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Miguel Tiago ataca currículo de Carlos Costa. Governador responde com herança

Domingo, Fevereiro 18th, 2018

Citamos

Negócios

O deputado do PCP acusa o governador do Banco de Portugal de ter “um dos piores currículos” na supervisão. Carlos Costa reagiu dizendo que recebeu a “pior herança”.

O Partido Comunista Português não acredita que o Banco de Portugal esteja a dizer tudo o que sabe sobre o Montepio. Mas percebe que assim seja: só quando o sistema mudar é que isso deixará de acontecer. Palavras do deputado Miguel Tiago, que atacou o governador Carlos Costa esta quarta-feira, 14 de Fevereiro.

“O senhor governador tem um dos piores currículos da história da supervisão bancária”, começou por acusar o deputado comunista perante Carlos Costa na audição parlamentar que tem o Montepio como tema.

Para Miguel Tiago, Carlos Costa “viu falir nas suas barbas o BES e o Banif”. E nos dois casos foi falando sobre os bancos, incluindo no Parlamento, sem mencionar toda a verdade, atirou o deputado comunista.

O deputado comunista defende que o supervisor “só trabalha na escuridão” e sempre será assim quando o sistema financeiro se mantiver com a actual estrutura. O PCP argumenta que a banca deve ser pública, para escapar a prejuízos, que atribui aos accionistas privados.

“Não gosto que diga que tenho o pior currículo. Mas tive a pior herança”, respondeu Carlos Costa. “Tendo tido a pior herança, recebi instituições em que o quadro jurídico não permitia a separação entre o accionista e a entidade participada, em que não havia um modelo de governo que garantisse tudo o que era necessário”, continuou o governador.

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal desde 2010 ao suceder a Vítor Constâncio (era da nacionalização do BPN e da falência do BPP), era o supervisor aquando da aplicação das medidas de resolução ao Banco Espírito Santo, em 2014, e ao Banif, em 2015. Um ano depois, a Caixa Geral de Depósitos necessitou de uma capitalização para evitar perdas para os credores. Temas que levaram a comissões parlamentares de inquérito.

 

“O sistema financeiro está muito mais vulnerável do que no passado”

Domingo, Outubro 1st, 2017

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Eco

Falamos sobre a banca, a reestruturação da dívida e a regulação. “Sou a favor da democracia”, diz Francisco Louçã, quando a conversa é a independência dos reguladores.

Estamos na segunda parte da entrevista com Francisco Louçã. Depois de se ter falado fundamentalmente da proposta de reforma do modelo de supervisão, nesta parte a conversa começa no sistema financeiro e desenvolve-se para a proposta da reestruturação da dívida e daí, por causa dos dividendos do Banco de Portugal, para o modelo atual de independência dos supervisores e dos reguladores, com Francisco Louça a assumir uma posição muito critica.

Na parte em que se fala sobre a independência dos supervisores e reguladores, Francisco Louça mostra-se contra o atual modelo. “Sou a favor da democracia”, diz, recordando a famosa frase que marcou a revolta dos EUA contra Inglaterra: “não há impostos sem representação”.

Hoje o sistema financeiro português está mais sólido. Partilha desta ideia?

Não. Acho que está muito mais vulnerável do que no passado. É um sistema muito perigoso para a República. Não existe nenhum país europeu, com o qual nos possamos comparar, em que tenhamos 65% a 70% do sistema financeiro em mãos estrangeiras. Isso não existe em lado nenhum. Se não estiver enganado, os últimos números que vi, nenhum país europeu com o qual nos comparemos tem mais de 10% [da banca controlada por estrangeiros]. Nós temos 65%.

A que se está a referir?

Ao património dos bancos. O Novo Banco é estrangeiro. O Banif é estrangeiro. O BPI é estrangeiro. O BCP é estrangeiro. E sobre a CGD, a Comissão Europeia lamentou, num relatório recente, não ter obrigado à sua privatização a 100%. Não o conseguiu fazer e ainda bem. Há uma razão fundamental para países dirigidos por governos de direita, liberais, neo-liberais, muito doutrinários, nunca terem vendido o coração do setor bancário a capital estrangeiro. O setor bancário faz parte da gestão de crédito e da decisão de investimento. E a decisão de investimento não deve estar condicionada por concessões de crédito que possam estar influenciadas por concorrentes da economia nacional ou dos operadores na economia nacional. Em segundo lugar, um Estado quando vai gerando a sua atividade vai emitindo dívida e vai reciclando dívida. E deve fazê-lo predominantemente em cooperação com o sistema de poupança nacional.

Em cooperação ou em cumplicidade?

Em cooperação. Deve vender [dívida pública] a bancos nacionais. E esses bancos nacionais que operam no espaço nacional devem ser aqueles que beneficiam e atuam junto das autoridades públicas. O que é óbvio para qualquer Governo.

Mas isso deu maus resultados.

Se desse maus resultados, a Espanha tinha permitido a venda dos seus bancos a capital francês ou alemão, e não permitiu. Se desse mau resultado, a Alemanha tinha permitido a compra de alguns bancos ao capital italiano, e não permitiu. Só permitiu num caso excecional. Se desse mau resultado, a França tinha permitido o que não permitiu, a venda a capital americano ou saudita, ou angolano.

Mas isso não prova que estejam certos.

Prova que estes países têm uma precaução que os governos portugueses abdicaram por inteiro, por insensatez.

No caso do Santander a administração da Jerónimo Martins contou recentemente uma história contrária. Procurou um financiamento junto do Santander para fazer um grande investimento que foi recusado. (…) Nós vendemos o Novo Banco a uma empresa imobiliária dos EUA. Vai fazer o quê? Vai fazer negócio bancário de longo prazo, negócio de crédito, preocupar-se com investimento em longo prazo? Nada disso. Vai vendê-lo daqui a cinco anos. Vai desfazê-lo.

No caso do Santander a administração da Jerónimo Martins contou recentemente uma história contrária. Procurou um financiamento junto do Santander para fazer um grande investimento que foi recusado. (…) Nós vendemos o Novo Banco a uma empresa imobiliária dos EUA. Vai fazer o quê? Vai fazer negócio bancário de longo prazo, negócio de crédito, preocupar-se com investimento em longo prazo? Nada disso. Vai vendê-lo daqui a cinco anos. Vai desfazê-lo.

Francisco Louçã

Qual é o risco que corremos?

O risco que corremos é emitir dívida e ela não poder ser colocado. É haver uma empresa que vai a um banco dirigido por capital catalão e que quer fazer um investimento em determinada indústria naval, mas o banco catalão é proprietário de um estaleiro naval na Catalunha e não quer conceder esse crédito e não permite o investimento.

