Aumento de capital do BES em 2014 motivou terceiro processo de contraordenação da CMVM. Só o BES, em liquidação, não recorreu
Ricardo Salgado e quatro dos seus antigos colegas na administração do Banco Espírito Santo (BES) não aceitaram a condenação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e foram para tribunal, procurando reverter a decisão administrativa. As coimas aplicadas ascendem a 2,8 milhões de euros e estão relacionadas com o processo de aumento de capital do BES, em 2014, meses antes da derrocada do banco.
Só não recorre o BES, atualmente em liquidação, que foi alvo de uma coima de 1 milhão, cuja execução o supervisor optou por suspender, para não reduzir o ativo a dividir pelos credores – algo que costuma fazer com as entidades nestas situações.
Assim, o processo que totaliza 2,8 milhões em coimas a antigos administradores executivos do BES chega a Santarém, onde está sedeado o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. Todos ficaram ainda inibidos do exercício de funções no sector.
Neste caso, está em causa o aumento de capital em que o BES arrecadou mais de mil milhões de euros junto de atuais e antigos acionistas, mas em que o prospeto que serviu de base não continha toda a informação exigida: fosse em relação aos financiamentos do banco a outras entidades do Grupo Espírito Santo, fosse na situação do BES Angola.
TERCEIRO PROCESSO CONTRA O BES
Este é o terceiro processo de contraordenação fechado pelo regulador do mercado de capitais, sendo que eles, sendo impugnados, demoram anos a transitar em julgado – como aconteceu nos dossiês fechados pelo Banco de Portugal.
O caso mais avançado é um sobre a intermediação financeira do BES, concluído em março de 2021, em que não foi possível obter prova relativamente a infrações de nenhum gestor, pelo que só a entidade bancária (hoje em liquidação) foi condenada à coima de 1 milhão de euros, suspensa na sua totalidade, em que não houve impugnação. Está fechado.
No verão de 2021 foi conhecida a segunda condenação, relativa ao papel comercial vendido aos balcões do BES, em que Salgado é alvo de uma coima de 2 milhões, Manuel Fernando Espírito Santo de 900 mil, José Manuel Espírito Santo de 750 mil. Morais Pires sofreu uma coima de 400 mil euros, acima dos 300 mil de Joaquim Goes e dos 100 mil de Rui Silveira. O BES teve uma coima suspensa de 1 milhão, e o Haitong Bank de 300 mil, parcialmente suspensa.
O Tribunal de Santarém já decidiu sobre os recursos apresentados: manteve a coima de 2 milhões a Salgado e subiu a do Haitong Bank para 400 mil euros, suspensa em 100 mil. José Manuel teve a coima reduzida para 500 mil euros, com suspensão de metade do montante, enquanto Manuel Fernando teve a sanção definida em 500 mil, mas sem suspensão. Já Morais Pires viu a coima cortada para 300 mil euros, com absolvições de Goes e Silveira.
O recurso agora recusado tinha por objeto o despacho proferido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal que indeferiu os pedidos formulados por Ricardo Salgado.
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) rejeitou um recurso do ex-banqueiro Ricardo Salgado a pedir a revogação de uma caução de 1,5 milhões de euros e o levantamento do arresto de bens que lhe foi decretado no processo BES/GES.
No acórdão do TRL de quinta-feira passada, a que a Lusa teve acesso, as juízas desembargadoras Lídia Whytton da Terra (relatora) e Paula Pires (adjunta) julgaram “totalmente improcedente” o recurso apresentado pelo antigo presidente do BES Ricardo Salgado.
O recurso agora recusado pelo TRL tinha por objeto o despacho proferido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) em 16 de setembro de 2021, que indeferiu os pedidos formulados por Ricardo Salgado para revogação de medida de coação de prestação de caução no processo BES/GES no valor de 1,5 milhões de euros e levantamento parcial do arresto sobre os bens do arguido até perfazer o montante de 10.717.611 euros.
No recurso, a defesa do ex-banqueiro alegou que o despacho do juiz do TCIC (Carlos Alexandre) “padece de vícios que o inquinam de nulidade e, subsidiariamente, de irregularidade” e que o mesmo “é nulo, por falta de fundamentação”.
Entre outros pontos do recurso, os advogados de Ricardo Salgado alegaram que a decisão do TCIC “não contém fundamentação própria“, reportando apenas aos argumentos invocados pelo Ministério Público (MP).
A defesa de Salgado alegou que a obrigação da fundamentação das decisões judiciais que procedam à reavaliação de medidas de caução (prestação de caução) e medidas de garantia patrimonial (arresto) está expressamente consagrada em vários artigos do Código de Processo Penal (CPP) e no artigo 205 da Constituição, pelo que requereu ao TRL a declaração de nulidade do despacho sobre a caução e arresto.
Argumentou ainda a defesa que, ao decidir manter a caução prestada por Ricardo Salgado, o juiz do TCIC violou “os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade“, previstos no CPP.
“É patente que, volvidos quase seis anos desde que foi prestada a aludida caução no presente processo e um ano desde que foi proferido despacho de encerramento do inquérito, a caução prestada é, atualmente, uma medida altamente excessiva face aos fins visados pela mesma”, alega a defesa no recurso, acrescentando que a manutenção da prestação de caução por parte de Salgado “acarreta uma grosseira restrição do seu direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, por se afigurar completamente desproporcional” aos fins que visa a medida de coação.
Na decisão agora tomada, o TRL salienta que “o arguido (Ricardo Salgado) apenas alega que necessita impreterivelmente do montante da caução (1,5 milhões de euros), não alegando, nem demonstrando, como tinha que fazer, que não tem qualquer outro meio para satisfazer a reparação”, considerando que “improcede a alegada violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade” da medida de coação.
O acórdão diz também não ver como é que “a manutenção da caução de 1,5 milhões de euros viola o direito consagrado” na Constituição.
“No que respeita ao artigo 30.º da Constituição que estabelece que não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, não tem aqui aplicação manifestamente. Não se trata de uma pena ou medida de segurança, a restringir a liberdade”, lê-se no acórdão.
