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Bom dia. Vamos acompanhar a audição a Vítor Constâncio que foi governador do Banco de Portugal até 2010 e depois vice-presidente do Banco Central Europeu. Constâncio esteve na última comissão de inquérito à Caixa onde foi interrogado durante cerca de 10 horas sobre se o supervisor bancário poderia ter travado o empréstimo à Fundação Berardo.
Vítor Constâncio recusa tese de que não assume falhas na supervisão do BES, enquanto governador. “Assumo as minhas responsabilidades gerais, mas respondo a perguntas concretas com a verdade”.
- A audição arranca logo com perguntas de Duarte Alves do PCP que centra o tema na revelações do relatório Costa Pinto sobre a atuação do Banco de Portugal que tentou subir o nível de consolidação do Grupo GES/BES em 2009, mas segundo o mesmo documento, não insistiu.
Constâncio responde que não havia quadro legal para forçar essa consolidação e que à data não existiam quaisquer suspeitas na gestão e na contabilidade das empresas do GES.
Constâncio nem recorda essa tentativa e de que forma foi feita o pedido junto do BES. A supervisão não passava pelo governador. Havia um vice-governador com esse pelouro.
BES cumpriu sempre o rácio. Nunca foi chamada atenção para um problema significativo na exposição ao GES
Duarte Alves levanta o tema da exposição do grupo financeiro (BES e Espírito Santo Financial Group) às empresas do GES e o incumprimento do limite dos grandes riscos para partes relacionadas.
A lei determinava que quando essa exposição ultrapassasse os 20%, o excesso era abatido ao capital, o que aconteceu. Constâncio diz que o BES nunca esteve abaixo do rácio de solvabilidade dos 8%, porque por lei o abate de capital não podia por em causa esse mínimo.
O relatório Costa Pinto diz que o rácio baixou para menos de 8% em 2008. Mas Constâncio explica que o que acontecia nestes casos era dar tempo ao banco para resolver o problema e repor o rácio, o que se verificou logo no trimestre seguinte.
Acrescenta ainda que neste período nunca me foi chamada atenção de que por essa razão havia um problema significativo com essa exposição.
Constâncio explica ainda que o problema dos rácios aconteceu na Espírito Santo Financial Group e não no BES e que coincidiu com ano de crise de 2008 e 2009 que atingiu as atividades não financeiras do grupo, o que levou à subida dessa exposição.
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Constâncio recorda que nesse ano de crise houve medidas excecionais para os bancos. E mesmo tendo o grupo BES regularizado o pequeno excesso de exposição, o BdP escreveu uma carta a pedir um plano de redução dessa exposição que não passou por si.“O governador é o ultimo responsável, mas não significa que conheça todas as decisões tomadas ao nível da supervisão”.O Banco de Portugal pediu à Espírito Santo Financial Group (ESFG) um plano de redução da exposição até 2012 para assegurar que não haveria qualquer excesso ate final de 2012. Era a “persuasão moral” e uma forma de pressão e o grupo cumpriu esse plano.Duarte Alves quer saber porque é que o Banco de Portugal recomendou um rácio de 9%, mas apenas exigiu nesse plano o cumprimento de 8%. Constâncio volta a recordar o período de pressão económica e o facto de lei só obrigar o rácio de 8%. E sublinha que a ESFG (a holding financeira que era acionista do BES) já cumpria o rácio de 9% em 2009.
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Exposição do BES ao BESA devia ter sido travada, mas em anos pós-Constâncio
Vítor Constâncio faz questão de sublinhar que o problema que a exposição do BES ao BESA representava “devia ter sido travado” — mas só depois de 2010, ano em que Constâncio deixou de ser governador do Banco de Portugal.
Apesar de já haver um aumento de exposição considerável do BES ao BESA no período imediatamente anterior a 2010, Constâncio considera que não houve então no Banco de Portugal o entendimento de que justificasse alerta, porque o banco investiu sobretudo em dívida publica angolana. “O negócio dos bancos em Angola era em grande medida na dívida pública”, que apresentava baixo risco, tendo em conta que o Governo angolano pagava regularmente os respetivos juros.