Sabe qual é o contra- argumento que esses banqueiros, seja BPI ou o Santander – imagino que se esteja a referir ao BPI? O grande argumento, sobretudo o Santander, é que nenhum banco se dá ao luxo de não financiar projetos que são viáveis.

Nós pagamos-lhes para ficarem com os nossos bancos. Nós entregámos três mil milhões de euros ao Santander para que eles pagassem 150 milhões pelo Banif. O que é isto? (…) A operação que está concebida para o Novo Banco tem enormes riscos. (…) Um dos riscos é ficarmos, durante muitos anos, a pagar este capital a esta empresa a Lone Star. (…) Por favor, que se faça tudo sobre o sistema bancário, mas agora quem comprou chorar lágrimas de crocodilo isso é que, por favor, não. Leva uma bolsa bem cheia.

Nós pagamos-lhes para ficarem com os nossos bancos. Nós entregámos três mil milhões de euros ao Santander para que eles pagassem 150 milhões pelo Banif. O que é isto? (…)A operação que está concebida para o Novo Banco tem enormes riscos. (…) Um dos riscos é ficarmos, durante muitos anos, a pagar este capital a esta empresa a Lone Star. (…) Por favor, que se faça tudo sobre o sistema bancário, mas agora quem comprou chorar lágrimas de crocodilo isso é que, por favor, não. Leva uma bolsa bem cheia.

Francisco Louçã

Porque ninguém teve dinheiro para os comprar?

Não. Porque os governos não deixaram. Não é sequer concebível. Portugal esteve em saldo.

Mas como é que nós podíamos não ter deixado?

Mas nós não deixamos nada. Nós pagamos-lhes para ficarem com os nossos bancos. Nós entregámos três mil milhões de euros ao Santander para que eles pagassem 150 milhões pelo Banif. O que é isto? Pagámos três mil milhões e pedimos-lhe 150? E eles ficam com o Banif. Compraram-nos o quê? Andámos a financiar capitais estrangeiros. A operação que está concebida para o Novo Banco tem enormes riscos. Vamos ver o seu desenvolvimento. Um dos riscos é ficarmos, durante muitos anos, a pagar este capital a esta empresa a Lone Star. Isto repete-se sucessivamente. Por favor, que se faça tudo sobre o sistema bancário, mas agora quem comprou chorar lágrimas de crocodilo isso é que, por favor, não. Leva uma bolsa bem cheia.

Face a estes riscos que tipo de soluções é que podemos ainda ter?

A curto prazo, nenhuma. Os contratos foram feitos e as vendas foram feitas. Devia ter sido evitado este custo. E ele devia ter sido evitado com a supervisão que evitasse o agravar dos riscos. Com processos de resolução que fossem competentes e não nos criassem especiais riscos financeiros, como aconteceu. Devia ter sido evitado mantendo os bancos na esfera pública até estarem recuperados e poderem operar no contexto nacional ou serem vendidos a outros operadores, que não a Lone Star no caso do Novo Banco. Parece que Portugal andou à procura do pior comprador possível. Na verdade, foi o único que sobrou. E havia outros que não eram flores que se cheirassem. Era difícil encontrar uma solução pior.

A curto prazo não podemos fazer nada. Mas o que se pode fazer no médio prazo?

Tem que se recuperar o sistema de crédito. É preciso esperar. O dinheiro já lá está. Vamos perdê-lo. Devíamos rentabilizá-lo, recuperar a atividade bancária, contribuir para o crédito, especializar os bancos em áreas de operação bancária que pudessem desenvolver a economia na sua recuperação. Esperar inteligentemente.

Eu tenho muito pouca confiança numa possibilidade de uma abertura europeia significativa [à reestruturação da dívida]. Percebo que é preciso ganhar tempo. E acho que se deve começar a apresentar as nossas propostas de restruturação da dívida às instituições europeias que permitam iniciar um processo negocial nesse contexto.

Eu tenho muito pouca confiança numa possibilidade de uma abertura europeia significativa [à reestruturação da dívida]. Percebo que é preciso ganhar tempo. E acho que se deve começar a apresentar as nossas propostas de restruturação da dívida às instituições europeias que permitam iniciar um processo negocial nesse contexto.

Francisco Louçã

Vamos falar da proposta da restruturação da dívida, um trabalho em que participou. Quais deveriam ser os próximos passos?

Como se lembra, a resposta do Governo foi que era um estudo interessante mas tinha de se esperar pelas eleições alemãs. Tivemos as eleições alemãs. Agora vamos esperar até ao Natal para que haja Governo na Alemanha, porque o processo é lento. A probabilidade é grande de haver um Governo alemão que seja bastante mais restritivo para as políticas económicas e orçamentais europeias. Se for com os liberais, a possibilidade de haver soluções europeias fica reduzida. Mas veremos o que vai acontecer. É escusado pôr o pé à frente da perna.

Pode ser com os Verdes e os liberais?

Duvido. Acho muito difícil uma solução desse tipo. Porque são dois polos diferenciados, Particularmente quanto à política europeia. Resta saber quem será o ministro das Finanças, qual é a composição e o programa que este Governo alcança.

A sua perspetiva é que a Alemanha ficará muito mais limitada na sua margem de manobra?

O risco maior é que a Alemanha, na substituição do Draghi, dentro de um ano, possa vir a pressionar para uma solução muito mais ortodoxa do ponto de vista da política monetária. O que significaria menos pressão para a desvalorização do euro e maior pressão para o corte dos sistemas de financiamento. E portanto, um risco de aumento das taxas de juro. O que teria peso sobre Portugal. Portugal hoje alcança no mercado secundário taxas de juro que já são inferiores às que paga nos empréstimos institucionais. A média considerando os contratos anteriores é de 4,2%. Nós estamos muito abaixo disso: 3,20. Uma das propostas chave desse grupo de trabalho, reciclar o financiamento, está a ser feita com o FMI. Aplaudo isso. Mas nos outros créditos está a ser concretizada em pequena escala e acho que devia ser feito. Na verdade é uma leve operação de restruturação, mas que pode reduzir significativamente o peso dos encargos dos juros. Pagarmos 4% é insuportável do ponto de vista das comparações europeias e do esforço que implica. O Governo prevê um saldo primário em 2021 de 4,9%, que é uma coisa que Portugal nunca alcançou. E isso significa uma fortíssima restrição à atividade económica.

Temos que esperar até ao Natal sem grande esperança que exista uma negociação a nível europeu?

