“Não vemos o governo a andar em matérias que estão na posição conjunta e no seu programa”

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Diário de Notícias

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, fala do governo num tom critico a propósito da venda do Novo Banco, da legislação laboral que “não anda” e do défice conseguido com “forte contração do investimento”.

O dirigente do Partido Socialista, Porfírio Silva, propôs que PS, Bloco, PCP e PEV conversem entre si para elaborar uma agenda para a década. Um acordo, portanto, bastante mais alargado do que aquele que existe. Faz sentido, para o Bloco, iniciar esta conversa?

Nós temos uma conversa em curso, que ainda não está acabada e que nós queremos executar. As diferenças entre o Bloco e o Partido Socialista são conhecidas, do ponto de vista do desenvolvimento do país, da sua relação com a União Europeia; não foram ultrapassadas pelo acordo que fizemos. Mas o acordo que fizemos tem matérias que precisam de um grande desenvolvimento e que são fundamentais para o futuro. Desde logo, as matérias que dizem respeito ao Estado Social e aos serviços públicos. E são matérias nas quais ainda não começámos a trabalhar, essas e a agenda de direitos laborais. E, portanto, não precisamos de uma nova agenda, mas precisamos seguramente de uma nova determinação para cumprir a agenda a que nos propusemos, principalmente nestas duas matérias: serviços públicos e direitos do trabalho.

Em termos concretos, em que é que se traduzem essas duas grandes preocupações?

Do ponto de vista do trabalho, não temos exatamente as mesmas posições, mas tínhamos a convicção comum de que é preciso contratação coletiva. Da nossa parte, isso exige algumas alterações na legislação laboral porque a contratação coletiva começou a diminuir em Portugal: passou de dois milhões de trabalhadores para 200 mil, quando também houve alterações na legislação laboral para diminuir essa contratação coletiva.

Mas aí o PS está de acordo, nessa área específica.

Não está porque ainda não alterou a legislação. Há depois matérias que estão no próprio programa do governo, nomeadamente o fim do banco de horas individual, que faz um abuso sobre as horas extraordinárias de quem trabalha e transforma… aliás, é um quotidiano terrível. Nós vivemos num país em que quem trabalha, trabalha horas demais e temos muita gente a precisar de emprego e que não tem. E, portanto, essa é uma matéria que está no programa do governo e que ainda não avançou. E há outras matérias: sobre a precariedade, nós temos um plano que está a andar, mas estamos ainda na parte de diagnóstico – precisamos ainda da parte mais difícil, mais dura, que é depois a concretização que permita que as pessoas tenham vínculos laborais decentes -; e há a parte sobre a penalização das empresas que recorrem à precariedade. Ou seja, está no próprio programa do governo uma penalização, em sede de Taxa Social Única, das empresas que têm uma rotatividade muito grande de trabalhadores. E nós ainda não vemos o governo a andar nesta matéria. São avanços de legislação laboral que fazem parte das posições conjuntas e do programa do governo.

Isso é, portanto, aquilo de que o Bloco de Esquerda se reclama ainda credor da ação governativa que faz parte do acordo que tem firmado com o Partido Socialista?

