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Contestação do ex-banqueiro, que levou o Ministério Público a pedir o adiamento do julgamento, tem 191 páginas e 173 documentos de prova. A defesa de Ricardo Salgado, apesar de considerar que a prova que apresenta demonstra que o arguido está inocente, diz que o ex-banqueiro está disposto a devolver o dinheiro.
Ricardo Salgado não era o único responsável da Espírito Santo Enterprises (ESE), tida como o “saco azul do BES”, e o dinheiro que recebeu foi mesmo um empréstimo pessoal, com juros, que apenas deixou de pagar quando o BES entrou em colapso e as suas contas foram bloqueadas – estas são as ideias-chave que a defesa do ex-banqueiro apresentou na contestação, de 191 páginas e 173 documentos de prova, que foi entregue no tribunal no dia 9 de Junho e que levou esta segunda-feira o Ministério Público (MP) a pedir o adiamento do julgamento.
O juiz de instrução Ivo Rosa decidiu pronunciar Ricardo Salgado por alegadamente se ter apropriado de 10,6 milhões de euros, com origem na ESE. Segundo a pronúncia, foram feitas três transferências da ESE, em 2011, para outras sociedades offshore controladas por Ricardo Salgado. Por isso, o ex-banqueiro responde por três crimes de abuso de confiança. O julgamento foi adiado para dia 6 de Julho.
Na contestação a que o PÚBLICO teve acesso, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, advogados de defesa de Ricardo Salgado, alegam que a ESE não era um quintal do ex-banqueiro e que havia várias pessoas na sociedade offshore que movimentavam a conta, que davam instruções e que também receberam empréstimos e outros valores. Segundo o mesmo documento, a ESE também fez empréstimos aos membros do Conselho Superior do GES e Francisco Machado da Cruz.
Sobre o dinheiro que foi transferido para as contas do arguido, a defesa garante que era um empréstimo e que até já tinha devolvido uma parte. Este não seria, aliás, o primeiro empréstimo que Ricardo Salgado tinha recebido da ESE: já tinha recebido outros há muitos anos e devolveu com juros, garantem os advogados do ex-homem forte do BES.
“Tal como a Enterprises fez um empréstimo ao ora Arguido em Outubro de 2011, também lhe fez três empréstimos em 2002 e 2003 (450 mil francos suíços + 45 mil dólares + 2,17 milhões de dólares), que este reembolsou à Enterprises em 21 de Maio de 2007, incluindo juros, porquanto, em Maio de 2007, o ora Arguido pagou a esta os valores de 2.460.711,84 dólares e 481.899,04 francos suíços”, lê-se na contestação que sublinha ainda o facto do ex-banqueiro ter depositado cinco milhões de euros na ES Control.
“No final de 2013, no âmbito da reestruturação perspectivada para o GES, estava inicialmente um aumento de capital na ES Control, que tanto quanto se sabe não chegou a ser concluído mas o arguido depositou cinco milhões na conta da ES Control, com vista a serem transferidos para a ESI Overseas”, lê-se.
A defesa conclui que, “a intenção de apropriação indevida que é exigida pelo crime de abuso de confiança não é compatível com a intenção e efectivo reembolso de parte deste empréstimo pelo ora Arguido, na medida em que este reembolso demonstra, através de um acto objectivo inequívoco, que não há intenção de apropriação, sendo certo que o incumprimento – muito menos, o incumprimento parcial – de dívidas não constitui crime”.
Ex-banqueiro disponível para devolver dinheiro
No entanto, a defesa de Ricardo Salgado, apesar de considerar que a prova que apresenta demonstra que a pronuncia é infundada e que o arguido está inocente, diz que o ex-banqueiro está disposto “a lançar mão do mecanismo previsto no artigo 206.º, n.º 1, do Código Penal”.
Ou seja, o arguido está disponível para devolver o dinheiro em causa. O artigo que a defesa cita, diz o seguinte: “Extingue-se a responsabilidade criminal, mediante a concordância do ofendido e do arguido, sem dano ilegítimo de terceiro, até à publicação da sentença da 1.ª instância, desde que tenha havido restituição da coisa ou do animal furtados ou ilegitimamente apropriados ou reparação integral dos prejuízos causados”.
A defesa alega ainda que, apesar do arguido estar disposto a devolver o dinheiro, há um problema: O seu património está arrestado ao abrigo de dois processos e é preciso que o tribunal peça às autoridades judiciárias que libertem esses valores.
“Mas sucede que o património de que dispõe, para este efeito, está, por um lado, arrestado à ordem do processo n.º 324/14.0TELSB (conta junto da UBS, na Suíça) e, por outro lado, o ora arguido tem cauções no valor total de três milhões de euros prestadas no processo n.º 324/14.0TELSB e no processo n.º 207/11.5TELSB (também conhecido como “Monte Branco” ou, nalguns outros meios, como o “processo saco azul”, este último em eterna fase de inquérito”, lê-se na contestação que acrescenta o seguinte: “Ora, apenas estando dependente da concordância das autoridades judiciárias competentes no processo n.º 324/14.0TELSB e no processo n.º 207/11.5TELSB, que se requer que este Tribunal oficie e promova, desde já, a utilização dos valores aí arrestados quanto ao património do ora Arguido (em particular, bens móveis, pensão e contas bancárias) e às cauções aí prestadas – até ao valor necessário para o efeito –, para efeitos do artigo 206.º, n.º 1, do Código Penal, com vista à restituição dos valores em causa nos alegados crimes de abuso de confiança que lhe são imputados nos presentes autos”.
Segundo a defesa, o valor arrestado nas contas de Ricardo Salgado, na Suíça, no processo-crime 324/14.0TELSB, supera os 8,5 milhões de euros. A este valor junta-se ainda, no âmbito do mesmo processo, mais de 1,4 milhões de euros referentes ao arresto da pensão do arguido. Tudo somado, referem os advogados, só neste processo, estão arrestados mais de 9,9 milhões de euros em dinheiro, porque em bens móveis há mais de 726 mil euros.
Ora, alegam os advogados que, para além dos referidos bens arrestados, há que acrescentar ainda o montante total das cauções de três milhões de euros prestados por Ricardo Salgado nos dois processos já referidos, o que supera os 10,6 milhões de euros pelos quais está acusado de três crimes de abuso de confiança.
De acordo com a contestação, Ricardo Salgado já terá devolvido sete milhões de euros, pelo que o valor que teria sido indevidamente apropriado seria de, no limite, de 3,7 milhões de euros. Por isso, os bens arrestados dariam para cobrir o valor em falta, extinguindo-se o procedimento criminal neste processo.