Essa é a estratégia do Governo, esperar que haja alguma abertura europeia, ou porque teve fé em Macron, ou porque teve fé em Merkel, ou porque tem fé nos dois juntos. Ou porque tem fé no que possa acontecer, que os elimine. Eu tenho muito pouca confiança numa possibilidade de uma abertura europeia significativa [à reestruturação da dívida]. Percebo que é preciso ganhar tempo. E acho que se deve começar a apresentar as nossas propostas de restruturação da dívida às instituições europeias que permitam iniciar um processo negocial nesse contexto. Quando chegarmos aos cinco mil milhões de euros de dívida ao FMI passamos a estar na quota normal do Fundo e deixamos de estar sobre a égide do seu processo. E aí serão as duas outras instituições.

E em relação à proposta de aumentar os dividendos do BdP, reduzindo as provisões, o Governo está a seguir essa política?

As contas que são públicas para o exercício anterior elevaram o pagamento de IRC, como é natural, e o pagamento de dividendos ao Estado português

É possível ir mais longe?

Foi uma alteração significativa da política do Bando de Portugal, totalmente justificada. A parte principal dos seus dividendos são lucros com a dívida pública portuguesa. Na verdade, devolve-se ao Tesouro público os lucros que ele suscitou no sistema dos bancos centrais. Por outro lado, a constituição de provisões tem uma justificação muito ténue. Porque são provisões para riscos gerais. E os riscos gerais são os riscos da República. Ou seja, o Banco de Portugal está a aumentar o seu capital na presunção de que a República não será capaz de cumprir as suas obrigações? Está, portanto, a dar um sinal aos mercados de que é preciso temer a capacidade da República. A política de provisões tem muito pouco sentido. Ao aumentar o pagamento dos dividendos o Banco de Portugal está só em linha com o que se está a passar noutros países.

Mas o seu raciocínio é: não devemos fazer seguros porque estamos a prever um evento, um acidente?

Não, não. Nada disso. O Banco de Portugal é o próprio agente que decide ou não fazer o acidente. Está a dizer: eu posso provocar um acidente a mim próprio, portanto crio um seguro para mim próprio. Não tem nenhum sentido. O Banco de Portugal é o Estado português. Não é um agente separado, não é um agente privado que especula sobre o Estado português. Deve constituir provisões mínimas, as necessárias para a sua operação. O Banco de Portugal está muito capitalizado, não tem nenhum risco de capital. Não tem nenhum risco específico. Nenhum risco de moeda. Ao contrário de um banco normal. E os riscos gerais são exclusivamente os riscos associados à República.

O Banco de Portugal tem dinheiro que é do Tesouro, tem que o entregar ao Tesouro. O Estado tem de ser disciplinado por uma coisa que se chama democracia. (…) Mas eu não percebo essa hostilidade à democracia. A democracia é ganhar e perder eleições. É punir os governos que fazem mal. Corrigir os erros. Não existe nenhuma forma de corrigir erros que seja superior à democracia. Não há. Não há nenhuma regra que saiba tudo.

O Banco de Portugal tem dinheiro que é do Tesouro, tem que o entregar ao Tesouro. O Estado tem de ser disciplinado por uma coisa que se chama democracia. (…) Mas eu não percebo essa hostilidade à democracia. A democracia é ganhar e perder eleições. É punir os governos que fazem mal. Corrigir os erros. Não existe nenhuma forma de corrigir erros que seja superior à democracia. Não há. Não há nenhuma regra que saiba tudo.

Francisco Louçã

Mas isso não é positivo no sentido de disciplinar o Estado?

Tirar-lhe dinheiro?

Sim.

Mas porque é que deve ser o Banco de Portugal a fazer isso, a ter poder para isso. O Banco de Portugal tem dinheiro que é do Tesouro, tem que o entregar ao Tesouro. O Estado tem de ser disciplinado por uma coisa que se chama democracia. Tanto quanto eu sei o Parlamento moderno foi constituído para disciplinar os governos na execução orçamental. A ideia de que possa haver uma espécie de agente omnisciente que possa impor alguma regra por cima da democracia cria-me alguma dificuldade.

Não devíamos pelo menos condicionar os partidos no poder para não usarem as instituições em benefício próprio para ganharem eleições? Porque isso provoca depois…

Mas eu não percebo essa hostilidade à democracia. A democracia é ganhar e perder eleições. É punir os governos que fazem mal. Corrigir os erros. Não existe nenhuma forma de corrigir erros que seja superior à democracia. Não há. Não há nenhuma regra que saiba tudo. A única regra fundamental é os cidadãos votam. Votam mal ou votam bem. Corrigem ou não corrigem. Mas é a única regra que nos permite viver uns com os outros. Caso contrário, se há alguém que diz aos governos o que devem fazer, deixa de haver necessidade de eleições.

Os bancos centrais estavam cheios de técnicos e tivemos a crise do subprime. Tínhamos os melhores técnicos, os mais inteligentes de todos. Perfeito. E tivemos a crise do subprime. Não brinquem comigo.

Os bancos centrais estavam cheios de técnicos e tivemos a crise do subprime. Tínhamos os melhores técnicos, os mais inteligentes de todos. Perfeito. E tivemos a crise do subprime. Não brinquem comigo.

Francisco Louçã

Mas a técnica pode saber. O saber, o conhecimento, pode orientar melhor a governação?

Desculpe, os bancos centrais estavam cheios de técnicos e tivemos a crise do subprime. Tínhamos os melhores técnicos, os mais inteligentes de todos. Perfeito. E tivemos a crise do subprime. Não brinquem comigo. Os técnicos querem o poder absoluto? Já tiveram o poder absoluto. E o poder absoluto foi um colapso em que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o PIB mundial desceu. Foi a isso que nos levaram. Porque acumularam triliões de dólares e euros em operações miríficas.

É a favor da discricionariedade e não das regras?

Sou a favor da democracia. Todas as instituições têm de estar sujeitas à única regras que conhecemos, que é imperfeitíssima, que vai permitir abusos, que vai permitir erros sucessivos, chama-se democracia. Foi para isso que se fizeram a revolta contra o rei de Inglaterra nos EUA: não há impostos sem representação.

Devíamos acabar com a independência dos bancos centrais, da Autoridade da Concorrência e dos reguladores?

Não vai acabar a independência dos bancos centrais.

Agora se me fala de reguladores de mercados em que se fez desaparecer a intervenção do Estado, não vejo nenhuma razão para dizer que este sistema foi melhor do que o sistema anterior. A regulação do sistema da EDP permitiu rendas extraordinárias. (…) Se comparamos as tarifas elétricas, de gás, de outros bens essenciais com outros países, perguntamos o que tem Portugal para ser o “El Dorado” destas empresas.

