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Observador
Com relatório que é “manta de retalhos”, Parlamento encerrou inquérito ao Novo Banco. “Fraude política” da resolução e venda dividiu partidos e houve dedos apontados às elites por causa de devedores.
Houve conclusões para todos os gostos, algumas contraditórias entre si, como assinalaram os deputados do CDS, Cecília Meireles, e o socialista João Paulo Correia que até leu algumas. Repetiu-se a acusação de “fraude política” na resolução do BES e na venda do Novo Banco e o seu contrário e houve muitas considerações sobre as elites, a propósito dos devedores que foram interrogados pelos deputados sobre as dívidas que deixaram por pagar e o quanto isso custou aos contribuintes.
Mais de dois meses depois de terminados os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, as polémicas, que marcaram as centenas de alterações propostas e um relatório que perdeu o relator e a coesão, já estavam frias. Sobretudo em tempos de crise política à volta de uma proposta orçamental que, pela primeira vez desde 2018, não tem um tostão para injetar no Novo Banco.
A fraude política e o seu desmentido
Algumas dessas polémicas reacenderam esta sexta-feira nas declarações dos deputados que protagonizaram o inquérito parlamentar. A conclusão que qualifica de “fraude política” a forma como foi apresentada a resolução do Banco Espírito Santo em 2014 pelo Governo do PSD/CDS foi uma delas.
O deputado social-democrata, Hugo Carneiro, tentou desmontar a tese que resultou “de um convénio do PS com a esquerda”, assinalando que o melhor argumento contra “essa grande falsidade está nas afirmações do então relator (o deputado do PS Fernando Anastácio), que contrariamente à sua bancada afirmou que “não existe nenhuma fraude política”.
A deputada do CDS foi mais longe ao afirmar que a tese da fraude política não é um incómodo para os partidos que suportaram o Governo de Passos Coelho. “É mentira, e reescreve a história”. Para Cecília Meireles não foi uma fraude, foi sim uma “rotura” face à prática dos governos de José Sócrates que o “PS quis esconder”.
Essa foi uma das conclusões destacadas pela esquerda. Para Duarte Alves do PCP a comissão de inquérito mostrou a “fraude política que foi a resolução do PSD/CDS” quando se criou a ideia que seria possível resolver os problemas do BES com a injeção de 4,9 mil milhões de euros que criou o Novo Banco. O socialista João Paulo Correia invocou o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, com uma das declarações que marcou este inquérito para sustentar a tese de que o Governo que veio a seguir não tinha alternativas à venda realizada em 2017 com encargos para o Estado. “Se vou vender fruta parcialmente apodrecida não posso contar com a generosidade do comprador”. E em 2014 tinham prometido que o Novo Banco era “um banco sem custos”.
Para Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda, uma das conclusões que fica do inquérito é a de que os políticos (que estiveram nos governos do PSD/CDS ao PS) não foram capazes de ser transparentes com o país. Todos sabemos hoje que a resolução sem custos foi uma mentira contada aos portuguesas. Mas isso diz respeito também à venda feita em 2017 à Lone Star pelo Executivo do PS.
Foi “desmentida a ficção da venda sem custos para os contribuintes”, remetendo para a auditoria do Tribunal de Contas sobre a qualificação fundos de mais de três mil milhões de euros injetados no Novo Banco. Venda que “permitiu à gestão do Novo Banco Banco maximizar as injeções do Fundo de Resolução (mais de três mil milhões de euros) e promoveu a venda a “um fundo abutre com uma estrutura opaca”. E nem a comissão de inquérito conseguiu descobrir “quem manda no Novo Banco”, neste caso, quem são os últimos beneficiários da Lone Star.
A luta de classes no ataque às elites e à natureza parasitária do grande capital e a defesa do empresários
Mariana Mortágua aproveitou para responder ao “deputado Cotrim de Figueiredo” que tinha iniciado o período de declarações sobre o inquérito parlamentar atacando a “propaganda” do Bloco de Esquerda. Segundo o deputado da Iniciativa Liberal, o BE quis criar a ideia de “que todos os empresários são corruptos com o desfile de devedores arrogantes”, narrativa que a Iniciativa Liberal “quer desmontar”.