As juízas desembargadoras do TRL referem ainda que quanto ao artigo 32.º da Constituição, relativo às garantias de defesa em processo criminal, “não vislumbram, nem o arguido esclarece, em que é que a manutenção da caução viola os seus direitos de defesa”.
“Não se verifica, pois, a alegada inconstitucionalidade ou ilegalidade, improcedendo, assim, tal alegação”, adianta o acórdão.
Quanto à manutenção alegadamente indevida dos arrestos preventivos, que supostamente violaria artigos da Constituição, o TRL contrapôs no acórdão que foram cumpridos os requisitos daquela medida preventiva e assinala que “quer os direitos legítimos dos credores, quer os interesses (legítimos) do Estado continuam por satisfazer”.
“O arresto preventivo destinou-se e destina-se a acautelar o risco de dissipação patrimonial das vantagens obtidas com a prática dos crimes e garantir o pagamento de créditos e sanções pecuniárias aos lesados e ao Estado”, diz o acórdão, reportando-se aos artigos 110 e 111 do Código Penal.
O Tribunal da Relação de Lisboa revogou, declarando inexistente, um despacho do juiz Ivo Rosa que levantava o arresto a uma conta bancária no valor de 700 mil euros, titulada pela mulher do ex-banqueiro Ricardo Salgado.
Os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), no acórdão a que a Lusa teve acesso, deram provimento ao recurso do Ministério Público (MP), que contestava o despacho proferido em 10 de dezembro de 2021 pelo juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), que “julgou nulo e irregular” a decisão do seu colega do TCIC Carlos Alexandre de 15 de outubro de 2021, a qual manteve o arresto preventivo sobre o saldo da referida conta de Maria João Salgado.
No recurso, o MP alegou que o despacho de Ivo Rosa padecia de “nulidade insanável por violação das regras de competência dos tribunais (…), senão mesmo de inexistência jurídica, por esgotamento do poder jurisdicional”.
O MP alegou que Ivo Rosa apreciou “questões – nulidades – submetidas à apreciação do TRL em recurso interposto por Ricardo Salgado da decisão” proferida por Carlos Alexandre em 15 de outubro de 2021, recurso esse admitido por Ivo Rosa antes da Relação se pronunciar.
Segundo o acórdão do TRL, Ivo Rosa usurpou competências de um tribunal superior, no caso, a Relação de Lisboa, ao alterar uma decisão proferida “no mesmo processo por um juiz da mesma categoria e função”, o que “consubstancia também uma interferência ilegítima” na atividade de outro juiz, constituindo, por isso, “uma infração grave”.
“[Ivo Rosa] não tinha (nem tem) o poder jurisdicional de alterar ou revogar decisões de colegas da mesma categoria. Tal poder é conferido ao tribunal superior e, ainda assim, só em sede recursiva”, lê-se no acórdão.
No acórdão, os juízes desembargadores do TRL acusam Ivo Rosa de no seu despacho assumir uma posição de “instância de recurso”, esquecendo que “está investido na função de juiz recorrido e se devia colocar numa posição compatível com a autoria daquela decisão, mesmo não sendo ele o subscritor da mesma, por ter sido proferida por colega que o antecedeu na titularidade do processo em causa”.
“Tendo a decisão recorrida sido proferida após esgotado o poder jurisdicional do senhor juiz que a subscreveu, essa decisão é inexistente, por ter sido proferida por quem não tinha poder jurisdicional em relação às questões suscitadas”, lê-se no acórdão.
“Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, dando provimento ao recurso do Ministério Público, acordam em revogar o despacho recorrido de 10 de dezembro de 2021, declarando-o inexistente”, lê-se na decisão.
No âmbito da investigação ao processo BES/GES foram acusados em julho de 2020 pelo MP 25 arguidos (18 pessoas e sete empresas, nacionais e estrangeiras), destacando-se o antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES), Ricardo Salgado, com 65 crimes de natureza económica e financeira, relacionados com a derrocada do GES, que, segundo o MP, terá causado prejuízos superiores a 11 mil milhões de euros. Já em janeiro deste ano foram acrescentadas mais cinco pessoas ao lote de arguidos.
A instrução do caso do Grupo Espírito Santo (GES) devia ter arrancado a 21 de fevereiro, mas foi adiada para 29 de março no ‘Ticão’. A abertura de instrução foi requerida por 16 arguidos e nos autos estão constituídos até ao momento 123 assistentes.
O antigo presidente do BES foi condenado no processo nascido da Operação Marquês. Tribunal deu a “quase totalidade da acusação” como provada. Defesa vai recorrer.
Ricardo Salgado foi esta segunda-feira condenado a uma pena total de seis anos de prisão efetiva por três crimes de abuso de confiança. O tribunal deu como provada a “quase totalidade” dos factos que constam da acusação saída do processo da Operação Marquês. O antigo presidente do BES vai permanecer em liberdade, porque vai recorrer, mas foi também obrigado a informar o tribunal de cada vez que viaje para fora do país.
Antes de anunciar a decisão, o juiz Francisco Henriques avisou a audiência, repleta de jornalistas e com um lesado do BES, que qualquer dúvida devia ser dirigida ao juiz que preside a comarca ou ao Conselho Superior da Magistratura. O que disse depois durou apenas alguns minutos e não teve sequer direito a qualquer consideração, até porque o arguido foi dispensado de comparecer. O magistrado explicou que quase todos os factos foram provados, sobretudo os relativos “aos três grupos financeiros” para onde foram transferidos cerca de 10 milhões de euros da ES Enterprises, que o Ministério Público considera ser o “saco azul do BES”. E que além da prova documental, o testemunho do inspetor tributário Paulo Silva foi considerado fundamental.