Agora se me fala de reguladores de mercados em que se fez desaparecer a intervenção do Estado, não vejo nenhuma razão para dizer que este sistema foi melhor do que o sistema anterior. A regulação do sistema da EDP permitiu rendas extraordinárias. (…) Se comparamos as tarifas elétricas, de gás, de outros bens essenciais com outros países, perguntamos o que tem Portugal para ser o “El Dorado” destas empresas.

Francisco Louçã

Mas o seu pensamento…

Sou muito realista. Não vai acabar essa independência. Ela vai continuar. É preciso que os bancos centrais estejam submetidos a um sistema de responsabilidade, como aquele que exigem ao conjunto da sociedade. Agora se me fala de reguladores de mercados em que se fez desaparecer a intervenção do Estado, não vejo nenhuma razão para dizer que este sistema foi melhor do que o sistema anterior. A regulação do sistema da EDP permitiu rendas extraordinárias.

Decididas pelos governos.

Decididas pelos governos e favorecidas pelos relatórios das autoridades reguladoras. Que muitas vezes fixam os preços, não é verdade? E os preços são absolutamente excessivos. Se comparamos as tarifas elétricas, de gás, de outros bens essenciais com outros países, perguntamos o que tem Portugal para ser o “El Dorado” destas empresas. E para permitir taxas de rentabilidade que eram inconcebíveis noutros países.

As direções-gerais faziam um papel melhor?

Não fizeram sempre. Mas os reguladores disfarçam a responsabilidade das empresas que protegem. Deveríamos ter um sistema em que há responsabilidade política. Não consigo compreender como, hoje em dia, pode haver um tal frenesim para afirmar, perante sociedades modernas, que é preciso reduzir a democracia e retirar do campo da decisão pública, social, democrática, os passos da deliberação sobre questões que nos afetam na vida diária. É como se as pessoas não pudessem, nunca, ter capacidade para decidir sobre as escolhas difíceis. Eu acredito, pelo contrário, que a democracia pode fazê-lo e tem de o fazer.

Quem manda em quem no novo modelo de supervisão financeira

Quarta-feira, Setembro 27th, 2017

Citamos

Quem manda em quem no novo modelo de supervisão financeira

 

Supervisão – Tavares ensarilhou o governo

Quarta-feira, Setembro 27th, 2017

Citamos

Ionline

O relatório sobre supervisão apresentado por Carlos Tavares tem três vícios. E basta lê-lo até à página 11 para perceber que só há um caminho possível para a supervisão em Portugal – vertente prudencial para o BdP e comportamental para a CMVM

Vamos lá ver se nos entendemos, o que está a ser discutido não é um texto da responsabilidade do governo, antes um estudo cocho da autoria de três personalidades.

Tenho Carlos Tavares como alguém com méritos vários. Porém, a exterioridade com que desempenhou as funções de presidente da CMVM não consagram curriculum para se transformar no grande “manitu” da supervisão. Mário Centeno teria feito bem se tivesse concedido a Pedro Siza a função de coordenação da comissão, porque sairia do círculo restrito, porque concederia uma leitura mais aprofundada a qualquer resultado, porque alargaria os contributos.

A Comissão Tavares não entendeu o alcance do despacho do ministro das Finanças. Este é bem claro quanto ao mandato que a comissão deve observar e quanto às propostas que deveria fazer – “reorganizar as funções de regulação e supervisão, reforçar a independência dos reguladores e supervisores face aos setores regulados e prevenir abusos do setor financeiro”.

O relatório apresentado por Tavares tem três vícios que, à partida, impõem a sua desconsideração. O primeiro, o da ausência de acompanhamento. Fosse Tavares um homem avisado teria constituído um núcleo de acompanhamento, integrando os atuais reguladores e personalidades de reconhecido mérito que permitissem alargar a visão, questionar a situação e calibrar as propostas. O segundo, o da negação do pensamento académico sobre a matéria. Ninguém pode afastar de um trabalho desta natureza quem estuda, pensa, cria doutrina nestas áreas (a bibliografia indicada é de uma pobreza franciscana). Tavares deve saber que há entidades com vocação, história e prestígio para o cumprimento da missão, sendo o caso mais relevante o do CEDIPRE, presidido por Vital Moreira. O terceiro universo é o do enquadramento legislativo das propostas. Um relatório desta natureza deveria observar o atual património orgânico e avançar com as grandes alterações a fazer para uma outra etapa a concretizar. Nenhum destes pressupostos foi conseguido.

Por outro lado, o relatório confunde as funções de regulação com as funções de supervisão e insere, ainda, as relevantes competências do mais recente universo da “resolução”. Alguém com critério teria apartado as três entidades de regulação atuais e deveria ter ponderado a sua existência, a mais-valia que elas comportam (ou não) para a economia, a sua carga regulamentar e o seu desempenho administrativo. Ora, o relatório é ausente deste universo.

Nas funções de supervisão, apesar de sobre elas consagrar teoria (desatualizada), não vai mais longe do que se poderia esperar perante o quadro vigente. Havendo três entidades com responsabilidades na supervisão, não se descortinando uma linha de rumo sobre os universos prudencial e comportamental, o que a comissão faz é deixar tudo como está, manter o minifúndio institucional que hoje vigora e partir para a criação de mais um ente, uma quarta perna num sistema francamente podre e tecnicamente incompetente.

Quem lê o relatório até à página 11 pode parar aí. Porque verifica, com clareza que só há um caminho possível para a supervisão em Portugal – vertente prudencial para o Banco de Portugal e comportamental para a Comissão de Mercados. Porém, a comissão Tavares mantém o que já hoje existe, porque a Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões tem uma palavra a dizer, e cria um Conselho que servirá de chapéu para o tripé. Nenhum outro país da EU confirma este ente abastardado.

Quem sabe coisas mínimas sobre administração pública rapidamente intui que um “conselho” não suporta atribuições e competências hard de administração. O relatório nada nos diz sobre o conteúdo final da quarta entidade, mas há uma pergunta a fazer – os atuais departamentos de supervisão do BdP, CMVM e ASF vão manter-se? Dependerão diretamente de quem? As orientações do novo Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira são de cumprimento obrigatório e imediato? Quem tem as competências regulamentares e contraordenacionais sequentes a ação de supervisão?

