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Dos custos do Novo Banco às injeções de milhões. Sete anos depois, o que sobra da resolução do BES?

Quinta-feira, Agosto 5th, 2021

Citamos

Económico

Os cálculos do Jornal Económico revelam que a capitalização do banco hoje liderado por António Ramalho somam 11.578 milhões de euros.

A 30 de julho de 2014 o Banco Espírito Santo, então liderado por Vítor Bento, apresentou um prejuízo de 3,57 mil milhões de euros relativo ao primeiro semestre de 2014.

Com isto o BES apresentou um rácio de solidez financeira abaixo do mínimo exigido pelo Banco de Portugal, apesar do aumento de capital que tinha sido feito em maio de 1.045 milhões, ainda liderado por Ricardo Salgado.

Sempre que um banco deixa de cumprir os rácios de capital a que está obrigado, o BCE lança um procedimento para retirar o estatuto de contraparte, que lhe permite aceder ao financiamento de Frankfurt, mas em geral é dado um período para o banco se recapitalizar.

Na impossibilidade de o banco cumprir esta exigência, entra num processo de emergência, sendo determinada a suspensão da instituição do acesso às operações de política monetária.

A constituição de provisões com o objectivo de “fazer face à exposição perante as empresas do Grupo Espírito Santo”; o impacto da exposição ao BESA e o esquema Eurofin justificaram a maioria das imparidades e contingências que somaram 4.253,5 milhões de euros que levaram o BES àquela situação de insolvência/descapitalização.

Nesse semestre tinha sido detectado o esquema de circularização de obrigações emitidas pelo Banco Espírito Santo (BES), em que esteve envolvida a Eurofin, com mais-valias para sociedade e as correspondentes menos-valias, perdas, para o BES concretizadas no ato de recompra destes títulos, que o banco adquiria por um valor muito mais alto do que o registado no balanço e antes do prazo da maturidade desta dívida. O reconhecimento total destas perdas imposto pelo auditor e pelo Banco de Portugal obrigou a constituir provisões de 1.300 milhões de euros que precipitaram a queda do banco.

O Banco de Portugal reúne-se então em reunião extraordinária a 3 de agosto de 2014. Na ata dessa reunião, o BdP refere que o BES estava numa “situação de grave insuficiência de liquidez” nas vésperas de ter sido resgatado e que, “desde o fim de junho até 31 de julho, a posição de liquidez do BES diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros”.  Por isso, o banco “viu-se forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA – Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, a 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros”.

A entidade liderada por Carlos Costa diz mesmo que, face à “pressão sobre a liquidez do BES”, o banco não tinha capacidade para acomodar essa insuficiência “através de fundos próprios obtidos em operações de política monetária”. Isto porque o BES já não tinha ativos para dar como contrapartida do financiamento que pedia ao Banco Central Europeu, os quais servem como garantia ao reembolso desse crédito. Também a “limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do BES às operações de política monetária” obrigou o BES a recorrer à linha de crédito de emergência.

O BCE “ponderou e equacionou a retirada do estatuto de contraparte ao BES, intenção que comunicou ao BES e ao BdP, o que, a ser concretizado, equivaleria ao colapso do banco devido à obrigação daí resultante de este devolver de imediato a ELA [assistência de liquidez de emergência] no valor de 10 mil milhões de euros”.

O ex-vice Governador Pedro Duarte Neves relatou na CPI ao Novo Banco que houve uma reunião no Ministério das Finanças na manhã de dia 3 de agosto de 2014 na qual o Banco de Portugal defendeu que o capital inicial do Novo Banco devia ser 5,5 mil milhões de euros, incluindo assim uma almofada de capital. Mas a Comissão Europeia defendeu que a capitalização de um banco em resolução deve ser feita estritamente pelos mínimos e as necessidades mínimas de capital inicial, confirmadas pela PwC, são calculadas em 4,9 mil milhões.

O fim do BES a um domingo à noite

Às 22h45 de domingo, 3 de Agosto de 2014, Carlos Costa falou ao país e anunciou a resolução que ditou o fim do Banco Espírito Santo. Com um discurso solene em que diz “o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo SA uma Medida de Resolução”.

“A generalidade da atividade e do património do BES é transferida para um banco novo denominado de Novo Banco devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos”, dizia Carlos Costa.

O banco central punha fim à instituição centenária fundada pela família Espírito Santo, considerada a última dinastia de banqueiros em Portugal.

Era um domingo de um Agosto quente quando o Banco de Portugal anunciou que tomou controlo do BES e fez a separação da instituição num banco mau (‘bad bank’), que concentra os ativos e passivos tóxicos, e num ‘banco bom’, o chamado Novo Banco, que reúne os ativos e passivos não problemáticos, como era o caso dos depósitos, e que nasceu com um capital de 4,9 mil milhões de euros do Fundo de Resolução bancária. O Novo Banco nasce com um rácio de capital CET1 de 9,2%, quando na altura o mínimo era de 8%.

A medida de resolução criava duas entidades: o “BES mau”, que deixou de poder operar, onde ficavam os activos e passivos considerados “tóxicos”, e o Novo Banco, que ficou com os depósitos do BES e com os activos considerados de qualidade, capitalizado pelo Fundo de Resolução.

Quanto custou o Novo Banco?

Considerando a capitalização inicial de 4,9 mil milhões de euros e os reforços efetuados, independentemente da sua natureza ou forma, foram afetos a capital próprio do Novo Banco cerca de 11 mil milhões de euros.

As contas do Novo Banco variam consoante as componentes que são levadas em conta. Por exemplo Fernando Ulrich, presidente não executivo do BPI, disse aos deputados na CPI que até hoje o Novo Banco gastou 16,4 mil milhões de euros em capital, entre os capitais próprios que existiam no BES (“em junho de 2014 o BES fez um aumento de capital de mil milhões, portanto os capitais próprios eram 7,3 mil milhões quando se deu a resolução a 3 de agosto de 2014”); o empréstimo inicial de 4.900 milhões; uma injeção de 1.000 milhões da Lone Star; os 2,5 mil milhões dos credores e os 3,9 mil milhões que o Fundo de Resolução tem vindo a injetar desde 2017.

Os cálculos do Jornal Económico revelam que a capitalização do banco hoje liderado por António Ramalho soma 11.578 milhões de euros.

Incluindo o montante nominal das obrigações seniores do BES detidas por institucionais e que no fim de 2015 foram retransmitidas para o Banco Espírito Santo, e que tinham um valor de 1.941 milhões de euros, o que correspondeu a um valor de balanço de 1.985 milhões de euros.

Portanto são: 4.900 milhões (capitalização inicial + 1.000 milhões (Lone Star) + 400 milhões (LME de obrigações) + 1.985 milhões (retransmissão de obrigações seniores) + 3.293 milhões (valor usado efectivamente até agora do CCA) = 11.578 milhões de euros. Como no fim de março deste ano os capitais próprios do Novo Banco eram de 3,2 mil milhões de euros (-3.200 milhões = 8.378 milhões). O custo é de 8,4 mil milhões.

Mas ainda pode subir se contarmos com 112 milhões que ficaram retidos à espera de uma avaliação externa a pedido do Ministro das Finanças, e pode subir ainda mais se a chamada de capital que o banco fez este ano de 598,3 milhões acabar por ser toda concedida (faltam 281,3 milhões uma vez que recebeu 317 milhões). Isto é, pode subir para 8.659 milhões.

Injeções do CCA (mecanismo de capitalização contingente)

Para além da injeção de 4,9 mil milhões de euros para a capitalização do então recém-nascido banco de transição, tendo recorrido a empréstimos do Estado (3,9 mil milhões) e da banca (700 milhões) – o resto eram receitas próprias do Fundo de Resolução – para financiar essa operação, a capitalização do Novo Banco efetuada pelo FdR, ao abrigo do CCA, em 2018, 2019, e 2020, totalizou 2.976 milhões de euros e se considerarmos os valores já pagos em 2021 referentes ao exercício de 2020, temos um montante global de 3.293 milhões que passa para 3.405 milhões de euros, se os 112 milhões que ficaram retidos à espera de um parecer externo (da PwC) forem libertados, sendo que as perdas dos ativos do CCA, no mesmo período, ascenderam a 4.367 milhões de euros.

O CCA é até ao limite de 3,89 mil milhões de euros (dos quais o Novo Banco já solicitou cerca de 3,6 mil milhões de euros). Recorde-se que emissão de 400 milhões de euros de instrumento de capital de nível 2 do Novo Banco teve tomada firme do Fundo de Resolução.

Apesar de ser muito pouco provável, a verdade é que o Estado está autorizado por Bruxelas a pôr mais 1,6 mil milhões de euros de capital adicional (o chamado backstop de capital) se o rácio do Novo Banco for inferior ao requisito de capital aplicável até ao montante necessário para garantir a viabilidade de longo prazo, nos termos da Decisão da Comissão Europeia de 11 de outubro de 2017.

“O valor das medidas de auxílio estatal ao Novo Banco, por injeção de capital, corresponde a 23% (10,8 mil milhões de euros) do valor (de 47 mil milhões) dos ativos ponderados pelo risco do BES, à data da resolução”, disse o Tribunal de Contas.

Ainda assim o preço de salvar o Novo Banco foi inferior ao que teria uma liquidação do BES. Uma estimativa das perdas potenciais do NB, num cenário alternativo à resolução, segundo a Comissão Europeia, ascenderia a mais de 14 mil milhões de euros. Já a Deloitte calculou uma a perda estimada para um cenário de liquidação de 22 mil milhões, segundo revela a auditoria do TdC.

“O mais louco fim de semana das últimas décadas”: Conheça os bastidores da resolução do BES

Quinta-feira, Agosto 5th, 2021

Citamos

Económico

Faz esta terça-feira sete anos anos que caiu um banco centenário. Era a última pedra a cair de todo o edifício do Grupo Espírito Santo que ruíra por contas falsas e endividamento excessivo. Os lesados foram muitos e espalhados por todos os cantos do mundo e ainda hoje se fazem ouvir em manifestações, protestos, ações judiciais e comunicados.

Às 22h45 de domingo, 3 de Agosto de 2014, Carlos Costa falou ao país e anunciou a resolução que ditou o fim do Banco Espírito Santo. Com um discurso solene em que diz “o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou hoje [3 de agosto de 2014] aplicar ao Banco Espírito Santo SA uma Medida de Resolução”.

