Novo Banco fora da solução para os lesados do BES

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Diário de Notícias

Costa assinou memorando de entendimento com lesados, reguladores e banco, prevendo solução até maio. Não diz quem paga

Dentro de um mês (“até ao início de maio”) terá de haver um acordo que, no todo ou em parte, irá ressarcir quem perdeu dinheiro comprando papel comercial do BES (ou das suas holdings Espírito Santo International e Rioforte).

O prazo foi imposto através de um “memorando de entendimento” assinado ontem na residência oficial do primeiro-ministro entre a associação representativa dos lesados do BES, a CMVM, o Banco de Portugal, o presidente do BES mau, Luís Máximo dos Santos, e o próprio chefe do governo, António Costa. O acordo não diz, porém, de onde virá o dinheiro para pagar aos lesados. Por exclusão de partes, a solução não deverá passar pelo Novo Banco (o banco bom que nasceu da resolução do BES), que não se encontra entre os subscritores do documento.

Nessa resolução, as dívidas nunca pagas pelo BES aos clientes que compraram papel comercial (títulos de dívida) ficaram nas contas do BES mau – o banco que herdou os ativos tóxicos da instituição liderada até ao verão de 2014 por Ricardo Salgado. Sem ter de pagar aos lesados, o Novo Banco fica livre de encargos que contribuam para influenciar negativamente a venda do banco.

O comunicado ontem divulgado a explicar o memorando de entendimento diz que “o governo apoia o esforço comum de procura de soluções para minorar as perdas dos investidores e acompanhará [o processo] como promotor, observador e facilitador do diálogo”, visando “a procura de soluções consensuais”. Essa “procura de soluções consensuais” será feita por via extrajudicial, embora nenhum lesado do BES esteja obrigado a desistir de ações nos tribunais que estejam pendentes.

Depois da assinatura, Ricardo Ângelo, presidente da associação dos lesados, elogiou a mediação “brilhante” de António Costa neste processo, sublinhando também a “coragem e hombridade” de Carlos Tavares (presidente da CMVM) e até a presença no acordo do governador do BdP, Carlos Costa, em relação ao qual fez um mea culpa (aparentemente pela forma muito crítica como a associação dos lesados se relacionou com ele). As perdas dos lesados do papel comercial do BES – estão em causa 2084 subscritores e um valor de 432 milhões de euros – provocaram “suicídios, divórcios, mortes precoces e falências de empresas”. A assinatura, ontem, do memorando de entendimento representa “o princípio de um bom fim”. O que se procura agora é “uma solução justa, equitativa e equilibrada”.

O primeiro-ministro enfatizou que “a via extrajudicial” também é um caminho para a solução de conflitos e para que se “faça justiça”. “Estamos bem cientes de que ao governo não compete resolver litígios, mas compete não fechar os olhos aos conflitos e oferecer-se para facilitador”, acrescentou, dando ao mesmo tempo garantias de que o governo não irá “tomar partidos”. “Encontrar uma solução reforça a confiança dos cidadãos no sistema financeiro”, disse ainda.

Lesados do Banif protestam

A intervenção do governo já provocou uma reação agora dos lesados do Banif. “Parece-me que a assinatura de um memorando visando a discriminação de um grupo de credores do BES ofende o bem jurídico subjacente ao art.º 229 do Código Penal. Se a lei censura o devedor que favorece um credor por relação aos demais, não se entende que o governo patrocine caminhos que conduzem ao favorecimento de credores, com exclusão dos demais”, disse ao DN o advogado dos obrigacionistas lesados do Banif. Para Miguel Reis, “nada justifica, nem do ponto de vista jurídico nem do político, que o governo, o Banco de Portugal e a CMVM favoreçam e privilegiem os chamados lesados do papel comercial por relação aos demais credores, nomeadamente aos obrigacionistas e especialmente aos emigrantes, que foram, na sua maioria, enganados pelos mesmos funcionários do BES que hoje estão no Novo Banco. Talvez estejamos perante uma manobra de propaganda não explicada”.

O advogado não tem dúvidas de que com um acordo que abranja apenas um grupo de credores, “com exclusão dos demais e num quadro em que o Banco de Portugal pretende que nem sequer os tribunais podem proferir sentenças contra o Novo Banco, que é quem tem o património do BES, estaremos perante um violento atentado ao Estado de direito”. E acrescenta: “Não se entende que o Banco de Portugal tenha deliberado que todas as contingências da relação com o BES passem a ser da responsabilidade deste e não do Novo Banco e que, em paralelo, assine acordos com uma associação com a qual não tem litígios judiciais. E menos ainda que o governo patrocine um acordo deste tipo.”

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