Olhemos agora para a alocação dos poderes de resolução. Esta matéria é revelante na leitura da Diretiva 2014/59/EU e seus desenvolvimentos comitológicos, mas é anacronicamente trabalhada por Tavares. Há, até, no texto uma perversão que não pode deixar de ser assinalada – a da captura do governo perante a decisão de intervir.

Tavares faz uma “chouriça” com dois condimentos incompatíveis, mistura água e azeite, consagra funções que em nenhum outro Estado se agregaram. Supervisão e Resolução têm origens teológicas diferentes, tempos de urgência diferenciados, vocações, sentidos e premências dissemelhantes.

A autoridade de resolução tem formatações diferentes de país para país. Porém, a que mais comum se constata é a da existência de um ente específico agregado ao Banco Central. É assim em França, Itália ou Irlanda. Ora, Tavares em vez de melhorar esta realidade atual, concedendo a segregação de funções ao nível operacional e decisório, optou por passar a “coisa” para esse novo Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira.

Não satisfeito com a criação esdrúxula, a proposta vai mais longe. Ao ministro das Finanças está entregue a responsabilidade de ser o bode expiatório de tudo o que vier a acontecer. No limite, toda a inação, incompetência e compadrio dos reguladores infra seria sempre assumida pelo CSSF e pelo governo. Há aqui dois problemas: 1º o que sempre esteve no funcionamento de reguladores e supervisores – passa culpas; 2º a da parlamentarização da responsabilidade de intervenção e resolução no sistema financeiro. Não vejo, com o atual registo parlamentar e com a maioria que atualmente suporta o governo, qualquer vantagem da proposta apresentada.

Por tudo isto, a proposta da comissão Tavares pode ter dois caminhos: seguir para aprovação pelo governo (faltando conhecer os diplomas que lhe dão corpo e a sua possível e difícil apreciação sucessiva pelo parlamento); ou esperar por 2019 quando houver outro governo, outra composição parlamentar e até outro líder do PSD. Sim, porque nisto tudo há um responsável que nunca se pode esquecer – o governo do PSD/CDS.

 

O BES e o novo modelo de supervisão

Segunda-feira, Setembro 25th, 2017

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Observador

O BES e o novo modelo de supervisão

Os casos BES e Banif não teriam acontecido se já tivéssemos o novo modelo de supervisão bancária em discussão pública? As arquitecturas de governação não mudam as pessoas nem alteram os incentivos.

O ministro das Finanças apresentou esta semana a proposta de reforma do modelo de supervisão financeira, elaborada pelo grupo de trabalho liderado por Carlos Tavares, ex-presidente da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários. As primeiras reacções à proposta concentraram as suas críticas e alertas às ameaças que contém à independência dos supervisores e reguladores, com especial relevo para o Banco de Portugal. Receia-se nomeadamente a governamentalização das funções de supervisão e das decisões de intervenção no sistema financeiro. É provável que assim seja mas sem que se altere os resultados que se obtiveram com o modelo actualmente em vigor.

Em termos gerais, a equipa liderada por Carlos Tavares propõe manter o actual sistema tripartido de supervisão: Banco de Portugal com as instituições de crédito, Comissão de Mercados de Valores Mobiliários com os instrumentos financeiros e a Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões com o sector segurador. A grande novidade é a criação de duas novas entidades, uma delas com áreas de actuação que actualmente pertencem ao Banco de Portugal e outra que teria como função mais importante permitir que o Governo tivesse a palavra final relativamente a intervenções no sistema financeiro com impacto nas contas públicas.

Na proposta, em discussão pública até dia 20 de Outubro, está consagrada a criação de um supervisor transversal, o Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira – que institucionaliza o actual Conselho Nacional de Supervisores Financeiros. Este novo órgão goza de estatuto de independência e autonomia financeira e de gestão, garantido pelo modelo de nomeação da sua administração executiva e por estarem ali representados os três supervisores. No quadro do que se propõe, este órgão passará a ser a autoridade macroprudencial e a autoridade nacional de resolução, cabendo-lhe, neste domínio, a função de decidir e executar as medidas de resolução. Qualquer uma destas funções está agora no Banco de Portugal, ainda que a resolução esteja autonomizada. Além disso, este Conselho assegura “a troca institucionalizada de informação”.

É ainda criado o Conselho Superior de Política Financeira presidido pelo Ministro das Finanças cujo objectivo é garantir a “necessária articulação e a cooperação entre todas as entidades a quem cabe a missão de assegurar a estabilidade financeira do país (Governo, Banco Central e Supervisores)”, como se pode ler na proposta. Este organismo, que funcionaria junto do Conselho transversal de supervisão, tem obrigatoriamente de ser ouvido num conjunto de decisões de supervisão, como por exemplo as que tenham impacto na conta de exploração dos bancos. Além disso, os representantes do Ministério das Finanças ficam com poder de veto nas decisões que tenham efeitos nas finanças públicas. Ou seja, as deliberações com efeitos nas contas públicas não podem ser adoptadas quando exista oposição das Finanças.

A principal critica a esta mudança de arquitectura tem vindo do PSD, que considera, nas palavras de Pedro Passos Coelho, “uma perversão” criar um conselho de supervisores onde está o Governo, defendendo que Portugal caminha no sentido contrário das tendências europeias de reforço da independência dos supervisores e reguladores. Como pudemos ver pelo resumo da proposta, o Governo está presente no Conselho Superior, com poder de veto em intervenções que tenham impacto nas finanças públicas, mas também com poder de se pronunciar sobre uma vasta gama de decisões – por exemplo, decisões com impacto na conta de exploração dos bancos.

Parece claro que a proposta, que o Governo já aceitou, limita os poderes do Banco de Portugal enquanto autoridade de supervisão, o que não significa, necessariamente, que o torne menos independente. Terá menos poder absoluto, no sentido de poder tomar decisões sozinho sem dar satisfações a ninguém.

Parece igualmente claro que o poder de intervenção do Governo aumenta. A questão que merece reflexão é: esse poder aumenta de facto ou é apenas institucionalizado, tornando-se, no limite, mais transparente?

Um dos exercícios que vale a pena fazer quando se olha para esta proposta é pensá-la à luz do que poderia ter acontecido ao BES e ao Banif se esta arquitectura estivesse na altura em vigor.

E à luz do que se sabe hoje parece que pouco ou nada de diferente teria acontecido. Apenas num aspecto temos a garantia de que seria diferente: o Banco de Portugal teria partilhado informação com os outros supervisores, designadamente com a CMVM e a Autoridade de Supervisão dos seguros. Mas nada nos garante que o que pode ter acontecido por omissão ou falta de informação não tivesse ocorrido da mesma forma, desta vez por decisão, por escolha activa dos supervisores. E essa pode ser a grande vantagem deste modelo porque inviabiliza que as partes digam que não actuaram porque não sabiam, escudando-se no Banco de Portugal.

