O ex-governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, disse hoje que não garantiu que a capitalização pública do BES fosse efetivada, divergindo das palavras de antigos administradores do banco na comissão de inquérito ao Novo Banco.
“O que foi dito não é que tinha a linha de capitalização, é que existiam mecanismos de capitalização previstos, que são os que estão consagrados na lei, e naturalmente que as pessoas tinham que acionar esses mecanismos, não junto do Banco de Portugal, mas junto do Ministério das Finanças”, referiu hoje na comissão de inquérito ao Novo Banco.Respondendo ao deputado João Paulo Correia (PS) na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, Carlos Costa disse que o Governo, através das Finanças, era “o interlocutor para efeitos de recapitalização, como foi para o BPI, BCP e para os outros bancos”.
O deputado socialista lembrou que antigos administradores do BES e Novo Banco como Vítor Bento, João Moreira Rato e José Ramalho tinham dito que o governador do Banco de Portugal tinha assegurado essa linha de capitalização.
O ex-governador referiu que “qualquer um deles sabe que quem dispõe da linha não é o Banco de Portugal”, mas sim o Ministério das Finanças.
“Para que não haja confusões: uma coisa é dizer que há a linha, outra coisa é dizer que eu garanto que se utiliza a linha”, lembrando que, “na época, o dinheiro resultante ainda estava disponível, e a mobilização desse dinheiro tinha que ser feita de acordo com os mecanismos estabelecidos na lei”, disse Carlos Costa.
O antigo governador do BdP afirmou que “garantir a existência da disponibilidade da linha para recapitalização pressupõe preencher os requisitos para ter acesso à linha”.
Numa audição no dia 24 de março, José Honório disse que Carlos Costa lhe assegurou que teria lugar uma capitalização pública do banco caso houvesse problemas.
Perante a reticência de Honório em aceitar o cargo, de acordo com o antigo administrador do banco, o então governador do BdP disse para não estar “preocupado”.
“Aí temos a linha de recapitalização pública do banco”, disse Carlos Costa a José Honório, de acordo com o relato do último na comissão de inquérito ao Novo Banco.
No dia anterior, o antigo presidente do BES e Novo Banco Vítor Bento já tinha dito que ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, com quem só falou uma vez, não lhe mentiu e deixou claro a inexistência de vontade política para um apoio público ao banco.
Vítor Bento já tinha recordado que o BdP tinha dado “reiteradas garantias públicas que estava disponível a linha de capitalização pública”, não lhe passando “pela cabeça” que “não tivesse havido um acerto de posições prévia” com o Governo.
O antigo presidente do BES e do Novo Banco Vítor Bento disse hoje no parlamento que provavelmente não teria entrado no BES caso tivesse mantido a exigência de ter as contas do primeiro semestre de 2014 aprovadas.
“Provavelmente se eu tenho mantido a exigência de só entrar depois das contas aprovadas, não teria chegado a entrar”, disse hoje Vítor Bento na sua audição da comissão de inquérito ao Novo Banco, que decorre no parlamento, referindo-se às contas do BES do primeiro semestre de 2014, prejuízos de 3,6 mil milhões de euros.
O economista disse que depois da resolução “o balanço fica um bocadinho indefinido”, sendo encomendada uma auditoria à consultora PwC.
“Só no final dessa auditoria é que se ficaria a conhecer verdadeiramente a valorização dos ativos que constavam do balanço. Até aí era um bocadinho uma situação, se me permite a expressão, de limbo quanto a essa valorização”, respondeu à deputada Cecília Meireles (CDS-PP).
Vítor Bento lembrou que essa auditoria só foi conhecida em dezembro, já depois da sua saída, e já antes das contas terem sido apresentadas no final de julho, mês que “entre outras coisas trouxe uma desvalorização assinalável na participação na PT”, de 106 milhões de euros, segundo a deputada centrista.
“Depois, o impacto das exposições indiretas, papel comercial, obrigações, etc… ainda não estavam devidamente clarificadas” relativamente ao seu impacto total, segundo Vítor Bento.
Anteriormente na audição, Vítor Bento já tinha dito que o capital inicial dotado para o Novo Banco [4,9 mil milhões de euros] “estava demasiado à pele” em termos do cumprimento dos rácios prudenciais.
“O facto de ter um capital demasiado à pele era negativo, por um lado, para o `rating do banco, e sendo negativo para o `rating do banco tinha uma influência negativa na avaliação que as contrapartes faziam da própria atividade do banco, e do risco que o banco representava para essas contrapartes”, nomeadamente em linhas de crédito do mercado, “essenciais para a normalização” da instituição, segundo o antigo responsável.
“A primeira sensação que tive quando me foi colocada a resolução, e nos termos em que foi colcoada, é que o banco bom seria um banco normal, que seria gerido, recuperado e dentro dessa recuperação tentar fazer a sua valorização”, tendo percebido no dia seguinte “que o cenário não era esse” no quadro da resolução.
Vítor Bento disse ainda que o interlocutor principal no Banco de Portugal foi o governador Carlos Costa, mas não nas semanas seguintes à resolução (03 de agosto).
“Nas primeiras semanas após a resolução tivemos muito pouco contacto direto com o senhor governador, porque ele entretanto tinha ido de férias, o que era compreensível, tinha tido um período muito desgastante para ele, portanto só voltámos ao contacto com o senhor governador no dia 20 de agosto”, referiu.
Governador do Banco de Portugal atirou responsabilidades sobre avaliação dos activos do Novo Banco para a equipa de gestão liderada por Vítor Bento. Gestor recorda que recusou assinar as contas do BES.
O posicionamento recente do governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, sobre os acontecimentos que culminaram na aplicação da medida de Resolução ao BES, a 3 de Agosto de 2014, está a suscitar interrogações dentro da instituição de supervisão e entre membros da equipa de gestão de Vítor Bento, que era o presidente-executivo (CEO) do BES à época.
Não só porque aparentemente se esqueceu do que foi escrito num memorando confidencial do BNP Paribas, assim como das conclusões da “avaliação independente sem precedentes quanto à sua natureza, profundidade, âmbito e prudência” que o BdP encomendou à PwC (que decorreu entre 4 de Agosto e Dezembro de 2014), que concluiu que a divisão dos activos do BES tinha sido adequada, e que o banco estava bem capitalizado no final de 2014. Mas também porque tem vindo a apresentar uma versão particular dos acontecimentos da época.
A 13 de Março de 2019, em entrevista ao Expresso, o economista Vítor Bento, que 15 dias antes da resolução assumira a presidência do BES, considerou que “a avaliação inicial do Novo Banco, aquando da criação, foi mal feita e houve uma sobrevalorização dos activos”. Em Maio daquele ano, confrontado com a declaração de Bento, Carlos Costa contestou: “Não fui eu que assinei as contas de 27 de Julho de 2014 e não foi isso que disseram os auditores que as auditaram “. E avisou: “As pessoas têm de ter cuidado com o que dizem sob pena de darem um tiro nos pés. Se alguém que assinou umas contas diz que as contas não eram o que eram, está naturalmente a cair num campo muito pantanoso”.
Já em Maio de 2020, interpelado pelo Expresso, no âmbito da comemoração dos seus 10 anos de mandato no BdP, sobre se a “injecção feita ao Novo Banco em Agosto de 2014 ficou aquém daquilo que o banco precisaria”, e se houve “uma má avaliação dos activos tóxicos”, Carlos Costa insistiu: “Muito simples. No fim-de-semana nós trabalhámos com o balanço que nos foi entregue no dia 27 de Julho pelo Conselho de Administração do BES. Se o balanço tinha activos mal avaliados ou não, é uma questão que tem a ver com o Conselho de Administração da época e do seu presidente, que nos entregou esse balanço. Tem a ver com o auditor externo [a KPMG].”