“A generalidade da atividade e do património do BES é transferida para um banco novo denominado de Novo Banco devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos”, dizia Carlos Costa.

Mais tarde verificou-se que afinal não tinha sido suficiente essa expurga de ativos problemáticos, havia mais para retirar e só isso explica o mecanismo de capitalização contingente (de 3,89 mil milhões de euros) a cargo do Fundo de Resolução nacional que teve de ser criado para que o Novo Banco conseguisse ser vendido ao Lone Star. Pelo caminho fica uma tentativa de venda falhada e a necessidade de recapitalização do banco com a retransmissão de cinco séries de obrigações seniores detidas pelos fundos institucionais (entre eles a BlackRock e a Pimco, e que agora se agruparam no Novo Note Group ) de 100 mil euros de subscrição mínima, para o BES em dezembro de 2015. O que levou o Banco de Portugal em 2015 a escolher apenas estas cinco séries de obrigações seniores para recapitalizar o Novo Banco, que na altura se defrontava com um gap de 2 mil milhões entre o valor real dos ativos e o seu valor contabilístico? O supervisor escolheu as cinco séries de obrigações seniores (já não havia credores subordinados) porque eram as únicas que tinham um valor unitário de 100 mil euros e que tinham sido colocadas em institucionais no mercado primário.

Pelo caminho um processo do Goldman Sachs que o Banco de Portugal ganhou recentemente em Londres. Em causa o facto de a 3 de julho de 2014 (a um mês da resolução), a Oak Finance Luxembourg ter celebrado com o BES um “facility agreement” (contrato de financiamento), regido por lei inglesa e sujeito à jurisdição dos tribunais ingleses, nos termos do qual a Oak Finance emprestou cerca de 835 milhões de dólares ao BES. Com essa operação António Esteves, à data ‘partner’ do Goldman Sachs com responsabilidade pelo mercado português, acaba por sair do banco norte-americano.

Faz esta terça-feira sete anos que caiu um banco centenário. Era a última pedra a cair de todo o edifício do Grupo Espírito Santo que ruíra por contas falsas e endividamento excessivo. Os lesados foram muitos e espalhados por todos os cantos do mundo e ainda hoje se fazem ouvir em manifestações, protestos e comunicados, mesmo depois de alguns terem já sido salvos por soluções financeiras lideradas pelo Governo e reguladores.

Recordemos o que se passou nesse famoso fim de semana em que o BES desaparece e que está descrito no livro O Fim da Era Espírito Santo:

Esse foi o mais louco fim-de-semana das últimas décadas. Quem o viveu nunca mais o esquece. A solução para recapitalizar o Banco Espírito Santo haveria de se encontrar em 48 horas. Segunda-feira, dia 4 de Agosto, teria que haver uma resposta à situação. Um resgate, que precisava da participação da Comissão Europeia, que tem de aprovar toda a espécie de apoios do Estado. Por isso, uma equipa da Direcção-Geral da Concorrência, de Bruxelas, está em contacto directo com o Banco de Portugal, por telefone, que o tempo não dava para perder horas e minutos em aeroportos e voos. O Banco de Portugal contratara uma equipa de advogados, da sociedade Vieira de Almeida & Associados. Ao todo estão cerca de 60 pessoas a trabalhar para desenhar a solução e a alteração à lei bancária para dar poder a Carlos Costa para implementar a solução, a Resolução.

Economistas, técnicos do Banco de Portugal, advogados da sociedade de João Vieira de Almeida – que tinha à frente neste projecto Pedro Cassiano Santos, notários, membros do Governo, todos reunidos para uma maratona de 48 horas, encomendavam sandwiches ao almoço e jantar, as mangas estavam arregaçadas para fazer face ao calor, ainda que moderado, de Agosto, águas em garrafas com fartura, papelada e muitos telefones, computadores, tablets e livros com leis. Quase ninguém dormiu. Muitas videoconferências, Carlos Costa com Carlos Tavares, Carlos Costa com Mário Draghi. A elaboração da complexa solução para o BES obrigou a horas infindáveis de reuniões e acertos técnicos, com uma equipe de juristas, técnicos e economistas, e tudo o que mais se mostrasse necessário para cumprir o prazo limite para entrar em vigor, que era na segunda-feira.

Vítor Bento, José Honório, João Moreira Rato só souberam da Resolução na sexta-feira e à noite. A Ministra das Finanças reuniu-se na véspera, quinta-feira, com Vítor Bento, a pedido do presidente do BES onde lhe explica quais são as alternativas legais para a intervenção do Estado. Nesta altura já se sabia que havia a fortíssima possibilidade de ser necessária a ajuda do Estado. Era a primeira vez que a administração do Novo Banco se reunia com a Ministra das Finanças. Vítor Bento ouve da boca de Maria Luís Albuquerque, que já vinha contactando com os manda-chuvas de Bruxelas, que havia a possibilidade de ser aplicada a Medida de Resolução, prevista na nova legislação europeia, ao BES. É nesse dia que Vítor Bento ouve falar pela primeira vez de tal medida. Ficou pasmado, estava à espera do dinheiro do Estado nos mesmos moldes que tinha sido usado para o BCP e para o BPI, com os famosos Coco´s, já sabendo que havia um novo enquadramento legal do bail-in, que passara a exigir que os accionistas fossem os primeiros a ser chamados num caso de resgate e que os detentores de obrigações convertíveis fossem chamados a converter em capital, ou coisa que o valha, mas ainda assim não esperavam nada do que veio a acontecer. Atenção, não é nada de estranhar que assim pensassem os três mosqueteiros do BES, se bem se lembram até há uns dias atrás o próprio Governador, para acalmar as hostes dos clientes, falava da existência, em último caso, da linha de recapitalização da troika.

Ficaram surpreendidos os administradores recém-chegados ao BES. Vítor Bento disse a Maria Luís que não era isto que estava à espera e não era para isto que tinha sido convidado. – Ninguém me avisou disso! Terá dito o novo banqueiro. Maria Luís lá lhe respondeu que podia se ter reunido com ela mais cedo e se ainda não o tinha feito até agora é porque não tinha achado importante fazê-lo.  

Até esta altura estudava-se uma forma de levantar capital privado, sendo para isso preciso aprovar previamente uma dispensa do direito de preferência dos accionistas à época. Penso que Vítor Bento e a sua equipe imaginavam uma solução mista, entre privados e Estado com CoCo´s (as tão faladas obrigações convertíveis em capital contingente que salvaram o BCP, o BPI e o Banif). Na impossibilidade de isso ser assim, e perante a forte possibilidade de cisão do BES num banco-bom e num banco-mau, Vítor Bento não viu logo que isso fosse impeditivo de concretizar o projecto de médio e longo prazo a que se tinha proposto quando aceitou o emprego. Vamos ser sinceros, esta nova Medida de Resolução tinha sido aprovada na Assembleia da República, mas poucos a leram, e Vítor Bento também não a tinha lido. Não sabia que a lei limitava, em princípio, a vida de um banco transitório a dois anos. Ninguém nesta altura conhecia a lei em profundidade. Há até um célebre episódio de a Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que confrontada no debate no Parlamento, com as características da Resolução aplicada ao BES, perguntou aos deputados críticos se chegaram a ler a lei que aprovaram?

O Governo aprovara nessa quinta-feira, em Conselho de Ministros, uma legislação que aperfeiçoa a Medida de Resolução com o fito de a aplicar no banco. Era um diploma que permitiu fazer o resgate nos moldes em que foi feito: a protecção dos depósitos de accionistas com menos de 2% através de uma mudança no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Aquela lei que depois acaba por permitir o congelamento das contas. No Conselho de Ministros apenas o Primeiro-Ministro, o seu chefe de gabinete, a Ministra das Finanças, e o Vice-primeiro Ministro, Paulo Portas, sabem do facto concreto, a que se poderá aplicar a nova lei.

Carlos Costa nesse primeiro dia de Agosto, um sábado, quando já se conheciam os trágicos e imensos prejuízos trimestrais do BES, determina que a partir desse momento é necessária a autorização prévia do Banco de Portugal para qualquer reembolso total ou parcial, ou mesmo a simples movimentação a débito de contas de depósito e os pagamentos de créditos, para todos os accionistas relevantes e todos os gestores do BES e parentes. Uma atitude drástica nunca antes vista em Portugal. As contas ficam imediatamente congeladas. O Governador parecia ter mandado aplicar o grau máximo de tolerância mínima. Todas as empresas do grupo ficaram sem sequer poder pagar aos seus fornecedores. Hotéis, Hospitais, Agências de Viagens, tudo de repente fica sem meio de pagar contas. Paralisaram centenas de empresas que compunham o universo GES.

Não sei se voltaremos a assistir um grand finale como este. No primeiro fim-de-semana das férias de Verão, o BES desaparecia, ao fim de 145 anos. Sem ao menos exéquias fúnebres. Não ficava pedra sobre pedra.

As discussões e os trabalhos na reunião de sábado do Banco de Portugal eram sobre pormenores. Deus está nos detalhes. O que fica no banco bom e no banco mau? Que leis têm de se aprovar ou alterar? Qual a legislação para um banco de transição? Quem paga o quê? Quanto dinheiro é preciso deixar no banco mau?

O banco de transição tem de ser vendido no prazo de dois anos e tem de mudar a imagem imediatamente a seguir, é o que diz a lei.

Maria Luís Albuquerque e Paulo Portas decidiram no domingo, 3 de Agosto, alterar o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, alterando pormenores que permitissem a venda do banco de transição, ou seja, do Novo Banco. Sem esta modificação, o Banco de Portugal convidava outras instituições a apresentarem propostas de aquisição e, depois dessa venda, o banco de transição era dissolvido. Porque mudara essa lei? Porque assim que se conheceram as limitações legais da venda do Novo Banco, a administração de Vítor Bento não estava disponível para continuar se a venda fosse feita imediatamente. Talvez essa consideração dos três administradores tivesse impulsionado a mudança da lei de maneira a não exigir a extinção do banco de transição. É que se se demitissem logo a seguir o banco poderia afundar-se com a fuga de depósitos.

Com as alterações introduzidas no domingo, mesmo no caso da alienação de toda a instituição de transição, “o banco mantém a sua existência cessando a aplicação do regime aplicável aos bancos de transição”.