Para a deputada do Bloco, os depoimentos como os de Bernardo Moniz da Maia, Luís Filipe Vieira e Nuno Vasconcellos tornaram claros os mecanismos usados por grandes devedores para escapar às dívidas. Não representam todos os empresários, são uma elite política que foi beneficiada pelas privatizações e a liberalização financeira. E não é preciso propaganda para o demonstrar, já que cada vez que se sentam a responder num inquérito “fica à vista de todos a arrogância e o sentido de impunidade”.
O tema já tinha sido sublinhado na intervenção do comunista Duarte Alves, para quem a comissão teve o mérito “de dar visibilidade a negócios ruinosos do BE e do Novo Banco, pondo a nu a natureza parasitária do grande capital que não confundimos com as pequenas e médias empresas. Que só foi possível com cobertura do PS e do PSD e com as privatizações e a liberalização da banca”.
A discussão sobre os devedores marcou também uma bicada do Bloco de Esquerda ao Chega quando Mariana Mortágua apontou na direção de “uma elite económica protegida pelo PS, PSD, e CDS e que se sente bem nas hostes do Chega.” André Ventura que não esteve na comissão de inquérito contra-atacou incluindo o Bloco de Esquerda “nas elites que destroem o país há 47 anos”, numa intervenção pontuada por várias interrupções dos bloquistas. Mariana Mortágua pediu para distribuir uma investigação jornalística sobre os financiamentos de empresários ligados ao BES/GES ao partido Chega, à qual André Ventura respondeu com documentos (a entregar) sobre todos “os terroristas” nas lista do Bloco de Esquerda.
O relatório desta comissão de inquérito resultou “numa manta de retalhos em que todos têm conclusões em que se reveem, mas no qual ninguém se revê em todo as as conclusões porque algumas são incoerentes”, sublinhou Cecília Meireles que atira culpas para o PS de ser responsável por uma “narrativa parcial” de ajuste de contas entre governos e governadores. Na defesa socialista, João Paulo Correia lê duas das conclusões que aponta como contraditórias:
- As condições de venda do Novo Banco não permitiram a maior salvaguarda do interesse público.
- Com a venda, o Governo criou condições para impedir a liquidação do banco e preservar a estabilidade financeira e o interesse público.
Apesar de todas as polémicas, o social-democrata Duarte Pacheco concluiu que a grande maioria dos deputados se reviu neste relatório, com a exceção de uma força política. “E percebo porquê. O mais importante era salvar o vosso querido dr. Centeno”. Para a deputada Cecília Meireles, e apesar do fim que não a dignificou, a comissão de inquérito “teve muita utilidade. Foi possível descobrir atos que originaram as perdas, detetar erros graves da supervisão e perceber o acordo de venda que tornou previsível que os milhões de euros do Estado continuassem a ser injetados no Novo Banco.”
E no essencial todos estiveram de acordo sobre as responsabilidades apontadas aos devedores, gestores e supervisor bancário — e que foram confirmadas com a entrega à comissão de inquérito do relatório Costa Pinto sobre a atuação do Banco de Portugal no processo que resultou na resolução do BES. Duarte Alves mandou ainda recados ao presidente do Novo Banco, António Ramalho, que acusa de escrever um artigo de opinião “lamentável” questionando as conclusões da comissão de inquérito.
O deputado do PAN, Nelson Silva, destacou que o partido conseguiu fazer valer a conclusão de que o Banco de Portugal “falhou em toda a linha” no que toca à relação com o BESA (Banco Espírito Santo Angola), lamentando que os deputados do PS e do CDS tenham inviabilizado a audição de Rui Pinto que poderia ter trazido novos dados sobre as operações fictícias que lesaram o banco angolano do BES (e o BES) em 600 milhões de euros.