Ao PÚBLICO, Vítor Bento põe em questão as declarações de Carlos Costa: “Não tive intervenção nas contas do BES, tendo, aliás, sido inibido de o fazer pelo próprio BdP, como condição para que eu entrasse no banco antes dessas contas serem aprovadas. Assumir funções só depois dessas contas aprovadas era a minha intenção publicamente conhecida na altura”. Neste cenário, “dada a urgência do BdP para que eu e os meus colegas entrássemos, considerámos que só o faríamos se fôssemos formalmente exonerados de responsabilidade nessas contas. Condição que o BdP aceitou, tendo-nos inibido formalmente de nelas intervir, como documentado na página 52 do comunicado dessas contas.”
O diferendo entre Vítor Bento e Carlos Costa não é de agora. Na véspera de o BES ser intervencionado, a 2 de Agosto, o governador reuniu-se com Vítor Bento, a quem garantiu que o banco só seria vendido ao fim de cinco anos, dando tempo para o sanear. E foi com esta promessa que Bento saiu nesse dia do BdP, o que evitou que se demitisse naquele momento crítico, a horas de Carlos Costa anunciar a resolução ao BES. Um mês depois, em Setembro de 2014, Carlos Costa anunciou que a intenção do Fundo de Resolução mudara e o banco seria colocado no mercado em dois anos, em linha com o que pretendia Maria Luís Albuquerque. E Bento demitiu-se.
Entre 3 de Agosto de 2014 e 2020, o Fundo de Resolução, que é risco público, já injectou no Novo Banco (onde mantém 25%, sem controlo de gestão), um total de 7,876 mil milhões de euros, a quase totalidade com empréstimos do Estado e com possibilidade baixa de os recuperar. Já o Lone Star pagou mil milhões de euros para ficar com 75% do capital.
No primeiro trimestre de 2020, António Ramalho voltou a anunciar prejuízos de 180 milhões de euros, desta vez atribuídos a efeitos negativos da pandemia de covid-19. Mas o que chamou a atenção foi a comunicação de que dos 180 milhões de euros, 120 milhões resultavam de perdas associadas a operações financeiras. Recorde-se que o impacto da covid-19 só se começou a sentir a partir da segunda semana de Março, quando a generalidade dos países decretou o início do período de confinamento.
Com um balanço supostamente saneado, só falta saber a que entidade o Lone Star vai vender o Novo Banco. E ao mais alto nível na instituição faz-se saber que há três potenciais interessados, todos espanhóis: Santander, BBVA e CaixaBank (dona do BPI). Na TVI, na sua rubrica semanal, Pedro Santos Guerreiro avançou, entretanto, que há igualmente movimentações para promover uma concentração entre o Novo Banco e o BCP.
Tendo em conta os mais de 6,5 mil milhões que os contribuintes já colocaram na instituição, o Governo deverá, desta vez, avaliar se deixa a solução apenas nas mãos da gestão, do accionista norte-americano e das autoridades europeias, ou defende convenientemente o dinheiro do Estado, conforme tem sublinhado que é que quer fazer na TAP.
O Novo Banco precisava de mais dinheiro quando foi criado. Não o percebeu imediatamente, mas com o tempo, sim. Acredita que deveria ter havido uma nacionalização e não uma venda. Está contra a auditoria e uma comissão de inquérito. Considerações deixadas por Vítor Bento, ex-presidente do BES e do Novo Banco, à RTP3
O sucessor de Ricardo Salgado à frente do Banco Espírito Santo e primeiro presidente do Novo Banco, Vítor Bento, considera que a avaliação inicial feita à instituição financeira, que o capitalizou com os 4,9 mil milhões de euros iniciais, foi “mal feita”.
“A avaliação dos ativos na altura foi mal feita. Os ativos não se terão desvalorizado propriamente de então para cá. Houve uma sobreavaliação na altura em que foi feito”, afirmou Vítor Bento, atualmente presidente não executivo da SIBS, em entrevista à RTP3 no programa “Tudo É Economia”.
O Novo Banco foi criado a 3 de agosto de 2014 no âmbito da resolução do BES, ficando com os seus ativos e passivos então considerados saudáveis, permanecendo no banco mau a carteira vista como tóxica, na ótica do Banco de Portugal, que é a autoridade de resolução. Recebeu 4,9 mil milhões de euros do Fundo de Resolução, 3,9 mil milhões dos quais emprestados pelo Estado. “Hoje é patente que o capital com que o banco foi dotado não era suficiente para o funcionamento”, continuou Vítor Bento, acrescentando que não teve qualquer intervenção nessa divisão.
“Se se tivesse assumido mais cedo a desvalorização desses ativos, era necessário ter dotado banco de mais capital”, justificou. O dinheiro foi necessário mais tarde: houve perdas de 2 mil milhões de euros impostas a investidores privados com títulos de dívida do Novo Banco em 2015, houve ainda uma injeção do Fundo de Resolução de 792 milhões de euros em 2018, a que vai acrescer a colocação de mais 1149 milhões este ano. Podem ainda ser convocados mais 2 mil milhões de euros da parte do mesmo veículo no âmbito do chamado mecanismo de capitalização contingente.
Não existindo dotação de capital inicial, não foi possível limpar o banco logo à cabeça, ao contrário do que aconteceu com a Caixa Geral de Depósitos, como lembrou Vítor Bento. O banco público pôde assumir mais rapidamente as perdas, “sem ter o saco de tijolos de ativos desvalorizados do passado”, quando recebeu a injeção de 3,9 mil milhões estatais em 2017.
Vítor Bento diz que não percebeu logo que havia falta de capital no banco. “Quando assumi a presidência imediatamente não, mas com o tempo sim”, afirmou, relativamente à perceção da capitalização i. Entrou para o BES em julho de 2014, em agosto passa para o Novo Banco, saiu em setembro. Sobre os motivos para a saída, Vítor Bento não quis falar. Na altura, defendia a manutenção da instituição financeira, sem apostar numa venda rápida, ao contrário do que pretendia o Banco de Portugal. O diferendo ditou a sua substituição por Eduardo Stock da Cunha.
As palavras de Bento vão em linha com aquilo que vem sido dito por António Costa e Mário Centeno, de que a resolução foi mal feita em 2014, durante o Governo PSD/CDS, o que, dizem, prejudicou depois a venda de 75% à Lone Star, que ocorreu em 2017, já sob o seu Executivo.
NACIONALIZAÇÃO? SIM
Mas, apesar dessas considerações, há críticas. Um tema que Vítor Bento quis comentar foi o da possível nacionalização do Novo Banco. Sim, deveria ter acontecido em vez de se ter optado pela venda, diz agora o antigo presidente do banco.
“O Estado investiu no Novo Banco cerca de 6,9 mil milhões de euros, eventualmente para o nacionalizar teria de investir mais. A grande diferença seria que o Estado tivesse ficado com o capital do banco, teria tido o custo, até maior, mas tinha o controlo do banco e tinha o direito aos benefícios da recuperação”, justificou, dizendo, porém, que não há aproximação ao BE e PCP, porque os fundamentos de uma nacionalização por si defendida são distintos do da esquerda política.
Não é a primeira vez que o assume, já que, em 2016, antes do segundo processo de venda do Novo Banco (o que acabou com a venda à Lone Star), o economista também tinha dito que era uma solução a seguir.