Fora aprovado nesse domingo uma alteração que permitia que a venda do Novo Banco não estivesse limitada apenas a instituições de crédito. É essa mudança que depois obriga a uma alteração dos estatutos do Novo Banco, que vai ser feita no dia 8 de Setembro, ainda com Vítor Bento, e é a partir daí que passa a ser possível a solução da dispersão das acções do novo banco na bolsa. Um modelo de capitalismo popular que existe por exemplo nos CTT, e que tem a vantagem de manter a gestão. A venda do Novo Banco podia ser feita em bolsa. Isso dava esperança aos novos administradores. E sob condições especiais permitia talvez até esticar a coisa até aos cinco anos. Mas será que esse prazo, ainda que alargado daria para um modelo tipo Oferta Pública de Venda, em que a pulverização do capital desse para que este triunvirato continuasse a liderar o banco? Parecia que sim, mas afinal à medida que o tempo foi avançando, o Banco de Portugal inclinava-se para o não. Tudo parecia conduzir a uma venda de acordo com o que estava previsto na lei original dos bancos de transição, para um limite de dois anos. Mas não nos apressemos.

Houve, naquele fim-de-semana de Agosto, mesmo um conselho de ministros por meios electrónicos em que os dois Governantes aprovaram tais modificações, que modernidade! A fazer inveja ao apartamento 202 parisiense da Cidade e as Serras, do Eça. Era o site Observador que dizia que houve um conselho de ministros através de assinaturas electrónicas. O documento foi ainda no domingo até Belém, onde recebeu o aval do Presidente da República e na segunda-feira foi oficializado em Diário da República. Tal era a urgência que aguçou o engenho.

Quando a CMVM interrompeu as negociações em bolsa do BES na sexta-feira, o presidente deste organismo de supervisão também já estava informado.

Na lei dos bancos que se designa de Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras constam as regras sob as quais se regem tais sociedades e há nesse regime “a possibilidade de o Banco de Portugal aplicar Medidas de Resolução em instituições sujeitas à sua supervisão nas modalidades de alienação total ou parcial da actividade ou transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição”.

Na nova versão, o Governo quis delinear que “o Banco de Portugal ou o banco de transição, se autorizado nos termos do número seguinte, pode, assegurando a transparência do processo, promover a sua alienação [do banco de transição] através dos meios que forem considerados os mais adequados tendo em conta as condições de mercado existentes na altura”.

Passou a haver uma maior liberdade para que o regulador do sector financeiro decida a forma como vai alienar o banco de transição. Na versão inicial, era preciso que houvesse um convite por parte do Banco de Portugal para uma oferta de aquisição.

Com as leis aprovadas foi criado o Novo Banco, o banco de transição que ficou com os “activos bons” do Banco Espírito Santo e que o regulador quer alienar no mais curto prazo de tempo possível.

Agora, com as regras introduzidas, o regulador liderado por Carlos Costa já pode promover a venda do banco da forma que entender e não precisa de o dissolver no final.

Carlos Costa explicara que foi no Sábado que chegaram a Lisboa técnicos do BCE e da Comissão Europeia para delinear a solução a aplicar ao BES, que viria a ser tomada e anunciada ao país na noite de domingo. “A dimensão e a enorme complexidade dos trabalhos preparatórios desta medida exigiram ao Banco de Portugal uma concentração excepcional de esforço. Durante o fim-de-semana foi necessário desenvolver todas as diligências para garantir que na segunda-feira, 4 de Agosto, o Novo Banco se encontrava operacional. Foi também necessário proceder à avaliação dos activos, estimar as necessidades de capital, preparar instrumentos regulamentares, nomear os órgãos sociais das novas entidades, preparar diversos documentos de comunicação e articular todo o processo com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Ministério das Finanças”, confessa Carlos Costa aos deputados aonde será mais uma vez chamado para explicar o resgate do Banco Espírito Santo.

“A única coisa que sabíamos na sexta-feira ao almoço era que, em reunião por teleconferência entre os membros do Conselho de Governadores do Banco Central Europeu, na segunda-feira tínhamos uma data limite até à qual tínhamos de ter uma solução e tínhamos de ser nós a encontrar a solução”, conta o Governador do Banco de Portugal.

Até à hora de almoço de Sábado dia 1 de Agosto, estava ainda a ser trabalhada a solução da recapitalização que permitisse a entrada de investidores privados. Bancos mas também fundos foram convidados a estudar o assunto. Até o BPI tinha sido convidado a entrar na corrida pelo Governador, o banco aceita estudar o dossier, mas nesta altura ainda sem grande convicção. Carlos Costa tinha convidado os bancos portugueses, o Santander Totta incluído. O BCP estava condicionado pelo dinheiro da troika que ainda lá tinha, e cujas regras impedem aquisições em tempos de ajuda do Estado. Mas podia-se contornar com uma autorização especial, no entanto Nuno Amado não quer mais um imbróglio no seu banco.

Subitamente, a partir da hora de almoço, tudo mudou. O Conselho do Banco Central Europeu determinou a suspensão do acesso do Banco Espírito Santo às operações de política monetária com efeitos a partir de 4 de Agosto. O BCE obrigou o BES a “reembolsar integralmente” o crédito contraído junto do banco central no mesmo dia em que suspendeu o acesso às suas linhas de financiamento. Era uma tragédia. À hora de almoço, por videoconferência com o Conselho de Governadores do BCE, Carlos Costa é informado de que o BES iria deixar de ter acesso a financiamento do banco central por não cumprir os rácios mínimos de capital. “Têm de resolver o problema”, foi o aviso deixado por Mário Draghi, um italiano com boa pinta que comandava os destinos do banco central europeu e que tinha sido apontado como o grande combatente à crise do euro.

A família Espírito Santo foi queimada…foi a cobaia…da Europa! Gritava um accionista que acabara de ouvir Carlos Costa a anunciar os motivos que levaram à extinção do Banco Espírito Santo, e a criação do Novo Banco, um banco muito alegre e com ar primaveril.

Este Mecanismo era a primeira vez que se aplicava, nunca se tinha aplicado antes em nenhum lado e a nenhum banco. Estava com esta aplicação a descobrir-se o caminho às apalpadelas, e a descobrir as limitações pelo caminho.

A Societé Générale, um banco demasiado conhecido para ser apresentado, refere mais tarde num daqueles relatórios sobre os bancos europeus, ” Se o colapso do BES acontecesse seis meses depois de ter feito testes de stress aos bancos, a credibilidade do BCE ficaria fortemente afectada”. Esses testes de stress ficaram sempre aquém da eficácia. Muitos bancos europeus derrocaram depois de terem passado os testes do BCE. Mario Draghi não podia passar por mais um vexame. O colapso do BES marcaria o ritmo de um banco central europeu mais duro e implacável com os bancos.

É preciso que ver que a lei europeia de ajuda aos bancos, entre os anos 2012 – altura em que o BCP e o BPI e mais tarde o Banif recorreram ao plano de recapitalização através da “utilização da linha de recapitalização pública temporária e reembolsável” – e 2014 tinha mudado muito, até nisso o Banco Espírito Santo teve azar. À custa das indignações populares, a lei que põe dinheiro dos Estado a recapitalizar os bancos tinha sofrido pesadas alterações.

Desde o dia 1 de Janeiro deste ano que qualquer banco que precisasse de recorrer à ajuda do Estado para se recapitalizar encontraria um novo cenário pela frente. Ao contrário do que aconteceu com o BCP, BPI e o Banif – que receberam auxílios estatais à cabeça, a que foram associados depois investimentos privados – as novas regras pretendem que ocorra precisamente o contrário. Não restam aqui muitas dúvidas, quem deu o empurrão final para a extinção do Banco Espírito Santo foi o Conselho de Governadores, por teleconferência. Foi o BCE que provocou o último suspiro do banco. Quem empresta dinheiro é quem manda no mundo, uma verdade que Ricardo Salgado cedo aprendera.

Desde Janeiro que havia uma lei nova. Há um provérbio popular que diz “Deus me livre de justiças novas e chaminés velhas”, aqui havia uma lei nova que mudava o destino do BES. O bail-in, como lhe chamam os técnicos, nunca tinha sido usado e foi o banco que era da família Espírito Santo e de milhares de outros accionistas que foi usado como cobaia para testar o mecanismo, dito de Resolução. Foi assim uma lei nova que veio introduzir o princípio da repartição de encargos, ficando taxativamente estabelecido que devem ser os accionistas e depois os credores subordinados os primeiros a ser chamados em caso de perdas ou necessidade de capital. Mais do que apenas pôr fim ao impacto político dos auxílios estatais uma das grandes lições das recentes crises foi a de que há que impedir o contágio entre o risco soberano e o risco do sistema financeiro. Na nova lei europeia só os depositantes, obrigacionistas comuns e titulares de outro tipo de dívida ficam protegidos da necessidade de participar na recapitalização dos bancos

O Novo Banco nasce e logo surge uma nova imagem. Era com borboletas para dar a ideia de renascimento mas todos viam nela a vida efémera, pois as borboletas não duram muito, algumas só duram um dia. Uma imposição da Comissão Europeia, bem se vê, esta mudança de imagem brusca.

A Medida de Resolução precisa de um Fundo de Resolução. Já existia o Fundo, mas não tinha fundos. A quem pertence o Fundo de Resolução que tutela o banco transitório? Aos bancos todos do sistema. Caiu-lhes no colo as asneiras do BES.

Como não havia dinheiro no Fundo de Resolução, o fundo tinha apenas 367 milhões de euros, e como os bancos não têm assim quase cinco biliões para dispensar, como é que se encontra a solução? O dinheiro da troika empresta ao Fundo. O Novo Banco nasce com uma borboleta e 4,9 mil milhões de euros de capital.

Vamos lá a ver como era financiado o dono do Novo Banco: Dos 4,9 mil milhões de euros que o Fundo de Resolução terá de pôr no Novo Banco, começa por ficar definido que os bancos reforçam o fundo até aos 500 milhões de euros. Seria uma contribuição dos cerca de 80 bancos que operam em Portugal e que fazem parte do Fundo, e os restantes 4,4 mil milhões viriam do dinheiro da troika, como empréstimo. O empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução será temporário e substituível por empréstimos de instituições de crédito. Estava decidido. Esta decisão muda entretanto. Os bancos optam por emprestar mais e pagar menos ao Fundo. A banca propôs trocar essa contribuição por um empréstimo, o que foi aceite pelo Governo, diminuindo a parcela emprestada pelo Tesouro de 4,4 mil para 3,9 mil milhões de euros. Os bancos emprestam 635 milhões, que é o que falta para chegar aos mil milhões. Para os bancos é mais vantajoso dar um empréstimo já que este não afecta os resultados, ao contrário da contribuição. Além disso, com o aumento da participação financeira no Fundo, passam a ter um poder de decisão maior na alienação do Novo Banco. Pensavam.

