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Cerca de 40 crimes do megaprocesso BES/GES em risco de prescrever. Ricardo Salgado pode ver cair 15 dos 65 crimes de que está acusado

Quinta-feira, Abril 28th, 2022

Citamos

Observador

Cerca de 40 crimes do megaprocesso BES/GES em risco de prescrever. Ricardo Salgado pode ver cair 15 dos 65 crimes de que está acusado

Ministério Público e BES em Liquidação alertam para perigo de prescrição. Crimes de falsificação de documento e infidelidade podem cair antes do julgamento.

A maior parte dos crimes por falsificação de documento e infidelidade no megaprocesso BES/GES — mais de 40 — corre o risco de prescrever antes de o caso chegar a julgamento, segundo contas de uma fonte ligada ao processo. O cenário já tinha sido aventado pelo próprio Ministério Público em relação a 18 dos 25 arguidos, entre eles o antigo líder do BES, Ricardo Salgado — aquele que está acusado de mais crimes e que, por isso, poderá ver mais crimes a cair. São-lhe imputados 65 e poderão cair 15.

Segundo a lei, um crime de falsificação de documento prescreve ao fim de cinco ano após a sua prática. No entanto, com interrupções e suspensões na contagem de prazos, pode prescrever num máximo de dez anos e meio. Basta pensar que os crimes aconteceram entre 2009 e  2014 para concluir que em 2024, ou mesmo antes, poderão começar a prescrever. O mesmo acontece com os crimes de infidelidade. Contas feitas, do total de 340 crimes que constam da acusação contra 25 arguidos (sete deles empresas), 46 poderão prescrever antes de o caso ser julgado.

Além de Ricardo Salgado, por exemplo, também o antigo banqueiro Francisco Machado Cruz poderá ver prescritos quatro crimes de falsificação de documento e um de infidelidade. Manterá um de associação criminosa, outro de corrupção passiva e ainda manipulação de mercado, burla qualificada e cinco crimes de branqueamento. Há outros arguidos com crimes semelhantes que poderão beneficiar do tempo que o processo está a demorar a avançar (neste momento, aguarda-se pelo retomar da fase de instrução) para verem os crimes que lhes são imputados prescritos.

A instrução do processo — a parte processual que vai definir se o caso chega a julgamento e em que termos — foi atribuída ao juiz Ivo Rosa em outubro, mas a instrução só seria declarada aberta em janeiro de 2022. No despacho de abertura de instrução, o magistrado explicava que, dada a complexidade do processo e, depois, a mudança de instalações do Tribunal Central de Instrução Criminal para o Campus de Justiça, assim como a mudança das condições da sala de audiências e da sua disponibilidade, o plano para a instrução traçado com os advogados teria que ser alterado.

A instrução do processo, — a parte processual que vai definir se o caso chega a julgamento e em que termos, — foi atribuída ao juiz Ivo Rosa em outubro, mas a instrução só seria declarada aberta em janeiro de 2022creva a newsletter Startups

Logo nesse despacho, o juiz avisou também que não ia cumprir o prazo legal desta fase processual. “Não se pode esperar que um processo com esta dimensão e complexidade (sem qualquer dúvida, o maior e mais complexo alguma vez colocado perante os tribunais portugueses), que durou seis anos de inquérito, com uma acusação deduzida por sete procuradores, em que à defesa foi conferido o prazo de 14 meses para requerer a abertura de instrução, que a instrução decorra com celeridade ou que seja realizada dentro do prazo legal”, informava, ao mesmo tempo que agendava as primeiras inquirições para a última semana de fevereiro a repetirem-se na última semana de cada mês, em três sessões. Ou seja, havia audiências marcadas até 24 de maio.

Nesta altura, também já se estimava que esta fase processual se prolongasse por mais de um ano. Mas, ainda antes de a instrução arrancar — e sem que o juiz chegasse decidir se deixava Ricardo Salgado chamar as 82 testemunhas e o arguido Amílcar Morais Pires outras 75, nesta fase —, o magistrado foi obrigado a suspender as primeiras sessões do caso por motivos de doença. Foi operado ao coração e, um mês depois, ainda não estava recuperado.