AVISO A COSTA E CENTENO
Apesar das considerações, Vítor Bento recusa que se fale de um banco “mau” ou “péssimo”, como classificaram o primeiro-ministro e o ministro das Finanças. “É preciso ter cuidado com adjetivações. Temos de ter algum cuidado, isso pode pôr em causa a perceção do público sobre o banco”, adiantou ainda na RTP3. “Não são os melhores qualificativos”.
“O Novo Banco é bom banco enquanto banco. Tem uma boa relação com empresas, tem bons profissionais. Imagino que seja desagradável ouvir este qualificativo. Percebo que faça parte da retórica política, mas é preciso ter cuidado”, alertou ainda o líder da SIBS.
NEM AUDITORIA NEM COMISSÃO DE INQUÉRITO
Dessa forma, nem a auditoria ordenada pelo Ministério das Finanças nem a comissão parlamentar de inquérito são boas notícias para o Novo Banco. “Não creio que haja grande vantagem, além de algum jogo político”, diz sobre a auditoria. “Não vejo que tenha alguma utilidade”.
Já sobre a comissão de inquérito, admitida por António Costa mas que entretanto já saiu de cena e só voltará possivelmente após as conclusões da auditoria, também não há agrado: “Não tenho grande simpatia por comissões parlamentares de inquérito. E geral, esgotam-se demasiado em tricas políticas, partidárias”.
O antigo administrador do Novo Banco, Vítor Bento, diz que é dinheiro dos contribuintes que está a ser injetado na instituição. No programa Tudo é Economia, da RTP3, o economista afirmou que o banco deveria ter sido mais capitalizado e até mesmo nacionalizado.
Até no boxe é proibido bater em quem foi atirado ao chão. Será Ricardo Salgado o único culpado da queda do BES?
Voltaram a aumentar, recentemente, os ataques a Ricardo Salgado (RS). Sem novos factos, sem provas, sem qualquer argumento: apenas injúrias. É uma atitude muito feia. Até no boxe é proibido bater em quem foi atirado ao chão. Será RS o único culpado da queda do BES?
O BES tinha a sua Assembleia Geral, e as empresas do GES também eram sociedades cujos acionistas reuniam nas respetivas Assembleias Gerais. O Grupo era coordenado por uma “holding”, a Espírito Santo International (ESI); esta elegia um Conselho de Administração, presidido pelo comandante Ricciardi, do qual emanava um Conselho Superior onde estavam representados os cinco grupos de accionistas que eram maioritários da ESI. Este Conselho Superior tinha representantes na área financeira e não financeira. Na área financeira, o presidente era Ricardo Salgado, que era simultaneamente presidente executivo do Banco Espírito Santo (BES). O BES tinha um Conselho de Administração com 22 membros, dos quais dez faziam parte da Comissão Executiva. O “Credit Agricole” estava representado no Conselho de Administração e na Comissão Executiva do BES. Na área não financeira o presidente era Manuel Fernando Espírito Santo. Faziam parte da Comissão Executiva do BES, para além de RS, José Manuel Espírito Santo e José Maria Ricciardi. Se algo correu mal, nalguns destes vários órgãos, a responsabilidade é dos seus titulares, e não de um único indivíduo.
RS foi eleito e reeleito, como presidente executivo do BES, durante mais de 22 anos seguidos (1982-2014). Nunca teve contra si uma moção de censura, nem sequer um voto contra. Inclusivamente, o último aumento de capital do BES, de Junho de 2014, foi um sucesso, o que revela que um mês antes da resolução, havia no mercado de capitais uma enorme confiança no BES. E é só ele o culpado?
Houve, na gestão do banco, erros, omissões, irregularidades? Não sabemos. Por enquanto, o que é público é que as empresas de auditoria, os consultores externos e os juristas do banco acharam sempre tudo bem. E o culpado é apenas RS? É certo que, em casos como este, só os tribunais poderão um dia esclarecer-nos. Até lá, o comportamento democraticamente correto é acatar a “presunção de inocência”, estabelecida na nossa Constituição de 1976 e, muito antes dela, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1945).
Entretanto, até os tribunais se pronunciarem, há algumas coisas que parecem ser evidentes:
1) O Governo de Passos Coelho/Portas cometeu o grave erro político de deixar falir o BES, quando na mesma crise, nos EUA, país muito mais capitalista do que Portugal, se investiram milhares de milhões, sob proposta dos reguladores ao governo norte-americano (bem mais à direita do que os nossos governantes de 2013-14), a fim de salvar da falência bancos, companhias de seguros e grandes empresas, nomeadamente da indústria automóvel. Na Europa passou-se o mesmo. Só em Portugal se deixou falir o 3.º maior banco privado, e o que maior apoio dava às PME’s e às empresas em geral.
3) O Banco de Portugal, e o seu governador, Carlos Costa, também cometeram erros graves nos oito meses que precederam a queda do BES e, só pelo que se sabe por enquanto, o governador foi um dos grandes culpados dessa queda: recebeu uma informação de existência de dificuldades/irregularidades em finais de Novembro de 2013, mas ficou quieto e calado nos seis meses seguintes (decerto a pedido de Passos Coelho, para não prejudicar a “saída limpa” de Portugal do programa da troika); quando decidiu atuar, propôs a saída dos três membros da Comissão Executiva do BES representantes do Grupo Espírito Santo: Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo e José Maria Ricciardi, e a sua transferência para um Conselho Estratégico que incluiria outras personalidades. Simultaneamente, solicitou a Ricardo Salgado a indicação de um nome para o substituir na Comissão Executiva.
Segundo elementos já públicos, de início concordou com o nome de Amílcar Morais Pires, que posteriormente rejeitou. Esta posição errática num momento tão complexo causou uma enorme quebra de confiança no mercado.
Entretanto, o governador tinha escrito uma carta e fez declarações públicas a garantir que o BES tinha dinheiro suficiente para ultrapassar a sua crise, mas um mês depois decidiu que não tinha… Mais: o Banco de Portugal exigiu ao BES um aumento de capital e aprovou o respetivo “prospeto”: portanto, o governador enganou o mercado. E pior ainda: informou o Presidente Cavaco Silva de que “o BES estava sólido”, o que o Presidente repetiu em público, tendo tido o cuidado de declarar que era essa a informação que recebera do Banco de Portugal. O governador enganou o Presidente da República e levou este, sem querer, a reforçar o engano do mercado. No meio de tudo isto, como é que um semelhante governador não foi demitido, podendo sê-lo? Pior ainda, pasme-se, foi reconduzido.
“Chapéus há muitos”, dizia Vasco Santana. “Culpados há muitos”, dizemos todos os que sabemos ler o que vem nos jornais. Na realidade, estou sinceramente convencido de que Passos Coelho e Carlos Costa não queriam destruir o BES, mas apenas levar RS a demitir-se e colocar no seu lugar um primo dele, ex-presidente do Banco de Investimento do grupo. Mas atuaram com tanta incompetência política, na gestão daquela crise, que erraram a pontaria: querendo matar o cavaleiro, mataram o cavalo. E Portugal perdeu um grande banco, o mais internacional de todos, e pode vir a perder muitos milhares de milhões de euros! E ainda gerou uma montanha de lesados que claramente podiam ter sido evitados.
A queda do BES, em Agosto de 2014, continua a fazer correr rios de tinta. Um novo livro da autoria do ex-jornalista e ex-director de comunicação do Benfica João Gabriel regressa aos momentos mais marcantes do colapso daquele que foi um dos principais centros de poder em Portugal. O ex-CFO do banco, Amílcar Morais Pires, que chegou ser indigitado como presidente executivo, é um dos protagonistas.