Enquanto o empréstimo dos bancos ainda se concretizava o Estado faz o adiantamento por conta dos Bancos, no valor de 635 milhões de euros. Para pagar este empréstimo ao Tesouro, os bancos organizam-se entre si. Chegam a acordo. Alguns bancos vão conceder um empréstimo, que substitui esse do Estado, já não de 635 milhões de euros, mas de 700 milhões de euros, ao Fundo gerido pelo Banco de Portugal. São oito as instituições envolvidas neste empréstimo – Caixa Geral de Depósitos, BCP, BPI, Santander Totta, Crédito Agrícola, Montepio Geral, BIC, Banco Popular. Mas, uma vez que a contribuição de cada banco será ponderada em função da sua dimensão, os bancos com maior quota de mercado darão um maior contributo. O banco do Estado e o BCP assumem a fatia de leão. Os 65 milhões de euros que sobram dos mil milhões, servem para que o Fundo de Resolução tenha folga financeira para “assegurar o pagamento futuro de juros devidos pelo Fundo de Resolução ao Estado, nos termos do Contrato de Empréstimo do Estado”.

O que será dos 3,9 mil milhões que o Estado empresta ao Fundo de Resolução? Todos se perguntam. Mas a resposta estava na ponta da língua, será pago com o produto da venda do banco e se o produto da venda não for suficiente são os outros bancos, os concorrentes, que vão ter de suportar esse custo. Se por hipótese, muito remota, acredita-se, o Novo Banco fosse vendido com lucro, esse reverteria para o banco-mau.

A partir desse dia passou a haver um “banco bom” e um “mau”. O “banco bom” fica com os activos, como os depósitos e os créditos, bons. O “banco mau” ficou com os activos tóxicos, perdeu a licença bancária e é lá que se encontram os accionistas, que terão perdido tudo o que investiram. Muitos dos arruinados ainda eram do tempo do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, não percebiam nada do que se tinha passado e viam nesta resolução, ou resgate, ou como lhe quiserem chamar, a segunda espoliação do BES. Perder dinheiro é tido como a calamidade de uma vida para um homem. Um desgosto de amor, um divórcio, uma separação nada é, comparado à perda de muito dinheiro. Os homens podem esquecer um amor perdido, mas uns milhares que desaparecem de uma conta nunca mais se esquecem. Esta paixão pelo dinheiro é muito masculina.

O velho Banco Espírito Santo passara a ser uma instituição em quarentena com os seus créditos e dívidas difíceis de resolver, como se de uma doença contagiosa se tratasse, é lhe retirada a licença bancária e ao lado nasce um banco novo com dinheiro, créditos recuperáveis, provisões guardadas, dívidas pagáveis, as subsidiárias melhores e que dão lucro, e toda uma série de colaboradores e imóveis. Do bad bank, como lhe chamam na gíria do mundo financeiro, nem sinal das acções, obrigações subordinadas, nem se sabe ao menos onde fica a sede. Ficou tudo arruinado.

 

7 grandes questões do inquérito ao Novo Banco

Sexta-feira, Dezembro 18th, 2020

Citamos

Eco

7 grandes questões do inquérito ao Novo Banco

Comissão de inquérito ao Novo Banco toma posse às 12h00. Trabalhos vão estender-se pelos próximos quatro meses. Eis as 7 grandes questões que estão em causa.

Nos próximos quatro meses, os deputados da comissão de inquérito ao Novo Banco vão ouvir intervenientes do banco, Governo e Banco de Portugal que tiveram papel relevante na vida da instituição nos últimos anos. O objetivo: apurar as perdas registadas pela instituição liderada por António Ramalho e que foram imputadas ao Fundo de Resolução. Estas são as grandes questões que estão por responder.

1. Queda do BES

Ainda que a queda do BES já tenha sido alvo de uma comissão de inquérito no Parlamento, o tema deverá merecer novamente a atenção dos deputados na investigação parlamentar ao Novo Banco. Há dados novos que podem fazer valer a pena a reabertura do “dossiê”.

Por um lado, a auditoria especial da Deloitte, concluída em agosto, identificou perdas de 4.000 milhões de euros no Novo Banco entre 2014 e 2018 e que tiveram sobretudo origem no período pré-resolução, atribuindo as responsabilidades à gestão de Ricardo Salgado.

Por outro, os deputados deverão voltar ao tema da supervisão, de olhos postos num documento: o chamado relatório Costa Pinto, que se debruçou sobre a atuação do Banco de Portugal no caso BES e cujo teor se encontra em segredo. Mas o relatório poderá conhecer a luz do dia se o tribunal permitir a sua divulgação.

2. Resolução e separação de ativos

O BES foi resolvido (ligação para documento .pdf) em agosto de 2014, com o Banco de Portugal a dividir ativos e passivos da instituição entre o banco mau (BES) e o banco bom (Novo Banco). Esta decisão voltará a ser questionada na comissão de inquérito, colocando-se em causa, sobretudo, se aquela separação foi bem feita, tendo em conta que o elevado nível de ativos tóxicos (empréstimos problemáticos, imobiliário) que ficaram no banco bom e que, de resto, estão na origem dos prejuízos do Novo Banco nos últimos anos.

Além disso, os deputados querem saber se o balanço de abertura do Novo Banco teve os ativos devidamente valorizados, num trabalho que foi feito na altura pela PwC. Isso não terá acontecido. Como alguns dos ativos que passaram para o Novo Banco se encontravam sobreavaliados, eles deram origem, numa fase posterior, ao registo de imparidades (perdas) quando o banco procedeu à correção do seu valor.

3. Retransmissão de obrigações em 2015

Completa agora cinco anos. Em dezembro de 2015, o Banco de Portugal decidiu (ligação documento para .pdf) passar cerca de 2.000 milhões de euros em obrigações seniores do Novo Banco para o banco mau. O supervisor justificou esta medida de retransmissão com a necessidade de cobrir os prejuízos do BES (ano e meio antes), tal como estipula o regime de resolução, protegendo-se o sistema bancário e os contribuintes.

Se isto permitiu ao Novo Banco cumprir com os rácios de capital regulamentares, os investidores afetados não gostaram da decisão. A retransmissão das obrigações significou, na prática, a perda do dinheiro que haviam investido.

Na sequência desta medida, um grupo de grandes investidores internacionais, entre eles a Pimco e a BlackRock, foi para tribunal para contestar a decisão. Mas fizeram mais do que isso: tentaram descredibilizar a República portuguesa e a reputação nos mercados, boicotando diversas operações de financiamento do país e empresas nacionais. Se isto teve impacto nos juros da dívida, é o que os deputados vão agora averiguar.

 

4. Venda ao Lone Star e acordo capital contingente

Quando nasceu, o Novo Banco era um banco de transição e tinha duas alternativas: ou era vendido pelo Fundo de Resolução (ou nacionalizado) ou tinha de ser liquidado. Só em outubro de 2017 é que acabou por ser vendido ao Lone Star: 75% do capital a troco de uma injeção de mil milhões. Mas o negócio veio com outra condição. Como o banco tinha muitos problemas, os americanos queriam uma garantia de que não iam ser eles a pagar por eventuais perdas que deles decorrem.

Fez-se, então, o acordo de capital contingente em que o Fundo de Resolução se comprometeu a injetar até 3,9 mil milhões de euros para compensar o Novo Banco por perdas com um conjunto de ativos problemáticos até os rácios estarem repostos. Até hoje, o banco já pediu 3.000 milhões de euros ao Fundo de Resolução e cada pedido tem sido mais polémico do que o outro.

Agora, os deputados querem “averiguar se o contrato de venda do Novo Banco e outros contratos celebrados relativos a esta venda nos quais o Estado seja, direta ou indiretamente, onerado, foram diligentemente negociados, e apurar as respetivas responsabilidades técnicas e políticas”.

5. Vendas de malparado e imobiliário

Na base dos pedidos do Novo Banco ao Fundo de Resolução estão as perdas que decorreram com processos de vendas de crédito malparado e ativos imobiliários. Foram várias as carteiras vendidas nos últimos anos (Nata 1Nata 2Sertorius, Viriato, Albatros) e cujos prejuízos, na sua grande maioria, tiveram de ser cobertos pelo fundo liderado por Máximo dos Santos. Ao todo, as perdas nestes processos de venda totalizam os 611 milhões de euros.

Nos últimos meses foram levantadas várias questões em relação a estas operações, nomeadamente se foram feitas ao desbarato e se os compradores são partes relacionadas com o acionista Lone Star.

Também há o caso da seguradora GNB Vida que foi vendida pelo Novo Banco no final do ano passado a fundos da Apax, numa transação que veio a revelar-se polémica devido às perdas que gerou e às eventuais ligações do comprador a um empresário (Greg Lindberg) que foi condenado por corrupção nos EUA. Essas dúvidas já foram esclarecidas tanto pela Apax como pelo banco.

Os deputados vão questionar todos os órgãos sociais do banco, incluindo administração, fiscalização, auditoria e comissão de acompanhamento, e avaliar a sua atuação “no que respeita à proteção dos interesses do acionista Estado, em particular no processo de avaliação e venda de ativos que conduziram a injeções do Fundo de Resolução”.

 

6. Atos de gestão de Ramalho

A auditoria especial detetou falhas na gestão de António Ramalho. Naquilo que foi a concessão de crédito, a Deloitte encontrou 140 decisões que não se seguiram o normativo interno do banco ou regulamentação. O próprio gestor reconheceu as insuficiências no Parlamento e referiu que o banco está a trabalhar no sentido de resolver todas as situações de inconformidade que foram identificadas.

António Ramalho já foi por várias vezes a “exame” no Parlamento. Por mais explicações que tivesse dado, os deputados mantêm dúvidas sobre se a sua gestão está a proteger os interesses dos dois acionistas do banco (Lone Star e Fundo de Resolução) e não apenas de um (Lone Star).

