Patrão do BES ‘ofereceu’ casa no Dubai a gestor madeirense

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Diário de Notícias da Madeira

O antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado, entregou um apartamento na Infinity Tower, no riquíssimo emirado árabe do Dubai, a João Alexandre da Silva, o gestor que representou o banco na Madeira durante muitos anos. Os procuradores do Ministério Público (MP) entendem que aquele imóvel avaliado em 2 milhões de euros, presumivelmente entregue sem pagamento e onde o madeirense vive há três anos, foi um prémio pelo seu papel facilitador num negócio com o regime de Hugo Chávez, que levou empresas públicas venezuelanas a injectarem 750 milhões de dólares nas empresas do Grupo Espírito Santo e fazerem circular pelo BES fluxos financeiros de valor ainda mais elevado.

Este é o quadro indiciário que consta num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa do passado dia 9 de Novembro, que manteve as medidas de coacção aplicadas ao gestor bancário, o qual se encontra em ‘prisão domiciliária’ desde o início do Verão, à conta do processo denominado ‘Universo Espírito Santo’.

Cartas em mão para Caracas

A investigação teve início há três anos e os magistrados do MP ainda não concluíram a acusação. Mas acreditam que o antigo director bancário deu uma ajuda fundamental ao banco de Ricardo Salgado na captação de fundos públicos controlados pelo governo de Chávez. Como? O inquérito assenta no cenário de João Alexandre ter corrompido figuras políticas de primeira linha na Venezuela que, mediante recebimento de elevadas comissões, deram ordem a empresas públicas para injectarem centenas de milhões de euros nas pré-falidas sociedades do Grupo Espírito Santo. Os fluxos financeiros destas empresas no ‘universo Espírito Santo’ chegaram a atingir os 8,2 mil milhões de dólares no período de 2009 a 2011.

No inquérito apurou-se que era João Alexandre quem levava para Caracas, em mão, as cartas que o presidente do BES enviava com instruções para os responsáveis públicos venezuelanos que conseguiam mobilizar tais montantes. Há até uma carta enviada por Ricardo Salgado a Hugo Chávez.

Presumivelmente também passariam por si os pagamentos de comissões a tais responsáveis. Ao actuar deste modo, o gestor madeirense terá alegadamente incorrido na prática de inúmeros crimes de corrupção. Também é suspeito do crime de branqueamento, pois, entre 2009 e 2013, supostamente ajudou à implementação de uma solução para ocultar o fluxo de pagamentos superiores a 124 milhões de dólares a figuras públicas de primeira linha na Venezuela, com recurso a 39 sociedades, fundos e contas no Panamá, Suíça e Dubai. Tais pagamentos eram efectuados através das contas da ‘ES Enterprises’, uma offshore das Ilhas Virgens Britânicas que é conhecida como o ‘saco azul’ do grupo BES, por supostamente servir para transferir dinheiro para angariadores e facilitadores de negócios.

Outros 25 suspeitos

Há indícios de que o gestor madeirense de 57 anos recebeu prémios pelo seu papel de facilitador. Além de receber o já citado apartamento de luxo no Dubai, o MP suspeita que Ricardo Salgado pagou-lhe somas avultadas. Só num ano e meio (entre Fevereiro de 2011 e Junho de 2013) caíram-lhe na conta 1,3 milhões de euros oriundos do grupo BES, isto além de transferências mensais de 7.500 euros.

João Alexandre terá determinado que outros funcionários do BES recebessem igualmente dezenas de milhares de euros com origem no ‘saco azul’ do grupo. Aliás, nos negócios com a Venezuela participaram outros 25 arguidos e suspeitos, portugueses e estrangeiros.

Por outro lado, o MP também imputa a João Alexandre a concretização de um esquema fraudulento para iludir as autoridades do Dubai, que, em 2013, quiseram saber a origem da fortuna depositada em contas abertas em nome de sociedades ‘offshore’ ou de pessoas politicamente expostas. Para fintar as autoridades, tais montantes foram transferidos para a Sucursal Financeira Exterior da Madeira do BES, da qual era director-geral.

Dinheiro ganho como consultor

O acórdão dá também a conhecer as justificações que João Alexandre apresentou aos procuradores e ao juiz Carlos Alexandre no primeiro interrogatório. O gestor garantiu que os montantes que recebeu são relativos a serviços prestados a clientes portugueses e estrangeiros pela empresa de consultoria Tebas, que constituiu no Dubai. Esta versão não convenceu nem o MP nem o juiz, já que aparentemente nunca comunicou nem pediu autorização para desenvolver tal actividade de consultor à sua entidade patronal (BES/Novo Banco) ou às autoridades de supervisão bancária.