A editora Prime Books propôs ao P2 a pré-publicação de excertos do livro A Mentira – A Culpa, as Manobras e as Traições de Ricardo Salgado, da autoria do ex-jornalista e ex-director de comunicação do Benfica João Gabriel, que dá a conhecer uma versão dos acontecimentos que rodearam a queda do BES, no dia 3 de Agosto de 2014. Um trabalho que, entre outros temas, sustenta a tese de que Amílcar Morais Pires, ex-CFO do banco e um dos protagonistas dos capítulos enviados ao P2 foi vítima do antigo presidente do BES, de quem foi braço-direito durante dez anos.
O P2 aceitou a pré-publicação de excertos do livro com a condição de enquadrar a relação profissional entre o autor, João Gabriel, e Amílcar Morais Pires, de quem é próximo. No período crítico que antecedeu a derrocada do BES, o antigo jornalista da SIC e da TVI prestou a título pessoal serviços de comunicação a Morais Pires. No Benfica, clube de que ambos são adeptos, cruzam-se, por exemplo, na tribuna presidencial do Estádio da Luz. E Morais Pires tinha, aliás, uma torneira aberta para o universo empresarial de Luís Filipe Vieira, com créditos no BES, em 2012, de largas centenas de milhões de euros, com reflexos também na tesouraria do clube. Hoje, Gabriel passa parte do tempo no Dubai, onde diz ter “uma empresa de consultoria”.
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“São 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014. O Conselho de Administração do Banco de Portugal vai reunir para decidir o desaparecimento do maior banco privado português, o BES.” É assim que João Gabriel arranca o primeiro capítulo, que intitula O vazio de poder, uma menção a um dos episódios mais dramáticos da história do GES/BES, quando o BdP e o Governo de então se concertaram para decretar o seu colapso. No livro, o consultor de comunicação apresenta documentos e relatos de vários intervenientes que acompanharam, directa e indirectamente, o fim daquele que foi o maior centro de poder em Portugal. Agora, João Gabriel pretende contrariar as teses que sustentam as acusações do Banco de Portugal (BdP) e do Ministério Público (MP) ao ex-CFO do BES.
Entre outras coisas, o BdP acusa Morais Pires de ter “concebido, dado instruções para a implementação e acompanhado a execução de um plano”, com o aval de Ricardo Salgado, para retirar do banco, entre 2009 e 2014, três mil milhões de euros. Num das acções movidas pelo BdP ao antigo gestor do banco, em Abril deste ano o Tribunal do Comércio de Santarém reduziu-lhe a multa que lhe tinha sido aplicada pelo supervisor de 600 mil euros para 350. O prazo de inibição do exercício de cargos no sector financeiro passou de três para um ano. Por seu lado, em Janeiro deste ano o MP apontava Morais Pires como um dos principais arguidos do caso BES, designadamente pela venda irregular de centenas de milhões de títulos de dívida do GES a clientes do BES, entre 2011 e 2014, e pagamentos ocultos da Espírito Santo Enterprise, que funcionava como saco azul do grupo para pagamentos não-declarados.
A Mentira chegará às bancas nesta terça-feira.
Pré-Publicação:
Em comunicação, o primeiro impacto é sempre o que marca a direcção das notícias, que determina a agenda mediática, a culpa ou inocência, o carácter, ou a falta dele, das pessoas apanhadas na rede. E contra esse primeiro impacto é difícil de resistir, muito menos contrariar.
Vivemos tempos em que a percepção se torna realidade, mesmo que a realidade nada tenha que ver com a percepção criada. O frenesim mediático assim o determina. Já o sabia, tive oportunidade de o constatar mais uma vez.
Havia uma guerra de poder e parte dessa guerra era comunicacional. As armas usadas para derrubar [Ricardo] Salgado seriam também usadas para travar [Amílcar] Morais Pires. A hipótese de este substituir Salgado não era novidade, mas os desenvolvimentos recentes precipitavam a sucessão.
A sede do BES era, para mim, apenas um edifício visto repetidamente a cada passagem pela Avenida da Liberdade ou, do seu interior, em imagens televisivas ou fotografias de imprensa. Nada mais do que isso.
Por isso, naquela manhã, no dia 23 de Junho de 2014, à entrada do estacionamento e enquanto esperava autorização para entrar, tinha imagens difusas de uma sala que repetidamente vira em televisão quando o banco apresentava os seus resultados semestrais ou anuais.
Quando finalmente recebi autorização para prosseguir a marcha com a indicação do lugar que me estava destinado, não pude deixar de sentir a sensação de estar a entrar no porão de um navio apanhado no meio de um forte temporal. As notícias sucediam-se a um ritmo frenético, os danos reputacionais eram enormes.
À minha espera, no 15.º andar do edifício, estava o administrador financeiro, indigitado há menos de 72 horas como sucessor de Ricardo Salgado na presidência da Comissão Executiva, Amílcar Morais Pires.
Ao contrário da simplicidade exterior do edifício, dos logos do banco e de um rendilhado metálico que o rodeava, o interior do andar do Conselho de Administração reflectia o poder autocrático da família Espírito Santo, numa decoração conservadora, onde predominavam os móveis clássicos em madeira, com pouca luminosidade. Os corredores eram estreitos e as paredes municiadas por um sem-número de quadros de pintores de referência, parte de uma das mais importantes colecções de arte em Portugal, e que eram a excepção a um ambiente quase todo monocromático.
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Amílcar Morais Pires MIGUEL MANSO
Não conhecia Amílcar Morais Pires e, se pudesse ter escolhido um timing para o conhecer, seguramente teria escolhido outro, mas também é verdade que foram as circunstâncias que me levaram naquele dia ao coração do maior banco privado português.
Reunimos num gabinete usado indistintamente por quem dele pudesse necessitar. Morais Pires, tal como os restantes administradores funcionavam em open space na sala da Comissão Executiva.
Já no interior do gabinete despido de qualquer cunho pessoal, fui surpreendido pela calma e ponderação do meu interlocutor. As notícias fustigavam o banco com a mesma força que o atingiam a ele. Sereno, de gestos pausados, não parecia ter pressa apesar de todo o turbilhão que se vivia em redor.
Só em Março de 2004, Morais Pires tinha ganho o direito a ocupar um lugar no andar da administração, dezoito anos depois de entrar no BESCL (Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa), ao tempo nacionalizado, como técnico de nível 8, no apoio ao Departamento Financeiro.
Doutores e patrões
Foram necessárias quase duas décadas para Morais Pires “deixar de ser o tipo que vinha do BESCL para ser um entre iguais”. Vencido o estigma, o até então administrador financeiro foi responsável por inúmeras operações que consolidaram a notoriedade e a robustez do banco. Falou-me do percurso, da visão e dos problemas que sabia que havia, mas falou-me também das soluções e da forma como ponderava sair da tempestade. Houve uma frase que fixei, porque respondia a uma das críticas que mais se ouviam por esses dias: “Sou leal a uma instituição a quem dei tudo nestes vinte e oito anos. A mais ninguém.”
Já com a indigitação ameaçada por Carlos Costa, vários jornalistas, numa rara convergência de opiniões, escreviam que “Salgado ficaria a mandar por interposta pessoa”, questionando desta forma a autonomia e independência do sucessor indigitado. Havia uma concertação tão grande que era difícil de acreditar em coincidências.