O juiz referia-se a uma transferência de 4 milhões de euros para a Savoices, uma empresa offshore da qual o ex-líder do BES era o beneficiário, às várias transferências para o ex-líder da PT Henrique Granadeiro (que terá transferido depois 4 milhões de euros para uma conta no banco Lombard Odier aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Begolino, que pertence a Ricardo Salgado e à sua mulher) e os 2,75 milhões euros saídos do BES Angola, que passaram por uma conta do empresário Hélder Bataglia (a Green Emerald), e acabaram na Savoices do próprio Ricardo Salgado.
Três operações que significaram três crimes de abuso de confiança agora dados como provados, mas cujos argumentos só serão conhecidos depois de o tribunal libertar o acórdão. O juiz leu apenas uma pequena súmula.
Mal acabou de ouvir a condenação, o procurador do Ministério Público, Vítor Pinto, apressou-se a pedir que fosse aplicada a Ricardo Salgado a proibição de se ausentar do país, sendo-lhe apreendido o passaporte. Isto porque Salgado pode ainda recorrer da decisão, o que implica permanecer em liberdade até a decisão de prisão efetiva se tornar definitiva – à semelhança do que aconteceu ao banqueiro João Rendeiro, que acabou por ser detido na África de Sul depois de se ausentar de Portugal, como foi mais tarde lembrado pela própria defesa de Salgado.
A defesa do antigo presidente do BES, porém, argumentou não haver justificação para tal, porque nenhum “circunstância mudou” e a alteração à medida de coação “viola de forma flagrante o princípio da presunção da inocência”. “Não basta uma alegação de fuga ou de perigo de fuga”, disse o advogado Adriano Squilacce, lembrando que nas suas visitas à filha na Suíça, Salgado avisou sempre o tribunal. O advogado voltou a lembrar a doença de Alzheimer diagnosticada ao arguido, que “está a ser seguido em Portugal”. Os seus argumentos foram aliás mais longos que a própria decisão.
Perante o pedido do MP e os argumentos da defesa, o juiz lembrou que, com a condenação em pena efetiva, estão alterados alguns dos pressupostos – nomeadamente pela sua ligação à Suíça, – pelo que ordenou a proibição de Ricardo Salgado se ausentar para o estrangeiro sem autorização. “Não está proibido, mas tem que avisar”, diz o juiz, depois de o advogado explicar ao tribunal que Ricardo Salgado não terá sequer um passaporte válido.
Defesa fala de condenação “inaceitável” e anuncia que vai recorrer
Já à saída do Tribunal, o outro advogado de defesa de Salgado, Francisco Proença de Carvalho, anunciou que irá recorrer da decisão do Tribunal, que considera “não revelar aquilo que se passou no julgamento”.
A defesa vai levar ao tribunal superior o mesmo argumento usado ao longo das sessões de julgamento (foram nove): o processo crime, o primeiro em que Ricardo Salgado e efetivamente condenado, dever ser suspenso porque ele sofre de doença de Alzheimer como aliás o próprio tribunal deu como provado.
Proença de Carvalho disse, perante jornalistas e lesados do BES, que a decisão do Tribunal “do ponto de vista da Lei, humanismo e dignidade humana não é aceitável”.
Na curta declaração à imprensa, o advogado de defesa recordou ainda a “amizade até aos últimos dias” de Mário Soares com Ricardo Salgado e uma das frases que este dizia — “Só é vencido quem desiste de lutar” — para frisar que Salgado “há oito anos não faz outra coisa que não seja lutar nos tribunais”.
O segundo processo já julgado saído da Operação Marquês, que ainda não tem data
Ricardo Salgado chegou à fase de instrução do caso Marquês sem a pedir e acusado de 21 crimes, entre os quais corrupção ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. Mas o juiz Ivo Rosa decidiu levá-lo a julgamento apenas por três crimes de abuso de confiança e num processo autónomo do do ex-primeiro-ministro José Sócrates e do empresário Santos Silva. Também Armando Vara foi já julgado e condenado num outro processo.
À data o juiz de instrução considerou haver provas suficientes que indicam que a sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o chamado “saco azul do BES”, com várias contas bancárias no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, era “controlada pelo arguido Ricardo Salgado e utilizada pelo mesmo para movimentar fundos e realizar pagamentos sem que a sua origem, destino e justificação fosse revelada”.
O tribunal considerou agora provados os crimes nestas três transferências, condenando Ricardo Salgado a quatro anos por cada um dos crimes, o que somado daria 12 anos. No entanto, em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado a seis anos.
O antigo presidente do BES enfrenta vários processos e já foi condenado pelo Tribunal da Concorrência ao pagamento de uma multa, mas esta segunda-feira foi o primeiro acórdão saído de um tribunal criminal a condená-lo. Um processo nascido e separado da Operação Marquês e que foi julgado nos últimos meses em nove sessões. Salgado compareceu na nona, há um mês, para justificar que não podia prestar declarações por se encontrar com uma saúde frágil depois de um diagnóstico de doença de Alzheimer.
A defesa de Salgado tentou que o diagnóstico deixasse cair o caso, mas o coletivo de juízes, presidido pelo juiz Francisco Henriques, entendeu que do relatório médico entregue pelo arguido não decorre que “esteja mental ou fisicamente ausente”. Pelo que prosseguiu com o processo.
O Ministério Público tinha pedido que Salgado fosse condenado a uma pena única de dez anos de cadeia pelos três crimes de abuso de confiança por considerar que existe prova documental suficiente e que a tese da defesa não convenceu. Mais. O procurador Vítor Pinto disse mesmo que Salgado não mostrou qualquer arrependimento. “Os montantes em causa — entre os 2,75 milhões e os 4 milhões de euros — são quantias que a maior parte do portugueses não conseguirá auferir durante uma vida de trabalho”, lembrou o magistrado, sublinhando que Salgado tinha obrigações enquanto administrador do BES
A defesa de Salgado, na voz do advogado Francisco Proença de Carvalho, pediu no entanto a sua absolvição. Sem deixar de tecer críticas ao procurador do Ministério Público por “fingir” que Salgado não sofre de qualquer doença e que pode ser condenado a uma pena de dez anos, Francisco Proença de Carvalho diz só pedir que o seu cliente — que tem sido “arrasado” nos últimos oito anos — tenha “direito a ser julgado pelos mesmo princípios humanistas que os outros arguidos”. Os advogados de defesa tentaram demonstrar ao longo de julgamento que as decisões no Grupo do Espírito Santo não era apenas de Ricardo Salgado, mas de um grupo de responsáveis, entre eles seus familiares.