A pouco e pouco, o caso BES suscita mais perguntas do que respostas. Por exemplo, como é que a CMVM não actuou de forma mais activa através dos fundos de investimento no caso do papel comercial e como é que, com essa informação que tinha, não sabia o estado em que estava o BES e viabilizou o aumento de capital? E como é que o Banco de Portugal com o que já sabia pelo menos em Novembro de 2013 – há quem garanta que já sabia o suficiente no Verão de 2013 – deixou Ricardo Salgado à frente do BES e não forçou uma capitalização com dinheiro público numa altura em que isso ainda era possível? Ou ainda, porque é que o Governo de Pedro Passos Coelho, quando regulamenta a capitalização dos bancos com dinheiro da troika não obriga todos os bancos sem excepção a usarem esses recursos, permitindo que o BES actue em concorrência desleal dizendo que não precisa desse capital?

Sim, cada uma das partes tem explicações para o que não fez. A CMVM diz que não podia fazer mais do que fez, como diz o Banco de Portugal e o Governo. Não se podia impedir a emissão de papel comercial, não se podia tirar Ricardo Salgado do banco, não se conseguia impedir os aumentos de capital, não se conseguia obrigar o BES a usar o dinheiro da troika. Estes são genericamente os argumentos das partes, nalguns casos com uns a desculparem-se com o que os outros deveriam ter feito e não fizeram.

Se o modelo proposto por Carlos Tavares estivesse em vigor na altura teria acontecido exactamente o mesmo. Os condicionalismos de cada um estavam lá bem presentes e continuariam a ditar a “não decisão” no tempo em que ainda conseguiam controlar o desenrolar dos acontecimentos.

Imaginemos que o Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira existia e que se debatia ali o “buraco” de 1200 milhões de euros no BES descoberto em Novembro. Como actuar? Levando em conta o que tem sido o padrão de “não decisão” nesta matéria bancária, e que remonta ao BPN, o mais certo é que andassem a arrastar os pés com papéis para uns e para outros sem tomarem nenhuma decisão, basicamente por medo dos seus efeitos. (É preciso lembrar que em Novembro de 2013 Ricardo Salgado era ainda visto como o Dono Disto Tudo).

Mas vamos admitir que os supervisores e reguladores deste conselho transversal deliberavam por uma intervenção no BES. A deliberação, no quadro do que está proposto neste novo modelo, tinha se ser submetida ao Conselho Superior de Política Financeira presidido pelo ministro das Finanças. E se a proposta dos supervisores fosse a de uma capitalização com dinheiros públicos, o ministro das Finanças teria poder de veto. O que faria um ministro das Finanças em Novembro de 2013, a meses de poder mostrar uma “saída limpa” da troika? Ou em Agosto de 2014, depois da “saída limpa” e a poucos meses de eleições? Tudo teria acontecido como aconteceu: adiar a decisão em Novembro e forçar a resolução como ela foi feita – em modelo “faz de conta que não há custos para os contribuintes”. Fosse qual fosse o Governo, do PS ou do PSD.

Uma das grandes vantagens do modelo proposto por Carlos Tavares e adoptado pelo Governo é a de tornar o processo de decisão mais transparente: saberemos quem decidiu, sem que ninguém se possa desculpar com o vizinho do lado. Mas há um problema que não há modelo que resolva, o da tendência que temos para ir adiando decisões quando os problemas são difíceis. Foi assim com o BPN, assim foi com o BES e o Banif. E assim será com outros casos que possam acontecer, com esta ou outra qualquer arquitectura de supervisão, mais ou menos formalmente independente dos governos.

Quando o supervisor não se supervisiona

Terça-feira, Agosto 22nd, 2017

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Eco

Quando o supervisor não se supervisiona

A história tem contornos rocambolescos: um funcionário do Banco de Portugal comprou e vende ações do BES nos dias anteriores à resolução do banco, no dia 3 de agosto de 2014, comunicou tarde, em outubro, a superiores hierárquicos e ao consultor de ética do banco central, mas estes guardam a informação para si (sabe-se lá porquê) e não a transmitem ao conselho de administração do Banco de Portugal. Passados três, anos, Carlos Costa é confrontado com uma investigação do Ministério Público por suspeitas de inside trading de um funcionário do Banco de Portugal. Portanto, o supervisor não consegue supervisionar a sua própria casa, é isso?

Vamos lá ver. Funcionários desonestos ou sem o mínimo de bom senso há em todo o lado e nenhuma organização pode garantir que não há qualquer risco de isso vir a acontecer. E, neste caso, ainda não se sabe se há crime de mercado, isso caberá à justiça decidir. Os problemas são outros, e não são menos graves tendo em conta que estamos a falar de uma entidade de supervisão do setor bancário.
Como é possível que responsáveis de alto nível – Orçando Caliço, já reformado, à data ‘consultor de ética’, e Rui de Carvalho, diretor do departamento desse funcionário – tenham considerado que a compra e venda de ações de um banco em vias de resolução não justificava uma comunicação formal ao conselho de administração? No mínimo, por risco de conflito de interesse, no máximo, por inside trading. De certeza, pela credibilidade e reputação de um supervisor que impõe obrigações de ‘compliance’ e de regras aos bancos e aos gestores que supervisiona.

Fica claro, pela história de Rui Peres Jorge, do Negócios, que terá havido uma qualquer informação prestada a um administrador, José Ramalho, que também ficou na gaveta. Algumas destas figuras já saíram do banco ou já se reformaram. Mas o impacto na reputação e credibilidade do que decidiram, isso, continua a afetar o Banco de Portugal e o próprio governador que, por sinal, acreditava tanto no diretor Rui de Carvalho ao ponto de o ter proposto para administrador ainda há poucos meses. Foi um nome chumbado por Mário Centeno, por causa de outras guerras com o próprio governador, mas deve estar a sorrir perante estes novos factos.

A lei de supervisão interna do Banco de Portugal mudou em 2015, já é proibida a compra de ações por parte dos funcionários e há um Gabinete de Conformidade para garantir que casos destes não voltam a suceder e que há comunicação imediata se tal for apurado ao governador. Mas a lei não muda a cultura, como sabemos.

O que ressalta deste caso é um problema de poderes difusos e de cultura numa organização.