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A Mentira – A Culpa, as Manobras e as Traições de Ricardo Salgado, de João Gabriel, edição Prime Books, 2018
Morais Pires notava-se magoado com a crítica, principalmente porque, como me disse nessa manhã, assumia a história “independentemente de não ter participado em todos os capítulos que foram escritos”.
Parecia determinado em lutar, mas sabia que seria uma travessia difícil. Por um lado, as práticas ilegais no GES tinham posto o banco numa situação de enorme fragilidade, por outro, havia resistências da oposição interna com assento na administração e do próprio supervisor.
Não era um Espírito Santo, não tinha no sangue a linhagem da família e, por isso, levou tantos anos a chegar àquele 15.º piso. A sua ascensão no banco não assentou no apelido ou na origem dos pais, mas naquilo que tinha demonstrado enquanto gestor.
Os funcionários da cantina sabiam distinguir perfeitamente a “linhagem” dos seus clientes. Morais Pires e todos os restantes colegas de administração eram “doutores”. Salgado e restante família eram os “patrões”. Tão simples quanto isso.
Frio na análise e objectivo em relação ao que queria para o banco, Morais Pires impôs, na sua chegada à administração, dez anos antes, a necessidade de planear a médio e longo prazo e foi por isso que o BES resistiu sem problemas à crise do subprime em 2008.
Quando chegou à administração, definiu como prioridade o reforço da base de capital do BES, que até aí tinha crescido de forma orgânica debilitando a sua liquidez, abrindo o capital aos investidores internacionais, o que reforçaria a capacidade de expansão e um novo posicionamento.
Objectivos alcançados com sucesso e que lhe permitiram, a partir daí, discutir a orientação estratégica do banco, ganhando notoriedade interna e externa. Partilhava ideias e objectivos comuns com Salgado, com a mesma frequência que dele discordava. E assim chegamos a 2014.
A tempestade à volta do BES parecia não ter fim, mas a verdade é que o discurso de Amílcar Morais Pires denotava uma serenidade que contrastava com o ambiente tenso e frenético desses dias.
Nunca tivera ambições de chegar a presidente executivo, era algo conjuntural. Nunca o tinha querido, sentia-se bem na pele que até aí tinha vestido, mas também não recusaria a indigitação.
(…)
A visão e o plano do até então administrador financeiro do BES eram claros. Já adivinhava as possíveis reservas que o regulador levantaria. Não em função das suas capacidades, mas nas palavras de Morais Pires “em relação ao que querem fazer com o banco”. A frase ganharia o seu real significado semanas mais tarde.
“Com uma solução interna, conseguimos sair daqui, vamos levar tempo, mas temos soluções e bases que vão permitir recuperar a solidez do banco, mas, se o regulador optar por uma solução externa, tenho muitas dúvidas de que o BES sobreviva, porque quem aqui chegar de novo, primeiro que perceba onde chegou e consiga estar a par de todos os dossiês e da sua complexidade, terá perdido o tempo necessário para implementar qualquer estratégia”, continuou Morais Pires.
Já havia um plano de contingência para a autonomização financeira e reforço de solvabilidade do GES em relação ao BES, simplificando o modelo organizativo. Na cabeça de Morais Pires, estava tudo muito claro, num processo que permitiria ao banco evitar o precipício.
O primeiro desafio passava por assegurar a saída dos membros da família Espírito Santo sem afectar o goodwill que o apelido representava, nomeadamente a nível internacional. Tinha participado em vários aumentos de capital e sabia exactamente a necessidade de preservar a marca da instituição, mesmo que quem desse o nome ao banco já não tivesse nada que ver com a operação.
Depois, sabia que a situação financeira em que a família se encontrava era preocupante, que o GES precisava de apoio especializado de entidades internacionais credíveis e que da parte do BES também seria necessário encontrar soluções, “provavelmente com recurso a entidades externas para lidar e negociar com o GES todas as questões que nos ligam”. Estava convencido de que dessa forma conseguiria proteger os interesses de todos os stakeholders do banco.
Morais Pires falava baixo, revelava conhecimento profundo das áreas que supervisionava e tinha a exacta noção dos trabalhos a fazer a partir do momento em que a Assembleia Geral o confirmasse como Chief Executive Officer (CEO) do BES. Tinha um caderno de encargos bem definido.
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MIGUEL MANSO
O segundo desafio, assumido naquela conversa, passava por “reconstruir a base de accionistas de referência”, de forma que estes assegurassem a estabilidade necessária para implementar um programa de desenvolvimento estratégico de longo prazo.
(…)
Mais do que o conhecimento evidenciado e resultante de vinte e oito anos de casa e um rumo de acção definido, havia convicção nas palavras de Morais Pires.
Perguntei-lhe se o facto de o seu mandato ser de apenas dois anos não seria limitador no desenvolvimento da sua estratégia. “Eu quero assim”, respondeu, “a minha experiência diz-me que, em qualquer turnaround, o esforço exigido a uma organização, aos seus melhores quadros, aos seus trabalhadores em geral, é altamente desgastante e, por isso, não se pode prolongar no tempo. Depois, porque dois anos é tempo suficiente para avaliarem a minha capacidade para o cargo e comprovarem as razões porque cheguei até aqui”.
Não havia receio do desafio, mas havia receio de não o poder assumir. Disse-lhe que era importante reunir-se com os principais editores económicos e transmitir-lhes o que me acabara de expor. O tempo era crítico e a percepção pública era a de que o BES era cada vez mais um barco descontrolado, quando não era. O descontrolo estava acima no GES, e embora tivesse efeitos de contaminação não eram irrecuperáveis e muito menos suficientes para condenar o banco.
“O problema”, disse Morais Pires, é que o “BdP está a agir em função do GES e não do BES”. O tempo dar-lhe-ia razão, mas para já era necessário baixar o nível de alarme, era necessário falar, dar-se a conhecer, mostrar-se ao público e demonstrar que havia soluções.
“Nunca falei com um jornalista e não sei se o devo fazer”, replicou Morais Pires. Foi a minha primeira surpresa. O administrador financeiro do BES e recém-indigitado para substituir Salgado nunca tivera nenhum contacto com jornalistas. “Subi à conta do meu trabalho, não de lóbis ou favores dos média”, continuou. Só mais tarde perceberia o alcance desta afirmação. Contrapus que, na situação em que nos encontrávamos, não havia grandes alternativas, era necessário comunicar e tentar baixar os níveis de alarme. Em comunicação, temos de estar disponíveis para assumir alguns riscos e, naquele caso, estava convencido de que o maior risco era não assumir nenhum.
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Carlos Costa, governador do Banco de Portugal ENRIC VIVES-RUBIO
Morais Pires era um tecnocrata, muito bom por sinal, mas tinha descurado dois aspectos. A gestão das sensibilidades internas ao nível da administração, por um lado, e a absoluta ausência de um plano pessoal a nível da comunicação, por outro.
Tinha uma visão anglo-saxónica da banca, mas em Portugal, e apreendeu isso de uma forma tremendamente cruel, há outros meandros para além da tecnocracia e da competência que ditam o destino das pessoas. Estava prestes a sabê-lo.
(…)
Convenci-o a deixar-me organizar alguns encontros com jornalistas, mas não sem antes registar um reparo feito num tom muito céptico. “Durante anos”, disse Morais Pires, “ouvi de gente crescida e responsável nesta casa, mas também do BESI”, a maneira como falavam “dos aliados da imprensa, de como os usavam e se socorriam deles”. Falou-me de alguns nomes, todos generais nos seus meios, mas, por razões óbvias, e até haver prova factual e suficientemente sólida, beneficiarão, da minha parte, de total reserva e presunção de inocência.