BES em liquidação alerta para o risco de prescrição

Esta semana, na sequência da segunda suspensão das sessões — agendadas para esta terça-feira, dia 29 de março, 30 de março e 1 de abril —, o Banco Espírito Santo SA-Em Liquidação decidiu fazer um alerta ao processo. No requerimento a que o Observador teve acesso, os advogados lembram o que o Ministério Público já tinha sublinhado: que não é de excluir a existência de um sério risco “de prescrição do presente procedimento criminal, pelo menos no que respeita a parte dos crimes em causa”, que terão sido praticados entre os anos de 2009 e 2014. O que aporta um “grave prejuízo não só para a administração da justiça, como para os direitos dos lesados e ofendidos”, lembrando que Ivo Rosa reconheceu o estatuto de vítimas a 94 queixosos, que têm direito a uma decisão “dentro de um prazo razoável”.

Os advogados pedem, assim, que seja atribuída natureza urgente aos autos pelo risco de prescrição, para não estar dependente de prazos e poder correr durante as férias judiciais. Isto porque há datas marcadas até 24 de maio, mas por agora é impossível antecipar quando se realizará o debate instrutório, ou seja, o final da instrução — que culmina numa decisão sobre o futuro do processo. “Admitindo-se, pois, como muito provável que o escalonamento das sessões seguintes prossiga para o segundo semestre do ano, com um ainda maior prejuízo para a adequada imperiosa celeridade da tramitação dos presentes autos”, lê-se.

O BES em Liquidação lembra também que ainda não há decisão sobre as 75 testemunhas arroladas por Amílcar Morais Poiares, bem como às 82 arroladas pelo arguido, o que também fará diferença na duração desta fase.

O Banco Espírito Santo SA – Em liquidação pediu que o processo seja considerado urgente para não ser interrompido durante as férias judiciais.

Arguidos invocam outros crimes com risco de prescrição

Pelo menos três arguidos do processo já tinham invocado nos seus requerimentos de abertura de instrução que alguns dos crimes de que são acusados estavam prescritos. Um deles foi Paulo Roberto Nacif Jorge, acusado de um crime de falsificação que, a ser considerado prescrito, faz com que saia do processo. Paulo Nacif Jorge trabalhou no BES Brasil entre 2000 e 2007, como diretor adjunto do Departamento da Banca Transacional de Negócio Internacional e acompanhava clientes internacionais. Saiu do Novo Banco em Setembro de 2014.

Também o antigo administrador financeiro do Banco Espírito Santo (BES), e braço direito de Salgado, Amílcar Morais Pires, que está acusado de um total de 27 crimes, alegou que o procedimento criminal pelo crime de corrupção no setor privado que lhe é imputado também já está prescrito.

Isabel Almeida usou no seu requerimento de abertura de instrução argumentos semelhantes para o crime de infidelidade e de falsificação de documento, precisamente. No caso desta arguida, a defesa considera que os crimes estão já extintos, razão pela qual consideram que o juiz Ivo Rosa deveria fazê-los cair.

No caso da falsificação, está em causa um crime em co-autoria que envolve Isabel Almeida, Morais Pires e Ricardo Salgado, entre outros, que terá sido cometido entre 2001 e 14 de abril de 2014, e  que envolve um valor de 258 milhões de euros para a Espírito Santo Enterprises e 1.330 milhões para a Ongoing, de acordo com os cálculos do Ministério Público.

Juiz Ivo Rosa deixou cair vários crimes na Operação Marquês por causa de estarem prescritos.

Juiz Ivo Rosa também encontrou crimes prescritos na Operação Marquês

Recorde-se que na instrução da Operação Marquês, que ainda não foi julgada (apesar de daqui terem nascido dois processos autónomos contra Ricardo Salgado e Armando Vara que já foram julgados com condenações), o juiz Ivo Rosa reduziu uma lista de 188 crimes para apenas 17, tendo também reduzido o número de arguidos que considerava que deveriam ir a julgamento. Entre os vários argumentos apresentados houve também o da prescrição de alguns crimes, como o de corrupção passiva de titular de cargo político imputado ao ex-primeiro ministro, José Sócrates, e ao seu antigo braço direito, Carlos Silva.