Aliás, este é um dos pedidos ao Tribunal de Contas, que iniciará dentro de poucas semanas uma auditoria ao banco: identificar eventuais práticas de gestão no Novo Banco conducentes e orientadas a obter um determinado resultado líquido do banco com o objetivo de permitir o acionamento do mecanismo de capital contingente.

7. Haverá mais dinheiro para o Novo Banco?

Parlamento aprovou no final do mês passado uma medida que trava novas injeções do Fundo de Resolução no Novo Banco. Os deputados querem ter primeiro os resultados da auditoria do Tribunal de Contas antes de nova transferência para o banco, apesar de o Governo ter já dito que vai cumprir o contrato.

No pedido endereçado ao Tribunal de Contas, face à complexidade do objeto da auditoria, o Parlamento indicou que os resultados poderão ser apresentados de forma faseada. Pretende obter conclusões “em tempo útil”, isto é, antes da injeção prevista para ocorrer em maio. Uma parte da auditoria poderá ser conhecida ao longo da comissão de inquérito e, dependendo das conclusões, poderá ou não haver nova injeção no Novo Banco.

Goldman Sachs e fundos internacionais avançam com novas ações em tribunal contra Portugal

Sexta-feira, Dezembro 18th, 2020

Citamos

Eco

 

Em causa está um financiamento de 835 milhões de dólares de um veículo montado pelo banco americano e que foi transferido para o BES mau na sequência a resolução do Banco de Portugal.

O Goldman Sachs e mais de uma dezena de fundos internacionais, entre eles o Elliott International, do investidor Paul Singer (o conhecido “abutre” da Argentina), colocaram esta semana novas ações no tribunal português no âmbito da queda do BES, em 2014. Desta feita, o alvo é a República portuguesa. O processo não é novo e estas ações já eram esperadas. Em causa está um financiamento de 835 milhões de dólares feito por vários investidores ao BES através de um veículo montado pelo banco americano (a Oak Finance) e que foi transferido para o banco mau na sequência da resolução do Banco de Portugal.

Na prática, com aquela decisão de transferir o empréstimo da Oak Finance para o BES “mau”, o Banco de Portugal praticamente eliminou qualquer possibilidade de aqueles investidores reaverem o dinheiro aplicado.

Face a essa medida, este grupo de investidores e o próprio Goldman Sachs (em nome dos clientes) avançaram para os tribunais internacionais no sentido de serem reembolsados.

Já há processos contra o Banco de Portugal e Novo Banco. Agora, no início desta semana, o processo teve novo desenvolvimento. Este grupo de investidores internacionais deu entrada com as duas ações administrativas no Tribunal Administrativo de Lisboa, tendo como alvo a República portuguesa.

Uma delas foi apresentada por 11 investidores (os clientes do Goldman Sachs): Olifant Fund, FFI Fund, Elliott International, Suffolk (Mauritius) Limited, The Liverpool Limited Partnership, Mansfield (Mauritius) Limited, GL Europe Luxembourg, Silver Point Luxembourg, Silverpoint Mauritius, TDC Pensionskasse e FYI.

A outra foi avançada pelo próprio banco de investimento norte-americano e tem o valor de 292 milhões de euros (222 milhões de dólares).

Ao que o ECO apurou, este grupo de investidores questiona a forma como foi feita transposição da lei europeia da resolução para a lei nacional, em 2014, e é nesse sentido que o Estado português, enquanto legislador, é visado nestas duas ações. O banco americano contesta a “regra dos 2%” relativa às participações qualificadas. Foi essa a razão pela qual o Banco de Portugal transferiu o empréstimo de 835 milhões de dólares para o banco mau, mas o Goldman Sachs considera ter atuado em nome de outros investidores.

O ECO contactou o Goldman Sachs, mas não obteve uma resposta até à publicação do artigo.

Estas ações foram colocadas numa semana em que o Banco de Portugal sofreu uma derrota também no caso BES, embora num processo diferente. O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão absolveu esta terça-feira a KPMG e outros cincos responsáveis da auditora no caso BES Angola. Com isso, anulou a coima de quase cinco milhões de euros aplicada pelo supervisor em abril do ano passado. O Banco de Portugal diz estar a analisar a decisão do tribunal para avaliar “eventual recurso”.

O caso Oak Finance

Oak Finance foi um veículo criado pelo Goldman Sachs que emprestou 835 milhões de dólares ao BES pouco tempo antes do colapso do banco, em 2014.

Embora montado pelo Goldman Sachs, este veículo foi financiado por outras entidades, incluindo o fundo de pensões da Nova Zelândia e o conhecido investidor Paul Singer.

Em julho de 2018, o Supremo Tribunal britânico decidiu que o caso devia ser decidido em Portugal, e não em Londres, como pretendiam os fundos. A decisão foi considerada uma vitória para o Banco de Portugal, na medida em que aumenta a probabilidade de o processo que ficou conhecido com o “caso Oak Finance” ter um desfecho favorável e não venha a aumentar a fatura da resolução do BES para o Fundo de Resolução nacional.

Na ação colocada nos tribunais britânicos, estes investidores internacionais consideraram ilegal a decisão do Banco de Portugal de transferir este crédito do Novo Banco para o banco mau do BES.

Do lado do supervisor português, a decisão de transferir este financiamento para o BES mau baseou-se no facto de “haver razões sérias e fundadas para considerar que a Oak Finance atuara (…) por conta do Goldman Sachs International, e que esta entidade detivera uma participação superior a 2% do capital do BES”. O que, à luz das regras da resolução, obrigava à inclusão do financiamento do Goldman Sachs no banco mau.

O Goldman Sachs contestou este entendimento e argumentou que a lei só foi transposta em agosto de 2014, enquanto deixou de ter posição qualificada em julho, rejeitando que seja aplicada a retroatividade da lei.

 

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO ENVIA PEDIDO AO TRIBUNAL DE jUSTIÇA EUROPEU SOBRE RESOLUÇÃO DO BES

Quarta-feira, Outubro 21st, 2020

Citamos

 

Pedido do Supremo Tribunal Administrativo para que o Tribunal de Justiça Euopeu se pronuncie sobre a resolução do BES

Supremo remete resolução do BES para tribunal de justiça europeu

Quarta-feira, Outubro 21st, 2020

Citamos

Negócios

Com esta decisão, o Banco de Portugal arrisca a pagar indemnização a todos os lesados do BES, segundo o Jornal Económico.

O Supremo Tribunal Administrativo remeteu a decisão sobre a legalidade da resolução do BES para o Tribunal de Justiça da União Europeia, noticia o Jornal Económico esta sexta-feira. Esta decisão surge na sequência de recursos de credores internacionais e d amassa insolvente Espírito Santo Financial Group (ESFG).

Este grupo de credores considera que a resolução do BES pelo Banco de Portugal é ilegal, alegando inconstitucionalidades como “a violação da reserva legislativa do Parlamento e a violação do direito da propriedade privada e dos princípios da igualdade e da justa indemnização”.

Além disso, como conta o Jornal Económico, também sustentam que houve violação “dos princípios da boa-fé, da proteção da confiança”, bem como “várias outras disposições do Direito Europeu”. Aliás, é a partir desta interpretação da alegada violação de direitos europeus que o Supremo reencaminha a decisão sobre a validade da resolução para o tribunal de justiça europeus.

Tendo em conta este passo, e segundo o advogado que representa o grupo de 17 obrigacionistas que avançaram com o recurso, o Banco de Portugal arrisca ter de pagar indemnização a todos os lesados.

“Se me perguntar, o Banco de Portugal pode vir a ser chamado a indemnizar? A minha resposta só pode ser uma: O Banco de Portugal ainda não está livre de ter de o fazer”, disse ao Jornal Económico Nuno Vieira.

Intervenção do Governador Carlos da Silva Costa sobre a decisão de aplicação de uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A.

Quarta-feira, Setembro 2nd, 2020

Citamos

Banco de Portugal

3 de agosto de 2014

Boa noite. Muito obrigado pela vossa presença.

O Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo, S.A. uma medida de resolução. A generalidade da atividade e do património do Banco Espírito Santo, S.A. é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos.

Começarei por explicar o que nos conduziu até aqui. Seguidamente, irei destacar algumas características fundamentais da medida e suas implicações. Por fim concluirei.

1. Enquadramento

  • Como é do conhecimento público, o Banco Espírito Santo encontra-se numa situação de grave desequilíbrio financeiro.

No dia 30 de julho de 2014, o Banco Espírito Santo, divulgou os resultados relativos ao 1º semestre de 2014, apresentando um prejuízo de 3577 milhões de euros, sendo a quase totalidade deste prejuízo, 3488 milhões de euros, atribuída ao 2º trimestre de 2014.

Estes prejuízos ultrapassaram largamente os valores previsíveis à luz da informação até então disponibilizada pelo Banco Espírito Santo e pelo auditor externo. Recordo que, no passado dia 10 de julho, o Banco Espírito Santo divulgou informação sobre a exposição do Banco a entidades do Grupo Espírito Santo à data de 30 de junho de 2014 no montante de cerca de 1240 milhões de euros. Com base nesta informação, o Banco de Portugal confirmou, em comunicado do dia 11 de julho, que a almofada de capital do Banco Espírito Santo – no montante de 2,1 mil milhões de euros – era suficiente para acomodar possíveis impactos negativos decorrentes da exposição ao ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo, sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor.

O agravamento dos resultados do Banco Espírito Santo face ao que era previsível cerca de duas semanas antes é resultado da prática de um conjunto de atos de gestão – anteriores à nomeação dos novos membros da Comissão Executiva – gravemente prejudiciais ao interesse do Banco Espírito Santo e em clara violação das determinações emitidas pelo Banco de Portugal.

Efetivamente, na segunda metade de julho, foram identificadas pelo auditor externo as seguintes operações:

a) A emissão de duas cartas-conforto dirigidas a investidores institucionais não residentes, em violação dos procedimentos de internos de aprovação deste tipo de operações, que conduziram ao reconhecimento de uma perda nas contas do Banco Espírito Santo no valor de 267 milhões de euros, com referência a 30 de junho de 2014;
b) A realização de operações de colocação de títulos, envolvendo o Banco Espírito Santo, o Grupo Espírito Santo e a Eurofin Securities, que determinaram um registo de perdas nas contas do Banco Espírito Santo no valor total de 1249 milhões de euros, com referência a 30 de junho de 2014.