Apesar de indigitado por Ricardo Salgado, Morais Pires sentia-se magoado. “O meu dia-a-dia, a minha preocupação, o meu esforço sempre foi este banco. Estão aqui vinte e oito anos de trabalho e creio que dei provas de dedicação suficientes para não ter sido traído em relação a algumas situações que nos empurraram até aqui”, desabafou Morais Pires.
Era a primeira vez que estava com ele e, embora intuísse o alvo, não me senti com o à-vontade suficiente para lhe perguntar directamente. Nem foi necessário, porque, de seguida, mencionou que tinha sido uma completa surpresa, “uma má surpresa” nas suas palavras, “quando soube, em princípio de Dezembro, do passivo oculto” que tinha precipitado toda aquela situação.
De facto, foi a 26 de Novembro de 2013, numa reunião de trabalho do chamado “grupo da sala do piso 14”, que Ricardo Salgado comunicou que havia uma subavaliação material do passivo da Espírito Santo International (ESI). A equipa, na sequência da reunião, deu conta disso ao BdP.
O pior mesmo é que só meses mais tarde, já durante o primeiro semestre de 2014, surgiu a notícia de que a subavaliação resultava de uma decisão deliberada de ocultação do passivo da ESI, o que teve, naturalmente, impactos na reputação do BES.
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Ricardo Salgado
A ocultação de dívida feita de forma negligente ou dolosa só podia ser do conhecimento de quem tinha acesso ao perímetro total do GES. Só nove pessoas estavam nessas circunstâncias: Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo, Ricardo Abecassis Espírito Santo, Manuel Fernando Espírito Santo, Pedro Mosqueira do Amaral, José Maria Ricciardi, António Ricciardi, Mário Mosqueira do Amaral e Fernando Espírito Santo. Os administradores do BES, fora da família, não sabiam. Não tinham forma de o saber.
O instinto de sobrevivência de Salgado ditava a direcção que tomava em cada momento. E se Morais Pires se sentira traído pela acção de Salgado nas contas da ESI, poucos meses depois voltaria, pela segunda e última vez, a ser traído por este. Já lá iremos. (…)
A “traição”
De facto, Morais Pires tinha conseguido uma solução para o problema do BESA, dando estabilidade e um rumo a uma filial que estava, antes da sua chegada, em completa roda livre. Mais, o BdP estivera sempre a par de todas as diligências feitas em Luanda. Invocar o BESA como razão para não avalizar a solução Morais Pires é penalizar o bombeiro que foi chamado a apagar o incêndio quando este já ardia com violência. À falta de razões objectivas, qualquer pretexto era válido.
Carlos Costa apostava numa nomeação política, mas não o podia assumir. Valeu-lhe o instinto de sobrevivência de Salgado, que foi também, naquele momento, o seu maior erro estratégico. Salgado aceitou deixar cair Morais Pires, submetendo-se à vontade discricionária do regulador.
Pouco passava das 20 horas quando, no dia 1 de Julho, recebi um telefonema de Celso Filipe, ao tempo subdirector do Jornal de Negócios. “Tenho a informação de que Ricardo Salgado já propôs outro nome em substituição de Amílcar Morais Pires para a presidência”, disse, perguntando-me se eu podia confirmar. Não podia porque, na verdade, a informação apanhou-me de surpresa. Respondi que ia tentar saber. Mal o telefonema terminou, liguei a Morais Pires. Quando disse ao que vinha, houve uma longa pausa e, finalmente, um doloroso “não me surpreende, falamos amanhã”.
E o amanhã levou Ricardo Salgado ao BdP para entregar a nova composição do Conselho de Administração do BES, em que constavam os nomes de Vítor Bento para presidente do Conselho Executivo, e de José Honório, vetado em Luanda por Morais Pires, para vice-presidente, e José Moreira Rato para administrador financeiro.
Tinham passado três dias após o telefonema de Celso Filipe. Estávamos a 4 de Julho de 2014.
Depois de sair do BdP, Salgado reuniu com Morais Pires para comunicar-lhe a decisão, pedindo-lhe que ficasse com o pelouro internacional, fundamentalmente para concluir o processo de turnaround do BES Angola.
O facto de não ter sido apanhado de surpresa não diminuiu a indignação de Morais Pires, que tinha sabido do volte-face não pelo meu telefonema, soube-o depois. Dois dias antes, Daniel Proença de Carvalho já o tinha informado das manobras de bastidores e do acordo alcançado entre o governador e Salgado. “Os meus inimigos derrotaram-me, mas o dr. Ricardo traiu-me!”, atirou Morais Pires. “Vocês, o dr. Ricardo e o governador, vão acabar por dar cabo do banco!”, prosseguiu, desiludido e agastado perante o que Salgado lhe fizera. Já não via nele a autoridade ou a perspicácia de outros tempos, mas alguém derrotado, desorientado e diminuído perante a vontade do governador. Morais Pires não sairia do gabinete de Salgado sem lhe comunicar que ia resignar aos órgãos sociais do BES e demitir-se do banco, terminando aí um vínculo de vinte e oito anos. Estava consumada a segunda, mas também a última traição de Salgado.
Salgado não tinha preparado a sua sucessão, uma vez que, em poucos dias, por pressão do regulador, se consente fazer um flick-flack como o que fez, é porque tinha perdido não apenas a autoridade, mas a argúcia e a visão que, em outros tempos, todos lhe reconheciam.
Salgado capitulou perante o governador, e isso representou o princípio do fim.
Continuemos, porém, por enquanto, nos dias — poucos — em que Amílcar Morais Pires, apesar de #congelado”, ainda era a solução do BES.
Já vimos que foi a custo que o convenci a encontrar-se com alguns jornalistas. Não estava à vontade, não era o seu território, mas a verdade é que, à medida que a conversa começava a fluir, mostrava a razão porque fazia parte da solução.
Num desses encontros, no primeiro andar do Hotel Dom Pedro, junto às Amoreiras, com Helena Garrido, repetiu quase ponto por ponto tudo o que anteriormente me tinha transmitido. A sala era ampla e tinha uma televisão ao fundo, por essa altura jogava-se o mundial de futebol do Brasil. A televisão estava ligada, sem som. Tal como a maior competição do mundo de futebol que tinha data anunciada para terminar, o BES também tinha. A diferença é que o fim do mundial estava previsto e a data era conhecida, a do BES ainda não.
A Helena tomava notas, fazia questões. Morais Pires foi exactamente igual ao que eu conhecera dias antes, espontâneo, genuíno, ponderado. Nunca disse que era fácil, assumiu as dificuldades, mas apontou o caminho para ultrapassar a crise. António Costa, ao tempo director do Diário Económico, Ricardo Costa e Pedro Santos Guerreiro, do Expresso, fecharam o circuito de jornalistas com quem o administrador financeiro se encontrou partilhando a sua visão em relação ao presente, mas sobretudo ao futuro do banco.
Pela primeira vez em vinte e oito anos, Morais Pires tinha falado com jornalistas sobre o BES, mas também sobre ele, cedendo ao meu pedido. Mas há momentos em que falar ou estar calado é igual porque não se consegue contrariar o caudal provocado por uma tempestade. Como viria a perceber, poucos dias depois, falar ou estar calado teria sido igual naquele tempo e nos anos seguintes. A percepção que o regulador ajudou a criar era tão forte que era impossível contrariar. (…)
“Atirado contra uma rocha”
A 3 de Julho de 2014, a Reuters noticiava que o BdP não aceitava o nome de Amílcar Morais Pires para presidente da Comissão Executiva. Tinham passado treze dias sobre a sua indigitação. O supervisor não assumiu a notícia, mas bastou não a ter desmentido para o mercado a interpretar como uma confirmação. Estranha forma de o regulador comunicar.
