exigir responsabilidades judiciais, mas não pode avaliar a idoneidade de um administrador, competência única do BdP. Carlos Costa é juiz em causa própria e, além disso, recusa ser avaliado. Se não pode ser avaliado, como pode ser considerado idóneo? Esta é a questão de fundo.

A direita tentou misturar as coisas, para com a confusão esconder as suas responsabilidades. Carlos Costa foi reconduzido no cargo de governador por PSD e CDS, mesmo depois do seu primeiro mandato como governador estar bem longe de ser curriculum e mais perto de ser cadastro. É, por exemplo, o legado da inação perante gestão danosa do BES, que agora resulta num buraco que estamos a pagar.

A posição do PS está no domínio da absoluta inconsequência. Carlos César disse que “todos anseiam” pelo fim do mandato de Carlos Costa, para depois afirmar que “não podemos pôr o carro à frente dos bois” e temos de esperar pelo fim da comissão de inquérito. E conclui que há um “problema de ineficácia”, pois o mandato do governador termina em maio de 2020 e o processo de exoneração só terminaria por essa altura. Percebeu? Nem o próprio terá percebido.

Artigo publicado no jornal “Público” a 22 de fevereiro de 2019