O acordo foi fruto de uma negociação, como é fruto de uma negociação aquilo que vamos fazendo em conjunto. A questão dos direitos laborais é essencial em Portugal. Nós vivemos num dos países com salários mais desiguais, com o salário médio mais baixo, em que as pessoas trabalham mais horas por ano, em que as condições de trabalho não nos orgulham. Não podemos estar orgulhosos, enquanto país, da condição de trabalho da maior parte das pessoas. E, portanto, a legislação do trabalho tem de ser uma prioridade, porque é a forma de redistribuir riqueza, é a forma de criar emprego, é a forma de as pessoas serem respeitadas e, portanto, é essencial à democracia. E depois há outra parte, também, que tem a ver com os serviços públicos. Nós precisamos de investimento nos serviços públicos para eles poderem funcionar. Ou seja, o acesso das pessoas ao Serviço Nacional de Saúde está dependente de investimento no Serviço Nacional de Saúde, o acesso, a qualidade da escola pública está dependente de investimento na escola pública. As questões da justiça, sendo muito complicadas, estão mais complicadas ainda por falta de investimento. E o acordo que nós fizemos tinha uma parte importantíssima e que está cumprida, que é que não haveria mais privatizações dessas áreas centrais – que era o que estava previsto, aliás, no programa da direita: PSD e CDS queriam entregar a privados uma série de áreas que são o coração do Estado Social e dos serviços públicos. Mas não chega! É agora preciso que eles funcionem e, portanto, falta-nos o investimento. Nós temos, neste momento, escolas com baldes quando chove. Não é assim que se aprende em Portugal! Por exemplo, no setor da saúde, para recuperar os equipamentos que estão obsoletos – porque, como não houve investimento estes anos todos. Para dar conta dessa necessidade de substituição dos aparelhos de ressonância magnética são precisos 800 milhões de euros. É um investimento que tem de ser feito.

“Seria um erro se o governo decidisse as PPP na Saúde sem um debate no Parlamento”

Nas parcerias público-privadas da saúde, haverá nesta legislatura decisões sobre Cascais e Braga e o governo defende, neste caso, que elas não terão de passar pelo Parlamento. O Bloco vai fazer o que puder para derrotar o Executivo no Parlamento?

Para sermos claros, se o governo fosse do Bloco de Esquerda, nós não estávamos a pôr em cima da mesa só as PPP de Braga e Cascais; estávamos a pôr em cima da mesa todas as PPP do país. O Bloco tem uma postura clara: as PPP foram contratos ruinosos para o erário público e que não deram nada ao serviço público, na nossa opinião. Agora, exatamente, o governo não é do Bloco de Esquerda, é um governo do Partido Socialista. E o que o Bloco de Esquerda desafia o Partido Socialista a fazer é: nos dois casos em que não há nenhum problema de litigância em tribunais, que são contratos que estão a chegar à frente, que se faça o que é razoável, o que corresponde até a uma expectativa de mudança à esquerda no país – que é a expectativa e que é maioria dos votos que fez sentir das eleições e que permitiu esta solução – e que se acabem com as PPP. A PPP de Cascais, que é a primeira acabar, para termos uma ideia, custou mais ao Estado, do que custaria o mesmo hospital gerida do ponto de vista público, em 50 milhões de euros.

Mas não é verdade para o caso de Braga.

É verdade.

Os dados que existem é que Braga é um dos hospitais mais bem geridos do país, naquela dimensão.

Não, quando se compara na dimensão, os hospitais PPP recebem mais por serviço do que os hospitais públicos. O que acontece é que nos hospitais públicos não se separa a infraestrutura da gestão: é o hospital como um todo. Nestes hospitais há uma PPP da infraestrutura, da construção, e outra PPP da gestão e, portanto, separamos as contas, coisa que não fazemos nos hospitais públicos. E, portanto, no hospital público, quando vemos o dinheiro de uma operação, vemos o dinheiro que custa todo o aparelho, o edifício do hospital existir, toda a maquinaria, todos os profissionais necessários para fazer aquela cirurgia; quando falamos da PPP de gestão, retiramos tudo o que tem a ver com a infraestrutura e só estamos a falar do custo daquela cirurgia como se fosse isolada e, portanto, as contas não são comparáveis.

O governo diz que se a melhor opção, ou seja, a mais barata, pela mesma qualidade ou melhor qualidade for pela parceria público-privada que a manterá.