“Só posteriormente, e sobretudo a partir de 2010, houve um salto na exposição do grupo ao BESA”. Esse aumento da exposição “já começou a ser dedicado não a subscrição de dívida pública, mas de entidades privadas angolanas, gerando alto risco”, diz Constâncio.
“Não foi esse o problema do BESA”. O risco nessa altura “era de natureza cambial, do kwnza em relação ao euro”.
O problema, diz o antigo governador, esteve na “explosão da carteira de credito do BESA”, a partir de 2013, que foi crescendo para 3,7 mil milhões de euros em 2011, 5,1 mil milhões em 2012, e 6,1 mil milhões em 2013.
Foi este “crescimento exponencial” de crédito “a entidades privadas locais” que “se revelou crédito malparado”.
E é este o problema que Constâncio diz que “devia ter sido travado”.
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Banco de Portugal usou de “persuasão moral” em 2009 para BES reduzir exposição à área não financeira
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Constâncio recorda que nesse ano de crise houve medidas excecionais para os bancos. E mesmo tendo o grupo BES regularizado o pequeno excesso de exposição, o BdP escreveu uma carta a pedir um plano de redução dessa exposição que não passou por si.“O governador é o ultimo responsável, mas não significa que conheça todas as decisões tomadas ao nível da supervisão”.O Banco de Portugal pediu à Espírito Santo Financial Group (ESFG) um plano de redução da exposição até 2012 para assegurar que não haveria qualquer excesso ate final de 2012. Era a “persuasão moral” e uma forma de pressão e o grupo cumpriu esse plano.Duarte Alves quer saber porque é que o Banco de Portugal recomendou um rácio de 9%, mas apenas exigiu nesse plano o cumprimento de 8%. Constâncio volta a recordar o período de pressão económica e o facto de lei só obrigar o rácio de 8%. E sublinha que a ESFG (a holding financeira que era acionista do BES) já cumpria o rácio de 9% em 2009.
Exposição do BES ao BESA devia ter sido travada, mas em anos pós-Constâncio
Vítor Constâncio faz questão de sublinhar que o problema que a exposição do BES ao BESA representava “devia ter sido travado” — mas só depois de 2010, ano em que Constâncio deixou de ser governador do Banco de Portugal.
Apesar de já haver um aumento de exposição considerável do BES ao BESA no período imediatamente anterior a 2010, Constâncio considera que não houve então no Banco de Portugal o entendimento de que justificasse alerta, porque o banco investiu sobretudo em dívida publica angolana. “O negócio dos bancos em Angola era em grande medida na dívida pública”, que apresentava baixo risco, tendo em conta que o Governo angolano pagava regularmente os respetivos juros.
“Só posteriormente, e sobretudo a partir de 2010, houve um salto na exposição do grupo ao BESA”. Esse aumento da exposição “já começou a ser dedicado não a subscrição de dívida pública, mas de entidades privadas angolanas, gerando alto risco”, diz Constâncio.
“Não foi esse o problema do BESA”. O risco nessa altura “era de natureza cambial, do kwnza em relação ao euro”.
O problema, diz o antigo governador, esteve na “explosão da carteira de credito do BESA”, a partir de 2013, que foi crescendo para 3,7 mil milhões de euros em 2011, 5,1 mil milhões em 2012, e 6,1 mil milhões em 2013.
Foi este “crescimento exponencial” de crédito “a entidades privadas locais” que “se revelou crédito malparado”.
E é este o problema que Constâncio diz que “devia ter sido travado”.
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Constâncio cita avaliação de 2006 do FMI. A “supervisão era ativa, profissional e bem organizada”
Nas suas respostas, Vítor Constâncio dá muito contexto sobre o quadro legal e o contexto no setor financeiro com destaque para a crise de 2008.
E recorda uma análise do Fundo Monetário Internacional que em 2006 esteve vários meses a analisar a estabilidade financeira em Portugal, com testes de esforço aos bancos. E concluiu que o quadro regulatório era sólido, a supervisão era ativa, profissional e bem organizada e que o sistema financeiro era sólido e estava bem supervisionado.