Estas operações tiveram um impacto negativo de cerca de 1500 milhões de euros na conta de resultados do 1º semestre. Quero aqui salientar que os atos em causa não foram trazidos ao conhecimento do Banco de Portugal por qualquer dos titulares dos órgãos de gestão ou fiscalização do Banco Espírito Santo à data da sua ocorrência, como era obrigação por força da lei aplicável.

Como já foi divulgado pelo Banco de Portugal, a avaliação de responsabilidades individuais, incluindo as do anterior Presidente da Comissão Executiva, anterior administrador com o pelouro financeiro e outros membros da Comissão Executiva que entretanto renunciaram aos cargos exercidos, terá lugar no contexto da auditoria forense determinada pelo Banco de Portugal que está já em curso. Caso se confirme a prática de ilícitos, serão extraídas as necessárias consequências em matéria contraordenacional e criminal.

  • Neste contexto, nos últimos dias, assistiu-se a um rápido e significativo agravamento da situação do Banco Espírito Santo.

A magnitude das perdas e a sua natureza tiveram várias consequências adversas:

i) O BES deixou de cumprir os rácios mínimos de capital em vigor, verificando um rácio de CET1 de 5 por cento, ou seja três pontos percentuais abaixo do mínimo regulamentar;
ii) No dia 1 de agosto, o Conselho do Banco Central Europeu determinou a suspensão do acesso do Banco Espírito Santo às operações de política monetária com efeitos a partir de 4 de agosto.

iii) A perceção pública relativamente ao banco deteriorou-se marcadamente, provocando uma queda muito significativa da cotação das suas ações, para cerca de 12 cêntimos, culminando na suspensão das transações pela CMVM na tarde de sexta feira, 1 de agosto;
iv) Também na sexta feira, dia 1 de agosto, a agência de rating canadiana DBRS cortou a notação de rating atribuída ao BES e comunicou a possibilidade de novas descidas da notação;
v) A evidência de falhas de controlo e de atos de gestão danosa para o Banco agravou a incerteza relativamente ao seu balanço, inviabilizando uma solução de capitalização privada num curto espaço de tempo.

  • Estes factos, colocaram o Banco Espírito Santo numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, de incumprimento dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade.

 

  • Tendo em conta a relevância do Banco Espírito Santo no sistema bancário e no financiamento da economia portuguesa, o risco de cessação de pagamentos ou de incapacidade para cumprir as suas obrigações, constituía um risco elevado de contágio, pondo em causa a estabilidade do sistema financeiro nacional.

 

  • Deste modo, tornou-se imperativo e urgente adotar uma solução que simultaneamente: 1) garantisse a proteção dos depósitos; e 2) assegurasse a estabilidade do sistema financeiro.

2. Medida de resolução aplicada ao BES

  • O Banco de Portugal, em articulação com as autoridades europeias e tendo em conta o quadro legal em vigor, decidiu aplicar uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, SA., que passa pela criação de um banco novo para o qual é transferido o essencial da atividade até aqui desenvolvida pelo Banco Espírito Santo.

 

  • Assim, por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi criado um banco novo, denominado de Novo Banco, para o qual são transferidos, de imediato e de forma definitiva, a generalidade dos ativos e passivos do Banco Espírito Santo, SA., bem como os seus colaboradores e demais recursos materiais.

 

  • O Novo Banco continuará a assegurar a atividade até aqui desenvolvida pelo Banco Espírito Santo, SA. e pelas suas filiais, em Portugal e no estrangeiro, protegendo assim os seus clientes e depositantes.

Do ponto de vista dos clientes do Banco Espírito Santo e dos clientes das suas filiais, esta transferência em nada afeta a relação com o banco. Os balcões do novo banco, que manterão para já a marca e o logótipo do BES, bem como os demais serviços de banca telefónica e online, continuarão a funcionar regularmente. Os clientes poderão realizar todas as operações com normalidade e como habitualmente, sem ser necessária qualquer alteração.

  • Desta forma, e em consequência da decisão adotada, fica completamente e inequivocamente afastada qualquer hipótese de poder haver perdas para os depositantes.

 

  • O capital social do Novo Banco, no montante de 4900 milhões de euros, é totalmente detido pelo Fundo de Resolução.

Quero aqui realçar que os recursos financeiros do Fundo de Resolução não incluem fundos públicos. Resultam sim das contribuições iniciais e periódicas das instituições financeiras e das receitas provenientes da contribuição que incide sobre o setor bancário. O Fundo de Resolução constitui uma peça integrante do modelo de estabilidade financeira europeu.

Como o Fundo de Resolução foi criado apenas em 2012, não está ainda dotado de recursos financeiros em montante suficiente para financiar a medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo. Por essa razão, o Fundo teve de contrair um empréstimo temporário junto do Estado Português. O empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução será temporário, remunerado e substituível por empréstimos de instituições de crédito.

Isto significa que a medida de resolução agora decidida pelo Banco de Portugal, e em contraste com outras soluções que foram adotadas no passado, não terá qualquer custo para o erário público, nem para os contribuintes.

O capital social do Novo Banco permite alcançar um rácio CET1 a nível consolidado de 8,5 por cento, contemplando uma margem relativamente aos rácios mínimos de capital em vigor.

  • O Novo Banco é uma instituição com pleno acesso às facilidades de liquidez disponibilizadas pelo Banco de Portugal, no quadro do Eurosistema, dispondo das mesmas condições de financiamento das restantes instituições de crédito nacionais.

 

  • Não são transferidos para o novo banco ativos problemáticos ou a descontinuar, nomeadamente as responsabilidades de outras entidades do Grupo Espírito Santo que levaram às perdas recentemente divulgadas.

 

  • Esta medida constitui, assim, um novo patamar do processo de isolamento dos riscos (“ring-fencing”) promovido pelo Banco de Portugal desde final de 2013, isolando o novo banco dos riscos associados ao Grupo Espírito Santo. Estes riscos permanecem no balanço do Banco Espírito Santo, SA. e por eles responderão os atuais acionistas do Banco Espírito Santo e os seus credores subordinados.

 

  • Por designação do Banco de Portugal, os atuais administradores do Banco Espírito Santo permanecem em funções no novo banco e assegurarão a continuidade da atividade. O Banco de Portugal considera que esta equipa permite garantir a afirmação do Novo Banco como uma instituição de referência no panorama nacional e recuperar a confiança dos depositantes e dos investidores.

 

  • A administração do Novo Banco irá promover num horizonte temporal adequado e em função das condições do mercado, a tomada de participações significativas no Banco por investidores privados.
    O Banco de Portugal considera que a eliminação das incertezas sobre a solidez do balanço da nova instituição constitui a solução mais adequada para manter o interesse que tem vindo a ser demonstrado pelos investidores.

3. Conclusão

 

Na última semana assistimos a um significativo agravamento da situação financeira do Banco Espírito Santo e da incerteza em torno da mesma. Esta situação inviabilizou uma solução de capitalização do Banco com recurso a fundos privados como se perspetivava.

Nestas condições, e dado o risco iminente de incapacidade do BES para cumprir as suas obrigações, o Banco de Portugal decidiu aplicar uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, transferindo o essencial da sua atividade para um novo banco, adequadamente capitalizado e em condições de continuar a desenvolver a atividade sem perturbações.

A solução adotada pelo Banco de Portugal teve como principais preocupações preservar a estabilidade do sistema financeiro e proteger o interesse dos depositantes. A solução adotada é também a que melhor salvaguarda os interesses dos contribuintes e do erário público e que garante a máxima responsabilização dos acionistas da instituição.

O novo banco tem uma quota significativa no mercado financeiro português, e ao estar livre dos riscos que conduziram às perdas recentemente anunciadas, tem condições para continuar a afirmar-se no mercado e a valorizar-se, sendo um ativo apetecível para a tomada de participações significativas por parte de investidores privados no futuro próximo.

Por último, gostaria de deixar uma nota que me parece importante para perceber os desenvolvimentos do Banco Espírito Santo ao longo do último ano. O Grupo Espírito Santo, através das entidades não financeiras não sujeitas a supervisão do Banco de Portugal, desenvolveu um esquema de financiamento fraudulento entre as empresas do grupo. A experiência internacional evidencia que esquemas deste tipo são muito difíceis de detetar antes de entrarem em rutura, em especial quando a atividade é desenvolvida em várias jurisdições. O Banco de Portugal conseguiu identificar uma ponta do problema porque realizou uma ação de inspeção que foi para além do perímetro normal de supervisão, envolvendo uma auditoria às empresas não financeiras que constituem os principais clientes dos bancos – exercício conhecido como ETRICC2. Quando esta ponta do problema foi identificada, em Setembro de 2013, o Banco de Portugal iniciou uma política de isolamento dos riscos (“ring-fencing”) do Banco Espírito Santo relativamente às restantes empresas do Grupo. Esta política foi progressivamente reforçada ao longo do último ano e foi, no quadro de aperto do cerco que o Banco de Portugal estabeleceu, que as empresas do Grupo Espírito Santo começaram a entrar em incumprimento.

Muito obrigado.

 

Capital injetado no Novo Banco após a resolução supera os 10 mil milhões, diz Finanças. TdC diz que não há evidência

Sábado, Agosto 1st, 2020

Citamos

Económico

O Tribunal de Contas, no seu relatório de auditoria à resolução bancária, questionou o Ministério das Finanças pelas declarações de Centeno, na COF, quando disse que “a resolução do BES foi a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa”. Mas depois de ver a resposta concluiu que o ex-ministro não tinha “evidência” sustentada “em prova documental”.

O Tribunal de Contas, no seu Relatório de Auditoria – Prevenção da Resolução Bancária em Portugal, questionou o Ministério das Finanças, que à data era liderado por Mário Centeno, atual Governador do Banco de Portugal, pelas suas declarações na audição da Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, de 13 de maio deste ano.

À questão do TdC “a resolução do Banco Espírito Santo “foi a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa” por terem os ativos incluídos no balanço do Novo Banco sido mal avaliados e mal contabilizados?” o Ministério das Finanças respondeu com um número: “Até ao momento, o capital injetado no Novo Banco após a resolução ascende a mais de 10.000 milhões

de euros, um valor muito superior ao considerado necessário no momento da resolução em 2014”.

O Tribunal de Contas na apreciação da resposta do Ministério considerou que há falta de prova documental na afirmação que Mário Centeno proferiu na COF.

