Citamos
Público Opinião Francisco Louçã
Embora as declarações sobre a inexpugnabilidade do governador do Banco de Portugal seja exageradas – afirmar que ele não pode ser demitido é contraditório com a lei a que obedece – é certo que a doutrina da independência do Banco tem garantido a sucessivos governadores uma margem de manobra confortável.
Mas nem sempre. Já houve um governador que se demitiu por pressão do governo (o governador era do PSD e o governo foi o de Cavaco Silva). E, como é bom de ver, o governador deixou de ser independente, se é que o foi alguma vez: é nomeado pelo governo (Carlos Costa foi nomeado por Sócrates e reconduzido por Passos Coelho), o que desde logo contamina a sua autonomia, mas a mudança mais importante no seu estatuto é que passou a fazer parte de um sistema de bancos centrais, em que obedece a Mari Draghi. Independência pouca, pelos vistos.
Finalmente, a lei determina que o governador pode ser afastado por decisão do Conselho de Ministros, se tiver deixado de ter condições para exercer o seu cargo ou se tiver cometido falha grave.
Na minha opinião, que tornei pública desde há muito, ele cometeu pelo menos duas falhas graves. A primeira foi ter permitido durante um ano inteiro a continuidade de Ricardo Salgado no BES, incluindo emitindo dívida, quando já tinha documentação que demonstrava que o GES estava falido e que portanto toda a operação era um risco sistémico, se não uma fraude. A segunda foi ter acordado com Maria Luís Albuquerque nada fazer quanto ao Banif enquanto durasse a campanha eleitoral, arrastando as suas dificuldades por uma conveniência política. O Governador devia ter sido demitido por qualquer destas duas falhas graves.
Se o vai ser ou não, logo saberemos. Para já, o governo parece preferir mostrar-lhe que não tem condições para continuar e esperar que ele saia pelo seu pé. Só que não parece que vá sair. Manteve-se imperturbável nestes pelos menos dois anos de colapsos bancários, que revelaram a incapacidade do Banco em exercer as suas funções, e é duvidoso que mude de atitude. Lembrem-se os leitores que este Governador escolheu para responsável pela supervisão de todos os bancos o homem que foi administrador do Estado no Banif. Para ele, está sempre tudo bem.
Pode por isso o Governador continuar, se lhe for deixada a escolha.
E teremos então que passar por mais vergonhas, como a do Banco Internacional de Cabo Verde, a operação do BES que foi vendida em Dezembro ao empresário José Veiga. O regulador cabo-verdiano já tinha impedido Veiga de criar um banco no país, depois de consultar o seu congénere português. Pois este congénere, que já tinha dado parecer negativo sobre a idoneidade bancária de Veiga, demorou de Dezembro a meados de Fevereiro, dois meses, para comunicar ao Novo Banco que não autorizava a venda – foi preciso esperar que Veiga fosse detido por suspeita de branqueamento de capitais. Não pergunte porque é que são precisos dois meses (e uma detenção) para tomar a decisão tão evidente. Não pergunte também porque é que o Novo Banco, que depende do acionista que é o Fundo de Resolução, em que o Banco de Portugal tem tido a palavra decisiva, propõe um negócio destes.
Pois é, o Governador do Banco de Portugal até pode continuar. Mas com ele só é certo que continuará a farândola de crises bancárias, de negócios espantosos e de vergonhas na supervisão.