Acórdão sobre BESA e Eurofin mantém condenação de primeira instância. Juiz relator escreve que não há espaço para “amadorismos nem desconhecimentos” apontados pela defesa num dos temas. Decisão é passível de recurso
A caminhar para o primeiro julgamento por um processo-crime, agendado para 7 de março, Ricardo Salgado continua a somar derrotas. Desta vez, o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o recurso apresentado contra o Banco de Portugal no processo de contraordenação que detetou infrações nas relações entre o Banco Espírito Santo e o veículo Eurofin e o BES Angola. Neste caso, o ex-banqueiro é alvo de uma coima de 4 milhões de euros.
“Pelo exposto, negamos provimento aos recursos interpostos pelos arguidos Rui Silveira, Gheardo Petracchini, Amílcar Pires e Ricardo Salgado e, em consequência, confirmamos, na íntegra, a sentença impugnada”. Esta é a decisão da Relação datada de 24 de fevereiro, a que o Expresso teve acesso, e que confirma a sentença de condenação do ano passado do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, de Santarém.
“Não há amadorismos”
A Salgado foi aplicada uma coima de 4 milhões de euros neste caso. “Não há amadorismos nem desconhecimento, não se podendo presumir, por parte do arguido, falta de conhecimento das normas aplicáveis à atividade que – de forma dominadora, com força centrípeta, beneficiando de funções decisivas, informado por grande experiência – desenvolvia, nem o desconhecimento da norma (que tem referentes éticos) lhe aproveitaria”, é uma das considerações deixadas no acórdão que tem Carlos Marinho como juiz relator.
“Desajustada” é como o acórdão caracteriza uma das defesas apontadas pelos mandatários de Ricardo Salgado, numa decisão judicial onde é escrito que “não se vislumbra sustentação para a tese de inconstitucionalidade lançada”.
A condenação a Salgado é a mais pesada, mas não a única neste processo. Foram aplicados 3,5 milhões de euros de coima ao seu ex-braço-direito financeiro, Amílcar Morais Pires, enquanto Rui Silveira, administrador executivo do BES, recebeu uma coima de 120 mil euros. Já Petracchini, que era da Espírito Santo Financial Group mas não do BES, viu ser-lhe aplicada uma coima de 150 mil euros.
Todas elas foram agora confirmadas em segunda instância. Já o BES e a ESFG conformaram-se ainda na fase administrativa, com coimas suspensas (não têm de ser pagas) de 4 milhões e 1 milhão de euros, respetivamente.
Este caso resulta de três processos separados do supervisor bancário, que, para acelerar a decisão, o Tribunal de Santarém agregou. A não implementação de sistemas de controlo interno coerentes, a omissão de comunicação ao Banco de Portugal dos problemas associados à carteira de crédito e imobiliário do BES Angola e a ausência de mecanismos de controlo da exposição do BES ao seu banco angolano são as infrações que justificam a condenação.
Pode haver mais recursos
A decisão da Relação é recorrível para o Supremo (e depois o caso pode ainda chegar ao Constitucional, como tem acontecido nos outros processos). Francisco Proença de Carvalho, advogado de Salgado, não quis ainda comentar os próximos passos.
Transitando em julgado, ou seja, quando não for possível recurso, o antigo homem-forte do BES fica com coimas de cerca 8 milhões por pagar no acumulado dos processos do supervisor bancário. A estratégia tem sido esgotar as vias de recurso e esta semana, por exemplo, Ricardo Salgado entregou um processo no Tribunal Constitucional relativamente a um outro processo saído do Banco de Portugal, nesse caso sobre as relações do BES com as subsidiárias sobre o branqueamento de capitais.
Que processos são estes?
Operação Marquês
Dia 7 de março, o coletivo de juízes liderado por Francisco Henriques vai ler a sentença relativa aos três crimes de abuso de confiança imputados pelo Ministério Público a Ricardo Salgado na sequência da Operação Marquês — foram os únicos que restaram da instrução de Ivo Rosa. Foi aqui que Ricardo Salgado pediu para que o julgamento fosse suspenso devido à doença de alzheimer.
Universo Espírito Santo
O ex-banqueiro foi um dos arguidos que pediram a abertura da instrução para tentar evitar o julgamento. Acusado de 65 crimes, chamou 82 testemunhas abonatórias. O juiz de instrução é Ivo Rosa, que já disse não estar disponível para aceitar tantos nomes. As sessões iam começar por agora, mas foram adiadas para 29 de março.
Monte Branco
A investigação a um grande esquema de branqueamento de capitais foi o primeiro processo em que Salgado foi constituído arguido, em 2014, mas, até agora, não houve nenhuma acusação da parte do Ministério Público.
Banco de Portugal
Atos dolosos de gestão ruinosa: foram uma das infrações detetadas pelo Banco de Portugal que já foram confirmadas em tribunal de forma definitiva. Os processos transitados em julgado apontam para coimas de 4 milhões de euros, outros podem elevá-las até aos 8 milhões de euros. São os seguintes:
1) Papel comercial. Coima de 3,7 milhões aplicada a Ricardo Salgado e de 350 mil a Morais Pires. Outros membros da administração, como José Maria Ricciardi, viram as coimas serem suspensas. Foi aqui que houve a condenação por atos dolosos de gestão ruinosa, como também a prestação de informações falsas ao supervisor e violação de regras sobre conflitos de interesse. O caso já foi decidido pelo Tribunal Constitucional, tendo transitado em julgado.
