“Entregar o Novo Banco a um fundo-abutre norte-americano é uma autêntica irresponsabilidade”

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Diário de Notícias

“Fundos como a Lone Star são os chamados fundos abutres, que o que fazem é vender ativos muito rapidamente para o máximo de dinheiro possível no menor espaço de tempo”, diz a líder bloquista

Sistema financeiro. Há aqui divergências claríssimas: a prioridade do governo é que não haja ajudas do Estado, mesmo que o Novo Banco seja vendido por muito pouco – isto é claro. Está confortável com esta solução? Quer igualmente que seja o Parlamento a tomar uma decisão sobre esta matéria?

Nós achamos que é uma má escolha. A resolução do BES foi muito malfeita. É, aliás, julgo eu, caso de enorme preocupação, até pelas consequências que continua a ter. Era importante nós deixarmos de fazer o que foi feito sempre, até agora, com a banca privada, que é: quando há um problema coma banca privada, chega-se à frente fundos públicos para resolver o problema, porque não podemos deixar os bancos caírem sem mais, porque ficariam em causa todos os depositantes, todas as empresas, capacidade produtiva, empregos, habitações, etc… que dependem desses bancos. E, portanto, chegamos à frente com dinheiro público e, depois de pagar o problema com o dinheiro público, voltamos a entregar os bancos aos privados para eles fazerem exatamente o mesmo que faziam antes e entregarem-nos, passado um bocado, outra vez o banco com um buraco. E é preciso parar esta lógica. E a única forma de parar esta lógica é o controlo público. O controlo público não é o controlo do Banco de Portugal, que é o regulador, nem é o controlo pelo Fundo de Resolução, que de facto é a ordem do Banco de Portugal e…

Pertence aos bancos.

…pertence aos bancos. É, portanto, assumir que o dinheiro público que já lá está é uma compra pelo Estado desse banco e esse banco passa a ser público.

Mas tem custos, para o Estado, ficar com o Novo Banco, não é? Primeiro, porque é preciso uma capitalização do banco, é preciso assumir o dinheiro que foi colocado no Fundo de Resolução…

Sim, mas tem imensos custos vender a privados. Porque os privados nunca pagam aquele dinheiro público que já lá está – e quando vemos, por exemplo, que são fundos como a Lone Star, ou seja, que são os chamados fundos abutres, que o que fazem é vender ativos muito rapidamente para o máximo de dinheiro possível no menor espaço de tempo; portanto, não têm uma ideia de consequências económicas nem sociais…

Mas o Estado pode negociar com a Lone Star a forma como vende e as garantias que a Lone Star tem de dar, não é?

Tanto quanto nós compreendemos sobre tudo o que está em cima da mesa, não há nenhum comprador – a Lone Star não o é certamente – que vá pagar ao Estado o que o Estado já colocou no Novo Banco ou que tenha uma visão de prazo para a gestão dos ativos do Novo Banco. O que significa que nós nos arriscamos a duas coisas: a perder o dinheiro público que já lá pusemos, por um lado e, por outro lado…

Isso são os bancos que têm de pagar, é o fundo de Resolução que tem de devolver o dinheiro ao Estado.

Os bancos têm de pagar… Eu lembro que se dizia que os bancos iam pagar em dois anos e depois a dívida dos bancos foi restruturada e já vai em 20. E eu pergunto se alguém acha que daqui a 20 anos os bancos vão pagar ou se [risos] os bancos vão ter uma qualquer crise financeira, entretanto, e nós já os pagámos a eles todos muito antes, sequer, de eles entregarem esse dinheiro. Portanto, eu acho que é bom, a bem da honestidade, nós começarmos a falar da banca como ela é, em vez de estarmos a falar como se fosse algo de estável daqui a 20 anos. Não é verdade! Sem controlo público, isso não é verdade.

Mas, responda-nos se puder, vai levar este assunto ao Parlamento para ser o Parlamento, para ser uma maioria parlamentar a decidir?

Nós achamos que assim deve ser e vamos usar os mecanismos que estiverem ao nosso dispor para isso. É preciso que as pessoas compreendam que os bancos não são entidades abstratas. Ou seja, quando a Lone Star ficar com o Novo Banco e os contribuintes com o prejuízo, a Lone Star, além de ter dado o calote aos contribuintes, porque nunca vai pagar o dinheiro que está no Fundo de Resolução, vai ficar na sua mão com o poder de destruir ou não postos de trabalho, capacidade produtiva de empresas, deitar famílias para fora das suas casas de habitação porque não conseguiram pagar os seus créditos por causa de situações de desemprego, etc. E, portanto, o Estado corre o risco de ficar com o buraco do Fundo de Resolução, mais o problema económico da capacidade produtiva destruída, mais o problema social do desemprego ou das pessoas que foram despejadas das suas habitações. Os bancos e os ativos dos bancos são, em boa medida, muito concretos e os custos da sua má gestão são custos económicos e sociais. E entregar isso a fundo-abutre norte-americano é uma autentica irresponsabilidade, não só do ponto de vista do Fundo de Resolução, mas também do ponto de vista do longo prazo.

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