“A frase citada na questão formulada consta da intervenção inicial do Ministro de Estado e das Finanças na audição referida. Tratando-se de declarações proferidas na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, pretendeu-se que a resposta antes reportada fosse justificada com a respetiva prova documental (evidência) na posse do Ministério das Finanças”.

“Como só foi remetida esta resposta constata-se que o Ministério não dispõe de outra evidência”, diz o TdC.

O Minitério das Finanças, detalhou ao TdC, que “a frase em causa foi proferida na intervenção do Senhor Ministro de Estado e das Finanças na audição da Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, de 13 de maio” e que como tal “tratam-se de declarações feitas em contexto de debate parlamentar”.

“Não obstante, sempre se pode referir que o BES foi o maior banco objeto de uma resolução bancária, tendo em conta o seu peso no sistema. Em 2014, aquando da resolução do BES e da criação do Novo Banco foi injetado capital no valor de 4.900 milhões de euros pelo Fundo de Resolução. À data, foi referido pelos responsáveis políticos que a venda permitiria recuperar esse valor eventualmente com retorno para o Estado”.

O Ministério lembra ainda que “em dezembro de 2015, na sequência de uma primeira tentativa de venda (interrompida em setembro de 2015), a Autoridade de Resolução decidiu retransmitir cerca de 2.000 milhões de obrigações seniores do Novo Banco para o BES em liquidação, aumentando em 2.000 milhões o capital do Novo Banco, o que permitiu assegurar o cumprimento dos rácios regulatórios”.

O Ministério reconhece que “esta retransmissão de obrigações teve um impacto severo nas condições de financiamento da República em 2016”.

“No segundo processo de venda do Novo Banco, em 2017, o comprador (Lone Star) injetou mais 1.000 milhões de euros de capital, adquirindo 75% do capital do banco”, lê-se na resposta do Ministério das Finanças que consta do relatório do TdC. No processo de venda foi definido um perímetro de ativos depreciados que permaneciam no Novo Banco com um valor de 7.838 milhões de euros e que ficaram cobertos pelo Mecanismo de Capital Contingente, cabendo ao Fundo de Resolução a injeção de capital para cobertura de perdas desses ativos que pusessem em causa determinados rácios de capital até ao limite de 3.890 milhões.

Até ao momento foram utilizados 2.976 milhões de euros, um valor inferior às perdas e os custos registados nos ativos desse perímetro, tendo a diferença sido absorvida pelo capital gerado na atividade corrente do Novo Banco.

“Nestes termos, parece evidente que a resolução realizada, em 2014, não procedeu a uma segregação adequada de ativos depreciados, na medida em que manteve no balanço do Novo Banco os ativos englobados no mecanismo de capital contingente e cujas perdas são de montante elevado”, constata o Ministério das Finanças sobre a resolução do BES que criou o Novo Banco a 3 de agosto de 2014.

O Ministério que era liderado pelo atual Governador do Banco de Portugal, refere ainda que “a origem da insuficiente segregação de ativos depreciados indicia que a resolução foi feita sem conhecimento de toda a informação contabilística sobre o efetivo valor dos ativos”.

Concluindo depois que “até ao momento, o capital injetado no Novo Banco após a resolução ascende a mais de 10.000 milhões, um valor muito superior ao considerado necessário no momento da resolução em 2014”.

O Tribunal de Contas perguntou também ao Ministério das Finanças se “os ativos incluídos no balanço do Novo Banco foram objeto de auditoria ou de outro processo de validação?”

No momento da aplicação da medida de resolução, o Banco de Portugal determinou a realização de uma avaliação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, nos termos legais vigentes à data, admite por outro lado o Ministério das Finanças.

Essa avaliação independente foi efetuada pela PwC (concluída após a resolução). “Os seus resultados e ajustamentos foram incorporados no balanço do Novo Banco”.

O Ministério das Finanças lembra que “o Novo Banco está sujeito a revisão legal de contas e as suas contas anuais são objeto de auditoria pelo respetivo revisor oficial de contas, que emite a Certificação Legal de Contas, anexa às Demonstrações Financeiras dos exercícios de 2017, 2018 e 2019”.

Em acréscimo, no âmbito da execução dos acordos associados à venda do Novo Banco, foi instituído um mecanismo de acompanhamento e verificação da execução do acordo de capital contingente, que prevê a monitorização pela comissão de acompanhamento e pelo agente de verificação, que tem sido a Oliver Wyman, que emitem pareceres e relatórios que suportam as decisões do Fundo de Resolução (parte no contrato) nessa função de acompanhamento da execução do contrato.

As Finanças lembram o TdC que “a comissão de acompanhamento monitoriza e dá parecer sobre um conjunto alargado de operações no quadro da execução do referido contrato”. E que “o agente de verificação avalia e confirma, designadamente, o perímetro e valorização (adequação das perdas) dos ativos integrados e abrangidos pelo referido contrato”.

Por fim, “em cumprimento do disposto na Lei n.º 15/2019, de 12 de fevereiro, está em curso a auditoria especial determinada na sequência da disponibilização de fundos públicos ao abrigo do Acordo Quadro, referente a 2019 (cujos resultados ainda se aguardam), tendo-se igualmente dado início ao procedimento respeitante à disponibilização de meios financeiros ocorrida em 2020”, referindo-se a auditoria da Deloitte.

Os comentários do Tribunal de Contas a esta resposta, dizem que o Ministério das Finanças não entregou “toda a evidência necessária e pretendida para justificar resposta positiva a esta questão”.

“Constata-se que o Ministério das Finanças não dispõe de evidência sobre a validação do limite máximo de 3.890 milhões de euros de perdas nesses ativos que o Mecanismo de Capital Contingente, contratualizado em 2017, obriga o Fundo de Resolução a cobrir”, conclui por isso o TdC, que por seu turno defende também que o Ministério “não dispõe de evidência sobre o processo de auditoria às contas do Novo Banco nem sobre os processos de verificação do acordo de capitalização contingente, que são acompanhados pelo Fundo de Resolução, visto também não ter remetido essa evidência”.

“Apenas foi remetido o comunicado do Banco de Portugal (divulgado no seu portal em 3 de dezembro de 2014) sobre a avaliação independente referida na resposta”, diz o TdC. Esse comunicado reporta que a avaliação foi realizada pela PricewaterhouseCoopers & Associados – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda (PwC), entre os meses de agosto e de novembro de 2014, tendo por referência a data da aplicação da medida de resolução ao BES, e que dela resultaram necessidades de ajustamento de 4.937 milhões de euros, em base consolidada, e de 4.920 milhões de euros, em base individual, face ao valor, mensurado pelo BES à data de referência, do património transferido para o Novo Banco.

Desse comunicado consta que os ajustamentos globais apurados pela PwC foram integralmente refletidos nos balanços de abertura do Novo Banco, em base consolidada e em base individual, aprovados em 3 de dezembro de 2014 pelo respetivo Conselho de Administração, como verificado pela PwC. E que, visando o trabalho da PwC a mensuração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão no momento da respetiva transferência para o Novo Banco, os ajustamentos apurados se tinham registado a montante daquela transferência e os valores inscritos no balanço de abertura do Novo Banco correspondiam ao valor líquido daqueles ajustamentos, pelo que, no início da atividade do Novo Banco, o respetivo balanço se encontrava “limpo” desses efeitos.

Consta ainda que, aquando da aplicação da medida de resolução ao BES, o apuramento das necessidades de capital do Novo Banco (4.900 milhões de euros) já tinha por referência a valorização conservadora do património transferido, o que explicava os ajustamentos entretanto apurados pela PwC terem sido integralmente acomodáveis pelo Novo Banco.

O Tribunal de Contas também abordou o tema dos recursos do FdR que assentam em contribuições periódicas adicionais (às entregues ao Fundo Único de Resolução) recebidas das suas instituições participantes. Como os empréstimos concedidos pelo Estado para financiar as resoluções do BES e do Banif podem ser pagos pelo FdR até 2046, “foi dívida pública contraída pelo Estado que, na prática, financiou 72% do recurso ao mecanismo de capital contingente”.

Assim, conclui o TdC, “outro risco é de pressão adicional sobre a dívida pública nacional, que advém de terem sido comprometidos recursos do FdR até 2046 (prazo já justificado com a necessidade de salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro nacional) para pagar empréstimos contraídos antes de 2018 quando, desde então, o Estado já emprestou mais 2.130 milhões de euros ao FdR”.

Prevenir este risco, alerta o Tribunal de Contas, “exige minimizar a margem de erro no planeamento de resolução bancária, não só das IMS [instituições menos significativas]  cuja competência é da ANR [Autoridade de Resolução Nacional], como das instituições cuja competência é do CUR [Conselho Único de Resolução], mas nas quais a intervenção da ANR tem sido determinante”.

Banco de Portugal de Centeno defende resolução como está

Quinta-feira, Julho 30th, 2020

Citamos

Negócios

O Banco de Portugal, governado por Mário Centeno desde 20 de julho, contesta as críticas do Tribunal de Contas e defende que há independência suficiente nas funções de resolução.

O Banco de Portugal (BdP) discorda das conclusões do Tribunal de Contas que, na sequência de uma auditoria à prevenção da resolução bancária em Portugal, veio dizer que a Autoridade Nacional de Resolução não tem independência suficiente para cumprir de forma eficaz as suas funções. A posição do banco central, liderado agora por Mário Centeno, contrasta com a posição do Ministério das Finanças quando este era tutelado pelo mesmo Mário Centeno.

“As principais conclusões não apresentam um retrato fiel do quadro em que se desenvolve a função de resolução bancária em Portugal e não refletem com justiça e adequação os próprios resultados da ação de auditoria,” defende o BdP, em sede de contraditório.

Desde logo, o BdP considera “imprescindível – por razões de rigor e de justiça –” que haja um enquadramento das conclusões e que “seja evitado extrapolar para o plano global de atuação da Autoridade Nacional de Resolução conclusões que resultaram de um objeto de análise muito circunscrito”.

Depois, discorda da conclusão de falta de independência operacional da ANR, socorrendo-se das normas europeias. O BdP argumenta que a independência está assegurada pela separação operacional, de recursos humanos, de orçamento e de linhas hierárquicas diferenciadas “até ao nível decisório mais elevado”. Sublinha ainda que o pelouro do Departamento de Resolução, que é separado de qualquer outro departamento do banco central, foi atribuído a um membro do conselho de administração “que não é responsável pelas matérias de supervisão prudencial (seja micro ou macro)”.