O mesmo arguido assegurou que diversos fluxos financeiros não foram da sua responsabilidade mas sim de outros decisores no grupo Espírito Santo e prometeu apresentar “justificação cabal” numa fase mais avançada do processo. As explicações que deu foram consideradas “incongruentes” e “incompatíveis com a normalidade do acontecer”, o que contribuiu para que tanto o juiz de instrução como os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa decidissem que o arguido não poderia ficar em liberdade dados os factos pelos quais se encontra “fortemente indiciado”.

Vai continuar ‘preso’ em casa porque pode fugir

João Alexandre está em ‘prisão domiciliária’ num apartamento do 5.º andar do condomínio de luxo ‘Espaço Amoreiras’ (em Lisboa) desde que foi detido no final de Junho passado e vai continuar nessa situação nos próximos meses. Foi essa a decisão que tomaram os juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa a 9 de Novembro, depois de rejeitarem um recurso do cidadão madeirense.

A 28 de Junho de 2017, João Alexandre foi presente ao juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, que decretou as medidas de coacção de obrigação de permanência na habitação e proibição de contactar por qualquer meio com os outros arguidos ou com pessoas envolvidas nos factos em investigação no caso ‘Universo Espírito Santo’. O MP justificou estas medidas (e depois o magistrado judicial confirmou-as) pelo perigo de fuga do arguido, visto que tem residência permanente no Dubai e, até por obrigação legal, terá de permanecer naquele emirado pelo menos metade do ano. Também haveria o perigo de perturbar a investigação e continuar a actividade criminosa.

A defesa de João Alexandre contestou e disse que se o arguido quisesse fugir já tê-lo-ia feito. Lembrou que o arguido foi detido e sujeito a buscas a 22 de Junho em Madrid e notificado para comparecer no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) em Lisboa a 28 de Junho, onde se apresentou de forma voluntária. Por outro lado, como os seus filhos vivem em Portugal isso seria uma garantia de que regressaria sempre ao nosso país e não procuraria escapar à justiça. Disse ainda que deixou de trabalhar no Novo Banco (ex-BES), o que impediria a continuação da actividade criminosa.

Contudo o MP considerou que existe mesmo perigo de fuga e apontou factos que apontam nesse sentido. Recordou que a ex-mulher de João Alexandre admitiu aos investigadores que este se preparava para ir viver definitivamente para o Dubai. O procurador também desconfia da viagem que o arguido realizou a 19 de Junho do Funchal para Lisboa e depois para Madrid, isto quando as autoridades portuguesas e espanholas preparavam buscas para o dia 22.

Crimes de que é suspeito

O antigo director do BES na Madeira é arguido pela suspeita de prática de inúmeros crimes de corrupção de agentes públicos internacionais, com prejuízo no comércio internacional (pena até 8 anos de prisão), branqueamento (até 12 anos de prisão) e corrupção passiva e activa do sector privado (até 3 anos de prisão).

As amigas venezuelanas

São identificadas 11 empresas públicas que injectaram milhões nas empresas da família Espírito Santo: petrolífera PDVSA, PDVSA Finance, PDV Insurance, Banco del Tesoro (gere o Fonden – Fondo Nacional para el Desarrollo Nacional), Electricidad de Caracas, Electricidad del Caroni, Banco de Desarrollo Económico y Social (Bandes), Corpoelec, Carbozulia, BancoEx e Oficina Nacional del Tesoro.

Divórcio para pôr bens a salvo?

Em Dezembro de 2014, João Alexandre divorciou-se da cidadã madeirense com quem esteve casado 33 anos e que é mãe dos seus três filhos, todos já adultos. Esta decisão da vida pessoal aconteceu depois de se saber que os negócios do ‘Universo Espírito Santo’ estavam sob investigação. Por isso, o Ministério Público acredita que este divórcio e a subsequente partilha de bens tiveram como única finalidade colocar o património acumulado pelo casal a salvo de um eventual arresto judicial.

No interrogatório, o gestor madeirense afirmou que, quando está em Portugal, pernoita de favor em casa da sua ex-mulher ou dos filhos, ou então em hotéis.

Já saiu do Novo Banco

João Alexandre Rodrigues da Silva nasceu a 3 de Novembro de 1960 na freguesia de S. Pedro, Funchal. Tem 57 anos. Recebeu uma indemnização para deixar o BES/Novo Banco em Maio de 2017, um mês antes de ser detido.

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