Carlos Costa, por convicção e necessidade, aparece permanentemente como o que tudo sabe e tudo decide no Banco de Portugal. Não é verdade, como o próprio às vezes tem necessidade de dizer, mas só pode queixar-se de si próprio. Há vários poderes naqueles corredores, com poder de facto, e que decidem sem passar palavra ao governador. Já se tinha visto com o antigo vice-presidente com o pelouro da supervisão, Pedro Duarte Neves, no tempo da resolução do BES.

Além disso, há um problema de cultura. O governador passa a mensagem errada para dentro da própria instituição quando decide não revelar o relatório feito pela Deloitte sobre a atuação do banco central no caso BES. A cultura do Banco de Portugal sempre foi a de um supervisor acima dos outros, com um poder de encaixe limitado às críticas. Não é de Carlos Costa, vem de trás e até é necessário reconhecer a disponibilidade permanente do atual governador em prestar contas no Parlamento, o que não acontecia com os seus antecessores. Mas não chega.

Carlos Costa precisa de fazer mais. Tem de garantir a eficácia dos novos mecanismos internos de supervisão, mas também tem de abrir o Banco de Portugal à sociedade, tem de promover a transparência da instituição como forma de pressão externa. Fica a lição, que deixa toda a gente mal na fotografia, mas sobretudo afeta, mais uma vez, a credibilidade do Banco de Portugal como supervisor bancário.

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Salgado e Morais Pires recorrem de novo processo do Banco de Portugal

Terça-feira, Julho 25th, 2017

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Negócios

O BES “mau” e o ex-administrador António Souto não recorreram da condenação do Banco de Portugal sobre as falhas de controlo do BES relativamente às sucursais. Ricardo Salgado e Morais Pires impugnaram a decisão.

Nova supervisão? Banco de Portugal só admite perder resolução

Domingo, Maio 7th, 2017

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Eco

Nova supervisão? Banco de Portugal só admite perder resolução

Carlos Costa quer manter política macroprudencial na esfera do Banco de Portugal. Só abdica do poder de resolução bancária, embora pretenda manter-se dentro das decisões sobre liquidação de bancos.

OBanco de Portugal pretende manter na sua esfera de poder a política macroprudencial, admitindo apenas ficar sem as competências de resolução bancária no novo modelo de supervisão financeira que o Governo pretende implementar para assegurar a estabilidade do sistema. Mas mesmo quanto à liquidação de bancos, que deve transitar para uma entidade autónoma, a instituição liderada por Carlos Costa quer continuar a participar nos processos de que foram exemplo BES e Banif no passado, isto porque considera que as funções de resolução beneficiam em larga medida de sinergias com a função de supervisão.

Esta “recomendação” do banco central, sabe o ECO, já foi transmitida ao ministro das Finanças, Mário Centeno, que há um ano pediu contributos aos três supervisores — além do Banco de Portugal, também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Autoridade de Supervisão de Seguros (ASF) foram chamados a emitir as suas sugestões — no âmbito da reformulação do modelo de supervisão que está a empreender. Se no caso dos poderes de resolução de bancos existirá um alinhamento de opiniões entre Executivo e supervisor, o braço de ferro entre Mário Centeno e Carlos Costa disputa-se essencialmente em relação aos poderes de política macroprudencial que o ministro quer retirar das mãos do governador.

No entendimento do Banco de Portugal, de acordo com o seu contributo enviado ao Ministério das Finanças a que o ECO teve acesso, há vários motivos pelos quais as responsabilidades de autoridade macroprudencial, relativa à estabilidade do sistema financeiro como um todo, devem permanecer no perímetro do banco central — e não devem ser transferidas para uma outra entidade supervisora, como pretende o Governo:

  1. Verifica-se um alinhamento de incentivos dos bancos centrais quanto aos objetivos da estabilidade financeira e estabilidade de preços, porquanto a prossecução dos objetivos da política monetária beneficia de estabilidade financeira e esta última da estabilidade de preços, e ambos têm subjacente preocupações de médio e longo prazos.
  2. Adicionalmente, tendo em atenção as suas funções na monitorização e avaliação de riscos sistémicos, verifica-se que os bancos centrais detêm expertise e competências técnicas em matérias de estabilidade financeira.
  3. Finalmente, tendo em atenção que as decisões de política macroprudencial podem ser “impopulares”, designadamente na sua vertente contracíclica, a independência dos bancos centrais pode ser um fator decisivo no desempenho desta função.

Ainda assim, acrescenta o banco central na orientação enviada ao ministro Centeno, isto não invalida a “necessidade de manter um mecanismo que assegure a devida articulação com outras autoridades relevantes, em particular as restantes autoridades de supervisão”. Ou seja, com o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, que ganha mais importância no desenho de supervisão esboçado pelo Banco de Portugal.

Sem resolução mas dentro das decisões

BES. Carlos Costa convida partidos a consultar documentos. “Sem telefones”

Sexta-feira, Março 24th, 2017

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Dinheiro Vivo

O Governador do Banco de Portugal diz que “nunca subiu” ao conselho de administração uma proposta fundamentada para retirar a idoneidade de Salgado

O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, sugeriu esta quinta-feira que os deputados da comissão de orçamento e finanças criassem um comité em que um deputado de cada grupo parlamentar vá consultar “sem telefones nem máquinas fotográficas” os documentos existentes sobre o caso BES. O governador está a responder aos deputados e, perante a insistência do deputado do PS João Galamba sobre se existem ou não mais dois pareceres técnicos além do que foi divulgado pela SIC sobre a retirada de idoneidade a Ricardo Salgado, exigindo que o governador “assuma a responsabilidade”

Carlos Costa irrita-se. “Desafio esta câmara a constituir um comité, como nos países nórdicos, em que um membro de cada partido vem consultar a documentação, sem telefones, sem máquinas fotográficas e vão verificar que não temos qualquer questão do ponto de vista da clareza dos assuntos”. Carlos Costa voltou a frisar que a segurança jurídica para a retirada de idoneidade tem de ser bem fundamentada, por causa da lei em vigor enquanto João Galamba defende que o que existe é um acórdão, uma interpretação, a não uma lei.

“Há muitos documentos internos, de trabalho, que estão disponíveis que resultam do facto de o Banco de Portugal não ser uma instituição monolítica”, diz Carlos Costa, sobre a nota técnica revelada pela SIC mas não confirmando directamente se existem os dois documentos referidos pelo deputado do PS. “Há espaço para divergência de opiniões”, acrescenta. “Quem fez a fuga do documento devia ter incluído o despacho” que dizia que se devia aprofundar a investigação.