Lembra ainda os ratings, que na altura ninguém contestava, e as contas certificadas. A perspetiva sobre o grupo não indiciava uma situação iminente de grande risco.
“Em Portugal, como noutros países, o supervisor não previu tudo, nem antecipou tudo. É um facto, mas acontece quando há grandes crise.”
Excesso de exposição ao Grupo Espírito Santo “era um direito” do BES em 2008
Constâncio reitera que o BES não era encarado como um problema em 2008, no período da crise financeira global, ao contrário de bancos como BPN ou BPP.
O antigo governador recorda que a lei que existia então determinava que “qualquer excesso acima de 20% [de exposição ao grupo-mãe] era abatido aos fundos próprios”. Ou seja, o BES podia, legalmente, aumentar essa exposição ao GES porque “constituía um direito dos próprios bancos ter esse excesso”.
“Não há melhor defesa da solvabilidade” dos bancos, considera Constâncio. “Tinha uma razão prudencial por detrás”.
Constâncio responde às perguntas de Cecília Meireles. A deputada do CDS diz não compreender como é que não houve “mais nenhum acompanhamento”, apesar dessa disposição legal.
Cecília Meireles insiste no tema da exposição do BES ao GES, que será o problema central indicado no relatório Costa Pinto na supervisão que é do tempo de Constâncio. E dá números, a exposição do grupo BES à área não financeira cresce 14% por ano e passou de 970 milhões em 2000 para mais de 2.000 milhões em 2008. “Faz-me confusão” isso não ser um problema para o Banco de Portugal, porque se podia abater o excesso dessa exposição aos fundos próprios, mesmo que em 2008 isso implicasse o não cumprimento dos rácios.Constâncio repete a explicação dada a Duarte Alves de que o banco corrigiu o problema. E dá como exemplo os planos de assistência do BCE que permitem aos bancos não cumprir o rácio durante seis meses se apresentarem planos de recapitalização credíveis. E neste caso não foram três meses nem seis meses. Foi menos.Como é possível nada ter sido feito (face a risco de exposição ao GES)? Constâncio contraria Cecilia Meireles: “Não é verdade”
“É difícil de compreender que este problema de excesso de exposição e de dependência, que nunca se resolve, é do absoluto conhecimento do BdP” e que mais tarde alastrou os fundos de investimento e papel comercial vendido a clientes do BES.
A deputada do CDS cita ainda nota informativa do Banco de Portugal que indica como a principal fragilidade na ESFG é o financiameto ao GES e o risco de contagio do grupo bancário que resulta da exposição e da estrutura do grupo adotado. Como é possível este risco exigir e nada ser ter sido feito?
Constâncio aqui interrompe e com alguma irritação. “Não é verdade. Foi aplicada a lei. Os números até 2008 não eram não alarmantes até 2008 e em 2009 o BdP intervém. E o banco cumpriu até 2012, como refere o relatório Costa Pinto.
“Estamos sempre a discutir o mesmo problema”, considera a deputada para quem o BES encontra maneiras de contornar a lei quando começam a exigir e “no seu mandato ninguém exigiu nada”.
Constâncio volta a elevar o tom: “Exigiu em 2009. Não pode ignorar”.
“Mas durante os 10 anos do seu mandato, nunca se apercebeu do problema do BES”, contrapõe Cecília Meireles.
Constâncio volta a contrariar: “Sra deputada (o problema) foi evidente em 2008 (quando houve a crise financeira). Mas foi aplicada a lei e garantida a solvabilidade e não houve truques.
Constâncio sublinha que em 2008, o aumento da exposição “afinal” gerou preocupação no BdP.
Aumento da exposição do BES ao BESA “foi o único caso” em que Constâncio lamenta não ter sido avisado
“O meu conhecimento da situação de Angola leva-me a dizer que lamento que não me tinha sido chamado a atenção do crescimento da exposição do BES ao BESA”, a filial angolana que acabaria por dar fortes prejuízos.