Claro. Mas isso partiria de um princípio que era que os privados trouxeram um qualquer conhecimento de gestão para os hospitais do SNS que o SNS não teria. E, de facto, isso não é verdade. Porque o que os privados fizeram foi ir buscar as pessoas que geriam hospitais públicos e contratá-las para gerir os hospitais. Ou seja, os privados não trouxeram nada. Porque é que os privados vieram para a gestão dos hospitais públicos? Não foi porque trouxessem um know-how de gestão, porque não trouxeram – foram buscar ao SNS; não foi porque ficassem mais baratos, porque não ficam – custam o mesmo mais o lucro que têm de ter; não trouxeram melhor trabalho em rede colaborativa entre os hospitais, porque têm uma visão muito mais dos indicadores só do seu hospital e, portanto, temos aquelas situações de mandarem doentes mais caros para outros hospitais do SNS que não são PPP e recusarem ou, pelo menos, terem muito mais resistência a aceitar doentes que vêm de outros hospitais e, portanto, são problemas no SNS e na sua capacidade colaboração. Fizeram-no porque os privados da saúde queriam ganhar escala, em Portugal; para o setor privado da saúde ganhar [escala]. Ou seja, isto não tem a ver com o interesse público, tem a ver com o interesse de um setor privado, na saúde, para se instalar. E há quem ache, como por exemplo o senhor Presidente da República, que é importante que exista um setor forte privado da saúde em Portugal. O Bloco de Esquerda acha que essa não é uma prioridade do Estado, não deve ser uma prioridade dos contribuintes, não nos interessa. Mas mesmo que acreditássemos nisso – que nós não acreditamos -, convenhamos que o setor privado da saúde já cresceu muito, em Portugal, e que é completamente inaceitável que continuemos a pagar a existência de um setor privado da saúde em Portugal. Aliás, António Arnaut – que é presidente honorário do Partido Socialista, considerado um dos fundadores, o pai do SNS – já o avisou e bem: quanto mais cresce o setor privado da saúde em Portugal, mais ataca o SNS. Ou seja, neste momento, o setor privado é uma esponja que está a levar recursos públicos, mas também a própria massa crítica profissional, para o setor privado, está a viver porque faz contratualizações com o Estado, seja nas PPP, seja as contratualizações para meios diagnósticos, seja as contratualizações para cirurgias, etc., com dinheiro público e está a minguar os hospitais do SNS. Isto é um problema! E é um problema tão mais grave que agora está em cima da mesa a abertura de uma universidade de medicina privada em Portugal. E eu devo dizer que o Bloco vê com muita preocupação quando percebemos que, ao mesmo tempo que a Ordem dos Médicos e o governo decidem numerus clausus tão baixos para a saúde e não deixam os alunos que querem estudar Medicina poderem estudar Medicina para termos médicos, depois veem com bons olhos e temos até ter um secretário de Estado que pode star presente na inauguração de uma universidade privada de Medicina. Andamos a brincar, por um lado, com os estudantes que querem ser médicos e, por outro lado, com os recursos do SNS em nome, mais uma vez, do crescimento de um setor privado da saúde. E o Bloco de Esquerda não vai estar de acordo com isso e vai usar todos os seis meios para parar aquilo que consideramos que é uma sangria de meios do Serviço Nacional de Saúde para o setor privado.

E isso significa que vão levar o tema à Assembleia da República. Não havendo necessidade de ser feito com decreto-lei, um projeto de resolução não tem poderes vinculativos. Vão ter de se conformar com isso?

Não temos de nos conformar com nada. Temos de fazer o debate político e a disputa política como sempre fizemos. Fazemo-lo de uma forma muito clara.

Mas vai exigir que a decisão passe pelo Parlamento ou não?

Seria um erro se o governo o fizesse sem debate. Eu acho que ninguém no país compreenderia se o governo entregasse hospitais públicos a grupos privados sem sequer essa discussão ser tida no Parlamento como deve de ser.