Também deveriam ter sido incluídos os pareceres que concluem que não havia razões para retirar a idoneidade, ironiza Carlos Costa. “Nunca subiu ao Conselho de Administração uma proposta fundamentada de retirada de idoneidade”, frisou, dizendo que houve apenas discussão de andamento processual. “No dia em que convidei a família para vir ao banco de Portugal e lhes comuniquei que não podiam continuar a frente do banco eu tinha de ter fundamentos”, acrescentou.

As três respostas de Carlos Costa à reportagem da SIC

Sexta-feira, Março 24th, 2017

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Eco

As três respostas de Carlos Costa à reportagem da SIC

 

Carlos Costa pediu para ir ao Parlamento defender a sua reputação. Fê-lo esclarecendo três pontos essenciais: a idoneidade de Salgado, o relatório do BPI e a filial do BES no Dubai.

A SIC colocou em causa a atuação do Banco de Portugal no caso do Grupo Espírito Santo (GES) e o governador Carlos Costa pediu para ser ouvido no Parlamento para “defender a sua reputação”. Numa intervenção inicial, deixou esclarecimentos sobre as três principais questões levantadas pela reportagem “Assalto ao Castelo”, transmitidas este mês pela estação televisiva e que, segundo o governador, “distorceram gravemente a credibilidade do acompanhamento do Banco de Portugal, desacreditando ostensivamente a função de supervisão do Banco de Portugal”.

Carlos Costa cumpriu o seu “dever de repor a verdade dos factos” e deu “esclarecimentos que as reportagens deliberadamente ignoraram”. Mais concretamente, falou sobre a idoneidade de Ricardo Salgado, sobre o relatório que o BPI fez a situação financeira do ramo não financeiro do GES e sobre a filial do BES no Dubai.

Em discurso direito, e ponto por ponto, aqui ficam as explicações do governador.

Por que não foi afastada a administração do BES mais cedo?

“A lei atribui ao Banco de Portugal competência para avaliar se os órgãos das instituições de crédito reúnem condições de idoneidade e credibilidade suficiente para administrar essas instituições. O Banco de Portugal acompanha em permanência todas as informações relevantes para a avaliação desses requisitos. No caso do BES, a nota referida na reportagem da SIC, de novembro de 2013, enquadra-se neste exercício de acompanhamento permanente, tendo sido desenvolvida a pedido do conselho de administração do Banco de Portugal.

“Esta nota envolve informações de natureza pessoal, que chegaram ao conhecimento do Banco de Portugal em consequência da sua função de supervisão, estando sujeitas ao dever de segredo de supervisão, razão pela qual esta nota não chegou à comissão parlamentar de inquérito [ao BES, realizada em 2014].

“Como tenho vindo insistentemente a sublinhar, as decisões do Banco de Portugal estão sujeitas a apertadas condições legais, que se traduzem na exigência de determinados pressupostos legais, aplicáveis ao exercício da autoridade pública. No final de 2013, o Banco de Portugal não dispunha da indispensável comprovação factual que permitisse abrir um processo formal de reavaliação de idoneidade dos administradores em causa. Isso mesmo é referido na reportagem.

“O que importa salientar é que, na sequência daquela nota, foram desenvolvidas pelos serviços competentes do Banco de Portugal diligências de apuração dos factos relevantes para avaliação da idoneidade, nomeadamente através de troca de correspondência escrita e reuniões presenciais.

No âmbito deste processo de avaliação, o Banco de Portugal não aprovou os pedidos de registo para o exercício de funções em outras entidades do GES, o que veio a culminar com a retirada desses pedidos pelos próprios em março e abril de 2014.

“Recordo e sublinho que o conselho de administração do BES integrava 25 pessoas, a larga maioria das quais com longa experiência no setor bancário. De entre as ações desenvolvidas, destaco as múltiplas diligências desenvolvidas junto do Crédit Agricole, acionista de referência, exigindo nomeação de outra pessoa para o conselho de administração.

“Tudo isto foi claramente documentado na informação transmitida à comissão parlamentar de inquérito”.

Que sequência foi dada ao documento entregue pelo BPI ao Banco de Portugal, sobre a situação financeira do ramo não financeiro do GES?

“No dia 1 de agosto de 2013, o BPI entregou ao Banco de Portugal uma avaliação do ramo não financeiro do GES, com especial incidência na Espírito Santo Internacional. A avaliação de que o Banco de Portugal colocou este documento na gaveta é falsa.

“A informação foi incorporada nas diligências junto do Espírito Santo Financial Group. Em resultado das conclusões das três ações de supervisão levadas a cabo desde 2011, o Banco de Portugal decidiu levar a cabo o ETRICC 2. Fomos aos grandes clientes verificar se as contas correspondiam à realidade patrimonial desses clientes, para avaliar se o risco dos bancos estava bem ou mal avaliado.

“Este exercício foi, na altura, um exercício inédito no panorama europeu, em termos do seu alcance e grau de profundidade. Entre os 12 grupos económicos analisados, encontrava-se o ramo não financeiro do GES. Foi assim que se detetou, no final de 2013, que as contas reportadas pela ESI não correspondiam à sua realidade financeira.

“Ninguém tinha identificado isto antes do Banco de Portugal.

“Tudo isto, incluindo a avaliação do BPI, foi oportunamente partilhada com a Assembleia da República no âmbito da comissão parlamentar de inquérito [de 2014].

Qual foi a atuação do Banco de Portugal relativamente aos problemas de controlo interno na filial do BES no Dubai?

O Banco de Portugal não tinha competência para exercer a sua supervisão, em base individual, à filial do BES no Dubai, mesmo estando esta filial incluída no perímetro de supervisão em base consolidada. A filial só estava sujeita à supervisão do regulador do Dubai.

“Contudo, no quadro do processo de cooperação entre a autoridade de supervisão, o Banco de Portugal estabeleceu, por sua iniciativa, vários contactos com a autoridade de supervisão bancária do Dubai, que informou o Banco de Portugal de deficiências no mecanismo de controlo interno, bem como de dúvidas relativamente à origem de fundos investidos em entidades do GES.

“Para além disso, a autoridade do Dubai transmitiu as medidas corretivas impostas à filial do BES. Com estas informações, o Banco de Portugal pediu à Espírito Santo Financial Group um ponto de situação sobre a implementação destas medidas corretivas.

“Para terminar, quero sublinhar que, apesar das limitações existentes, na época, aos poderes do Banco de Portugal para retirar idoneidade, em todos os momentos o Banco de Portugal fez uso empenhado e atento dos meios permitidos pela lei. À posteriori, com as informações que temos hoje, é fácil e é tentador questionar a supervisão. A supervisão merece o reconhecimento de que agiu sempre de modo diligente e com determinação”.