2) BESA e Eurofin. Eram três processos distintos no BdP, foram juntos na justiça para tentar travar prescrições. A coima a Salgado foi de 4 milhões e de 3,5 milhões a Morais Pires. A não implementação de sistemas de controlo interno e a ausência de mecanismos de controlo da exposição do BES ao BES Angola são infrações apontadas. Em setembro, o Tribunal da Santarém confirmou as coimas. A Relação decidiu agora. Ainda é possível novos recursos.
3) Branqueamento.É o caso que chega agora ao Constitucional. O BES falhou no dever de garantir a aplicação de medidas de prevenção do branqueamento nas filiais e sucursais. A coima a Salgado foi de 290 mil euros, acima da sanção de 100 mil a Morais Pires.
4) ESFG.Caso com a coima mais baixa, de 75 mil euros para Salgado, por conta de infrações cometidas na Espírito Santo Financial Group, entidade através da qual a família controlava o Grupo Espírito Santo. Já transitou em julgado.
CMVM
Na semana passada, o primeiro processo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários à gestão do BES teve uma decisão: o tribunal de Santarém manteve a coima de 2 milhões de euros, por violação de regras de conflitos de interesse. É recorrível. Há outro processo da CMVM, sobre o aumento de capital de 2014, com coima de €1 milhão, que ainda não chegou a tribunal.
Avanços e recuos atrasaram processo do Banco de Portugal. Defesa de Ricardo Salgado arguiu prescrições no Tribunal da Relação, que as negou
Ricardo Salgado deu entrada com um novo recurso no Tribunal Constitucional, confirmou o Expresso. Pede aos juízes do Palácio Ratton para analisarem a constitucionalidade de uma condenação resultante de um processo saído do Banco de Portugal. Neste caso, que se deve às falhas na implementação de regras para evitar a entrada de dinheiro sujo no sistema bancário, a coima aplicada ao antigo banqueiro foi de 290 mil euros (reduzida face aos 350 mil euros iniciais). Um caso no qual, como noticiou o Expresso, o ex-banqueiro defende já ter havido prescrições dos factos imputados.
Neste processo, Salgado foi condenado inicialmente a uma coima de 350 mil euros pelo Banco de Portugal, e o seu braço-direito, Amílcar Morais Pires, a uma de 150 mil, mas não se conformaram. Tem havido avanços e recuos: o Tribunal da Supervisão, em Santarém, e o Tribunal da Relação de Lisboa foram as instâncias onde o caso andou a descer e a subir, consolidando-se em coimas de 290 mil e 100 mil euros para Salgado e Morais Pires, respetivamente. No que diz respeito ao antigo número um do Banco Espírito Santo (BES), o processo chegou agora ao Constitucional, de acordo com informações confirmadas pelo Expresso junto de fontes distintas.
O processo estava a demorar-se na Relação, por haver sentenças diferentes para Salgado e para Morais Pires. No caso do banqueiro que liderou o BES por 22 anos, o recurso naquela instância fora parcialmente procedente, por discordar das coimas aplicadas, mas mantendo a sanção de 290 mil euros.
Prescrições negadas
Entretanto, a defesa do banqueiro também apontara a prescrição de contraordenações (pediu até o regresso do caso ao tribunal de primeira instância para que a coima fosse reduzida para refletir essa prescrição), mas falhou nesse intento. A Relação não aceitou.
“Tem de se concluir que a prescrição do ilícito contraordenacional pelo qual o recorrente foi condenado, e que é objecto deste requerimento (ou qualquer dos ilícitos em causa nos presentes autos) não ocorreu em 4.12.2021 e, está ainda muito longe de ocorrer”, aponta a decisão da Relação, datada de 27 janeiro deste ano, relativa à prescrição sobre uma das infrações apontadas.
O processo, na totalidade no que diz respeito a Salgado, terá agora de ser olhado pelos juízes do Constitucional.
O que está em causa neste caso saído do Banco de Portugal são falhas na prevenção de mecanismos de prevenção do branqueamento de capitais, ou seja, que o BES desenhasse e executasse sistemas que garantissem que ali (e nas suas sucursais e filiais) não entrava dinheiro com origem ilícita. Aqui, o antigo gestor António Souto fora condenado a 60 mil euros, tendo aceitado a condenação, da mesma forma que o BES, entidade em liquidação, alvo de uma coima de 25 mil euros.
Dias intensos
Estes têm sido dias intensos para a defesa de Ricardo Salgado. Em primeiro lugar, está a começar a instrução do processo-crime denominado Universo Espírito Santo, que averigua a queda do BES, em que a primeira sessão para ouvir testemunhas foi adiada de hoje para dia 29 de março por indisponibilidade do juiz Ivo Rosa.
Depois, a 7 de março, dá-se a leitura da sentença do julgamento sobre três crimes de abuso de confiança que restaram da acusação do Ministério Público no âmbito da Operação Marquês.
Além disso, o ex-banqueiro foi condenado recentemente pelo Tribunal de Santarém, que confirmou uma coima de 2 milhões de euros pelo processo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre a comercialização de papel comercial.
Que processos são estes?
Operação Marquês
Dia 7 de março, o coletivo de juízes liderado por Francisco Henriques vai ler a sentença relativa aos três crimes de abuso de confiança imputados pelo Ministério Público a Ricardo Salgado na sequência da Operação Marquês — foram os únicos que restaram da instrução de Ivo Rosa. Foi aqui que Ricardo Salgado pediu para que o julgamento fosse suspenso devido à doença de alzheimer.
Universo Espírito Santo
O ex-banqueiro foi um dos arguidos que pediram a abertura da instrução para tentar evitar o julgamento. Acusado de 65 crimes, chamou 82 testemunhas abonatórias. O juiz de instrução é Ivo Rosa, que já disse não estar disponível para aceitar tantos nomes. As sessões iam começar por agora, mas foram adiadas para 29 de março.
Monte Branco
A investigação a um grande esquema de branqueamento de capitais foi o primeiro processo em que Salgado foi constituído arguido, em 2014, mas, até agora, não houve nenhuma acusação da parte do Ministério Público.