“O processo de inclusão dos precários tem de ser levado a sério”

Portanto, essa discussão será feita no Parlamento. Olhando para outra matéria em que também há um acordo à esquerda, que tem a ver com os precários no Estado. Há pouco estava a falar da precariedade – o Bloco, aliás, lançou um cartaz no país contra a precariedade no Estado e nos privados. A verdade é que o governo já disse – esta é uma das bandeiras do Bloco de Esquerda -, o governo já disse que há constrangimentos orçamentais e, portanto, isso significa que pode dar-se o caso de nem a todas as necessidades permanentes vir a corresponder um contrato efetivo. Tem isso negociado com o governo?

Nós temos um acordo feito com o governo, é um acordo com duas partes: uma tem a ver com combater a precariedade no privado, outra no público. No privado, é uma alteração da lei de combate à precariedade que permite que os mecanismos automáticos, que já existem para recibos verdes, sejam fortalecidos, para proteger os trabalhadores e para quando a Autoridade para as Condições do Trabalho vê que há uma situação de dissimulação do vínculo laboral, com um falso recibo verde, poder atuar e automaticamente haver um vínculo laboral com um contrato permanente dessas pessoas; e isso ser alargado a outras formas de dissimulação – contratos a prazo que são ilegais, falsos outsourcings, etc. E, por outro lado, reforçar claramente os meios da Autoridade para as Condições do Trabalho, que é a única forma de sermos efetivos. E, do ponto de vista do Estado, fazer um diagnóstico da precariedade no Estado, encontrar unidades que façam serviço a serviço, ministério a ministério o apuramento de quantos lugares no quadro é que devem ser abertos. Essas unidades, por pressão do Bloco de Esquerda, terão representação sindical também e, portanto, serão também uma instância de recurso para todos os trabalhadores que sentem que a sua situação não foi contemplada. E, depois, a vinculação das pessoas, com um concurso que tenha em atenção a necessidade de respeitar quem já está naquela função há muito tempo de forma precária. Porque a ideia é vincular quem trabalha de uma forma precária para o Estado – tanto o Estado Central, como as autarquias, como o setor empresarial local e central. Este é um processo que terá o seu tempo. Nós gostaríamos que fosse mais rápido, terá o seu tempo. A ideia é que em outubro tenhamos já gente vinculada por este processo. E nós achamos que este é um processo que tem de ser levado a sério. E levado a sério significa que todas as necessidades permanentes terão de ter um contrato permanente.

Mas quando ouve membros do governo a lembrar que há constrangimentos orçamentais e que é preciso ter isso em conta…

O que é que significa estes constrangimentos orçamentais? Por exemplo, no Centro Hospitalar do Oeste, que contrata todo o tipo de trabalhadores para o hospital, desde as pessoas que tratam das limpezas até administrativos, através de uma empresa de outsourcing, a empresa de outsourcing recebe um milhão de euros além dos salários dos trabalhadores. Não faz absolutamente nada a não ser passar recibos de contrato, ou seja, não organiza nenhum serviço, não faz nada. Porque é que o Estado está a gastar esse milhão de euros com essa empresa? Porque é que isso não são salários de trabalhadores com contrato permanente? Ou seja, nós não estamos a falar de contratar mais gente, embora o Bloco ache que é preciso mais gente em muitos serviços públicos, mas isso é uma outra discussão. Em relação àquilo de que estamos a falar agora, é dar um contrato permanente a quem já está a trabalhar. E, portanto, o problema orçamental – sendo certo que, nalguns casos, não pode ficar tudo na mesma com a entrada para a Função Pública – não é um argumento de que vamos contratar mais não sei quantas pessoas e que vamos gastar mais esses salários todos. As pessoas já estão a trabalhar, as pessoas já estão a receber o seu salário.

O Estado já está a gastar dinheiro. A questão tem a ver com o compromisso que o Estado, enquanto entidade patronal, assume. Por exemplo, escolas: a ideia de que vai haver, em três anos, menos 700 ou 800 turmas pode pressupor que vai haver uma necessidade menor de professores e isso significa que, se houver um contrato efetivo, depois as escolas passam a ter professores a mais.