“Apesar de a instrução ser uma fase processual essencialmente factual, não pode ela alhear-se da apreciação normativa das consequências que inapelavelmente se devem retirar da apreciação jurídica”, justificou Ivo Rosa no despacho de pronúncia. Ou seja, uma decisão de não levar a julgamento tanto pode justificar-se na falta de indícios como na verificação de alguma qualquer circunstância extintiva do procedimento criminal, como é o caso da prescrição. Que foi, aliás, o que aconteceu a alguns crimes.

Neste momento, Ivo Rosa está quase há dois meses ausente do tribunal, com as audiências de julgamento a serem suspensas enquanto não estiver em condições de retomar a atividade.

Ministério Público admite que dois dos crimes da Operação Marquês já prescreveram. E podem prescrever mais

Sexta-feira, Outubro 1st, 2021

Citamos

Público

Adesão de Carlos Santos Silva a amnistia fiscal RERT II data de 2010, pelo que nem empresário, nem José Sócrates podem ser julgados por falsificação de documento. O mesmo sucedeu com um dos crimes de fraude fiscal imputados a Zeinal Bava.

O Ministério Público admite que um dos crimes de falsificação de documento que assacou ao ex-primeiro-ministro José Sócrates e ao seu amigo Carlos Santos Silva, e que diz respeito à adesão do empresário ao regime excepcional de regularização tributária RERT II, prescreveu este Verão. Destino idêntico poderão vir a ter outros crimes do mesmo género alegadamente cometidos pelos protagonistas da Operação Marquês.

No recurso que entregaram nesta terça-feira em tribunal a contestar a decisão do juiz de instrução Ivo Rosa de não levar a julgamento parte substancial dos arguidos do processo e de descartar também a maior parte dos crimes que constavam da acusação, como a corrupção, os procuradores Rosário Teixeira e Victor Pinto e dois outros colegas discordam de muitas das prescrições decretadas pelo magistrado. Mas reconhecem que há pelo menos um delito pelo qual não é possível responsabilizar os dois arguidos, por ter passado demasiado tempo.

A adesão ao RERT II foi entregue por Santos Silva a 15 de Dezembro de 2010, nas instalações do BES em Lisboa, para encaminhamento para o Banco de Portugal, para beneficiar da amnistia fiscal decretada pelo Governo de José Sócrates. Ao todo, o empresário transferiu da Suíça para Portugal 23 milhões de euros, que sempre garantiu que eram seus e não do antigo líder socialista.

O crime de falsificação radica, segundo o Ministério Público, no facto de os dois amigos terem feito constar na declaração de adesão a este mecanismo que os fundos pertenciam apenas ao empresário, “quando sabiam que pertenciam essencialmente ao arguido José Sócrates”.

Sucede que, não ultrapassando a moldura penal do crime em causa os três anos e meio de cadeia, o seu prazo de prescrição também não é dos mais elevados. Os procuradores fizeram as contas: “Estando em causa um crime punido com uma pena até três anos de prisão é aplicável um prazo de prescrição do procedimento de cinco anos, que foi interrompido com a constituição como arguido e suspenso, pelo período de três anos, com a dedução da acusação. Pelo exposto, tendo já decorrido mais de dez anos e seis meses sobre a consumação do crime, entendemos que o procedimento criminal relativamente ao mesmo se encontra extinto por prescrição, desde 15 de Junho de 2021.”

Ou seja, este delito prescreveu já depois de o Ministério Público ter deduzido acusação e de Ivo Rosa ter feito o despacho de pronúncia. E o PÚBLICO sabe que o mesmo poderá suceder com vários outros crimes do mesmo tipo de constam da Operação Marquês, que teve origem numa investigação iniciada em 2013 e fez as primeiras detenções em Novembro de 2014.