O Espírito Santo mais graduado da família submeteu-se à vontade do regulador, e Vítor Bento foi o nome que o BdP aceitou como novo líder do BES.
Quando Salgado chamou Morais Pires para lhe dizer o que este já sabia, o ainda CFO do BES, na mágoa e na revolta do momento, informou-o de que iria sair, que já não fazia sentido continuar. E disse-lhe, como atrás vimos, bastante mais, num tom alterado e firme. Já todos nós passámos por momentos semelhantes, pelo menos na frustração e na intensidade. Para Morais Pires, o líder tinha sucumbido à pressão do regulador e entregue a direcção do banco a quem não tinha qualificações para o salvar.
Salgado alinhou na estratégia do BdP, não por convicção, mas por puro oportunismo de quem ainda acreditava que assim conseguiria salvar o banco e salvar-se a ele. Estava enganado!
A reunião foi breve. Salgado estava tão perdido e desorientado que admitiu o que nunca antes teria admitido a quaisquer dos seus subordinados. Um administrador confrontá-lo e gritar-lhe a revolta de uma traição e o prognóstico de um desastre.
Mesmo assim, não perdeu a compostura e a fleuma de sempre, tinha essa capacidade. Pediu apenas a Morais Pires para não se precipitar, que o banco precisava dele, “pelo menos ouça o Vítor Bento”, rematou Salgado já com o administrador financeiro a encaminhar-se para a porta.
Morais Pires, que duas semanas antes tinha sido indicado para o papel principal, não estava disponível para representar um papel secundário, principalmente porque não acreditava na solução imposta pelo regulador e suspeitava que a visão estratégica que tinha em relação ao futuro do banco era divergente da nova liderança. E era.
Vivia-se um período de transição, Vítor Bento ainda não tinha assumido os comandos, mas já tinha sido indigitado e contava com um espaço na sede do banco. Ocupava um gabinete no 8.º andar. Já não havia incerteza quanto à governação do banco, a incerteza agora residia na capacidade da nova equipa.
O avião tinha perdido demasiada altura em pouco tempo, e os ventos continuavam a fustigá-lo. Era urgente estabilizar o avião e começar a recuperar a altitude perdida.
Quando Vítor Bento foi anunciado como sucessor de Salgado, os jornais apressaram-se a noticiar que, dada a credibilidade da pessoa e o facto de ser uma solução de ruptura, os mercados tinham reagido bem.
Na verdade, os mercados não reagiram ao nome, reagiram ao facto de a incerteza quanto ao governance do BES ter finalmente acabado. Mas a boa reacção dos mercados foi de curtíssima duração. Poucas horas. Ao fim do dia em que o nome de Vítor Bento foi anunciado as acções já voltavam a cair, e, dias mais tarde, quando foi cooptado não teve qualquer efeito positivo.
Dois dias depois da conversa — a última — com Salgado, Morais Pires é chamado ao 8.º andar. Vítor Bento queria falar-lhe. A abordagem foi cordial. Salgado já tinha informado o novo CEO das intenções de Morais Pires, mas mesmo assim Vítor Bento tinha intenções de insistir na sua permanência. E assim fez. “Sei que teve um papel muito importante em relação ao turnaround do BESA e à garantia soberana de Angola. Gostava que continuasse nesse contexto”, deu conta o novo presidente indigitado. Morais Pires disse-lhe que não se sentia confortável. A conversa foi franca, mas curta.
Responsável por quatro aumentos de capital, com um know-how invulgar em relação aos investidores internacionais, pediam-lhe para ficar e tratar apenas do turnaround do BESA. Não estava surpreendido, afinal, depois do abalo, esse sim violento, que tinha sofrido nos últimos dias, já estava preparado para tudo. Mas a sua intenção era mesmo deixar o BES.
Vítor Bento pede-lhe para pensar melhor, “pondere e diga-me”. O ainda CFO foi educado, acenou e saiu!
(…)
A incerteza alimentada de forma desastrada pelo regulador durou quinze dias e gerou uma corrida aos depósitos e uma desvalorização accionista nunca antes vista.
No domingo, dia 13 de Julho, o BdP determinou a convocação de uma reunião extraordinária do Conselho de Administração, para acelerar a entrada em funções da nova equipa dirigente. A reunião, que terminou às 21 horas, serviu para cooptar para a administração Vítor Bento, João Moreira Rato e José Honório, que assim assumiam funções efectivas num domingo ao princípio da noite. Invulgar, mas necessário, na tentativa de travar a curva descendente em que o BES se encontrava.
Morais Pires não tinha estado na reunião. Já se sentia um corpo estranho naquela engrenagem e não acreditava na solução. Ainda nessa noite, Vítor Bento telefona-lhe. Comunica-lhe que não contava com ele. Afinal a vontade de que tinha há um par de dias tinha desaparecido. Foi frontal e correcto no trato, resta a dúvida se era mesmo essa a sua vontade, ou se a vontade agora manifestada era de outro.
É que logo de seguida deixou escapar uma observação que não sendo surpreendente era deselegante, não para Vítor Bento, mas para o governador: “O BdP não gosta de si”! A afirmação dava, ao mesmo tempo, outro sinal. O novo líder do BES afinal já não estava na Avenida da Liberdade, estava na sede do BdP.
E assim terminaram os vinte e oito anos de serviço de Morais Pires no BES, e os acontecimentos que se seguiram já não contaram com a sua participação.
Resolução do BES será seguramente superior aos €4,9 mil milhões injetados em agosto de 2014
PORQUE FALOU VÍTOR BENTO EM CUSTOS ATÉ €10 MIL MILHÕES?
Esta semana, Vítor Bento, que sucedeu a Ricardo Salgado na presidência do antigo BES, falou num valor “até €10 mil milhões” relativo aos custos implícitos à resolução do banco. Fê-lo em entrevista à Antena 1 e ao “Jornal de Negócios”, questionando qual teria sido o resultado desses €10 mil milhões se tivessem sido adiantados ao banco antes da sua intervenção. Nas contas feitas pelo economista estão várias parcelas: os €4,9 mil milhões de capital injetados em agosto de 2014, a verba de €3,89 mil milhões que está subjacente ao mecanismo de capital contingente que ficou no Fundo de Resolução, o valor que o Estado vai adiantar aos lesados do papel comercial e o que terá de negociar com os credores do banco que avançaram com ações judiciais, caso os tribunais lhes deem razão.
E O QUE DIZ O MINISTRO DAS FINANÇAS?
Na audição pedida pelo grupo parlamentar do PCP após a venda do Novo Banco em outubro ao fundo norte-americano Lone Star, e que só foi possível agendar para a passada quarta-feira, o ministro das Finanças referiu aos deputados ser prematuro avançar com os custos da resolução para o Estado. Mário Centeno foi cauteloso e evitou falar de faturas em aberto, como os custos de litigância. Mas avisou: “É bom que todos saibamos que há riscos.” E insistiu numa ideia: os custos do Novo Banco “foram criados a 3 de agosto de 2014, quando se definiu o perímetro do Novo Banco”. E descartou-se da decisão tomada pelo Executivo anterior, que deixou cair o BES, e da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal.
POR QUE RAZÃO ACABOU POR HAVER UMA ‘GARANTIA’ DO ESTADO?