Banco de Portugal
Atos dolosos de gestão ruinosa: foram uma das infrações detetadas pelo Banco de Portugal que já foram confirmadas em tribunal de forma definitiva. Os processos transitados em julgado apontam para coimas de 4 milhões de euros, outros podem elevá-las até aos 8 milhões de euros. São os seguintes:
1) Papel comercial. Coima de 3,7 milhões aplicada a Ricardo Salgado e de 350 mil a Morais Pires. Outros membros da administração, como José Maria Ricciardi, viram as coimas serem suspensas. Foi aqui que houve a condenação por atos dolosos de gestão ruinosa, como também a prestação de informações falsas ao supervisor e violação de regras sobre conflitos de interesse. O caso já foi decidido pelo Tribunal Constitucional, tendo transitado em julgado.
2) BESA e Eurofin. Eram três processos distintos no BdP, foram juntos na justiça para tentar travar prescrições. A coima a Salgado foi de 4 milhões e de 3,5 milhões a Morais Pires. A não implementação de sistemas de controlo interno e a ausência de mecanismos de controlo da exposição do BES ao BES Angola são infrações apontadas. Em setembro, o Tribunal da Santarém confirmou as coimas, há recursos pendentes para tribunais superiores.
3) Branqueamento.É o caso que chega agora ao Constitucional. O BES falhou no dever de garantir a aplicação de medidas de prevenção do branqueamento nas filiais e sucursais. A coima a Salgado foi de 290 mil euros, acima da sanção de 100 mil a Morais Pires.
4) ESFG.Caso com a coima mais baixa, de 75 mil euros para Salgado, por conta de infrações cometidas na Espírito Santo Financial Group, entidade através da qual a família controlava o Grupo Espírito Santo. Já transitou em julgado.
CMVM
Na semana passada, o primeiro processo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários à gestão do BES teve uma decisão: o tribunal de Santarém manteve a coima de 2 milhões de euros, por violação de regras de conflitos de interesse. É recorrível. Há outro processo da CMVM, sobre o aumento de capital de 2014, com coima de €1 milhão, que ainda não chegou a tribunal.
Tribunal da Regulação deu como provado que o antigo banqueiro violou uma série de regras de mercado quando o BES vendeu papel comercial do GES.
Todas as infracções que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) imputou a Ricardo Salgado, praticadas meses antes da queda do Banco Espírito Santo (BES), com a venda de papel comercial do Grupo Espírito Santos (GES) em 2013 e 2014, foram confirmadas esta semana pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS).
O tribunal sediado em Santarém — onde vão parar as contestações a decisões tomadas pelos reguladores portugueses, da CMVM à ERC, passando pela Autoridade da Concorrência — confirmou na terça-feira que Salgado violou uma série de deveres de transparência em relação aos clientes do BES. Ao todo, a juíza, Vanda Miguel, deu como provado que o antigo gestor praticou oito infracções às regras de mercado, ao não prevenir conflitos de interesses e ao não divulgar informação com qualidade.
Neste julgamento não foi apreciada matéria criminal, mas sim infracções ao Código dos Valores Mobiliários. À luz da lei, Ricardo Salgado deveria ter cumprido um conjunto de regras para que os clientes que pretendiam comprar papel comercial do GES decidissem com base em informação financeira correcta. No entanto, depois do colapso do banco, a CMVM encontrou várias falhas que o tribunal de primeira instância agora veio confirmar.
Embora os factos já tenham sete anos, a decisão judicial não tardou a chegar. A iniciativa da CMVM que Salgado e outros arguidos contestaram é de Julho de 2021. A juíza concluiu o julgamento menos de um ano depois.
Uns arguidos foram condenados, outros absolvidos, outros condenados em relação a partes da acusação. No caso de Salgado, há infracções idênticas, porque umas dizem respeito a um período e outras a outro, mas por falhas semelhantes.
Cada infracção implica uma contra-ordenação, à qual, por sua vez, está associada uma determinada coima individual. Ao todo, a soma das oito infracções associadas a Salgado chega aos 3,27 milhões de euros, mas, tendo em conta o cúmulo jurídico, o tribunal aplicou uma coima única de dois milhões, à semelhança do que fizera a CMVM.
Falhas com dolo
Segundo o tribunal, o conhecido banqueiro violou, com dolo, uma regra do Código de Valores Mobiliários que implicava que actuasse de modo a “evitar ou reduzir ao mínimo o risco de ocorrência de um conflito de interesses” que poderiam ser prejudiciais para os clientes do BES que entre Setembro e Dezembro de 2013 queriam comprar (ou compraram) papel comercial emitido pela Espírito Santo International (ESI), holding de topo do GES.
Esta entidade estava sediada no Luxemburgo e, através dela, os cinco ramos da Família Espírito Santo controlavam o braço financeiro do grupo (onde estavam o BES, o BESA de Angola, o ES Bank Panamá, a Tranquilidade ou o banco de investimento BESI) e o ramo não financeiro (empresas de turismo, saúde, área imobiliária, energia ou a sociedade ESCOM, que em Angola se dedicava à exploração mineira e à gestão imobiliária).
Salgado deveria ter mantido o registo diário das operações financeiras actualizado, o que não aconteceu. A condenação é, à luz do código, muito grave e daí resultou uma coima de 300 mil euros.
Em segundo lugar, o tribunal condenou Salgado por, perante uma situação de conflitos de interesse no momento da comercialização do papel comercial naqueles meses de 2013, não ter assegurado “aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo”. Resultado: uma coima de 350 mil euros, por uma infracção igualmente muito grave. Também aqui a violação aconteceu “a título doloso”, como sucedeu nas oito circunstâncias apreciadas pelo tribunal em relação ao antigo líder do BES.
De seguida foi aplicada uma coima idêntica, de 350 mil euros, pela violação “do dever de dar prevalência aos interesses dos clientes” face aos seus próprios interesses ou às empresas com as quais tinha uma relação de domínio ou de grupo quando de Setembro a Dezembro de 2013 a ESI emitiu papel comercial. A contra-ordenação é igualmente muito grave.