Por outro lado, o Ministério Público admite que Ivo Rosa teve efectivamente razão ao declarar prescrito um dos dois crimes de fraude fiscal imputados ao antigo dirigente da Portugal Telecom Zeinal Bava – por muito que o juiz de instrução tenha ilibado este arguido não apenas do delito em causa mas dos restantes que lhe eram também assacados pela acusação, incluindo peculato e corrupção. É um momento quase único da acusação, que faz inúmeras e violentas críticas a toda a actuação do magistrado.

A fraude fiscal que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal considera que Zeinal Bava cometeu diz respeito aos mais de 25 milhões de euros que lhe terão sido pagos por Ricardo Salgado em troca do favorecimento dos interesses do Grupo Espírito Santo, nomeadamente barrando a entrada da Sonae (proprietária do PÚBLICO) na PT, mas também no que dizia respeito aos futuros negócios do grupo de telecomunicações no Brasil. Esses pagamentos não foram declarados ao fisco e é discutível que o tivessem de ser, tratando-se de subornos. Nem teria tão pouco de o fazer se se tratasse de empréstimos, como alega o antigo presidente executivo da PT, para comprar acções da própria empresa. 6,7 dos mais de 25 milhões que recebeu através do chamado saco azul do GES, a Espírito Santo Enterprises, teriam de ter sido declarados no IRS de 2007, ano demasiado longínquo, do ponto de vista da prescrição, para este gestor poder algum dia vir a ser responsabilizado criminalmente pelo sucedido, admite agora o Ministério Público, recuando assim em relação ao que tinha defendido na acusação.

Críticas à decisão de Ivo Rosa

Como já aconteceu noutros momentos deste processo, os procuradores não hesitam em desqualificar o trabalho desenvolvido por Ivo Rosa na destruição de parte significativa da acusação produzida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal. “A decisão instrutória que é objecto do presente recurso revela menosprezo e incompreensão pelo trabalho de recolha de prova feito em sede de inquérito”, escrevem no recurso os magistrados. “Recorre a interpretações erradas e viciadas, isto é, faz uma leitura tendenciosa e adulterada dos factos narrados na acusação.” Principal prova disso, segundo os magistrados, é Ivo Rosa ter, nas conclusões a que chegou, “omitido os factos relacionados com os movimentos financeiros, que ocupam uma parte significativa da acusação, apesar de os admitir como indiciados”.

E não poupam nas críticas, ao acusarem o juiz de instrução de ter “pervertido o sentido narrativo da acusação, imputando-lhe significâncias erradas e alterando a cronologia dos factos e o sentido da acção dos arguidos, mas também adulterando o suporte legal e interpretativo das soluções jurídicas encontradas” pelo Ministério Público. Objectivo? Segundo os dois magistrados, para poder afirmar que a visão que o Ministério Público tem deste processo está viciada ou viola princípios constitucionais. Victor Pinto e Rosário Teixeira lamentam “a adesão acrítica” de Ivo Rosa às explicações dadas pelos arguidos para negarem a prática de actos criminosos, “bem como a sua adesão integral ao teor dos depoimentos dos correligionários políticos de José Sócrates” – como os seus ex-ministros e ex-secretários de Estado Teixeira dos Santos, Mário Lino, Paulo Campos e Carlos Costa Pina -, por muito que as suas declarações tenham sido “totalmente contrariadas por documentos e depoimentos prestados por outras testemunhas” da Operação Marquês no capítulo da rede de alta velocidade e no do controlo da Portugal Telecom.

Lamentam também que o magistrado tenha, no que a algumas destas questões diz respeito, descartado a credibilidade de testemunhas como José Maria Ricciardi, do grupo Espírito Santo, quando este revelou a existência de “um círculo de pessoas íntimas” que “passavam os dias em reuniões” uns com os outros: Mário Lino, Paulo Campos, as pessoas do grupo Ongoing, e o banqueiro Ricardo Salgado.