Portugal tem poucas qualificações. Eu percebo o problema demográfico da escola, em Portugal. Mas veja bem: nós temos menos qualificações que os outros países, o ensino obrigatório foi passado há pouco tempo para 12 anos, temos de estender o pré-escolar, que ainda não chega a todas as crianças, e temos o problema da qualificação de adultos. Portanto, dizerem-me que nas escolas há gente a mais ou que temos problemas de ter gente a mais…

Pode vir a haver…

…é ter uma visão pequenina do nosso país. Ou seja, não só o país tem de ter condições para que haja natalidade, para que haja imigração e que possa fazer também a sustentação demográfica do país – é assim que ela é feita e que deve ser feita também -, como, objetivamente, Portugal tem necessidades de qualificação tão grandes e de alargamento tanto do pré-escolar como das qualificações entre o 9º e o 12º anos, que nós temos nenhum problema de excesso de professores, nem vamos ter nos próximos tempos. Muito pelo contrário.

“O défice foi conseguido com uma enorme contração no investimento e nos serviços públicos”

Continuando a falar de constrangimentos orçamentais, mas numa outra perspetiva. Eles acabaram por provocar “um pequeno milagre”, ou seja, o défice mais baixo da democracia portuguesa, que foi, aliás, conseguido com o primeiro governo apoiado pela esquerda. Há razões para o Bloco de Esquerda comemorar esta meta ou, pelo contrário, há razões para o Bloco ficar apreensivo pelo facto de o governo ter ido além daquilo que era exigido pela Comissão Europeia?

Nós não somos muito dados a milagres. E também é bom dizer que os números do défice provam aquilo que o Bloco vinha dizendo, ou seja, não há consolidação orçamental sem crescimento económico e sem emprego. A austeridade é inimiga da consolidação orçamental, porque cria desemprego, porque mata a capacidade produtiva do país, porque cria recessão. Portanto, desse ponto de vista, os números do défice vêm provando aquilo que o Bloco de Esquerda vinha a dizer. Ainda bem! Por outro lado, os números do défice mostram também que o governo, para conseguir cumprir determinadas metas europeias – que, ainda por cima, não são cumpridas na totalidade, porque toda a gente sabe que fazemos de conta que não existe o problema da dívida pública, que não se resolve sem uma restruturação e não há nenhuma política económica do nosso país que a vá resolver sem uma restruturação, porque ela tem a ver com a crise financeira internacional, com as assimetrias do euro e, portanto, não podemos resolvê-la noutros sítios que não nestes. Mas é feita por uma enorme contração no investimento e por uma enorme contração dos serviços públicos. A diferença entre 3% de défice, que já serviria para Portugal sair do Procedimento de Défice Excessivo, 2,1% são 1.600 milhões de euros. Estes 1.600 milhões de euros seriam por exemplo, voltar aos anteriores escalões de IRS, que são tão importantes para recuperar o rendimento das famílias; ou então, por exemplo, seriam os 800 milhões de euros de que precisamos no Serviço Nacional de Saúde para substituir equipamento obsoleto e para pararmos de estar a pagar aos privados aquilo que devíamos estar a fazer no Serviço Nacional de Saúde; ou para recuperar as escolas que estão fora do plano, agora, de recuperação do governo e onde há crianças e jovens a estudar e que têm ser recuperadas.

E tem mantido conversas com o governo sobre isso? Estão a trabalhar para, de facto, haver mais investimento público e menos preocupação como défice?