Uma quinta violação está relacionada com a emissão de papel comercial de outra empresa, a Rio Forte, já no arranque de 2014, o ano da derrocada. A Rio Forte era uma holding do ramo não financeiro (beneficiária das actividades de saúde ou turismo, como a Espírito Santo Saúde e a Herdade da Comporta). Era controlada pela ESI e, de acordo com o relatório da comissão de inquérito ao universo BES/GES de 2015, passou a deter no final de 2013 os dois braços do grupo (o financeiro e o não financeiro).
Salgado, diz o tribunal, violou o “dever de actuar” com o objectivo de “evitar ou reduzir ao mínimo o risco de ocorrência de um conflito de interesses” relativamente à venda de papel da Rio Forte entre um período preciso: 9 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2014. É uma contra-ordenação muito grave que vale uma coima de 280 mil euros.
Sexta falha: nova violação do dever de, num caso de conflito de interesses, “agir de forma a assegurar aos clientes um tratamento transparente e equitativo”, desta vez no momento da venda do papel comercial da Rio Forte naquele início de 2014. Com uma contra-ordenação muito grave, a coima aplicada é de 330 mil euros.
A história repete-se e, neste caso, Salgado praticou uma sétima infracção ao não dar “prevalência aos interesses dos seus clientes” quando o grupo comercializou papel comercial da Rio Forte em Janeiro e Fevereiro de 2014, tal como acontecera meses antes com o caso da ESI. Com essa infracção muito grave, a coima fixada foi de 330 mil euros.
A última contra-ordenação é idêntica a outra: pela segunda vez em poucos meses, Salgado violou o “dever de divulgação de informação com qualidade”, agora relativamente à emissão da Rio Forte em Janeiro e Fevereiro de 2014. Com mais uma contra-ordenação muito grave, a coima fica nos 580 mil euros, a segunda maior.
A partir da aplicação do cúmulo jurídico, o tribunal chegou-se à coima dos dois milhões. Não foi o único resultado da decisão. Tal como fizera a CMVM, o tribunal aplicou uma sanção acessória que inibe Salgado, de 77 anos, de voltar a ser administrador, director ou chefe na área financeira durante cinco anos a partir do momento em que a sentença transitar em julgado.
Os outros arguidos
Amílcar Morais Pires foi absolvido de uma prática e condenado por três infracções, em 300 mil euros (com uma coima inferior em cem mil euros à aplicada pela CMVM). Também fica impedido de exercer funções de administrador, director ou de estar num lugar de chefia na área financeira, mas durante um ano a partir da altura em que a sentença transitar em julgado.
José Manuel Espírito Santos Silva foi absolvido de algumas práticas e condenado por outras, com uma coima única de 500 mil euros (também abaixo da coima que contestou, de 750 mil euros), sujeito a uma suspensão da contra-ordenação em 250 mil euros durante dois anos. Da mesma forma, não poderá ser administrador, director ou chefe na área financeira durante dois anos.
Manuel Espírito Santos Silva foi absolvido de algumas imputações e condenado por outras, ficando sujeito a uma coima de 500 mil euros (abaixo dos 900 mil que lhe tinham sido aplicados pela CMVM) e à inibição de ser administrador na área financeira durante três anos.
Os administradores Joaquim Goes e Rui Silveira vinham acusados pela CMVM — o primeiro, com uma coima de 300 mil euros e o segundo de cem mil —, mas os dois foram absolvidos pelo tribunal.
O Haitong, banco que resultou do banco de investimento BESI, foi condenado em 400 mil euros, com uma suspensão parcial durante dois anos relativamente a 200 mil euros.
O Tribunal da Concorrência agravou esta terça-feira a coima aplicada pela CMVM ao Haitong para 400.000 euros, suspensa no montante de 200.000 euros por dois anos, e manteve a coima de dois milhões de euros a Ricardo Salgado.
Na sentença lida hoje pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), os pedidos de impugnação da Haitong (ex-BESI) e do ex-presidente do BES Ricardo Salgado foram considerados totalmente improcedentes.
A sentença, proferida pela juíza Vanda Miguel, julgou parcialmente procedentes os recursos apresentados por José Manuel Espírito Santo Silva, que viu a coima ser reduzida de 750.000 para 500.000 euros (suspensa no montante de 250.000 euros por dois anos, tendo em conta ter sido o único a proferir um pedido de desculpa público em 2014), por Manuel Espírito Santo Silva, cuja coima passou de 900.000 para 500.000 euros, e por Amílcar Morais Pires, cuja multa passou de 400.000 para 300.000 euros, absolvendo Joaquim Goes e Rui Silveira.
O Tribunal aplicou ainda a pena acessória de inibição do exercício de cargos em instituições financeiras por cinco anos para Ricardo Salgado e de um ano para Amílcar Morais Pires, após trânsito em julgado do processo.
Também José Manuel Espírito Santo Salgado e Manuel Espírito Santo Silva foram condenados na pena acessória de inibição do exercício de funções, por dois anos e três anos, respetivamente.
Em julgamento estiveram os recursos às contraordenações aplicadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em julho de 2021, por práticas lesivas dos clientes do BES, relativas à colocação de papel comercial da Espírito Santo Internacional (ESI) e da Rioforte aos balcões do banco.
A CMVM acusou os antigos responsáveis do grupo de prestação de informação falsa aos investidores na emissão de papel comercial da ESI e da Rioforte, além de não terem sido comunicadas aos investidores as alterações do organograma do Grupo Espírito Santo, que colocaram a Rioforte como dona da Espírito Santo Finantial Group (ESFG), que tinha a participação do BES.
Os mandatários dos recorrentes condenados pediram ao TCRS a prorrogação do prazo de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo em conta a complexidade do processo.
O advogado de defesa de José Manuel Espírito Santo Silva salientou à Lusa o facto de a coima do seu cliente ter sido “significativamente reduzida” e suspensa em metade, bem como de ter sido afastado o dolo relativamente à ESI, sendo a condenação por conduta negligente.