Apesar de considerar que os problemas no BESA, de “fuga para a frente”, começariam já depois de 2010, após o seu mandato, Vítor Constâncio afirma que gostaria de ter sido avisado do aumento da exposição do BES ao BESA quando liderava o Banco de Portugal. “Lamento que não me tenha sido chamado a atenção”.
O governador disse, no entanto, compreender porque é que não recebeu alerta no Banco de Portugal. É que, segundo Constâncio, na altura, o aumento de exposição estava relacionado com o investimento em dívida pública angolana, habitual entre os bancos portugueses, que procuravam elevada rentabilidade e pouco risco. E acrescenta já a Cotrim Figueiredo que a única coisa que lamento é a exposição ao BESA, mas compreenda que não tinha sido alertado para o problema porque Angola cumpriu sempre a suas obrigações de dívida soberana.
Esse, em todo o caso, não foi o problema do BESA, considera Constâncio, mas sim o aumento da carteira de crédito que viria a ser feito pelo banco angolano depois de Constâncio ter saído do Banco de Portugal.
Cotrim acusa Constâncio de nunca assumir responsabilidades. “Hoje penso que disse o suficiente para mostrar que não estive alheio”
O deputado do Iniciativa Liberal Cotrim de Figueiredo começa por ler as respostas dadas por escrito à primeira comissão de inquérito ao BES em 2015 nas quais Constâncio invoca várias vezes não ter recebido informações sobre os temas concretos e escudar-se sempre na informação dada pelos serviços.Grandes devedores à parte, “nunca vi nada igual de um responsável político. O Sr. Dr. Nunca assume responsabilidade. Não sabe, nem tem procurado de saber. Passados 11 anos, que responsabilidades assume pelo que se passou até maio de 2010”.Constâncio explica que as respostas citadas pelo deputado se referem a perguntas de pormenor. E lembra que enquanto foi governador, ao contrário de outros bancos, o BES não esteve no centro das preocupações do Banco de Portugal na na crise de 2008. E lamenta outra vez não ter sido alertado para a exposição a Angola (à divida soberana no seu tempo).Constâncio procura ainda contrariar a ideia de que estava alheado do tema. Garante que foi muito ativo na supervisão após 2008, dando exemplos das iniciativas que tomou como colocar um inspetor do BdP dentro dos maiores bancos.Mas reafirma que a supervisão não era a sua responsabilidade diária, daí os tais detalhes de que não foi informado. “Hoje penso que disse o suficiente para demonstrar que não estive alheio”. E assegura que o que foi feito em 2009 teve efeitos, apesar de sabermos que o banco arranjou maneiras de contornar.“Ao contrário do que disse (Cotrim), assumo as minhas responsabilidades gerais. Mas a perguntas concretas respondo com a verdade”O deputado insiste que não foi só 2008 e lembra as emissões feitas via ilhas Cayman antes disso para financiar o GES. Volta a invocar o relatório Costa Pinto e a conclusão de que houve falta de assertividade da supervisão bancária no BES. E pergunta: “Olhando para trás acha que esta análise é correta? Faltou assertividade?”Todos os supervisores europeus sofreram esse problema até à crise de 2008. Constâncio volta a recordar o ambiente de confiança que havia no setor, nos auditores e nas agências de rating.“Mas, ao contrário do que disse, assumo as minhas responsabilidades gerais. Mas a perguntas concretas respondo com a verdade”.Explica que procura esclarecer os trabalhos da comissão, explicando como funcionava a supervisão e com muito contexto. E volta a recordar a tal avaliação de 2006 e como se sentiu “confortado” com as opiniões altamente elogiosas do FMI.Banco de Portugal deu chancela às análises de risco do BES
Vítor Constâncio confirma ter dado chancela à análise de risco do BES. “Quer o BES quer outros bancos portugueses passaram a ter autorização para ter acesso à aplicação do regime IRB e não o sistema estandardizado”.
A resposta do antigo governador foi dada depois de Miguel Matos, do PS, ter insistido no assunto. O deputado entende haver uma “dúvida insanável”, uma vez que “há vários relatórios internos do BdP que dizem que o BES, em relação ao GES, e também em relação a outras empresas, não fazia análise de risco”.
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