Ou seja, para o BdP a independência não fica em causa pelo facto de o poder último de decisão caber ao conselho de administração do banco central e acusa o Tribunal de Contas de só validar uma solução que implique a separação jurídica das duas entidades. Em resposta, o Tribunal recusa a ideia de que só uma separação jurídica resolveria o problema de falta de independência e mantém a sua análise, questionando a lógica de admitir que “o pessoal que exerce funções na ANR” está sujeito ao risco de “complacência e conflitos de interesse”, mas os membros do conselho de administração não estão, “não obstante tomarem as últimas decisões sobre todas as funções atribuídas ao Banco”.

Centeno já quis retirar resolução ao BdP

A linha de argumentação do BdP neste exercício do contraditório contrasta com a argumentação do Ministério das Finanças tutelado pelo mesmo Mário Centeno que é hoje governador. “A resolução é confiada a uma nova entidade, a Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia, com autonomia orgânica e que assim garante a adequada segregação, como recomendam as regras europeias”, disse o conselho de ministros em comunicado, depois de aprovar a proposta de Mário Centeno para a reforma da supervisão financeira, em março de 2019.

Nessa altura, o Executivo socorreu-se das mesmas regras europeias para defender a criação de uma nova autoridade de resolução, que seria presidida por um representante do Banco de Portugal, mas que permitiria a “autonomização de funções, tendo por finalidade o aumento da eficácia da supervisão e o reforço da estabilidade financeira”, explicou então o Governo.

O Negócios perguntou ao BdP se o exercício do contraditório no relatório do Tribunal de Contas vincula o atual governador Mário Centeno, que tomou posse a 20 de julho, ou apenas Carlos Costa, o ex-responsável pelo banco central. Mas não foi possível obter resposta até ao fecho desta edição.

As principais conclusões [do Tribunal de Contas] não apresentam um retrato fiel do quadro em que se desenvolve a função de resolução bancária em Portugal e não refletem com justiça e adequação os próprios resultados da ação de auditoria.BANCO DE PORTUGAL
Resposta ao Tribunal de contas em sede de contencioso.

 

Custos do Fundo de Resolução com Novo Banco já somam 7.876 milhões de euros

Sexta-feira, Maio 15th, 2020

Citamos

Dinheiro Vivo

Empréstimos do Estado estão em seis mil milhões de euros.

Os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco já totalizam 7.876 milhões de euros desde agosto de 2014, data da resolução do BES, e mais encargos se poderão somar, segundo contas feitas pela Lusa. Do valor investido até hoje pelo Fundo de Resolução no Novo Banco, 6.000 milhões de euros vieram diretamente de empréstimos do Estado. Desse valor, 3.900 milhões de euros foram investidos aquando da capitalização do banco (em 2014) e 2.100 milhões de euros nas recapitalizações dos últimos três anos (2017, 2018 e 2019) feitas ao abrigo do mecanismo de capital contingente.

Estes empréstimos terão de ser devolvidos pelo Fundo de Resolução ao Estado até 2046, utilizando para isso as suas receitas, que são as contribuições anuais dos bancos (incluindo o público Caixa Geral de Depósitos). Já quanto ao restante dinheiro injetado pelo Fundo de Resolução no Novo Banco desde 2014, que não veio de empréstimo do Tesouro, mais de 1.200 milhões de euros foi de receitas próprias (originadas nas contribuições dos bancos) e 700 milhões de euros de um empréstimo feito em 2014 por vários bancos (o qual está a ser pago pelo fundo). Os custos da capitalização Foi no verão quente de 2014, na noite de 3 de agosto, que o Banco de Portugal, apoiado pelo governo PSD/CDS-PP então liderado por Passos Coelho, anunciou a aplicação de uma medida de resolução ao banco da família Espírito Santo, que no primeiro semestre tinha tido prejuízos de 3,6 mil milhões de euros, resultados que punham a descoberto uma série de irregularidades financeiras.

A medida de resolução criou então duas entidades: o ‘BES mau’, que deixou de poder operar, onde ficaram os ativos e passivos considerados ‘tóxicos’, e o Novo Banco, que ficou com os depósitos do BES e com os ativos considerados de qualidade, capitalizado pelo Fundo de Resolução (entidade financiada pelos bancos, que está na esfera do Estado e consolida nas contas públicas) com 4,9 mil milhões de euros. Na capitalização do Novo Banco, uma vez que o Fundo de Resolução não tinha dinheiro suficiente, pediu um empréstimo de 3,9 mil milhões de euros ao Tesouro público, um empréstimo de 700 milhões de euros a oito bancos (CGD, BCP, BPI, Montepio, Santander Totta, Crédito Agrícola, BIC e Banco Popular) e o restante valor foram receitas próprias (300 milhões de euros). Contudo, rapidamente se percebeu que a capitalização do banco tinha sido ‘curta’, até porque muitos dos ativos do Novo Banco afinal eram ‘tóxicos’ (crédito malparado, imóveis sobrevalorizados). Assim, em dezembro de 2015, o Banco de Portugal passou para o ‘banco mau’ BES cerca de 2.000 milhões de euros em obrigações seniores que inicialmente ficaram protegidas no Novo Banco, aumentando a capitalização do banco. Tal decisão provocou grandes prejuízos nos investidores dessa dívida, como os grandes fundos de investimento Pimco e BlackRock, que puseram processos em tribunal. Após várias tentativas falhadas de venda, em 2017, já com o governo PS, foi concretizada a alienação de 75% do Novo Banco ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%. O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no Novo Banco. Foi nessa venda que foi acordado o mecanismo de capital contingente pelo qual o Fundo de Resolução pode, até 2026, injetar capital no Novo Banco até ao limite de 3.890 milhões de euros, para cobrir perdas com ativos que o Novo Banco ‘herdou’ do BES. Contudo, uma vez que as receitas do Fundo de Resolução não são suficientes para acudir às necessidades no Novo Banco, todos os anos o fundo pede dinheiro ao Tesouro público. Referente a 2017, o Fundo de Resolução injetou 792 milhões de euros no Novo Banco, 430 milhões de euros dos quais vieram de um empréstimo público. Também em 2018, dos 1.149 milhões de euros postos no Novo Banco, 850 milhões de euros foram de um empréstimo do Tesouro.

Na semana passada foi conhecido que, referente a 2019, o Fundo de Resolução colocou 1.035 milhões de euros no Novo Banco, 850 milhões de euros dos quais vieram diretamente do Estado. Inicialmente, o valor pedido pelo Novo Banco foi de 1.037 milhões de euros, mas a transferência foi feita com menos dois milhões de euros. A Lusa questionou o Banco de Portugal sobre a diferença, mas não obteve resposta. Segundo o jornal Expresso, o valor de dois milhões de euros não transferido corresponde aos bónus do Conselho de Administração Executivo liderado por António Ramalho. Assim, no total, os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco já somam 7.876 milhões de euros desde agosto de 2014, dos quais 6.000 milhões de euros vieram diretamente de empréstimos do Estado

Outros custos

Contudo, os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco não se esgotam no valor acima referido. É que ao abrigo do mecanismo de capital contingente o Novo Banco ainda pode ir buscar mais 914 milhões de euros, uma vez que já recebeu 2.976 milhões de euros desde 2017 mas o mecanismo acordado prevê que possa ir buscar 3.890 milhões de euros. Além disso, nem com os custos do Novo Banco se esgotam os custos do Fundo de Resolução com todo o processo da resolução do BES. Há ainda que somar muitos outros encargos, a maior parte dos quais não são possíveis de quantificar. Em tribunal há processos relativos à resolução do BES que visam o Novo Banco, que terão de ser pagos pelo Fundo de Resolução caso os contestatários ganhem as ações. O Fundo de Resolução terá ainda de pagar a quem for reconhecido ter créditos sobre o BES. A consultora Deloitte concluiu em 2016, em auditoria pedida pelo Banco de Portugal, que os credores comuns do BES recuperariam 31,7% dos seus créditos caso o banco tivesse ido para liquidação, em vez de resolução, pelo que o Fundo de Resolução terá de assumir esse valor (provavelmente no fim do processo de liquidação do BES, que poderá tardar anos). O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, explicou no parlamento, em 2017, que o Fundo de Resolução ainda pode ser chamado a entrar com mais capital no Novo Banco, caso haja outras perdas que resultem de atividade não protegida pelo mecanismo de compensação. Nesse caso, segundo o contrato de venda, as perdas têm de ser assumidas “pelos acionistas na proporção do capital” e o Fundo de Resolução tem 25%. Outros custos a assumir por entidades públicas Por outro lado, nem só o Fundo de Resolução tem custos a assumir com a resolução do BES e criação do Novo Banco. Para os mecanismos de compensação dos lesados do BES, o Estado já emprestou 140 milhões de euros para a solução dos lesados do papel comercial (para pagar a primeira prestação das indemnizações) e mais uma garantia estatal de quase 153 milhões de euros. Poderá ainda vir a financiar outras soluções, como para os lesados emigrantes da Venezuela e África do Sul.

Em tribunal há centenas de processos contra entidades públicas sobre o BES/Novo Banco. Apenas contra o Banco de Portugal há cerca de 400 processos em Portugal. Por fim, há ainda um acordo entre o Governo e a Comissão Europeia sobre o Novo Banco que prevê que, caso haja necessidade de capital em circunstâncias adversas graves e os acionistas não as consigam colmatar, “Portugal disponibilizará capital adicional limitado”.

O objetivo de Bruxelas é garantir que o Novo Banco é viável, mesmo que o Estado tenha de intervir. Cenário alternativo de falência do BES Perante o grave cenário financeiro do BES, no verão de 2014, a alternativa poderia ter sido a liquidação. O Banco de Portugal estimou que um cenário de ‘falência’ não ordenada do BES, como a imediata liquidação ou a bancarrota, teria levado só o Fundo de Garantia de Depósitos a gastar entre 9.000 e 18.000 milhões de euros para reembolsar os depósitos garantidos. Segundo o documento da Comissão Europeia que aprovou a resolução daquele que era o terceiro maior banco a operar em Portugal, divulgado em outubro de 2014, a resolução ordenada do BES e a criação do Novo Banco foi “a opção menos onerosa para Portugal”.