O Bloco de Esquerda preocupa-se com o défice. Às vezes há uma ideia de que nós não temos nenhuma preocupação com o défice…

É a diferença entre o valor do défice estar abaixo dos 3% ou estar no 1,7%, que é a previsão do governo…

O problema é saber qual é o objetivo. Ou seja, nós achamos que os países devem ter défices baixos. O problema é que nós reconhecemos que o nosso país não será capaz de controlar o problema do défice sem resolver o problema da dívida e é preciso uma restruturação da dívida porque nós gastamos mais em juros da dívida do que em todo o Serviço Nacional de Saúde e, portanto, estamos aqui num problema insolúvel. Porque um país deve ter contas saudáveis, é isso que nós defendemos. Agora, nós temos conversado com o governo, seguramente, sobre a necessidade de haver investimento nos serviços públicos e de haver investimento que possa criar emprego. Porque, se já foi provado, como o caminho até agora, que a recuperação de rendimentos era boa para a consolidação orçamental, é também lógico que o investimento será bom para a consolidação orçamental. Um país que funciona melhor é um país que tem contas públicas mais fortes. E, portanto, é preciso dar esse…

Como é que será possível fazer isso com uma meta que aponta para um défice de 1,7%, sendo que, entretanto, haverá uma parte da recapitalização da Caixa – e já vamos falar disso – que vai entrar no défice e, portanto, a pressão durante 2017 vai ser enorme e não se vai cumprir, muito provavelmente, o 1,7%, porque não é possível se entrar dinheiro da capitalização da Caixa?

Um dos maiores problemas de termos tido um défice tão baixo o ano passado é a pressão europeia para um défice ainda menor este ano e, portanto, haver um garrote maior sobre o investimento e sobre a capacidade dos serviços públicos de responderem. É por isso que o Bloco de Esquerda acha que é um erro querer-se ser sempre o bom aluno da Europa, ou seja, o bom aluno das más políticas. São políticas que estão a provocar problemas económicos, democráticos, sociais etc. por toda a Europa e este governo mantém o consenso europeu, digamos assim, que existe entre a direita conservadora e os socialistas europeus para cumprirem estas metas impossíveis e que não permitem aos países reconstruírem as suas economias como é preciso. Isso preocupa-nos. No Bloco de Esquerda achamos que a governação deve ser feita para contas saudáveis, que as contas saudáveis não se medem pelo défice ou só pelo défice, medem-se pela forma como se chega a esse défice e medem-se, seguramente, pelas questões do endividamento externo. E o endividamento externo português mantém-se alto e, portanto, as questões sobre, por exemplo, a fatura energética ou o problema das importações se devem pôr e o Bloco tem trabalhado muito sobre isso. E devo dizer que temos trabalhado com o governo, ou seja, há pontos em que temos trabalhado juntos. Esta semana, o governo reduziu para metade os subsídios às elétricas porque aprovou a proposta do Bloco de Esquerda sobre a garantia de potência no Orçamento do Estado. Portanto, há matérias que pareciam intocáveis aqui há uns tempos – [risos] quantas vezes é que a troika dizia que era preciso mexer nas rendas da energia e nunca se mexeu – e que agora estão a andar. E, portanto, reconhecemos isso e esse é um trabalho conjunto que ainda bem que fazemos. Agora, é certo que para haver…

Não deixa de ver um tom crítico nalgumas das políticas do governo…

Para existir, a prazo, uma redução do endividamento externo do país é preciso não só ter a capacidade de investimento como de restruturar a dívida pública e isso será uma consolidação das contas públicas muito mais sustentável a prazo e muito melhor para a economia do que estar a cumprir números europeus que, de facto, significam muito pouco sobre as condições concretas da nossa vida e da nossa economia.

Mas aí o governo já disse que só fará essa discussão quando a Europa a estiver a fazer em conjunto, que não a fará unilateralmente.

É um erro, porque é uma discussão sempre adiada.

Provavelmente será, mas sem o Partido Socialista e o governo também não é possível fazer essa discussão.

Não significa que não possa haver uma alteração até das maiorias sociais, em Portugal, sobre essa matéria. Eu lembro que há quatro anos ou cinco quando o Bloco de Esquerda falava destas matérias falava sozinho e chamavam-nos caloteiros. Agora, não há nenhum economista, da direita à esquerda, que não reconheça, a bem da honestidade…

Que não fale da dívida pública.

…que é preciso restruturar a dívida pública.

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