Quedas do BES e do Banif podiam ter sido evitadas

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Diário de Notícias

Estatuto social” dos banqueiros, pruridos ideológicos e desejo de disfarçar necessidade de mais um resgate levaram a ignorar problemas

Uma análise mais rigorosa à banca portuguesa na etapa final do resgate teria exposto necessidades financeiras bem além “dos recursos finitos” do programa de ajustamento, necessidades que exigiriam “potencialmente” o avanço de um segundo resgate em 2014.

A conclusão é de Nicolas Véron, do think tank Bruegel, um dos peritos a que o Gabinete Independente de Avaliação do FMI recorreu para avaliar a atuação do próprio Fundo no resgate a Portugal. A “perceção” dos técnicos era a de que as necessidades da banca iriam exigir um novo resgate à economia, “matando” a saída limpa. Este buraco no financiamento já vinha do início do programa: em 2011, “e dada a vontade de fechar o resgate e com o menor financiamento possível”, as necessidades da banca foram parcialmente ignoradas, diz Nicolas Véron. Em 2011, a troika emprestou 78 mil milhões a Portugal, dos quais 12 mil milhões para a banca.

Uma das razões para a menor atenção dada às necessidades da banca foi a oposição do Banco de Portugal ao recurso a um avaliador externo, como o FMI queria. O Banco de Portugal não quis que essa função saísse “das mãos das autoridades portuguesas”. Se os técnicos “tivessem insistido em avaliações independentes aos balanços dos grandes bancos, e se tivessem colocado mais ênfase aos problemas do setor, as quedas tardias do BES e do Banif talvez pudessem ter sido mitigadas ou até evitadas”. E se estes problemas tivessem sido atacados, a economia teria crescido mais.

Entre as razões que levaram a troika a optar por não aprofundar ou forçar análises independentes à solidez do sistema financeiro, também concorreram os pruridos ideológicos, o desejo de não hostilizar o Banco de Portugal, apesar de este já acumular “lapsos de supervisão” nos casos BPP e BPN, e até o “elevado status social” de alguns banqueiros – “vários dos entrevistados salientaram que os principais banqueiros tinham um elevado status social em Portugal, pelo que o FMI não teria grande apoio caso questionasse a solidez das instituições”. E foi por culpa de toda esta “parcimónia” que os problemas do BES e do Banif, apesar de “conhecidos desde 2011”, acabaram por não ser atacados em tempo útil.

A avaliação ao FMI foi feita pelos peritos tendo por base entrevistas a técnicos do Fundo e da CE envolvidos no resgate mas também a portugueses. Das entrevistas e da análise às decisões tomadas, saiu uma vasta lista de erros de atuação do FMI e também das restantes autoridades e supervisores.

Para os avaliadores, o FMI errou logo no diagnóstico ao problema português, excessivamente focado nas contas públicas e pouco na banca. “A falta de assertividade do FMI na análise ao setor financeiro pode ter resultado de uma combinação de fatores ideológicos, políticos e práticos”, combinação essa que, por exemplo, “criou relutância em considerar a nacionalização parcial ou total da banca comercial do país”, apesar de então já serem evidentes algumas más práticas.

Voltando aos bancos que colapsaram depois da “saída limpa”, os avaliadores apontam que foram vários os entrevistados – do FMI, Comissão Europeia e do governo português – que apontaram ter dúvidas em relação à solidez do BES já em 2011 mas que “as repetidas garantias dadas pelo Banco de Portugal” levaram a troika a não “ir atrás” dessas dúvidas .

Já no caso do Banif, a avaliação dos peritos contratados pelo FMI aponta que “as várias fragilidades do banco baseado na Madeira já estavam identificadas ” em 2011, na altura do desenho do programa, mas que, mesmo assim, “apenas em 2013 avançou um plano de reestruturação”. E o desfecho deste plano é hoje o conhecido.

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