“Essa ausência de dolo sempre foi para ele [José Manuel Espírito Santo Silva] um ponto de honra”, declarou Rui Patrício, o qual remeteu um eventual recurso sobre a condenação mantida após a análise detalhada da decisão hoje proferida.
Na audiência, Vanda Miguel leu apenas um “resumo do resumo” de 84 páginas de uma sentença com cerca de 900 páginas, na qual considera Ricardo Salgado como o principal responsável pela adulteração, desde 2008, dos resultados financeiros da ESI, cujas contas não eram consolidadas nem auditadas.
Para o TCRS, era a Ricardo Salgado, que conhecia a situação deficitária da ESI, que interessava a adulteração de dados e transmitir uma falsa imagem, referindo Vanda Miguel os depoimentos de várias testemunhas que relataram o “pesadelo diário” perante a ausência de respostas quando tomaram conhecimento do aumento exponencial do passivo desta empresa do Grupo Espírito Santo (GES).
O Tribunal considerou ainda provado que era o Conselho Superior do GES, que reunia os membros da família Espírito Santo, que tomava decisões, dando o exemplo da reestruturação do grupo decidida e executada antes de ser ratificada pelo Conselho de Administração da Rioforte, “uma das peças centrais” dessa reestruturação.
Para Vanda Miguel, este é um caso paradigmático de como “um órgão sem poderes formais tinha poder de facto, reconhecido por todos”.
Na sua decisão, o TCRS considerou que o ex-BESI, atual Haitong (que adquiriu a marca após a resolução do BES em 2014), tinha conhecimento das emissões do papel comercial da Rioforte e da ESI, bem como das notas informativas que foram emitidas, não se tendo limitado a um trabalho rotineiro, como foi alegado no recurso.
Para o TCRS, existia o dever, dentro da organização, de comunicar informação relevante à administração, dever a que estavam igualmente obrigados Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo e Morais Pires.
Por outro lado, salienta que, tendo usado as notas informativas dos emitentes da dívida, o BES sabia que a informação que fazia chegar aos seus clientes era insuficiente e incompleta, incumprindo os seus deveres de prestar informação de qualidade e fiável, tendo-se colocado ao serviço dos interesses financeiros do GES.
Em particular, Vanda Miguel referiu o facto de serem alterados produtos já adquiridos pelos clientes em benefício do intermediário com efeitos na entidade emitente, em “gritante violação” das normas de conflito de interesses.
Sobre a condenação de José Manuel Espírito Santo e de Manuel Espírito Santo Silva, já não a título doloso, mas negligente, a juíza afirmou que o depositarem total confiança em Ricardo Salgado não os pode desresponsabilizar, lembrando que eram administradores da ESI.
A decisão junta-se a uma outra do juiz Ivo Rosa, que ordenou o mesmo no caso de uma conta bancária bloqueada à mulher do ex-banqueiro Ricardo Salgado.
O Tribunal da Relação de Lisboa levantou um arresto de quase 1 milhão de euros no processo Universo Espírito Santo por falta de fundamentação.
O dinheiro tinha sido apreendido durante uma operação de buscas, em 2005, à Espírito Santo Resources, na Rua de São Bernardo, em Lisboa.
Os 995 mil euros ficaram, depois, bloqueados à ordem do processo Universo Espírito Santo – até agora.
O Tribunal da Relação de Lisboa decide, assim, levantar o arresto, alegando que não encontra fundamentação na decisão que levou, na altura, o juiz Carlos Alexandre a ordenar o bloqueio.
Num acórdão, a que a SIC teve acesso, o tribunal lembra que já tinha pedido, ao juiz, os fundamentos do arresto, mas que continua sem os ter.
Por isso, só pode concluir que o arresto de 1 milhão de euros foi injustificado, apressado e sem sequer haver um receio comprovado de perda ou dissipação do dinheiro. Decide, por isso, anular a decisão do juiz e desbloquear o dinheiro.
As defesas dos chamados lesados do BES estão atentas às recentes decisões judiciais que têm desbloqueado parte das quantias arrestadas aos arguidos.
Na semana passada, o juiz Ivo Rosa anulou o arresto de 700 mil euros, depositados numa conta bancária em nome da mulher de Ricardo Salgado, que não é arguida.
Na decisão, a que a SIC teve acesso, o juiz que lidera a fase de instrução do caso diz que não encontra fundamentação no arresto, nem factos concretos que indiciem que Ricardo Salgado, em conluio com a mulher, quis ocultar o dinheiro, para impedir que viesse a ser arrestado a favor do Estado.
Há mais de 120 lesados do BES, que são agora assistentes no processo. Ricardo Salgado e outros 24 arguidos estão acusados de crimes que terão causado prejuízos de mais de 1,8 mil milhões de euros.
Em causa estava a inquirição de dez testemunhas e dois arguidos.
O juiz Ivo Rosa adiou várias diligências agendadas no âmbito da instrução do processo BES/GES devido à falta de condições do tribunal.
Num despacho a que o CM teve acesso, o magistrado informa que, “dada a ausência de uma sala de audiências disponível”, as diligências marcadas para 23 de fevereiro, 28 e 31 de março ficam sem efeito. Em causa estava a inquirição de dez testemunhas e dois arguidos. “Com a integração do TCIC no TIC de Lisboa e com a consequente mudança de instalações, fomos confrontados com a ausência de condições, não só para acomodar o processo, o que obrigou ao desmantelamento da maior sala de diligências, bem como para a realização de todos de instrução. A maior sala de diligências disponível neste tribunal tem apenas capacidade para 10 advogados, o que é manifestamente insuficiente, tendo em conta o número e arguidos e assistentes”, lê-se no documento.
Ivo Rosa tem em mãos o futuro do ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, e dos restantes arguidos do megaprocesso. A instrução vai começar a 21 de fevereiro mas, devido a este percalço, as restantes diligências foram remarcadas para o mês abril.