Perspetivas para a defesa dos lesados com a resolução do Banco Espírito Santo
Tenho acompanhado, desde a primeira hora, a amargura dos pequenos investidores em ações e títulos de outra natureza comercializados pelo Banco Espírito Santo.
Há pessoas que perderam tudo o que tinham investido no banco do Cristiano Ronaldo, acreditando mais neste e no seu prestígio do que na D. Inércia.
Todos acreditaram que eram verdadeiras as garantias dadas por altos dirigentes políticos, começando pelo Governador do Banco de Portugal e acabando no Presidente da República.
Ninguém alguma vez duvidou dessas pessoas, verificando-se agora que todos mentiram quando afirmaram que o BES era não só uma banco sólido mas também um banco com uma forte almofada de liquidez.
Mas resolveram o quê? – perguntou-me um consulente de Nova Jérsia, que
ouviu falar da medida de resolução.
Expliquei-lhe que resolveram liquidar o banco, à semelhança do que aconteceu na América ao Lehman Brothers.
O processo de resolução é, no essencial, um processo de falência e liquidação de património.
Há uma verdade que é incontornável: o BES, por mais voltas que levem os processos a que deu origem, acabou.
Uma das mais valiosas marcas portuguesas – a marca BES – foi lançada ao lixo, de um dia para o outro, sem que se acautelasse o seu valor que, segundo Expresso, era de 640 milhões de euros.
De um ponto de vista jurídico é duvidoso que as deliberações aprovadas pelo Banco de Portugal respeitem a lei; e, por isso mesmo, são previsíveis ações de impugnação dos atos administrativos do Banco de Portugal e ações de responsabilidade civil contra pessoas coletivas e contra pessoas individuais responsáveis pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes que têm a sua raiz na referida resolução.
O artº 217º do Código Penal diz o seguinte:
“Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
A pena é agravada, nomeadamente, se o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado ou se a pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica.
Há pessoas que foram enganadas até á última hora, não vendendo ou comprando ações até ao dia 1 de agosto inclusive, porque tão altos responsáveis garantiram que o BES era um banco com uma almofada de mais de 2.500 milhões, para além do exigido pelas regras vigentes no sistema financeiro português.
O Banco de Portugal poderia ter adotado várias medidas de intervenção corretiva, sendo certo que não o fez em tempo. E ainda no dia 30 de julho de 2014 afirmava que considerava que estavam reunidas as condições para a continuidade da atividade do banco.
O certo é que o BES cessou a sua atividade, que passou a ser exercida por outro banco e está obrigado a suportar os custos de uma administração que é da confiança de quem decidiu a sua destruição.
O essencial dos seus valores ativos foi transferido para um banco de transição, sem que se saiba como será feita a contabilização a débito deste e a crédito do banco originário.
A estrutura, as instalações, a organização do BES foi, literalmente, confiscada pelo Banco de Portugal, a beneficio de uma outra sociedade comercial – o Novo Banco S.A. – dirigida, curiosamente, por um grupo de administradores que foram escolhidos, por cooptação pela administração do próprio BES.
Tudo isto é de legalidade mais do que duvidosa.
Tem um sabor de saque ou de corso, que não está na tradição portuguesa.
Vem o Banco de Portugal batendo na tecla de que a falência (que aqui se chama resolução) das instituições financeiras deve ser suportada prioritariamente pelos acionistas e pelos credores da instituição de crédito, nos termos do disposto no artº 145º-B do RGICSF, excluindo-se expressamente os depósitos garantidos.
Mas parece querer esquecer que há ativos e que estes não podem ser confiscados nem destruídos.
Os milhões com que o Fundo de Resolução entrou para o capital do Novo Banco são o capital do novo negócio.
Mas é óbvio que os valores transferidos para o Novo Banco não são dele propriedade nem podem ser roubados ao BES ou dados a quem quer que seja.
A única esperança que podem ter os investidores do BES reside na divisão do que sobrar, depois de cobrados os créditos e pagas as dívidas.
Os investidores, que podem perder tudo, têm o direito de exigir uma liquidação limpa, até ao último cêntimo.
Por isso se afigura elementar que, desde o início, haja uma escrita limpa, que permita esclarecer o que é de cada uma das entidades e o que é que as pessoas escolhidas pelo Banco de Portugal vão gastar.
Todos sabemos que estes momentos são propícios para os abutres.
As questões jurídicas suscitadas por esta operação, que a um tempo se assemelha a uma conquista, um assalto e um confisco, são mais do que muitas.
Mas, em boa verdade, as questões mais relevantes são de outra natureza, relevando mais da contabilidade do que de auditorias, que nem são independentes nem, por regra, merecem qualquer crédito, feitas como são sem contraditório, para produzir os resultados que se encomendam.
Todos os adjetivos servem, por regra para enganar.
Tem-se falado muito de auditorias forenses, que é coisa que não existe. Nos tribunais, nas casas da justiça, fazem-se perícias colegiais e os peritos estão sujeitos a impugnação.
Tem-se falado, também, de entidades independentes, quando, muitas delas têm, como dizia Jean Paul Sartre, as mãos sujas até aos cotovelos.
É o triste estado a que chegamos.
Lisboa, 2014-08-16
Miguel Reis