Durante a audição do ministro das Finanças no Parlamento, uma das questões mais colocadas passou pela garantia dada pelo Fundo de Resolução (que ficou com 25% do Novo Banco) a um conjunto de ativos problemáticos para venda que poderão gerar necessidades de capital. E que poderão levar a uma injeção de capital pelo Fundo de Resolução. O que estava previsto era a venda de 100% do banco, o que acabou por não acontecer. Mário Centeno insistiu repetidamente que a venda foi feita a preço zero “para garantir a estabilidade do sistema financeiro, a estabilidade da instituição e a preservação dos limites que recaem sobre o Orçamento do Estado”.
COMO VAI SER O FUTURO DO NOVO BANCO?
Entre o deve e haver dos compromissos assumidos pelo Estado português, a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia (DG Comp) e o maior acionista do Novo Banco, o Lone Star, o ministro das Finanças Mário Centeno apenas garante que nas condições de venda do antigo BES “há um compromisso do comprador em manter o banco relevante”. Há consciência de que pode haver riscos decorrentes de eventuais injeções de capital a fazer por parte do Fundo de Resolução mas não se sabe ainda a sua dimensão. Já quanto à reestruturação do banco, o secretário de Estado Mourinho Félix afirma que “a intenção do Lone Star não é reduzir o ativo que comprou . Há um compromisso em termos de rentabilidade” e será o banco a tomar “as decisões que são adequadas”. Porém, “não há compromisso de haver (ou não) despedimentos e fecho de balcões”.
O principal problema a lidar com a crise bancária foi o atraso na reacção, defende o economista. O erro custou dinheiro, tirou margem ao actual Governo, e está a dificultar a transição da banca para novos modelos de negócio.
O Governo geriu bem o difícil legado que em 2015 recebeu na frente financeira, defende o economista que em 2014 liderou o BES no mês do seu colapso e foi o primeiro CEO do Novo Banco, de onde saiu em Setembro em ruptura com o Banco de Portugal.
Mário Centeno já terá mobilizado já cerca de 10 mil milhões de euros para estabilizar o sistema financeiro. É muito dinheiro? Agiu bem?
No geral acho que agiu bem, porque não tinha muita margem de manobra. Os erros que se cometeram com o sistema financeiro foram dos anos anteriores, deixando uma margem de manobra limitada ao novo Governo.
Uma das questões é perceber em que medida é que gastar mais de 3.000 milhões de euros no Banif ou uma recapitalização de quase cinco mil milhões da Caixa Geral de Depósitos são quantidades excessivas de dinheiro para a necessidade estrita de estabilizar o sistema?
Vamos ver. No caso da CGD, se não tivesse esse aumento de capital, provavelmente não teria condições legais, regulatórias para sobreviver ou teria de ter uma contracção da actividade brutal. Relativamente aos outros casos, insisto que adiaram-se demasiado os problemas. Essa é uma convicção que tira também da sua experiência no Novo Banco?
Sim. Também da experiência no Novo Banco.
E acha que a solução que agora foi encontrada é uma boa, à luz de quem esteve dentro do processo?
A solução que foi encontrada foi provavelmente a solução possível no ‘timing’ em que ela teve de ser tomada. Quando chegamos a uma solução de desespero qualquer solução serve, mas temos é de perceber se era possível ou não ter tido soluções melhores. Pelas minhas contas, enfim com a ficção do Fundo de Resolução que dizem que é dos bancos – o que é uma ficção – a solução do BES vai custar à volta dos 10 mil milhões de euros. Não sei qual teria sido o resultado se esses 10 mil milhões tivessem sido adiantados antes da resolução, por exemplo. Vale a pena questionar.
A banca em termos gerais já está fora de perigo?
Os bancos têm sempre uma situação contingente. Nunca há nada que esteja completamente protegido. Mas o sistema financeiro está hoje melhor do que estava. E não nos podemos esquecer que o que aconteceu, e porque aconteceu. Mudou a estrutura da banca portuguesa.
Para melhor?
Não sei se é melhor, se é pior. A estrutura da banca, a própria estrutura de capital, mudou face ao que era há 10 anos e isso há-de ter as suas consequências. Além disso, a banca em geral, e obviamente a nossa porque passou a crise mais tarde e portanto tem outras dificuldades, está a ser confrontada com uma disrupção muito grande do seu modelo de negócio, com a digitalização e também por efeitos regulatórios. Há por isso problemas de rentabilidade estruturais e há ainda problemas de “legacy” por resolver, o que dificulta a transição.
O caso do malparado, por exemplo.
Exactamente. O que torna mais difícil uma transição inevitável e que terá impacto estrutural quer ao nível da presença física dos bancos, quer ao nível do seu próprio pessoal.
Mas esse processo está atrasado?
Está a correr.
Acha que 2018 vai representar um salto na afirmação desse modelo de negócio? Vamos continuar a tentar resolver os problemas do passado?
Vamos continuar a fazer as duas coisas. Estas coisas não funcionam tanto com saltos. Nesses processos cumulativos há quem fique pelo caminho e há quem suceda. As entidades que podem de alguma forma dar saltos são os novos entrantes.
Empresas como a SIBS e outras que poderão a vir fazer os pagamentos podem empurrar a banca a mudar. Carlos Moedas diz que estão a pisar os calcanhares da banca. É isso?
Uma das alterações regulatórias significativas – e é mais europeia do que mundial – é a possibilidade de muitas actividades que até aqui estavam reservadas aos bancos, nomeadamente na área de pagamentos, poderem ser extraídas deles, que podem assim passar a ser apenas depositários das contas. Nesse caso, as actividades de valor acrescentado são extraídas para outras áreas. Isto é um desafio que os bancos terão de resolver.
“O Governo agiu bem a estabilizar o sistema, porque não tinha muita margem de manobra.”
“Há problemas estruturais de rendibilidade na banca.”
VITOR BENTO, ECONOMISTA E PRESIDENTE NÃO EXECUTIVO DA SIBS
Passam dois anos da hecatombe do Banco Espírito Santo e o Novo Banco já vai no terceiro presidente. Em entrevista ao “Jornal de Negócios”, Vítor Bento, primeiro presidente, lembra que afinal o banco “não foi vendido rapidamente”
Todos tentaram fazer o melhor e os resultados [da venda do Novo Banco] serão para a história analisar”, diz Vítor Bento, o primeiro presidente do Novo Banco, ementrevista ao “Jornal de Negócios” esta quarta-feira.
Esta quarta-feira cumprem-se dois anos da hecatombe do Banco Espírito Santo e o “banco bom” que lhe sucedeu, o Novo Banco, já vai no terceiro presidente. Vítor Bento, o primeiro a assumir o cargo logo após a resolução do BES, saiu passado um mês e meio após um diferendo com o governador do Banco de Portugal Carlos Costa. O economista acreditava que era possível criar valor dentro da instituição, para evitar uma venda no imediato. O BdP discordava.
O gestor lembra, nesta entrevista, que muitas das ideias que defendeu na época estão agora a ser estudadas ou aplicadas. “Registo apenas, como factos, que passaram dois anos, que o banco afinal não foi ‘vendido rapidamente’, que alguns dos caminhos que estão agora a ser explorados foram os que pusemos em cima da mesa no dia 2 de agosto de 2014, mas que subsequentemente acabaram descartados”, diz ao “Negócios”.
Até a contratação do Deutsche Bank para apoiar o processo tinha sido sugerida por Bento, recorda agora: “O consultor financeiro que está hoje a acompanhar a venda [Deustche Bank] foi o que nós tínhamos contratado, mas que acabou esvaziado com a subsequente contratação do BNP”, aponta.